maio 29, 2009

Blog # 363

Um dos juízes de Guimarães, responsável pela entrega de Alexandra à sua mãe biológica russa, diz que está arrependido pelos termos usados no texto do acórdão que redigiu. Faz bem. É um texto muito discutível e questionável. Pode argumentar-se que apenas esteve em causa a aplicação da lei (o que é verdade): mas, se é assim, o juiz podia ter evitado os termos em que a aplica. Deixar decisões tão importantes nas mãos de um juiz capaz de escrever o que está escrito no acórdão é capaz de não ser uma boa ideia. Mas ele está também “surpreendido” com as imagens de Natália a bater em Alexandra na Rússia. Faz mal. Não devia estar. Foi ali, bem perto, que Camilo Castelo Branco escreveu o seu folhetim ‘Maria Não me Mates Que Sou Tua Mãe” – uma história que não entrou nos tribunais.

***

A Teorema reedita os títulos de Italo Calvino. Acaba de sair ‘Visconde Cortado ao Meio’: “Pudesse eu assim dividir ao meio todas as coisas, pudesse assim tudo libertar-se da sua absurda e ignorante inteireza.” Uma fantasia delirante.

***

FRASES

"Porque é que 86% das mulheres portuguesas se masturbam? Porque não posso estar em todo o lado!Solange F., ontem no CM."

"Não vejo a hora de estas minorias oprimidas se poderem casar e ter filhos. Talvez ganhem tino." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

"Não há uma única foto decente do cabeceamento do Messi, que é uma coisa que me chateia." Lourenço A. Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.

Etiquetas:

maio 28, 2009

Blog # 362

Há anos que a Feira do Livro do Porto estava no sítio errado – o Pavilhão Rosa Mota, um lugar fechado, abafado e sitiado. Uma Feira do Livro desta natureza deve ser ao ar livre, na rua, no centro da cidade, perto das pessoas e do ruído. Veja-se a fantástica Feira de Madrid, onde o parque do Retiro fica cheio de pequenas barraquinhas onde o fundo de catálogo dos editores fica disponível para leitores que não querem saber apenas de ‘novidades editoriais’. Aliás, a feira deve ser tão feita de ‘livros a sério’ que, este ano, os organizadores da feira espanhola determinaram que está terminantemente proibida a presença de livros electrónicos. Em Portugal, os nossos provincianos iriam vociferar contra a medida – até porque são mais coleccionadores de ‘gadgets’ do que, propriamente, leitores a sério.”

***

Em quantas casa vivemos? A ‘luso-brasileira’ Leonor Xavier escreve ‘Casas Contadas’ (na Asa), uma autobiografia deliciosa a partir das (treze) casas que habitou. Um tom discreto, uma grande e admirável mulher sempre sedutora. Leiam!

***

FRASES

"Tenho muita pena deste País." Manuela Moura Guedes, sobre as queixas apresentadas à ERC sobre o seu programa. Ontem, no CM.

"Os taxistas do Porto são homens calados. Bravo. Lisboa devia importar taxistas do Porto." Henrique Raposo, no blogue Clube da Repúblicas Mortas.

Etiquetas:

maio 27, 2009

Blog # 361

Cenas de vida e morte (e de amor e desonra) como aquela que aconteceu em Vila do Conde esta semana, davam para um filme que ainda não foi feito sobre a vida dos ciganos em Portugal. Yara vivia com o neto de Miguel Cigano em casa dos pais dela. Os pais de Yara, que suspeitaram que ela estava grávida, foram oficializar o pedido de casamento a casa do rapaz – mas a família deste foi clara: o rapaz já estava prometido a outra, não haveria casamento. Pior: Carlos Boguinha, o pai de Yara, foi morto a tiro e o seu cunhado Romão ferido. A polícia, chamada durante a discussão, tentou o que tentou, mas a tragédia já lá estava, manchando de sangue a rua. O tiroteio vai continuar entre as Caxinas e Vila do Conde. O namorado de Yara negoceia em peles; quanto a Yara, tem apenas 12 anos.

***

No Verão também devemos ler livros terríveis, densos, longos. E bons. É o caso de ‘A Montanha Mágica’, de Thomas Mann, em nova edição (D. Quixote), para acompanhar a vida de Hans Castorp num sanatório das montanhas. São 800 páginas.

***

FRASES

"Não fiquem em casa, não vão de férias, não aproveitem os feriados." Cavaco Silva, ontem, no CM.

"Este é precisamente o apelo que pode fazer com que me estreie na condição de abstencionista." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

Etiquetas:

maio 26, 2009

Blog # 360

Fixem este nome, João Salaviza. Para quem não viu ‘Arena’, o seu filme agora distinguido em Cannes com a Palma de Ouro das curtas-metragens, um conselho: veja, porque faz bem. O júri reconheceu “a emergência de um talento cinematográfico” neste realizador que é andarilho e conhece os humores de Buenos Aires, onde também estudou. Isso ajuda, a distância. O que mais comove é essa distância – a mesma que lhe fornece alimento para uma modéstia inusual e muito produtiva, espera-se. Salaviza pode bem representar uma nova geração que tem aparecido sem mendigar nem vociferar, amando o seu trabalho e tendo na conta bancária sobretudo um enorme talento. Esse capital não se pode desperdiçar. É um bem inestimável e, vistas as coisas, faz a diferença entre gerações. Fixem este nome.

***

João Gonçalves mantém desde há anos um dos melhores blogues portugueses, o Portugal dos Pequeninos. É esse o título do livro (na Bertrand) que vai esta semana para as livrarias. Sobre um Estado sem ponta por onde se lhe pegue.

***

FRASES

"Se eu morrer, lembra-te que te amo muito." Tiago Borges, 22 anos, para a namorada, no acidente num carrossel em Matosinhos. Ontem, no CM.

"No início, e porque sou ecologista, quem mais me irritava eram os nossos ecologistas políticos." Maradona, no blogue A Causa foi Modificada.

Etiquetas:

maio 25, 2009

Blog # 359

Se há dias penosos para a Pátria são estes que se aproximam: os do interregno entre um campeonato e outro. Durante dois ou três meses não há jogos, mas haverá gritaria na mesma, porque a indústria não pode parar e é necessário encontrar heróis em regime de permanência. Nestes meses, e de acordo com os jornais, os clubes portugueses vão contratar centenas de jogadores que não chegam a aterrar em Lisboa, e ganhar milhões com vendas que não vão concretizar-se. De resto, a verdadeira tensão começou ontem, quando a Pátria começou a fazer apostas sobre quem ganha o próximo campeonato. Daqui até Agosto as tribos estão em depressão, fazendo cálculos sobre o futuro. Tudo isto convém ao espectáculo: no Verão todos são campeões – o problema, mesmo, é quando começa o campeonato.

***

O que é o chico-espertismo na política? O que é a ‘biopolítica’ de Sócrates? Leia-se o novo livro de José Gil, ‘Em Busca da Identidade. O Desnorte’ (Relógio d’Água) para perceber o mundo irreal da vida portuguesa e como caímos nele.

***

FRASES

"A sugestão tem muito mais impacto do que a exposição. A cena é a protagonista, não o corpo." Dalila Carmo, sobre cenas de nudez, ontem no CM.

"Um novo objectivo [dos partidos] para as europeias de 7 de Junho: ganhar às sondagens." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.

Etiquetas:

maio 22, 2009

Blog # 358

É menos do que banal dizer-se que a morte de João Bénard da Costa é “uma grande perda para a cultura portuguesa”. Basta ler os jornais de hoje, recordar as televisões de ontem. João Bénard atravessou o século apaixonado pelo cinema. Mas não só: escreveu sobre o país, a liberdade, a arte (belíssimas páginas), o tempo que passa. Tudo isso não tem apenas a ver com a cultura; tem a ver connosco e com o que há-de restar de nós depois de tudo morrer. E, ainda assim, a sua voz, a sua sensibilidade, o seu humor, a sua escrita perduram. Em circunstâncias destas não devíamos, apenas, mostrar-nos gratos – devíamos, também, agradecer mesmo. Às vezes, as palavras não chegam. É necessário olhar mais longe, para essa sombra que toca as coisas essenciais, como um silêncio sem fim.

***

A Divina Miséria” é o título da novela que marca o regresso de João de Melo à ficção (Dom Quixote) e ao universo do seu grande livro, “O Meu Mundo não É deste Reino”. Tem páginas de primeira grandeza e sai para as livrarias em Junho.

***

FRASES

"Uma das consequências da revolução sexual foi o aumento da facturação das agências de viagens." Lourenço A. Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.

"A intimidade, os afectos e a sexualidade não são competências do Estado." Diogo Feio, ontem no CM.

Etiquetas:

maio 21, 2009

Blog # 357

Faz hoje 370 anos que morreu Tommaso Campanella. Frade dominicano, foi preso pelo Santo Ofício espanhol e pelo romano, que o acusavam de heresia. Este homem que estudou gramática, filosofia, teologia, mas também astronomia e medicina, era herege na época em que isso se pagava com a vida – por isso aceitou a oferta de asilo político na França e foi lá que acabou os seus dias, muito íntimo de Richelieu, o grande conspirador. A sua obra maior é ‘A Cidade do Sol’, uma utopia muito semelhante à de Thomas More – e que tinha o defeito (como todas as utopias) de ser demasiado precisa quanto ao modo como os homens se deviam comportar. Perseguido por um terror, Campanella criou outro: o da perfeição utópica vivida numa cidade imaginária. Tão utópica que só o sol poderia habitá-la.

***

José Norton, autor de um magnífico ‘O Último Távora’, acaba de publicar ‘O Milionário de Lisboa’ (Livros d’Hoje), a biografia romanceada de Pedro Quintela do Farrobo, barão de Quintela e Conde de Farrobo, Inveja, é o que eu sinto.

***

FRASES

"Com os apagões, toca a fazer meninos. Sem electricidade, somos todos Cicciolinas em potência." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"A directora veio acusar-me de ser pago para defender a professora e disse para estar quietinho." Aluno da Escola 2+3 Sá Couto, em Espinho, ontem no CM.

Etiquetas:

maio 20, 2009

Blog # 356

O ministro da Cultura, que é poliglota, tem alguns problemas quando se trata da língua portuguesa – não em matéria de expressão, que é correcta e urbana, mas em questões de julgamento. Em Vinhais, anteontem, o ministro quis ser simpático e caracterizou como ‘loucos’ os mirandeses que falam mirandês. Nem toda a gente percebeu a analogia com a aldeia gaulesa de Astérix, mas a questão não pode resumir-se à loucura de uns irredutíveis que, inclusive, traduziram ‘Os Lusíadas’ para o mirandês. Cada língua que morre, dizia George Steiner, é um pedaço de humanidade que desaparece. O ministro não parece ser sensível (e devia) ao assunto e acha que só se vão defender as línguas “que têm atrás de si um grande número de falantes”. Para um ministro da cultura, isto é gravíssimo.

***

Inês Pedrosa, Helena Marques, Rodrigo Guedes de Carvalho, Alves Redol e Trindade Coelho são alguns dos autores escolhidos pela Leya para a próxima saída da sua colecção de livros de bolso, a Bis. Sexta feira estarão nas livrarias.

***

FRASES

"Também cá há uns loucos portugueses que vivem em Miranda do Douro e que falam outra língua." Pinto Ribeiro, ministro da Cultura, ontem no CM

"Há quem não possa ver um microfone passar à frente..." Vasco Lobo Xavier, no blogue Mar Salgado.

Etiquetas:

maio 19, 2009

Blog # 355

Há menos de quinze dias morreu Idea Vilariño, uma poeta fundamental da geração de Mario Benedetti, que na mesma altura entrara doente no hospital. Benedetti morreu anteontem, em Montevideu. Sabemos pouco dele em Portugal, mas vale a pena dizer que é o autor de ‘A Trégua’, um romance belíssimo e perturbador que passou ao cinema como uma pequena obra-prima. Do Uruguai vêm vozes de uma literatura importante; mas Benedetti é quase tudo – poeta, ficcionista, ensaísta curioso, voz de uma geração que acreditava na literatura. Não se ficou pelos lugares-comuns (como o compatriota Galeano) nem se permitiu o ressentimento, apesar do exílio e das perseguições. Era um poeta simples, maravilhado: “Não é só o rio que não se repete/ Nada pode ser contemplado duas vezes/ nos teus olhos.”

***

Li o primeiro capítulo do novo romance de José Eduardo Agualusa, ‘Barroco Tropical’ (Dom Quixote): construção soberba, uma mulher caindo do céu – iluminada pelos relâmpagos e por uma escrita belíssima. Vai chegar às livrarias.

***

FRASES

"A exibição da intimidade é, na maior parte dos casos, ridícula, e, nos que sobram, pior." Paulo Tunhas, no blogue Cachimbo de Magritte.

"O seio esquerdo de Bárbara Guimarães passou a noite a congeminar planos de fuga, mas sem sucesso." Rogério Casanova, sobre os Globos de Ouro, no blogue Pastoral Portuguesa.

Etiquetas:

maio 18, 2009

Blog # 354

Periodicamente, o Parlamento ou o Estado em abstracto querem legislar sobre “educação sexual”. Que a matéria trate de doenças sexualmente transmissíveis ou da prevenção sobre a gravidez adolescente; todos estamos de acordo. Convinham também umas luzes sobre “relacionamentos” porque há dados preocupantes sobre a violência no namoro. O problema é que as nossas leis têm sempre um preâmbulo teórico que estraga as boas intenções. Era bom que se evitasse o exórdio e resumissem a coisa. Se querem distribuir preservativos, que chamem os centros de saúde e técnicos à altura; se querem evangelizar e ser moderninhos, que se abstenham. A sociedade – isto tudo, à volta – está cheia de sexo. Na tv, no cinema, na moda, na música, tudo se banalizou. Devia era haver uma lei sobre o pudor.

***

José Carlos Barros, poeta, um transmontano no Algarve, com um primeiro romance: ‘O Prazer e o Tédio’ (Oficina do Livro). Um folhetim sobre como não há inocência num mundo sensual de mulheres na província. Não perca, sai em Junho.

***

FRASES

"As mulheres sabem para onde vão e para onde querem ir, fumam e choram, como eu." Segismundo, no blogue Albergue dos Danados.

"O PS com maior intenção de voto... Isso quase traduziria um exercício de masoquismo." Nuno Melo, CDS, ontem, no CM.

Etiquetas:

maio 15, 2009

Blog # 353

Uma escola do Pinhal Novo decidiu, em Assembleia de Escola, proibir o uso de ‘tops com decotes pronunciados, minissaias muito curtas e calças descaídas’. O caso não é novo; periodicamente, há escolas que impõem regulamentos sobre o vestuário a não usar dentro dos seus muros – o que suscita alguma risota entre gente cosmopolita e moderna para quem não há mal em as escolas serem uma extensão da ‘vida real’ e das passereles. Ainda não há estudos fiáveis sobre as pandemias hormonais nas salas de aula, mas supõe-se que o estudo da gramática ou de equações de segundo grau exige algum decoro. Matemática ilustrada com decotes e umbigos pode ser uma inovação, tal como boxers à mostra em aulas de biologia e curtas minissaias nas bibliotecas. Os meninos e meninas até podem ir nus.

***

Mesmo os criacionistas devem folhear este livro: ‘A Evolução para Todos’ (Gradiva), de David Sloan Wilson – uma espécie de explicação do mundo a partir da doutrina e das observações de Darwin. Explicação de tudo, facto por facto.

***

FRASES

"Se o Benfica me quiser, vai ser campeão." Mário Jardel, ontem, no CM.

"Só quando comecei a gamar ideias dos blogues consegui alguma pacificação interior." Luís Pedro Nunes, no blogue União de Facto.

Etiquetas:

maio 14, 2009

Blog # 352

Sidney Bechet, um dos grandes do jazz, morreu há 50 anos. Woody Allen, que toca clarinete, recorda-o várias vezes nos seus filmes e Philip Larkin, um dos grandes poetas do século XX, escreveu-lhe uma ode. Saxofonista e clarinetista, Bechet – com esse nome afrancesado teria de ser – nasceu em New Orleans e reinventou a angústia no jazz, ainda que tenha tocado com Louis Armstrong. Sartre, Beauvoir, Vian e tantos outros adoravam-no na Europa; Herman Hesse fez dele personagem de romance. O seu clarinete ou o sax soprano que empunhava num palco cheio de fumo e de escuridão (a luz incomodava-o) tornavam-se então instrumentos de um Deus generoso e inventivo – ele tocava e compunha sobre a passagem do tempo. Ao ouvir os seus acordes é o génio que ouvimos. Ouçamo-lo hoje.

***

Acaba de sair o Volume X da edição crítica da Obra de Fernando Pessoa (Imprensa Nacional): ‘Sensacionismo e Outros Ismos’, com edição de Jerónimo Pizarro, um dos nossos melhores investigadores pessoanos (e colombiano, já agora).

***

FRASES

"A Esquerda é a virtude; a Direita é a dúvida." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"A valorização urbanística sobretudo ao nível das acessibilidades e estacionamento..." Presidente da Associação Comercial de Guimarães, sobre a capital europeia da cultura, ontem no CM.

Etiquetas:

maio 13, 2009

Blog # 351

O presidente da APEL deu uma boa explicação para o facto de haver mais vendas na Feira do Livro deste ano: “É mais barato comprar um livro do que uma viagem e há toda uma literatura de auto-ajuda contra a crise.” Rui Beja tem alguma razão. Não sei se os livros de auto-ajuda são importantes em tempo de crise, mas a verdade é que os livros, em geral, ocupam um pouco do orçamento antes destinado ao consumo que nos levou à crise do crédito e aos excessos que todos reconhecemos. As “elites portuguesas” nunca apareceram na televisão a falar de um livro. Inculta, pobre de espírito, geralmente alarve e pateta, essa gente tanto aparece nas folhas cor-de-rosa como nas páginas de crime. Os seus exemplos são maus. E, diante de tudo isso, a leitura é também um conforto. Uma salvação.

***

A Bertrand acaba de publicar um dos romances mais maravilhosos do século passado: ‘Um Vasto Mar de Sargaços’, da misteriosa inglesa Jean Rhys. Uma história fantástica, tocante, onde o amor e a traição são sempre belos e autênticos.

***

FRASES

"Infelizmente, o povo não oferece garantias de maior." Constança Cunha e Sá, ontem, no CM.

"Os Motherfuckers da Bela Vista querem assaltar multibancos sem serem alvejados na cabeça. É justo." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

Etiquetas:

maio 12, 2009

Blog # 350

A Europa já foi uma pátria de homens livres. Hoje, nem a qualidade dos seus dirigentes (que muito por baixo) nem o conformismo das suas multidões abona essa tradição. O parlamento europeu, por exemplo, discutiu uma proposta para limitar o acesso à internet – o que seria uma ameaça à liberdade e à cultura. A ideia não passou, para pena de Sarkozy e de umas largas dezenas de corporações da indústria (deficitária e sem juízo). Mais valia começarem a copiar Hugo Chávez. Ele é bronco e não passa de um ditador de segunda – mas é claro como a água. Anteontem ameaçou fechar uma cadeia de televisão e deixou o aviso, sem precisar de justificações. Na Europa destes pobres líderes sem prestígio nem qualidade, esforçam-se por encontrar argumentos para o absurdo. É um resto de pudor.

***

Crónicas deliciosas e atentas, um verdadeiro manual para conhecer Londres e a Inglaterra de hoje: ‘Há Raposas no Parque’, de Clara Macedo Cabral (Quid Novi). Lembram-se do blogue ‘Desejo Casar’? Clara escrevia lá – e muito, muito bem.

***

FRASES

"Uma coisa é a crítica outra é a conspiração. Isto irá acabar, ou não me chame Hugo Chávez." Hugo Chávez, ameaçando a TV Globovisión, ontem no CM.

"Trato da imagem dos candidatos. Declaração de interesses: quero que percam. Que sejam derrotados." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

Etiquetas:

maio 11, 2009

Blog # 349

A iniciativa tinha sido anunciada por Isabel Pires de Lima e o actual ministro da cultura confirmou-a: abrir, em Lisboa, um museu dedicado à Língua Portuguesa. Fazem bem. O Brasil inaugurou o seu (e nosso) há uns anos, na velha Estação da Luz, em São Paulo – e é um prodígio a visitar e a usufruir. Uma das lições do Museu da Língua de S. Paulo é o seu financiamento, em parte suportado pelo Estado (a Fundação Roberto Marinho tomou a dianteira). É moderno, arrojado, belo, bem construído, acessível, pedagógico – e os ministérios não têm quase nada a ver com o assunto. Um museu da Língua, ao contrário dos de Etnologia ou de Arte Antiga, tem de estar vivo. Não pode ser propriedade de gramáticos (por um lado) nem de pantomineiros modernos (por outro). É esse o grande desafio.

***

Não perca o novo romance do brasileiro Bernardo Carvalho, ‘O Filho da Mãe’ (Cotovia). Só a abrir o apetite para uma história cheia de Rússia e de literatura: “Quando meu tio foi preso, em 51, minha avó encontrou Anna Akhmátova...”

***

FRASES

"Não há hábitos de leitura naquela casa, pois apenas uma das mesas de cabeceira tem candeeiro." No blogue Ouriquense.

"Introduzir nos jovens o espírito de solidariedade, tal como na camaradagem dos militares...". Manuel Monge, membros do Movimento dos Capitães, ontem no CM.

Etiquetas:

maio 08, 2009

Blog # 348

O Titanic não é apenas uma memória dos perigos do mar – é um emblema do século XX e do regresso da tragédia às nossas vidas. É isso que está à vista na exposição que amanhã abre ao público em Lisboa: o que resta de um monstro de 256 metros de largura e 70 de altura, cuja construção se iniciou há exactamente cem anos. Durante muito tempo (até ao filme com Kate Winslet e DiCaprio), a igreja católica elegeu o Titanic como símbolo da vaidade e da arrogância humanas; a força dos mares teria sido um instrumento divino para nos relembrar a insignificância ou a fragilidade de que somos feitos. Foi da escuridão dos mares vieram os objectos desirmanados que lembram o desafio lançado contra o mar gelado do norte. São eles que compõem a exposição – uma amostra da nossa fragilidade.

***

A propósito do Titanic, deve relembrar-se que Mónica Bello escreveu um livro maravilhoso intitulado ‘A Costa dos Tesouros’ (Círculo de Leitores), sobre as maravilhas e os mistérios guardados nas profundezas do nosso litoral. Belíssimo.

***

FRASES

"Um atentado ao bom funcionamento das instituições democráticas." João Cravinho, sobre a lei do financiamento dos partidos, ontem, no CM.

"As velhinhas do Chiado fumam na Bénard. Penso que as amo. Amo a sua elegância, a sua educação." Alexandre Borges, no blogue União de Facto.

Etiquetas:

maio 07, 2009

Blog # 347

O deputado socialista Ricardo Rodrigues, muito hirto e sóbrio, acha que é normal os miúdos de Fafe serem grosseiramente interrogados por inspectores do Ministério da Educação; grave é a ministra ter sido impedida de visitar uma escola. Estranho. De facto, trata-se do colapso de uma geração vencida. Ah, a graça que eles achavam quando os políticos eram recebidos com assobios e ovos, ou quando os “adolescentes rebeldes”, coitadinhos, mostravam o rabo a Manuela Ferreira Leite. Adoravam quando alguém pespegava uma tarte na cara de um político e orgulhavam-se de passar pela ponte 25 de Abril (durante o bloqueio) sem pagar. Sofriam da euforia dos revolucionários, que os levava a insultar ministros ou a gritar palavrões aos adversários. Agora, não. Agora, respeitinho. Dá pena.

***

O novo romance de Siri Hustvedt (mulher do escritor Paul Auster) trata da saga de uma família americana de raízes norueguesas e chama-se ‘Elegia para um Americano’ (Asa). Em quatro gerações, naturalmente terá muito de autobiográfico.

***

FRASES

"Oliveira e Costa (BPN) merece um lugar na lista dos autores de maiores golpes financeiros do Mundo." Armando Esteves Pereira, ontem no CM.

"A imagem de Vital Moreira de licra, bem apertada, não causa indignação? Não é uma agressão?" Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

Etiquetas:

maio 06, 2009

Blog # 346

Nestes dias de gripe, o melhor é imaginar viagens quase impossíveis. Por exemplo, as de Alexander Von Humboldt, que morreu há 150 anos (exactamente a 6 de Maio de 1859). Este homem foi botânico, geólogo, oceanógrafo, físico, vulcanólogo, filósofo e creio que poeta. Já não há homens como Von Humboldt – não só porque o mundo foi ficando mais estreito mas, também, porque a nossa curiosidade abrandou. Foi sobretudo um grande viajante: percorreu a Europa, claro, mas também a Ásia e a América antes de ter dado uma volta ao mundo com Thomas Cook. Subiu aos vulcões do Peru e acompanhou o curso do Amazonas, conviveu com políticos e coleccionou plantas desconhecidas. Tal como Darwin, levantou suspeitas (os portugueses expulsaram-no do Brasil): conhecia o lado maravilhoso do mundo.

***

Romance para os primeiros dias de praia: ‘As Vinhas da Ilusão’, de Benedetta Cibrario (Porto Editora): uma história de amor, um cenário aristocrata do Piemonte e da Toscânia, a clandestinidade do amor, cosias que interessam sempre.

***

FRASES

"Uma péssima economia e um eleitorado apático podem dar a vitória ao actual primeiro-ministro." Texto do ‘The Economist’ sobre Portugal, ontem, no CM.

"A ideia de que os dois lados da política são a esquerda e a direita já só convence os trouxas." No blogue O Jansenista.

Etiquetas:

maio 05, 2009

Blog # 345

Todas as gerações têm os seus ícones (no plural, felizmente). Vasco Granja é um ícone de várias delas graças à sua presença histórica na televisão (até 1990), lançando-nos no “mundo dos desenhos animados”. Não só: além dos “desenhos animados” também os “quadradinhos”, quando ainda não se chamavam (à maneira francesa) “banda desenhada”. Havia na sua linguagem (lembro-me também de outros ícones, Jorge Alves com o ‘Cartaz TV’, ou Sousa Veloso com o ‘Diário Rural’) uma coisa que desapareceu dos ecrãs: simpatia e empatia puras, generosidade e alguma tentação pedagógica. Granja dirigia-se a nós (‘Boa-tarde amiguinhos...’), e nós respondíamos-lhe à letra, ansiosos, aguardando a melhor parte do programa, os minutos finais. Naquele tempo, a nossa vida cabia nos desenhos animados.

***

A Civilização publica esta semana ‘Conversas de Manhã e de Tarde’, de Naguib Mahfouz (tradução de Badr Hassanein, directamente do árabe) – uma saga desde a invasão napoleónica até aos anos oitenta. Uma crónica sentimental do Cairo.

***

FRASES

"Sócrates explicou que quem insulta Vital tem que pedir desculpa ao PS. Peço já desculpa ao PS." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

"Tudo o que de mal acontecer a estes políticos é bem merecido." António Ribeiro Ferreira, sobre o financiamento dos partidos, ontem no CM.

Etiquetas:

maio 04, 2009

Blog # 344

Ontem assinalaram-se os 540 anos sobre o nascimento de Nicolau Maquiavel (está aí uma excelente tradução de ‘O Príncipe’, de Diogo Pires Aurélio que, coincidência, é assessor do Presidente da República). Mal lida e muito comentada sem ser lida, a obra de Maquiavel ensina (ao contrário do que Rousseau, um patife com imaginação, deixou escrito) que a natureza humana é perversa e que dela podemos às vezes esperar o pior. Aprende-se com Maquiavel, sobretudo, que as utopias são belos retratos do futuro que geralmente resultam em tiranias ou em maus governos – precisamente porque não têm em conta a verdadeira natureza humana e preferem perder-se na contemplação do seu próprio espectáculo de bondade fingida. Nada mais actual, nada mais cruel. Maquiavel está na ordem do dia.

***

Agora, que a América voltou à ribalta, convém ler ‘Walden ou a Vida nos Bosques’, de Henry-David Thoreau (Antígona), um dos fundadores do pensamento liberal e libertário: não são apenas os bosques, é a própria alma. Fundamental.

***

FRASES

"A gripe transmite-se. Há muito que só transmitimos porcarias uns aos outros. Qual é a admiração?" João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

"É gente de circo. Porque eles não percebem que os problemas não se resolvem com espectáculo." Medina Carreira, ontem, no CM.

Etiquetas:

maio 02, 2009

Histórias de aeroporto (2)

Doze horas, creio. Ao fim de doze horas de avião já não me apetecia fumar. Passeei pelo aeroporto – um dos mais «funcionais» do mundo – e comprei jornais para me sentar diante de um pequeno-almoço tardio e de um computador que me desse notícias. Acabei por não fazer nada disso. A noite tinha sido comprida, viajando da Europa para a Ásia, sobrevoando picos de neve e planaltos desertos – tudo matéria invisível escondida pela noite. A primeira luz do dia mostrou um mar fundo e escuro, exactamente como eu lembrava que não era o Índico. Depois, as florestas, densas, escuras, extensas, cobertas de neblina. Litorais onde, do céu, a crista das ondas era apenas uma coroa branca que se desfazia sem definição. E os prédios, altíssimos, de Singapura – os seus canais, as pontes, o brilho metálico dos edifícios, o formigueiro.

O meu vizinho de viagem dormiu pouco, segundo me garantiu. Ele vinha sozinho de Amesterdão para a Indonésia como um predador em busca de diversão barata e de doenças sexualmente transmissíveis; eu adormeci depois do jantar vegetariano, que tomei acompanhado de um comprimido que me garantiu oito horas de sono, a cabeça deitada sobre um livro que havia de perder. E Singapura. Desfiz-me do vizinho, que partiu em busca do duty free, e sentei-me no saguão enorme, amplo e deserto do aeroporto. A zona de fumadores era um terraço de luxo, com vegetação tropical, uma piscina, dois restaurantes e espreguiçadeiras voltadas para uma das pistas onde os aviões se alinhavam e deslizavam para levantar. O meu próximo voo estava marcado para daí a seis horas. O terraço de fumadores era óptimo.

Ao fim de meia-hora, ela – uma mulher madura, bonita, na casa dos cinquenta – levantou-se e veio pedir-me lume. Sentou-se e suspirou. Vinha de Roma, ajeitou o cabelo, ia para Sydney. Eu imaginava o regresso à Austrália, sobrevoando o grande recife de coral, enfrentando a luz do sul maravilhoso – ela regressaria a South Wales depois de duas semanas em Itália. Primeiro, partiu para o funeral da mãe. Era uma cidadezinha a cem quilómetros de Roma. O irmão veio de carro, de Pádua, e o carro despistou-se, na mesma madrugada em que ela chegara a Roma. Morreu. O funeral da mãe e o funeral do irmão. Três dias depois, o pai cedeu a um coração fraco e cansado. Novo funeral, o terceiro. Regressava agora a Sydney e estava sentada ao lado de um desconhecido que também acabara a sua reserva de tabaco, e com quem bebia uma cerveja sob um céu que, de repente, deixara de ser azul e passara a cinza-escuro, pesado, anunciando tempestade sobre as florestas.

“Tenho de continuar a viver. Talvez um dia regresse a Itália, mas não sei”, disse ela antes de acenar e de ir procurar o seu voo. Vidas. Vidas de aeroporto. Eu ainda tinha quatro horas de espera, antes de partir para a Indonésia e poderia alterar o voo, preferindo Denpaasar a Jacarta. Fiquei ali até ele aparecer, sem lume para acender o charuto. Ficou a contar a sua história: um noruguês que casou com uma argentina e que vivia numa ilha daquele lado do mundo. Por isso esperava o avião para Kuala Lumpur; ele falava papiá (kristiang) um dialecto de ressonâncias portuguesas, porque os empregados do hotel que comprara a um inglês que morrera de cirrose eram velhos emigrantes de Malaca.

Daí a duas horas desci para o saguão do terminal do aeroporto. Não fora à cidade, numa daquelas viagens rápidas, de autocarro turístico; voltaria daí a menos de um mês e talvez o fizesse então. Foi ao apressar o passo que choquei com um homem alto e desajeitado, que procurava a saída para o terraço de fumadores. Olhei-o bem e reconheci-o. Tinha-o visto em muitos filmes, atravessando aeroportos da América Latina, desajeitado como ali. Nick Nolte olhou para mim e continuou a apanhar as revistas que lhe caíram da mochila.

in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Maio 2009

Etiquetas:

maio 01, 2009

Blog # 343

Uma das coisas que nos devia preocupar e deixar inquietos é a balbúrdia em que se transformou o Ministério da Educação – fábrica de estatísticas e instrumento de propaganda básica. Uma pena. Uma pena para a educação, para o ensino e para a decência. Com tanto tempo ocupado a fazer política e propaganda, a promover inquéritos disciplinares e a conspirar, é natural que ao Ministério sobre pouco tempo para pensar em assuntos sérios que ultrapassem o tempo imediato e as necessidade do actual ciclo eleitoral. O episódio dos ‘Magalhães’ em Castelo de Vide é um triste acontecimento que o pedido de desculpas do primeiro-ministro não explica nem resume: a confusão entre o partido e o Estado, o Ministério como instrumento do partido. E uma amostra da miséria intelectual reinante.

***

Trinta anos depois, as três bruxas de Eastwick regressam: agora em ‘As Viúvas de Eastwick’ (Civilização), depois da morte do seu genial autor, John Updike. Absolutamente divertido, sensual, melancólico e terrivelmente inteligente.

***

FRASES

"Quando leva o MP3, ele mete o fio por dentro da roupa. Ontem, acho que não o fez." Lurdes Vilar, tia de Ricardo Mata, esfaqueado em Rio de Mouro. Ontem no CM

"Alguém que dê o endereço do clube das virgens à Al-Qaeda; pode ser que fiquemos a ganhar." Lourenço Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.

Etiquetas: