julho 31, 2009

Blog # 408

Um país, para funcionar em pleno, precisa de malfeitores. Quando não os tem à altura (o que dá bem uma ideia do nosso atraso endémico) fabrica-os e, escandalizado, chama-lhes nomes. Depois de anos a ser acusada e apontada como culpada, inclusive pelos seus pares políticos, Fátima Felgueiras foi ontem absolvida pelo tribunal (como já tinha acontecido como Ferreira Torres). Há outros casos. Isso dá ideia de como funciona o país, que fica muito feliz com as indignações e escândalos patrióticos. De qualquer modo, tudo isto resultou num ‘upgrade’: quem se lembra da antiga Fátima Felgueiras e do seu penteado fora de moda? Uma passagem pelo Brasil transformou-a num ícone erótico, modelo da mulher madura, atrevida e corajosa. Na província não há só melros a cantar nas oliveiras.

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‘Indignação’, de Philip Roth, será publicado pela Dom Quixote em Setembro. É uma boa novidade – o livro relembra ‘O Complexo de Portnoy’, um dos seus grandes romances, ainda que sem a sua carga sexual. É um dos nomes para o Nobel.

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FRASES

"É uma proposta para entregar 200 euros à banca, angariando clientes logo à nascença." Bernardino Soares, PCP, sobre a proposta do PS de doar 200 euros por cada filho, ontem, no CM.

"Alguns acreditam que Joana Amaral Dias foi má – e que merece umas nalgadas. Compreendo-os." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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julho 29, 2009

Blog # 407

Há dois anos, neste dia, desapareciam dois grandes vultos do cinema: Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. O primeiro filme de Antonioni foi realizado em 1943 (‘Gente del Po’, a que seguiu, em 1945, ‘Roma-Montevideo’, outro documentário); o primeiro filme de Bergman (‘Crise’) é de 1945. Ambos representam duas sensibilidades e duas culturas do pós-guerra europeu e não há nenhuma ligação entre ‘O Grito’ e ‘Morangos Silvestres’, que são do mesmo ano (1957) ou ‘Profissão Repórter’ e a genial versão da ‘Flauta Mágica’ de Mozart, filmados ao mesmo tempo, em 1974. O retrato da angústia diante da morte em Bergman e a incessante busca de beleza em Antonioni são o que impedem o cinema de ser apenas entretenimento – e ser arte. Bergman e Antonioni foram dois dos últimos românticos da nossa vida.

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Vem aí, em Setembro, para abrir a ‘rentrée’ o novo romance de Richard Zimler, ‘Os Anagramas de Varsóvia’ (Oceanos). Zimler, o autor de ‘O Último Cabalista de Lisboa’ leva-nos ao cenário do gueto de Varsóvia para um romance policial.

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FRASES

"Esses dados... isso não pode ser." José Sócrates, ao ser confrontado com números anunciados pelo seu Governo sobre avaliação de professores. Ontem, no CM.

"Este país está a precisar de dar uma queca. Anda tudo irritado. Anda tudo amuado." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

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Blog # 406

Passaram ontem cem anos sobre o nascimento de um dos escritores mais complexos da nossa memória, Malcolm Lowry. O seu ‘Debaixo do Vulcão’ é um romance prodigioso sobre a perda, o amor, a descida ao inferno – o México. O romance passa-se numa cidade a cem quilómetros da capital, Cuernavaca. Visitei-a há quase dez anos para reconhecer os cenários do filme homónimo (outro prodígio, realizado por John Huston, argumento de Cabrera Infante, com Jacqueline Bisset e Albert Finney), e as suas ‘cantinas’ onde se percebe o aroma do mescal, destinado à perdição. O personagem principal, o cônsul Firmín, é a alegoria do homem ferido de amor e abandonado à sua sorte, enfrentando a morte. Malcolm Lowry é um grande escritor e ‘Debaixo do Vulcão’ um monumento intemporal à literatura. Leiam.

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Atenção fanáticos: a Assírio & Alvim preparou uma edição especial de apenas 60 exemplares, encaderrnados, da coleção completa da revista ‘A Phala’, criada e dirigida por Manuel Hermínio Monteiro. São 600 páginas, são 140 euros.

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FRASES

“Há quem colecione maridos. Eu coleciono psiquiatras. Preferia colecionar maridos." Ana Cássia Rebelo, no blogue Ana de Amsterdam.

“Disseram que dizem muito mal de mim na blogosfera e vim ver se era verdade." José Sócrates, ontem no CM.

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julho 28, 2009

Blog # 405

Ele assumiu o corte entre a dança e as outras artes de uma forma especial: colaborando. Mas assumindo que a dança não representaria nenhuma delas – nem a música, nem a arquitetura, nem a pintura. A noção de que “uma coisa representa outra” é uma das ideias essenciais das “artes clássicas”, para não perder a sua referência ao “mundo real”. Nada disso existe na obra coreográfica de Merce Cunningham: a música desenvolve-se à parte, como outro discurso, e os bailarinos não estão no palco para interpretá-la ou para servi-la. Esta autonomia pode não ser ideologicamente “agradável” – não era isso que ele queria, e sim procurar o fio invisível que liga a geometria do mundo, uma espécie de utopia dos grandes artistas. Aos 90 anos, a morte de Merce Cunningham relembra essa utopia.

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Para assinalar a queda do Muro de Berlim, a Bertrand vai publicar em finais de Outubro ‘O Mundo Perdido do Comunismo - História Oral do Quotidiano do Outro Lado da Cortina de Ferro’, de Peter Molloy, histórias recolhidas na ex-RDA.

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FRASES

"É o primeiro país em que todos podem ter um computador independentemente do seu nível económico." José Sócrates, ontem, no CM-online.

"Barece que Baduela Ferreida Leite esdá co gripe." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

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julho 27, 2009

Blog # 404

Não haveria mal nenhum em José Sócrates ter convidado Joana Amaral Dias para as listas do PS – apenas reconheceria a ausência de talentos nas suas fileiras. Francisco Louçã sugere, no entanto, que Sócrates convidou a militante do Bloco para um cargo na área da Saúde. Também não me parece mal, se não exigisse um apoio público em troca. Joana Amaral Dias é uma profissional competente e faria muito melhor trabalho do que a larga maioria dos diretores-gerais que o governo nomeou por motivos partidários, para construir a sua máquina no aparelho de Estado. O que Sócrates fará mal, e muito, é se lhe passar pela cabeça algum dia nomear para cargos públicos gente que rasteja com vénias, incensando-o com lamechices que o deviam deixar inquieto. A lista é vasta e desagradável.

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Em setembro, a Sextante lançará a sua coleção Portugal Futuro: reunir ideias para o futuro, direção de António José Teixeira. Autores? Para já, Mário Soares, Lídia Jorge ou Cunha Rodrigues. O livro de Soares é ‘Elogio da Política’.

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FRASES

"Louçã chama a isso tráfico de influências. É a estratégia de Sócrates para conservar o poder." Armando Esteves Pereira, ontem no CM.

"Toda a gente sabe que critiquei ferozmente o PS. Seio-o, sobretudo, eu. E não me arrependo." Miguel Vale de Almeida, no blogue Jugular.

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julho 24, 2009

Blog # 403

Amanhã podem ser assinalados dois factos essenciais da nossa história: em primeiro lugar, os 900 anos sobre o nascimento de D. Afonso Henriques; depois, os 870 anos sobre a Batalha de Ourique. Quanto ao nascimento do fundador da nacionalidade, as dúvidas são muitas acerca da data (Julho ou Agosto) e do local (Guimarães, Coimbra ou Viseu) – e é uma pena, embora durante muito tempo se convencionasse ser o dia 25 de Julho. D. Afonso merecia melhor sorte na nossa memória e na galeria de personagens a comemorar. De figura lendária e heroica, colecionada em cromos durante a infância, o primeiro dos nossos reis passou a figura pouco recomendável e sujeita a escrutínio rigoroso. Achamo-lo uma velharia e damos-lhe pouca importância. Parece, muitas vezes, que o país não é nosso.

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Em Agosto, a Teorema vai publicar ‘A Pele da Terra’, romance de Richard Ford (autor de ‘Um Pedaço do Meu Coração’ e ‘O Jornalista Desportivo’) – um autor notável, muito na linha de Cormac McCarthy, a redescobrir em cada oportunidade.

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FRASES

"Ainda está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor do que eu." José Sócrates, ontem, no CM.

"Há mais de dez quinze dias que ninguém se lembra de fazer um manifesto a bem do país." Bernardo Pires de Lima, no blogue União de Facto.

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julho 23, 2009

Blog # 402

A classe média está na ordem do dia, à esquerda e à direita. Infelizmente, a pobre classe média foi esvaziada e assaltada pelo Estado, que engordou nos gastos (à custa da ‘arrecadação fiscal’) e atacou as pequenas economias de onde poderia surgir um módico de segurança e de bem-estar. Era este o segredo dos portugueses de antanho: poupar alguma coisa. Esse mundo foi-se. Os ideológos do Estado vivem à conta da segurança que ele propicia: raramente tiveram necessidade de lutar e de serem criativos para sobreviver. Confundiram essa economia doméstica com a acumulação de capital e desprezaram as pessoas comuns. Na “altíssima cultura” como na política, a classe média é olhada com horror por uma trupe iluminada que já esqueceu como chegou onde chegou, alimentada e próspera.

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O tema não é novo mas, aqui, tem caução unversitária: “Felicidade. Uma Revolução na Economia”, de Bruno S. Frey (Gradiva) – ou de como a avaliação do bem-estar das sociedades não tem a ver com a “economia do crescimento”. A ler já.

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FRASES

"O melhor era acabar com as retenções [chumbos] na escolaridade obrigatória." J. Grancho, da Associação Nacional de Professores, sobre cem alunos terem passado de ano com 8 negativas. Ontem, no CM

"Eu gosto da Ana Gomes, mas é difícil defendê-la da determinação com que dá tiros nos pés." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de um desejo.

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julho 22, 2009

Blog # 401

Uma escola do Minho decidiu não reprovar um aluno que contava nove negativas. As razões aduzidas são férias, têm a ver com o ambiente familiar do jovem que, há três anos, recebe apoio psicológico – e o conselho escolar decidiu que era melhor passá-lo para o 9º ano em vez de aplicar "a retenção", como agora se diz em vez de "chumbo". Nove disciplinas negativas é, no entanto, um número aterrador. O que vai acontecer é que, no 9º ano, o aluno vai repetir o insucesso dos anos anteriores, como mandam as regras e ilustra a experiência. A ideia de que a penalização seria traumática e, vamos lá, injusta, tem os seus defensores – com muita jurisprudência e psicopedagogia, à mistura com caridade vagamente cristã. Infelizmente, sem sensatez ou sentido das proporções. A isto chegámos.

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julho 21, 2009

Blog # 400

Parece que havia um romance, ‘A Última Madrugada do Islão’, de André Ventura, sobre Arafat e uma das teorias da conspiração que rodeiam a sua morte – e sobre o confronto entre o ‘fundamentalismo’ muçulmano e a vida das sociedades ocidentais. Que temas! A Chiado Editora alega que, entretanto, recebeu ameaças que a levaram a adiar indefinidamente a publicação do livro, tendo mesmo pedido pareceres a autoridades islâmicas. Se isto é verdade, trata-se de um erro grave. A editora invoca o seu ‘sentido de responsabilidade’ (especialmente respeitador do ‘fundamentalismo’) para não publicar o livro. Quem correu riscos a sério e desafiou os barbudos que queimavam os ‘Versículos Satânicos’ (não os confundindo com o Islão) só pode rir-se deste episódio que não enobrece ninguém.

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Ideias Optimistas’ reúne textos de cientistas (sobretudo) sobre as suas ideias otimistas para o futuro. Tradução impecável de Jorge Palhinhos, leitura estimulante e até divertida (Tinta da China). Nem tudo pode ser mau no futuro.

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FRASES

"A corrupção e o tráfico de influências, não só são tolerados como premiados nas urnas." António Ribeiro Ferreira, ontem no CM.

"O SLB contratou mais um suplente do Real Madrid. O Bê já não quer dizer Benfica?" José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

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julho 20, 2009

Blog # 399

A história do futuro fez-se também disso, da chegada do homem à Lua. Há exatamente quarenta anos, Neil Armstrong tornou-se o primeiro de nós e pareceu simples: desceu da Apollo 11 e pisou aquele deserto de poeira, rochas e sombras. Quarenta anos depois, o sonho de ocupar o céu continua a reenviar-nos para aquele momento mágico em que a face da Terra era vista de longe. A nossa imaginação foi entretanto desafiada pelo cinema, pela literatura e pela ciência por outras viagens, outros riscos e outros impossíveis. Eu, que vi pela televisão esse momento, admito que haja mais expectativas (Marte, por exemplo), mas a comoção regressa periodicamente ao revivê-lo. Um jardim suspenso no espaço – na Lua, por exemplo – era bem mais útil do que aquilo que temos feito ultimamente.

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Traços de Viagem’ (Bertrand) é o novo livro de viagens (depois de ‘Histórias Etíopes’) de Manuel João Ramos: um mapa que percorre a Tunísia, Espanha, Reino Unido ou Etiópia, com desenhos do autor. A face da terra vista de perto.

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FRASES

"Deus pôs esse dinheiro nas mãos do Real Madrid para contratar o Kaká. E nós vamos poder abrir uma igreja." Caroline Celico, mulher do futebolista Kaká. Ontem, no CM.

"Pior do que homossexual masculino e querer dar sangue, é ter rinite alérgica e espirrar na Fnac." Laura Abreu Cravo, no blogue Mel com Cicuta.

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julho 17, 2009

Blog # 398

Já estamos na temporada dos festivais. Pessoalmente, sou agnóstico – compro discos (ainda sou desses) e ouço música em casa porque as multidões não são propriamente uma boa companhia para distinguir acordes e talentos. As grandes marcas investem nessas multidões de jovens consumidores, mas há festivais que se mantêm por insistência de lunáticos teimosos, como o de Carviçais, que não sei se se realiza este ano; no meio do deserto, aquela barulheira tem o sabor da resistência contra o esquecimento, misturando o som do hip-hop com os melros das amendoeiras. Uma boa parte desses ‘eventos’ de pop e rock conta com apoios públicos, com as autarquias à cabeça, o que é uma festa em ano eleitoral e arrasta consigo a ideia de que a alegria tem não tem preço. Infelizmente, tem preço.

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Outubro’, assim se chama o livro de Rui Bebiano (edição próxima na Angelus Novus) com textos sobre a mitologia da revolução de Outubro de 1917 e de como os intelectuais foram e são seduzidos para a sua memória. Fundamental e inteligente.

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FRASES

"O BE teve uma enorme vitória. A associação de Roseta com António Costa salvou o Luís Fazenda." Pedro Marques Lopes, no blogue União de Facto.

"Estou realmente nu e gosto muito daquela fotografia. Era mais novo." Caetano Veloso, cantor, sobre o documentário ‘Coração Vagabundo’, onde aparece nu. Ontem, no CM.

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julho 16, 2009

Blog # 397

Está aí o novo filme de Harry Potter. O Vaticano deu-lhe a bênção através do seu jornal oficial, relembrando, mesmo assim, que falta uma alusão “ao transcendente”; as autoridades religiosas têm dificuldade em lidar com o fantástico, da mesma forma que algumas pessoas lidam mal com o humor ou a ironia. Harry Potter não é literatura – é pura invenção adolescente, e tenho alguma ternura por J.K Rowling, a autora (por ter sido capaz de inventar aquela galeria de personagens). Como as famílias e ‘a sociedade’ desistiram de dar educação religosa aos seus filhos, as lendas de Harry Potter, como as de ‘O Senhor dos Anéis’, substituem por um tempo as sagas fundadoras tradicionais – elas são a alusão “ao transcendente” e provam que um mundo sem ele é apenas um deserto sem alegria.

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É um título de culto, verdadeiramente: ‘O Leilão do Lote 49’, de Thomas Pynchon, regressa às livrarias pela mão da Relógio d’Água. Pynchon tem uma galeria de fãs e de leitores indefetíveis – o que se justifica. Ele é muito, muito bom.

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FRASES

"As dívidas estão a ser distribuídas aos clientes." Carlos Tavares, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, sobre a forma como o BPP lidou com os seus depositantes. Ontem, no CM.

"O Cláudio Ramos faria uma capa da Playboy mais interessante e apelativa do que a Rita Mendes." Ana Cássio Rebelo, no blogue Ana de Amsterdam.

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julho 15, 2009

Blog # 396

Quem corre atrás das estatísticas acaba a ser devorado por elas. É o que acontece com o Ministério da Educação, que ainda não descobriu que "os números" atrapalham "as estatísticas". Na semana passada, e muito bem, a ministra deixou um ralhete (merecido) aos alunos, acusando-os de não se terem preparado. Agora, treslendo os números dos resultados do 9.º ano, declarou que eles devem encher-nos de orgulho. Toda a gente aceita que o ministério não é responsável pelas notas dos exames, mas os seus responsáveis (com a inestimável contribuição do secretário Valter Lemos, uma luminária) teimam em associar-se porque gostam de boas estatísticas, mesmo manipuladas. Esta trapalhada só serve para tirar qualquer pingo de credibilidade ao ministério da Educação, o que é uma pena.

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"Estrela Distante", de Roberto Bolaño (Teorema), é uma espécie de despedida – para quem leu ‘Os Detectives Selvagens’ (um dos melhores de 2008). O autor não viveu para conhecer o sucesso dos livros, mas nós podemos render homenagem.

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FRASES

"As minhas notas são um espectáculo. Já esperava ter boas notas porque os exames foram fáceis." Guilherme Santos, 15 anos, Viseu. Ontem, no CM.

"Ando a ser seguido no twitter por uma senhora que em tempos me despediu." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

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julho 14, 2009

Blog # 395

Os bastonários das ordens dos Médicos e dos Advogados acham que o Estado abriu vagas excessivas nos cursos de Direito e de Medicina – e que os futuros licenciados irão parar ao desemprego. De certa maneira têm razão. Mas não têm. A premissa de que um curso de Direito dá acesso à profissão de advogado já acabou; e quanto a medicina, havemos de falar. Se atentarmos nas “saídas profissionais” de outros cursos, como “relações internacionais”, sociologia ou “comunicação social”, o caso é pior. Acredito muito mais num pequeno jurista que tenha vontade de concluir o curso de Direito nas condições atuais, do que num bonzo do juridiquês ou num advogado que apenas sonhou com promoção social e um bom emprego. Vai ser uma luta, senhores bastonários. Mas a vida não é fácil, pois não?

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A editora Palimpsesto acaba de publicar uma preciosidade: ‘O Galo de Sócrates’ (não, não é o que estão a pensar), uma pequena história de Leopoldo Alas Clarín (o autor de ‘La Regenta’, essa obra-prima). Este Sócrates é o verdadeiro.

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FRASES

"Não sei porquê, a vida é muito mais difícil para as pessoas de carne e osso." No blogue A Menina Limão.

"O conselho que deixo aos jovens é que fujam dos cursos de Direito." Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados. Ontem, no CM.

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julho 13, 2009

A leitura é uma salvação

O presidente da APEL deu uma boa explicação para o facto de haver mais vendas na Feira do Livro de 2009: "É mais barato comprar um livro do que uma viagem e há toda uma literatura de auto-ajuda contra a crise." Rui Beja tem alguma razão. Não sei se os livros de auto-ajuda são importantes em tempo de crise, mas a verdade é que os livros, em geral, ocupam um pouco do orçamento antes destinado ao consumo que nos levou à crise do crédito e aos excessos que todos reconhecemos. As "elites portuguesas" nunca apareceram na televisão a falar de um livro. Inculta, pobre de espírito, geralmente alarve e pateta, essa gente tanto aparece nas folhas cor-de-rosa como nas páginas de crime. Os seus exemplos são maus. E, diante de tudo isso, a leitura é também um conforto. Uma salvação.

in Booktailors Publishing Magazine # 1 - Julho 2009

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Blog # 394

Amanhã é o dia nacional de França, que assinala o assalto à Bastilha – um dos episódios centrais da Revolução Francesa. Passados exactamente 220 anos, o tema é inspirador apesar da revisão que muitos historiadores têm promovido, sobretudo a partir da análise das influências ideológicas e do período do Terror que se lhe seguiu. O nosso mundo seria diferente se não fosse a revolução francesa e, antes disso, a independência americana de 1776 – mas devíamos ter aprendido alguma coisa com o seu lado grotesco e sanguinário. Os ‘proprietários da revolução’ não queriam limitar-se a fazer justiça: iluminados ‘pela razão’, desprezando o género humano, queriam impor uma ‘nova ordem’. Foram devorados por ela e guilhotinados – exatamente como eles tinham previsto para os seus inimigos.

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A ler neste Verão: ‘O Cão das Ilhas’, de Maria Conceição Caleiro (Sextante), uma história pausada e terna, de perfumes açorianos, entre navios que saem do Havre e recordações de Lisboa e Paris. Bem escrita, comovente, atenta ao pormenor.

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FRASES

"Isto está mais rico em termos humanos, levanta o ego do pessoal." Cabos Martins e Costa, da GNR, que patrulham o Festival Erótico Medieval. Ontem, no CM.

"No nosso país, em tempos de crise, a independência é um luxo, quase uma aberração." No blogue O Jansenista.

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julho 10, 2009

Blog # 393

Cumprem-se hoje 500 anos sobre o nascimento de Calvino (1509-1564), figura emblemática da Reforma protestante e nome indispensável para a cultura religiosa e política europeia. O que resta de Calvino é o ‘calvinismo’ – mais do que as suas ideias, expostas no seu catecismo ou nos comentários à obra de Séneca ou à Bíblia. A sua doutrina era radical, como tudo o que aconteceu nessa Europa do século XVI em luta contra o catolicismo, e chega-nos sob a roupagem do puritanismo, da temperança e da violência com que perseguia os seus opositores, mortos e esquartejados para glória do zelo religioso. Como acontece com todas as utopias, a de Calvino era intransigente e severa – mas o seu legado espiritual (que se desenvolveu nos EUA, na Holanda ou na Escócia) merece ser assinalado.

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Um livro a reter: ‘O Caso das Mangas Explosivas’, do paquistanês Mohammed Hanif (Porto Editora) – o romance obteve o Prémio da Commonwealth e esteve na lista do Booker. Mas não é isso que importa: é mais o seu humor, a sua audácia.

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FRASES

"Estou muito orgulhosa de mim por ter feito isto aos 38 anos." Liliana Campos, apresentadora de TV, depois de ter posado nua. Ontem, no CM.

"Da próxima vez que sair do duche sem enxaguar a espuma do sovaco direito, este blogue acaba." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

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julho 09, 2009

Blog # 392

Dar um passeio pelas caixas de comentários dos jornais e dos blogues a propósito de C. Ronaldo pode ser uma aventura penosa. A euforia da sua chegada a Madrid foi uma espécie de gota de água que fez transbordar o copo do mau caráter nacional. Nunca se viu tamanha indignação pelo sucesso de um rapaz nascido pobre na Madeira e que ficou rico e célebre sem ter roubado um cêntimo aos contribuintes portugueses. Se se compreende o protesto pelo abuso alarve das transmissões televisivas, há a notar, no entanto, esse fenómeno lusitano: a inveja pela sorte de um dos seus. Pelas suas namoradas, pelo seu dinheiro, pela sua fama. Os portugueses não têm apenas dificuldade em admirar os outros; têm também um ódio visceral aos seus. Passam da admiração à abjeção. Desconhecem a sensatez.

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A Relógio d’Água acaba de publicar mais um livro de Slavoj Zizek, ‘Violência’ (excelente tradução de Miguel Serras Pereira): uma arqueologia da violência e da sua presença na linguagem, na religião e no dia-a-dia do nosso tempo.

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FRASES

"E não há nada pior para toda a gente do que o medo do próprio medo." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

"Todos os dias descubro algo divertido sobre o meu corpo. No bom sentido, claro." Sandra Bullock, atriz, ontem no CM.

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julho 08, 2009

Blog # 391

O ministério da Educação (ME) não aprende. Confrontado com a duplicação da taxa de reprovações a matemática no 12.º ano, a resposta oficial foi a de que houve “menos investimento, menos trabalho e menos estudo” por parte dos alunos – o que é uma resposta honesta e louvável. Mas logo a seguir tinha de vir a asneira: o ME atribui “à comunicação social” a despreparação dos alunos por ter dito que “os exames eram fáceis”. Além de não aprender, o ME não tem vergonha: não foi “a comunicação social” que difundiu a ideia – foram professores ou especialistas nacionais e estrangeiros, depois de terem visto os testes dos exames e não antes. A ministra não percebeu que, em vez de festejar estatísticas, – lhe pedimos para dar um ralhete aos alunos. Isso seria bem visto. E seria pedagógico.

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O que é a beleza? É a tentar responder a essa pergunta que o filósofo britânico Roger Scruton (o autor de ‘Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes’) escreveu ‘Beleza’, um texto notável e inteligente, fundamental (Guerra e Paz).

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FRASES

"Os resultados obtidos revelam uma tendência de estabilidade em relação aos anos anteriores." Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, sobre a duplicação das reprovações. Ontem, no CM.

"Ninguém o quer calar, homem. Faça lá a sua cena e habitue-se a ser criticado." Fernanda Câncio, no blogue Jugular, sobre J. Pacheco Pereira.

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julho 07, 2009

Blog # 390

Circula na net e nos jornais mais um manifesto (“Por Uma Cultura Para o Século XXI”) sobre a fraca ou nula atenção que o governo tem dado “à cultura”. Se grande parte das suas premissas estão certas, não se deve esquecer que se trata de um aviso em plena campanha eleitoral, depois de o governo ter empobrecido o setor. Os políticos veem na “cultura” um suplemento de propaganda antes dos votos arrebanhados. De modo que convém separar evidências e promessas. Mais do que uma política “da cultura” (para alegria da legião de subservientes pronta para o beija-mão), era bom que se tratasse de uma política culta, educada e estruturada. Não se trata, ao contrário do que Sócrates disse, de “fazer investimento” (despejar dinheiro). Trata-se de pensar. E ele não tem tempo para isso.

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Sai em julho a terceira edição, revista e aumentada, de ‘Purga em Angola’, de Dalila e Álvaro Mateus (Asa), um documento impressionante sobre que se seguiu ao 27 de maio de 1977. O terror de Pinochet foi uma brincadeira ao pé disto.

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FRASES

"O revólver estava encostado à nuca e atingi-o na cabeça sem querer. Mal caiu, disparei outra vez." David Silva, acusado de ter encomendado a morte da mulher, e de ter morto o assassino. Ontem, no CM.

"Um regime não respira se não tiver entre os seus críticos homens cultos e verrinosos." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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julho 06, 2009

Blog # 389

Maria João Pires decidiu fixar-se em definitivo no Brasil e, ao que se sabe, pedir a nacionalidade. Creio que faz bem – mas aviso-a de que terá muitas desilusões porque o Brasil não é o paraíso e a Bahia não é, de certeza, uma das suas dependências. A pianista está zangada com Portugal porque “o país” não apoia o seu projeto de Belgais – um centro de artes. Não é verdade. O Estado deu alguns subsídios e apoios mas não pode pagar a fatura. Se M. J. Pires acha que Belgais é tão importante e “o país” tão ingrato, devia desafiar “as condições” e “o país” – e não abandonar a iniciativa. Infelizmente, segue o caminho mais banal: sair, em pranto, a queixar-se “das condições”. É pouco original e sem eficácia. “O país” até pode ouvir a sua música, mas não lhe paga os luxos.

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Francisco Teixeira da Mota reúne em ‘O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a Liberdade de Expressão’ (Coimbra Editora), oito casos em que os tribunais portugueses condenaram jornalistas – a Europa absolveu-os em nome da liberdade.

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FRASES

"Gastam-se milhões de euros em legislação da má qualidade." António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, ontem no CM.

"Não tarda nada o Benfica está a celebrar os campeonatos de matraquilhos e de ping-pong." Ana Cássio Rebelo, no blogue Ana de Amsterdam.

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julho 03, 2009

Blog # 388

O parlamento viveu ontem um dia divertido, não por causa do debate sobre ‘o estado da Nação’, mas devido a um interessante gesto de Manuel Pinho na direcção da bancada do PCP. Ou seja, o ministro da Economia fez uns corninhos (com os dedos) creio que aos deputados do PCP – e a uma boa parte da nação que viu as imagens pela televisão. De vez em quando convém recordar outros tempos de euforia parlamentar, no século XIX, quando havia deputados que compareciam armados em S. Bento ou ameaçavam os seus pares com bengaladas. Vem nos romances de Eça, vem nas crónicas da época. Diante desses casos, vivaços, os corninhos de Manuel Pinho são carinhosos e não chegaram a quebrar o decoro parlamentar. São uma travessura no meio do aborrecimento da sessão. Podem é tornar-se um hábito.

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É um acontecimento: acaba de sair o primeiro volume da ‘História da Filosofia Portuguesa’, de Pinharanda Gomes (Guimarães), dedicado à ‘Filosofia Hebraico-Portuguesa’ (890 págs.). Seguem-se a ‘Patrologia’ e a ‘Arábico-Portuguesa’.

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FRASES

"Eles fazem preços muitos altos, que é para as pessoas se deixarem morrer." Mestre Dami, bruxo, sobre o preço dos seus tratamentos, ontem no CM.

"O que correu mal foi por causa do Mundo e o que correu bem foi por causa do governo." Daniel Oliveira, no blogue Arrastão.

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julho 02, 2009

Blog # 387

Sophia de Mello Breyner morreu há cinco anos, cumpridos hoje. Sophia foi uma das mais importantes vozes da poesia portuguesa do seu tempo; a sua obra, atravessada pela luz de todos os sóis do Mediterrâneo, tinha razão, inteira razão: é nas suas margens que nasceu a civilização como nós a conhecemos – inclinada para Ocidente ou para Oriente, para Norte ou para Sul, mas sempre plural. Agora, que é Verão de novo, relembro os seus textos comemorando a luz da sua pátria verdadeira, a poesia. Há versos que me obrigam a revisitar mentalmente uma paisagem, uma geografia (título do mais belos dos seus livros), uma música que nunca termina. Cinco anos depois lembro o seu desaparecimento para homenagear a necessidade da poesia e de ler poesia. Como uma cura para o mal do tempo.

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O título é ‘As Suspeitas do Sr. Whicher’, de Kate Summerscale (Bertrand): um livro de mistérios bom para ler no Verão – e um regresso à segunda metade do século XIX inglês. Melhor época para a literatura de mistérios não há.

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FRASES

"Há tipos detidos de manhã e ao final da tarde estão de volta ao gamanço. Está-lhes no sangue." Guarda-freio da carreira 28 da Carris de Lisboa. Ontem, no CM.

"Não é eles cairem que é intrigante. É eles voarem." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado, sobre os acidentes de aviação.

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julho 01, 2009

Blog # 386

Via-a uma única vez, em Estocolmo, no corredor de um teatro onde o Tanztheater Wuppertal se apresentava para uma série de espetáculos; foi uma surpresa ser trespassado pela beleza difícil das suas coreografias. Havia ali uma disciplina de fantasmas, um ritmo esgotante. No ano anterior mal reparara na sua figura esguia, magra, pálida, expressiva, sombria, excessivamente maquilhada – com um sorriso deslocado – no cenário de ‘O Navio’, de Fellini (1982). O palco da dança moderna mudou com o seu trabalho, a sua interpretação dos mitos do teatro, a forma como soltava a sua ironia amarga através de corpos que funcionavam como instrumentos de uma orquestra de ópera. Pina Bausch morreu inesperadamente, cinco dias depois de saber que sofria de cancro. Morreu para evitar a morte.

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O poeta no meio da prosa: ‘O Pai, a Mãe e o Silêncio dos Irmãos’ (Assírio & Alvim), de José Agostinho Batista. Nostalgia, melancolia, música, e temas familiares, um livro belíssimo. "Ouves a tempestade mas não sabes o que diz."

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FRASES

"Novas biografias de Michael Jackson. Espero que nenhuma escolha o título ‘O Lado Negro da Fama’." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

"Por não existirem no mercado nacional conteúdos para manter uma programação 24 por dia..." Carlos Ferreira, diretor do novo canal pornográfico português. Ontem no CM.

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