julho 31, 2010

Estaremos prontos

Começa a definir-se o plantel do FC Porto, começam a definir-se os modelos de jogo, começa a definir-se uma equipa confiante. E, felizmente (antes do último teste, este torneio de Paris), começam a resolver-se alguns dos “casos mais difíceis” que permaneciam no balneário e que, de vez em quando, subiam ao relvado. Dia 7 estaremos prontos.

E, se os leitores desta coluna sabem da minha preocupação quando se trata do Internacional de Porto Alegre (o rival do meu Grémio) – pelo menos que se liberte Walter desse opróbrio e jogue num clube que faz futebol. Bem-vindo.

2. No caso de Bruno Alves, caso se confirme a hipótese de ir passar os próximos anos em S. Petersburgo, no Zenit, cumpre deixar uma palavra de agradecimento a um jogador notável, um dos pilares da equipa e do futebol português. Bruno Alves era, na esteira de outros fantásticos centrais do FC Porto, um caso de perseverança, dedicação e talento. Com ele não havia futebol-menino.

3. Carlos Queirós enfrenta um “processo judicial” movido por instâncias que têm o poder de fazer correr inquéritos – e que podem fazer corrê-los “à medida”. Os contornos da operação, que visa a remoção de Carlos Queirós do cargo de seleccionador, foram cuidadosamente preparados. Basta ver como são divulgadas, nos jornais, frases que lhe são atribuídas, pedaços concretos do processo, insinuações sobre “o que teria acontecido”, rumores de escândalo e de moral ofendida. O mundo do futebol é duro. Mas escusa de ser obsceno – como o foi, por exemplo, no processo movido nos últimos dois anos ao FC Porto. No caso de Queirós, era mais simples ser frontal e dizer a verdade: “O Mundial foi uma merda; o cavalheiro desimpeça o cargo, vamos negociar.” Não. Três meses depois, a visita do anti-doping à Covilhã serve de cenário a uma liquidação de carácter. Se Portugal tivesse chegado às meias-finais, por exemplo, até o próprio secretário de Estado (que muito prezo) confessaria que tinha dado dois estalos ao pessoal do doping.

in A Bola - 31 Julho 2010

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julho 30, 2010

Blog # 662

16 anos depois de terem sido oficialmente descobertas as gravuras do vale do Côa e 14 depois de a área ter sido declarada Património da Humanidade pela UNESCO, o Museu do Côa é hoje inaugurado. O parque arqueológico não trouxe à região o desenvolvimento anunciado – mas só uma alma alucinada podia admiti-lo na época, o que não quer dizer que não fosse considerada uma espécie de verdade oficial. Contestá-la passava por um sinal de barbárie. 15 anos depois de o governo ter decidido não construir a barragem do Côa, o parque é ainda uma incógnita que devia fazer repensar os investimentos públicos e a forma como eles são decididos. Na altura, Foz Côa era um lugar isolado. Hoje, continua longe de tudo. A geografia não mudou. A arqueologia e o paleolítico não mudam o destino.

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LIVROS DE VERÃO (19). A Biblioteca de Editores Independentes acaba de lançar uma das minhas perdições para este Verão: ‘Billy Budd’, de Herman Melville (tradução e posfácio de José Sasportes) – uma pérola autêntica e imperdível.

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FRASES

"Como estamos num Estado de direito, Sócrates é inocente, ponto." Isabel Moreira, no blogue Jugular.

"E atreve-se Sócrates a falar de ideologia." Paula Teixeira da Cruz, ontem, no CM.

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julho 29, 2010

Blog # 661

The million dollar book.’ Mais do que isso: um milhão de exemplares vendidos em formato digital apenas na Amazon, foi ontem anunciado em Nova Iorque. Trata-se de Stieg Larsson e da ‘trilogia Millenium’, disponível para Kindle, iPhone, iPod Touch, BlackBerry e iPad, além de computadores pessoais. São cerca de duas mil páginas de papel transformadas em ‘bytes’. Ou seja: Larsson, que morreu em 2004, ultrapassa todos os vivos, o que, só por si, é um triunfo para a “ideia de literatura” – e ainda não apareceu o filme em versão de Hollywood, agora anunciado com Daniel Craig em vez de George Clooney. O que alimenta os leitores de Larsson? Personagens. Histórias também, mas sobretudo personagens que não nos abandonam ao fundo da página e continuam a seduzir-nos. É isso, não é?

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LIVROS DE VERÃO (18). Regresso à poesia por causa do Verão. A Assírio & Alvim acaba de publicar ‘O Tempo das Suaves Raparigas e Outros Poemas de Amor’, poesia escolhida, a dedo, de Ruy Belo. Ora, o que se espera do Verão?

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FRASES

"Como sempre afirmei, cumpri todas as regras e exigências." José Sócrates, ontem, no CM.

"Fechem os tribunais, que tudo isto é coisa das vossas cabeças. Poupamos dinheirinho." Tiago Moreira Ramalho, no blogue A Douta Ignorância.

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julho 28, 2010

Blog # 660

Todos os argumentos são bons para falar da sua música, e hoje passam 260 anos sobre a morte de Johann Sebastian Bach (1685-1750), não só o mais engenhoso dos mestres, mas também o mais produtivo, o mais próximo desse lugar onde só existe música – e silêncio, e beleza pura. Ouvir Bach é uma atitude de resistência nos tempos da barbárie contemporânea; a sua música transporta-nos a um mundo em que a busca da perfeição era possível. As suas obras para cordas são uma compilação admirável dos sinais da transcendência. É impossível falar de Bach sem ser tocado pela ideia de profundidade, de geometria, de disciplina criadora. Ele juntou tudo: um talento excecional, uma grande capacidade de trabalho e a procura incessante de uma harmonia rara, única e perigosa. A da música.

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LIVROS DE VERÃO (17). Um clássico: ‘O Bosque da Noite’, da americana Djuna Barnes (Relógio d’Água, tradução de Francisco Vale e Paula Castro, e uma introdução de T.S. Eliot). O prazer de ler um clássico é esse: o silêncio.

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FRASES

"O apelo de D. Carlos Azevedo […] não falhou o alvo. Acertou em cheio em muita cornadura." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.

"Arrumo os velhos livros em estantes novas. E dou aos meus escritores o relevo que merecem." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

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julho 27, 2010

Blog # 659

Julien Gracq nasceu há cem anos. A data diz pouco mas é bom recordar a importância de Gracq (1910-2007) para a chamada “literatura europeia” e para uma prática “moderada” do surrealismo. ‘A Costa das Sirtes’ trouxe-lhe, de bandeja, o prémio Goncourt – que ele recusou para ser coerente com o que escrevera, no anterior (1950), em ‘A Literatura no Estômago’, um manifesto contra os bastidores e as conveniências dos prémios literários franceses. Tanto um livro como outro estão publicados em Portugal (na Vega e na Assírio e Alvim, respetivamente) e podem abrir a porta para a experiência da literatura que nunca abandonou a sua raiz romântica, intimista e pessoalíssima. Gracq falava dos livros como “objetos amados”, e defendia uma certa “pureza da literatura”. Já não há disso.

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LIVROS DE VERÃO (16). Esgotado durante anos, é reeditado ‘O Complexo de Portnoy’, de Philip Roth (D. Quixote). É o Roth mais radical, mais livre e mais frontal. Tema? Sexo, condição masculina, judaísmo, culpa. À beira da apoplexia.

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FRASES

"Venho todos os anos e é a primeira vez que vejo a feira vazia. Isto está mesmo mau
Frequentadora dos saldos de livros no Mercado da Ribeira. Ontem, no CM."

"As certidões de óbito passadas aos livros na forma impressa não são de hoje." José Mário Silva, no blogue Bibliotecário de Babel.

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julho 26, 2010

Blog # 658

Há, decerto, um princípio de economia na decisão de fechar escolas com menos de 20 alunos. Para quem passou as últimas semanas com a boca cheia de “Estado social”, no entanto, parece estranho. Em primeiro lugar, porque o ministério da Educação não conhece (e não quer conhecer) a situação no terreno, nesta ou noutras matérias; depois, porque não se trata apenas de números, mas de crianças de 7, 8 e 9 anos obrigadas a viajar 40, 50 e 60 quilómetros por dia, em autocarros que terão horários pouco ou nada “pedagógicos”. O interior do país não incomoda eleitoralmente e pode ser humilhado e esvaziado à vontade. O discurso do governo sobre educação, pomposo e cheio de adjetivos, é mais vazio do que as salas de aula abandonadas. Desconhece a vida real, odeia pessoas vivas.

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LIVROS DE VERÃO (15). Um “romance gráfico” – é esta a ideia de Reif Larsen para ‘As Obras-Primas de T.S. Spivet’ (Presença), publicado no final de 2009 e certamente um bálsamo para as tardes mais abrasadoras deste verão.

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FRASES

"As ditaduras são especialistas em usar e abusar da língua. João Pereira Coutinho, ontem, no CM.

"Esquadro numa mão e calculadora na outra. Menos de vinte alunos, fecha; mais, continua." Joana Carvalho Dias, no blogue O Tempo e as Vontades.

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julho 24, 2010

Risco, talento

Há três anos, o jornalista José Carlín pedia, no diário espanhol El Pais, que o Real Madrid (ou o Barça) contratasse José Mourinho. E para quê?, pergunta o leitor. Para dar animação ao futebol espanhol e para transformar todos os jogos em espectáculo. Cito (estávamos em Dezembro de 2007): “Com as suas sandices engenhosas e com essa arrogância de deus grego que transporta para todo o lado, ele acrescentaria um valor incomensurável ao maior espectáculo da Terra.” Menos de três anos depois, o Real Madrid fez-lhe a vontade, se bem que as condições sejam já diferentes. Mas, para o espectador, que bilhete bem pago.

Muitos e leitores, certamente amáveis e sensatos, acham que não é preciso isso. Como não são precisos bons jogadores. Basta – ouço isto sempre nos fóruns das rádios e nos comentários televisivos – que se jogue “para a equipa” e que “o grupo de trabalho” esteja “unido”. Sinceramente, é conversa da treta. Para quem há-de jogar um futebolista talentoso quando joga bem e quando é bem servido? Para a equipa. Muitos pensam que as alas do FC Porto podem melhorar desde que Hulk seja posto na ordem – André Villas-Boas também referiu que era preciso acabar com os malabarismos (e toda a gente leu: Hulk). Não creio. No jogo com o Ajax foi um malabarismo que deu o golo a James. Quaresma era acusado de malabarista – até que Jesualdo o deixou dançar flamenco e ensinar aos adversários o que era uma trivela em pleno estádio da Luz.

Bons treinadores para quê? Basta um psicólogo de algibeira, como Scolari. Bons jogadores para quê? Não sei se repararam – mas as declarações de José Mourinho sobre Cristiano Ronaldo explicam melhor: “Quero um esquema táctico onde Ronaldo se sinta como um peixe na água para ser o melhor.” Ou seja: aproveitar o seu talento e não esmagá-lo, como fez a selecção. A inveja e o desejo de humilhar os melhores transformou Portugal num país ressentido que odeia as excepções e tem horror ao “quadro de honra”. Está a faltar arrojo ao nosso futebol, cheio de mestres-escola com medinho do risco.

in A Bola - 24 Julho 2010

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julho 23, 2010

Blog # 657

Pedro Mexia abandonou o cargo de sub-diretor da Cinemateca Portuguesa. É pena – independentemente da continuidade de Maria João Seixas. Mexia trabalhou com João Bénard da Costa e era visto como uma espécie de herdeiro de “uma certa visão do cinema”. Poeta, ensaísta, uma das poucas pessoas que, com sobriedade e cultura, pensa a política em Portugal, Pedro Mexia tinha uma vantagem nada negligenciável para o seu cargo: estava longe dos grupos de pressão do “cinema português” e tinha da Cinemateca uma visão que se adequava ao estatuto da própria instituição. Ou seja, não via a Cinemateca como uma “vanguarda” ou um “pátio da atualidade”, mas como um verdadeiro museu do cinema. Esta perspetiva não agrada a muita gente, mas é pena. Porque é a mais acertada e a mais nobre.

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LIVROS DE VERÃO (14). Nunca é demais recordar que a “literatura policial” nórdica não se resume a Stieg Larsson. Há também autores como Jo Nesbø. Um dos seus livros está traduzido: ‘Vingança a Sangue-Frio’ (Livros d’Hoje).

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FRASES

"É preciso acabar com o monstro deste legislador antes que ele acabe com tudo." Rui Rangel, ontem, no CM.

"A única forma de um estado falido nacionalizar empresas é pela força." João Miranda, no blogue Blasfémias.

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julho 22, 2010

Blog # 656

O nome das ruas é um assunto tremendo e as comissões de toponímia deviam ser mais escutadas e mais bem preparadas. E também devia ser estudada a quantidade de ruas que muda de nome consoante as mudanças na política. No Porto, o executivo da Câmara não atendeu uma proposta para atribuir o nome de José Saramago a uma rua da cidade (não sei qual). À partida, a decisão é má. Se Saramago fosse propriedade de um partido político, compreendia-se; mas trata-se do nosso Nobel da literatura, e provavelmente irá ficar na história com mais justiça do que qualquer um dos políticos vivos que já têm o nome inscrito na toponímia nacional. Requer-se um certo distanciamento. Não só de tempo. Também de juízo crítico. Eu também não gosto muito de Manuel Fernandes Tomás, mas é a vida.

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LIVROS DE VERÃO (13). Acaba de sair ‘Cem Poemas’, de Emily Dickinson (1830-1886) com tradução, organização e uma excelente cronoogia, de Ana Luísa Amaral (Relógio d’Água). Poesia para ler sempre, um poema por dia.

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FRASES

"A melhor constituição da Europa é a inglesa: nunca ficou escrita." J. Adelino Maltez, no blogue Albergue Espanhol.

"Descer os salários... Quando ouço essas luminárias desconfio que se trata de pessoas bem pagas." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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julho 21, 2010

Blog # 655

Hoje, pouca gente sabe o que é um marco geodésico, para que serve e como se calcula a sua posição exata. Dizemos “milhares de quilómetros” e admitimos que a medida está certa. No século XVII havia dificuldades e Jean Picard resolveu-as a partir de cálculos que ainda hoje nos fazem inveja. Foi assim que chegou aos 6.328,9 quilómetros, o raio terrestre (valor corrigido hoje em 0,44%). Daí em diante, as nossas medições e cálculos foram mais fáceis, meridiano a meridiano, até conseguir uma fiabilidade assombrosa para a cartografia. Além dos trabalhos como astrónomo (uma cratera lunar tem o seu nome), interessou-se pela luz, pela fosforescência dos materiais ou pela ascensão dos objetos celestes. Nasceu há 390 anos, que se assinalam hoje. Picard era um talento poético.

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LIVROS DE VERÃO (12). A Dom Quixote resolveu publicar, juntando livros, os vários volumes do ‘Diário’ de Miguel Torga (de quem já reuniu a poesia). Estão aí estes: no primeiro, do I ao IV volumes; no segundo, do V ao VIII.

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FRASES

"Esta proposta do PSD […] permite ao PS um novo fôlego na próxima campanha eleitoral." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

"Comecei a jogar futebol aos quatro anos porque o médico disse que eu era muito nervoso." Di Maria, ontem, no CM.

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julho 20, 2010

Blog # 654

Em Gaza, o Hamas, que já tinha decretado o uso do véu feminino em edifícios públicos, bem como a interdição de as mulheres andarem sozinhas na praia, proibiu-as de fumar cachimbo d’água (narguilé) em público. Do público ao privado vai um saltinho. E do cachimbo d’água ao cigarro, um salto ainda mais pequeno. Vários donos de cafés de Gaza foram presos por não terem acatado a ordem. O cenário é conhecido de outros países islâmicos e o Afeganistão talibã foi um laboratório para medidas idênticas, que incluíam a proibição de música. Nada disto é estranho (restaurantes, farmácias e cabeleireiros já foram atacados à pedrada) porque faz parte do código genético do Hamas. Espera-se a formação de uma “flotilha humanitária” em solidariedade para com as mulheres palestinianas.

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LIVROS DO VERÃO (11). A Tinta da China publica, para este verão, ‘O Livro da Selva’, de Rudyard Kipling, em tradução de Júlio Henriques. Edição cuidada, à antiga, com os pormenores que fazem os bons livros. Boa oportunidade.

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FRASES

"O combate à criminalidade económica tem sido um fracasso – para o País corar de vergonha." Manuel Catarino, ontem, no CM.

"A estupidez é pior quando os que dela padecem estão em posição de a reproduzir nos outros." Carlos Botelho, no blogue Cachimbo de Magritte.

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julho 19, 2010

Blog # 653

O igualitarismo é uma doença das culturas onde a inveja é o prato do dia. José Mourinho explicou no sábado como planeia tratar C. Ronaldo: “Quero um esquema tático onde Ronaldo se sinta como um peixe na água para ser o melhor.” É mau? Não. É excelente. Ronaldo é um talento extraordinário e Mourinho percebeu o lance: com um jogador dessa ordem, vai aproveitar cada metro em campo e mandar que a equipa o ajude. Pelo contrário, o “desejo nacional” é o de pôr Ronaldo num “plano de igualdade” com qualquer coxo que se apresente no relvado, para jogar “para a equipa”; não perceberam que “a equipa” ganha quando Ronaldo se transcende. Mas a inveja e o desejo de humilhar os melhores transformou Portugal num país ressentido que odeia as exceções e tem horror ao “quadro de honra”.

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LIVROS DO VERÃO (10). É o mais denso e o mais belo dos romances de Raymond Chandler: ‘O Imenso Adeus’ (Presença) é mais do que “literatura policial”. Quem não o leu pode começar agora a acompanhar o detetive Philip Marlowe.

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FRASES

"Melhorar o ensino da Matemática deveria ser a aventura principal da ministra Isabel Alçada." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"A ‘cultura’, como tudo, não pode ficar refém dos caprichos daqueles que a produzem."
Lourenço Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.

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julho 17, 2010

Os trabalhos de Villas-Boas

Imaginando que no próximo domingo o FC Porto apresenta o seu plantel aos sócios e adeptos, André Villas-Boas tem muitas contas para fazer. Como aqui se disse, essas contas não têm a ver com os que ficam mas, sobretudo, com os que não ficam. Mesmo tendo em atenção o facto de que uma equipa vencedora não se constrói em dois meses (e que, dependendo dos resultados do primeiro terço do campeonato, o chamado “mercado de Inverno” poderá ser um recurso), há opções que convém ter em conta e que serão um sinal para ver – em pleno – que modelo de equipa e que modelo de jogo serão o do novo treinador. Terá problemas suficientes até se decidir o destino de Tomás Costa, Mariano González ou Farías (sem falar em Bruno Alves e Raul Meireles – por motivos completamente diferentes) e reduzir o balneário a 25 jogadores bons de bola, com bom passe, com azimutes afinados e níveis de confiança respeitáveis.

Não é fácil fazê-lo, sobretudo depois de um campeonato atípico e perturbado por muitos factores extra-desportivos. Por isso, os trabalhos de André Villas-Boas serão acrescidos. Além do plantel de jogadores, o novo líder tem de cuidar um plantel mais numeroso, o dos adeptos. Vai enfrentar uma imprensa geralmente festiva quando se trata de aplaudir os tons do adversário; vai ter de gerir – no campo e fora dele, com as mensagens necessárias e o tom certo – as sequelas de um longo e desgastante processo “jurídico” (que ficará vergonhosamente conhecido como “a justiça do Costa”, um processo dirigido exclusivamente contra o FC Porto) que, com a conivência de órgãos desportivos e políticos, teve como objectivo a destruição do plantel e a descredibilização do clube ao longo dos dois últimos anos. Que não se esperem facilidades do meio “desportivo”. Será vitória a vitória. Passo a passo e passe a passe. Semana a semana. Ou não será.

in A Bola - 17 Julho 2010

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julho 16, 2010

Blog # 652

Todos os anos, o verão enche-se de cantorias – o país fica transformado num palco. A avalanche de espetáculos e de “programas das festas” alegra todos os concelhos. Há, no entanto, um pormenor nada despiciendo: caso não saiba, boa parte da fatura é paga pelo contribuinte. Ou seja: provavelmente, há autarquias que financiam ilegalmente a “música comercial”. Se isso faz parte dos seus cadernos de encargos, registemos a novidade; se a ideia é providenciar “cultura” às populações, o catálogo nem sempre é bem escolhido e convinha que o fosse; se é um hábito adquirido e mais nada, então é bom começar a fazer a lista desses maus hábitos, para se lançar um programa de desintoxicação, tendo em vista uma boa administração do dinheiro dos cidadãos. É uma maneira de dizer.

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LIVROS DE VERÃO (9). A Relógio d’Água acaba de publicar mais uma edição de ‘O Vermelho e o Negro’, de Stendhal. É um livro para todas as estações – mas estamos sempre a tempo de ler um dos grandes romances sem perder o juízo.

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FRASES

"O liberalismo sempre foi simplista. E os liberais portugueses copiam as fórmulas de sempre." João Galamba, no blogue Jugular.

"Mais liberais do que os Governos de Sócrates é, convenhamos, algo difícil de conceber." Paula Teixeira da Cruz, ontem, no CM.

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julho 15, 2010

Blog # 651

O Ministério da Cultura é uma das instituições mais frágeis de qualquer governo. Primeiro, porque em redor da cultura se reúne um numeroso grupo de interessados, mais do que de interesses; depois, porque é difícil negociar com pessoas que se acham no direito absoluto de serem financiadas segundo critérios altamente flutuantes; finalmente, porque esse financiamento vem de um fundo cada vez mais restrito, que não dá para tudo. Daqui resultam muitos equívocos que se acumulam nos arquivos da chamada “política cultural”. A forma de evitar os cortes orçamentais na cultura ficou agora encontrada: €8,5 milhões ficam à guarda do Ministério das Finanças. Se o historial do MC pode levantar dúvidas, as trapalhadas das Finanças ao longo deste ano bem podem deixar-nos aterrados.

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LIVROS DO VERÃO (8): para os que gostam da saga de ‘O Padrinho’, de Coppola, a coleção 11/17, de bolso, reeditou este ao ‘O Siciliano’, de Mario Puzo: quinhentas páginas para acompanhar uma das sagas dos Corleone.

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FRASES

“Ronaldo pagou 12 milhões para ter um filho. A questão é: Registo Civil ou comunicado à CMVM? Bruno Vieira do Amaral, no blogue A Douta Ignorância.

"Ele queria Desporto, mas não estudou o suficiente. Agora vai para a área da Engenharia." Manuel Silva, pai de um candidato à universidade. Ontem, no CM.

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julho 14, 2010

Blog # 650

Há de vir o dia em que a cultura não significa apenas espetáculo, financiamento, palco – mas há de ser vivida como parte do dia de cada um. Por necessidade. Por absoluta falta. Porque a cultura (a literatura, a música, a pintura, o cinema, o teatro, a língua, a paisagem, as ruínas do tempo, o património invisível) tem uma relação estreita com a felicidade e a infelicidade. Não é apenas um gueto de atividades catalogadas na ‘programação cultural’ – é, também, elegância, espírito do tempo, negação do tempo, memória, transigência. E mesas de café. Esplanadas. Contemplação. Distância. Viagem. Coisas que não se entendem. Coisas sem explicação. Vidas sem geometria. Uma respiração. Uma representação, um eco, um silêncio. Uma inspiração para coisas perfeitas e impossíveis.

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LIVROS DO VERÃO (7). G.K. Chesterton traduzido por Miguel Serras Pereira: ‘O Homem Que Era Quinta-Feira’ (Relógio d’Água) – uma ironia brutal e cruel. O seu riso ouve-se mesmo muito depois de tudo ter acontecido.

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FRASES

"Diego sofre de melancolia compreensiva, mas não teve qualquer recaída no consumo de drogas." Alfredo Cahe, médico de Maradona. Ontem, no CM-online.

"Faltam canetas? Pagamos às prestações. Cadeiras estão estragadas? Agências de crédito rápido." Tiago Moreira Ramalho, no blogue A Douta Ignorância.

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julho 13, 2010

Blog # 649

O empresário Joe Berardo é um homem imparável. Conheci-o e sei-o bem. Não está para meias palavras, o que é uma vantagem em Portugal. Ontem, por exemplo, e a propósito do seu museu e dos cortes no orçamento da cultura, lançou um aviso ao governo: “Existe um acordo que tem de ser respeitado.” O problema dos acordos é que têm sido rasgados sucessivamente e já ninguém parece lembrar-se do que disse ontem, ou do que prometeu em campanha eleitoral, ou do que anunciou em clima de disparate. O próprio empresário, anteontem, lançou a ideia de o Estado “nacionalizar tudo e começar tudo de novo”. Deve ser ironia, a menos que as suas empresas estejam a salvo ou queira vender baratos, ao Estado, os direitos sobre a sua coleção de arte, por exemplo. Ou é só outro amigo do Estado?

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LIVROS DO VERÃO (6). ‘Brooklyn’, de Colm Tóibín (Bertrand) não é apenas uma história da emigração irlandesa para a América: é um fresco nostálgico sobre a iniciação, o fim da inocência e a saudade. Os irlandeses – tal como nós.

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FRASES

"No essencial é que não se pode cortar." Tiago Rodrigues, porta-voz da Plataforma do Teatro, sobre os cortes do Ministério da Cultura. Ontem, no CM.

"Dois mil e dez ficará como o ano em que voltámos a cortar as calças de ganga para fazer calções." Tiago Cavaco, no blogue Voz do Deserto.

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julho 12, 2010

Blog # 648

O pior dos argumentos em literatura, gastronomia, asfaltamento de estradas, jogo do berlinde ou política é o patriotismo. Pior ainda, o “patriotismo de conveniência”, já referido no século XVIII por Samuel Johnson, mestre dos mestres: “O patriotismo é o último refúgio dos malandros.” José Sócrates oscila entre o amor e o temor por Espanha, como também se divide entre o populismo nacionalista e o cosmopolitismo de alfaiate. Convinha definir, antes de mais, que o interesse nacional é fazer com que os “nacionais” vivam melhor e de acordo com aquilo que acham justo, correto e melhor para eles. O problema é maior, no entanto, quando nos comparamos – porque ficamos a perder. Em música, literatura, presuntos, costumes ou futebol. E, claro, até em matéria de governantes.

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LIVROS DE VERÃO (5). Saiu na passagem de ano e é uma das grandes biografias para ler este verão: ‘Hitler’, de Ian Kershaw: são 968 páginas para entender o perigoso demagogo que dominou quase toda a Europa.

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FRASES

"Insistir nas cartas de amor arrebatadoras não é prova de amor, é sinal de iliteracia." No blogue Ouriquense.

"Uma enfermeira diz que só informam das 16h30 às 17h00." João Alas, 13 horas de espera nas Urgências do Hospital de Évora. Ontem, no CM.

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julho 10, 2010

Nenhuma inocência

Enquanto na África do Sul se decide este fim-de-semana qual a equipa melhor preparada para resistir às grandes pressões – se a Holanda entusiasta ou a Espanha manhosa (ambas, o entusiasmo e a manha, são qualidades a distinguir) –, o futebol português entra no seu período habitual de esquizofrenia, anunciando nomes de novos contratados. Essa febre vai continuar a revelar mais surpresas; as expectativas, essas, serão alimentadas conforme a bolsa e a tendência suicida dos clubes. Nada que não se resolva daqui até Dezembro, como de costume.

Há uma certa regularidade na forma como o calendário decorre e é alimentado pela imprensa: contratações explosivas que muitas vezes não se confirmam, pré-época fantasiosa, arranque inexpressivo e “campeonato de Inverno” preparado para todas as vinganças. É neste contexto que, dando como quase adquirido que Raul Meireles e Bruno Alves podem sair do plantel do FC Porto (gostava de juntar uma certa lista a estes nomes, mas por razões diferentes), acho muito importante observar o comportamento de André Villas-Boas.

A herança que Villas-Boas reivindicou não é despropositada nem despicienda: ao citar Bobby Robson como seu inspirador ou mentor, o novo técnico do FC Porto escolheu um perfil (discreto), um modo de relacionamento com o exterior (cavalheirismo), um tipo de exigência aos jogadores (directo e frontal – como parecem ter sido alguns dos seus reparos a certos malabaristas) e, certamente, um tipo de jogo, que só o decorrer do campeonato confirmará. Bobby Robson foi o modelo de treinador que, nesta coluna, defendi desde meados da época passada. André Villas-Boas invocou esse modelo, essa herança e – acredito – esse modo de entender o futebol. É o modelo mais adequado aos adeptos do FC Porto: eficácia que não se anula com a criatividade no jogo, beleza que não perde de vista o objectivo fundamental: ganhar. Lembram-se de Robson? “Beautiful”, dizia ele, “jogo, passe, remate, goal...” Nenhuma inocência. Não há melhor.

in A Bola - 10 Julho 2010

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julho 09, 2010

Blog # 647

Ontem, o Ministério da Cultura apresentou uma proposta sobre taxas e isenção de taxas para efeitos de doação de livros. Explica-se com facilidade: ao fim de alguns anos, os editores têm de dar um destino aos livros que estão em armazém. Alguns deles gostariam de doá-los – mas essa doação não está isenta de IVA, o que é um absurdo. Em alguns casos, os editores são obrigados a destruí-los, opção certamente desumana mas que lhes fica mais barata do que pagar ao Estado por vendas não efetuadas. Com esta iniciativa, o governo propõe-se ficar com os livros em excesso e distribuí-los conforme entenda, encaminhando-os para associações culturais, prisões, escolas, etc. É uma ideia a estudar. Em se tratando de livros, toda a gente quer oferecê-los. Pagá-los é mais difícil.

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Livros de Verão (4). Para amantes da obra de Enrique Vila-Matas, ‘Diário Volúvel’ (Teorema) é uma tentativa de explicação dos seus livros, dos seus medos e das suas personagens. Uma viagem ao coração da obra, salvo erro.

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FRASES

"O PS tem dias. Às vezes adora os mercados e anda aos beijos na boca aos capitalistas." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.

"As revistas que vivem do erotismo começam a perder interesse e mercado." No blogue O Inimputável.

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julho 08, 2010

Blog # 646

Em Cabo Verde, durante a visita de Cavaco Silva, discutiu-se o futuro da Língua: técnicos resumem teorias, esgrimem números, e as gerações maduras dão conselhos (discutíveis) às novas, entre “estratégias” e “projetos” que gastam bastante. Não é mobilizador (Cavaco percebeu-o bem) mas alimenta uma classe de “especialistas” em comunicação & recursos financeiros. Tudo isso desapareceu quando a Feira do Livro da Cidade da Praia abriu as portas: a multidão entrou, alegre e cheia de apetite por livros. A Língua Portuguesa é isso: espalhar livros, praticar essa diplomacia simples, a da sedução das almas, com livros, música e pessoas. João Laurentino Neves, da embaixada e do Centro Cultural Português (Inst. Camões) fez mais por isso do que centenas de burocratas reunidos.

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LIVROS DO VERÃO (3). Foi um dos best-sellers do ano passado, mas convém relembrá-la: a ‘História de Portugal’, de Rui Ramos (Esfera dos Livros) é material precioso e atualizado. Lê-se com a mesma clareza com que foi escrita.

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FRASES

"O que me interessa é a escrita. Tudo o que quero agora é escrever o mundo." António Lobo Antunes, ontem, no CM.

"Em geral, a psicologia oferece-nos duas estratégias: o consolo ou o poder." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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julho 07, 2010

Blog # 645

Matilde Rosa Araújo (1921-2010) não foi apenas a autora de duas dezenas de livros infantis ou de poesia, entre os quais ‘O Palhaço Verde’, o mais famosos de todos – o seu nome está ligado a tudo o que diz respeito à literatura para crianças na segunda metade do século XX. Naquela época, escrever para crianças era mais difícil e constituía um trabalho literário, com regras, limites e objetivos. De certa maneira, o género era um complemento ao mundo da escola e da chamada “formação moral”. Também era necessária uma grande dose de inocência, de alegria e de boa gramática. Matilde Rosa Araújo tinha isso tudo, e juntou-lhe uma paixão genuína, a dos pioneiros e inovadores. A sua vida foi longa, por isso mesmo; foi prolongada por essa inocência que desarmava qualquer um.

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LIVROS DO VERÃO (2). Imaginemos que o Verão é, também, um tempo para recuperar o tempo perdido. Se for, leia-se a ‘Breve História da Filosofia Moderna’, de Roger Scruton (Guerra e Paz), de Descartes às sombras de Wittgenstein.

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FRASES

"Sinto-me realmente mal. Quero voltar a casa." Lionel Messi, futebolista argentino. Ontem, no CM.

"Um mundo sem mulheres europeias seria um deserto, digamos, estético." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

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julho 06, 2010

Blog # 644

Voltemos ao assunto, porque ele exige uma revolução. As “associações da cultura” andam em guerra aberta com o Ministério respetivo, a quem acusam de fazer “cortes”. O problema é que não se sabe, ao certo, quantos milhões são atribuídos pelo Ministério ao teatro, ao cinema, às artes em geral. Portanto, os cortes anunciados são uma incógnita, porque são cifras anunciadas no vazio. O que seria bom: dar conhecer, publicamente (divulgados na net), os números exatos dos apoios estatais e a que instituições – e, claro, conhecer os protocolos, as contrapartidas e os cadernos de encargos. Ou será que não existem contrapartidas? Se os cidadãos soubessem a dimensão exata dessas transferências (e em que condições são feitas) talvez pudessem formar uma opinião sobre a matéria.

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LIVROS DO VERÃO (1). A D. Quixote fez bem: reeditou ‘Conversa na Catedral’, um clássico maravilhoso de Mário Vargas Llosa, um grande livro que deixa para trás muita da quinquilharia do “fantástico latino-americano”. Ler já.

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FRASES

"Presumo que agora, com a moda das escutas, já é possível recusar prémios por telefone." António Manuel Venda, no blogue Delito de Opinião.

"No sábado fomos atacados por mais de 80 homens que queriam destruir tudo." Carolina Enes, empresária de atividades na praia do Tamariz. Ontem, no CM.

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julho 05, 2010

Blog # 643

Parece que, este ano, uma boa parte das autarquias irá cortar no financiamento dos arraiais. Compreende-se: há menos dinheiro e não se podem falsificar as contas. Através das câmaras, o Estado tem financiado a “indústria musical” portuguesa durante o Verão – da “música pimba” ao rock e ao hip-hop. Não é sua função. Há uns anos, quando se pedia IVA mais reduzido para os livros, várias vozes defenderam que não havia diferença entre o IVA dos DVD e o dos livros; os livros sobreviveram e a edição representa hoje cerca de 60% da riqueza da indústria cultural, sem receber apoios. Quase todas as outras atividades pedem às câmaras que os contratem para espetáculos ou ao Estado que lhes pague o que acham. Pensar pequeno para chegar mais longe, esse é o segredo. É a vida.

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Leonor Xavier reúne em ‘Rui Patrício. A Vida Conta-se Inteira’ (Temas e Debates) várias horas de conversa com o antigo Ministro dos Estrangeiros de Marcello Caetano. O resultado é um documento notável que ajuda a ler a história.

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FRASES

"Tivemos de ser bastante selectivos e exigentes nos contratos." Pres. Câmara de Albufeira, sobre as festas de Verão. Ontem, no CM.

"As analogias entre a política e o futebol são tão patéticas como chorar por Moutinho." Bernardo Pires de Lima, no blogue União de Fato.

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julho 03, 2010

Inveja

De repente, “o público” encontrou um bode expiatório que ultrapassa a própria tentação de sacrificar Carlos Queiroz depois da derrota – aparentemente normal – da selecção nacional na África do Sul. Essa catarse portuguesa encontrou o seu alvo: Cristiano Ronaldo. A televisão explora até ao mínimo “frame” a possibilidade de interpretar cada palavra sua. Quando é que ele disse que assim não íamos ganhar? Quando é que ele mencionou que deviam perguntar a Queiroz o motivo da derrota? E, de repente, nos fantásticos fóruns das rádios – onde se encontra o denominador comum de todas as banalidades – aí está o culpado. Não o professor Queiroz. Não. Ronaldo. Ronaldo, o miúdo arrogante, o miúdo que ganha dinheiro, o miúdo que tem acidentes com automóveis caros e se expõe a cada centímetro da nossa curiosidade.

De repente, múmias arrancadas ao Além aparecem a exigir temperança ao capitão da selecção – mais do que futebol. E a acusação do costume (“Ronaldo não joga para a equipa”) como se Ronaldo não tivesse feito um passe, não tentasse um golo, um remate fatal (e isso é jogar para que equipa?), uma jogada, uma queda fingida a nosso favor. E o costume: inveja. Inveja de Ronaldo, da modelo russa com quem se passeia, do talento extraordinário que funciona em todas as equipas (funcionou no Sporting, funcionou no Manchester, funcionou em Madrid) – menos na selecção. E por que não funciona na selecção? Porque “Ronaldo não joga para a equipa”.

Este axioma imbecil repete-se até à exaustão sem que uma única voz apareça a defender o mais evidente de tudo: que há equipas que também jogam para Ronaldo (o Manchester, o Madrid) e que há equipas que não jogam para Ronaldo (como a selecção). E que desprezar um talento e um génio absolutamente fatais – como o de Ronaldo – é um atentado contra o futebol e contra a arte que nos faz gostar da bola. O que o Portugalinho queria era o talento de Ronaldo mas sem lhe servir uma bola e exigindo que se submetesse à mediocridade, para não parecer aquilo que ele é: o objecto da inveja nacional.

in A Bola - 3 Julho 2010

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julho 02, 2010

Blog # 642

O cinema sempre se interessou por vampiros. Aliás, depois da literatura gótica, o cinema inventou os vampiros. Os livros de Stephenie Meyer, como antes os de Anne Rice, prolongaram a existência desses seres que ameaçam viver pela eternidade. Vampiros, lobisomens, fantasias de bruxas – a nossa “literatura tradicional” também reúne algumas dessas histórias. Quando o fenómeno Harry Potter explodiu, tanto a Igreja como os guardiães da decência coraram de indignação, mas não havia nada a fazer diante da necessidade de fantasia e de perigo. A primeira das adaptações dos livros de Meyer tinha equilíbrio, fantasia, beleza. Não vi as mais recentes, mas não vale a pena indignarem-se: os vampiros já ganharam a batalha. Num mundo desagradável, o transcendente vem de todo o lado.

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Roger Scruton é um dos mais recentes filósofos da moda – mas vale a pena lê-lo. A Guerra e Paz acaba de publicar ‘Breve História da Filosofia Moderna’. São 400 páginas que abrem o apetite para mais. É isso que é bom.

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FRASES

"O interesse nacional é uma prostituta que nos acompanha há séculos." Tomás Vasques no blogue Hoje Há Conquilhas.

"Somos portugueses como os outros. Não queremos regime de exceção." José Carlos de Oliveira, Associação de Realizadores de Cinema. Ontem, no CM.

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julho 01, 2010

Blog # 641

A Biblioteca Nacional encerrará parte essencial dos seus serviços de leitura pública durante cerca de um ano. Já se sabe como são as obras, podem prolongar-se. Naturalmente que a Biblioteca precisa de obras e reaparecerá moderna e mais funcional. Mas a decisão (encerrar um ano) devia assustar qualquer cidadão. Se o Estado entende reparar a estátua do Marquês de Pombal, basta anunciá-lo, acrescentando, em rodapé, que durante seis meses o trânsito não passa por ali. Como as decisões do Estado são geralmente acatadas sem grande discussão, porque os cidadãos são um empecilho, somos autorizados a pensar que os leitores da BN são um empecilho ainda maior que estragam os planos dos engenheiros e dos técnicos de obras. É isto. Portugal seria maravilhoso se não fôssemos nós.

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A não perder: ‘Portugal: os Números’, de Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas. Um dos primeiros três títulos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, dirigida por António Barreto. Está lá tudo sobre nós. É só ler.

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FRASES

"Pedimos desculpa por esta interrupção. A crise prossegue, mesmo antes de momentos..." J. Adelino Maltez, no blogue Albergue Espanhol.

"Num país anémico, um disparo de paixões políticas é sempre bem-vindo." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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