maio 31, 2010

Blog # 619

No dia em que Clint Eastwood festeja 80 anos (hoje) – despedimo-nos de Dennis Hopper, que morreu no sábado. ‘Easy Rider’ (1969) não é um dos filmes da minha vida, mas Dennis Hopper era um ator raro, de culto, perseguido por um halo de admiradores que também se comoveram ao ver um dos grandes filmes da década de oitenta, ‘Blue Velvet’ (1986) e prezaram muito o seu papel em ‘Apocalipse Now’ (1979). Hopper tinha uma habilidade natural para incarnar o olhar do mal. É isso que ele fazia como ninguém. Realizou ‘Easy Rider’ depois de Kerouac e de J.D. Salinger terem escrito os seus livros decisivos, mas a perdição estava lá, tal como em ‘Fúria de Viver’, onde tinha entrado muito atrás de James Dean. Hopper sobreviveu sempre como um olhar fatal, perdido e ameaçador. Mesmo hoje.

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Atenção, leitores! Começou em Lisboa, no fim de semana, a Feira do Livro Manuseado – tudo nas livrarias Assírio & Alvim (no Chiado e na R. Passos Manuel): vale a pena. Bons preços, bons livros, boas oportunidades, boa ideia.

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FRASES

"Os meus confundem a seleção dos Camarões com a dos Caranguejos." António Manuel Venda, no blogue Delito de Opinião.

"Parece que tudo é fácil, mas a vida não é fácil. Nada se faz sem esforço." Isabel Jonet, Bancos Alimentares Contra a Fome. Ontem, no CM.

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maio 29, 2010

Patriotas!

A temporada termina com uma «exigência patriótica»: a de apoiar «a selecção» nacional. Ou seja – todos temos de apoiar «a selecção», ainda que «a selecção» não nos apoie a nós e nos magoe ao ponto de jogar como jogou contra Cabo Verde. O argumento é o de que «a selecção» não estava em pleno. Danny desmontou a armadilha; claro que não era verdade: o estágio já tinha começado, o estrelato já se tinha mostrado à Serra da Estrela e ao mundo, e o futebolinho «da selecção» continuava o mesmo que fez aquele resultado contra a Albânia.

A partir de agora, leitores, cuidem-se; temos de ser patriotas. Bandos de vigilantes estão preparados para nos cercarem de invectivas ao primeiro sinal de desconfiança, certos de que «a selecção» é um «desígnio nacional», muito semelhante ao novo aeroporto, ao TGV e à alheira de Mirandela. Para não sermos apanhados em falso, fica aqui o aviso aos rapazes que estagiam na Covilhã: jogai com tino. Não conteis com um apoio incondicional dos fãs; é certo que faremos força, que veremos os jogos, que discutiremos cada passe e que – quem sabe? – agitaremos uma bandeira em vossa honra. Mas o vosso lugar não é o de uma estátua à beira do pedestal. Jogar pela selecção não é uma ocupação trivial; se quereis o apoio da rapaziada, o entusiasmo dos fãs, a paixão dos portugueses, fazei por isso. Não podeis falhar tantos passes nem ser tão zarolhos diante da baliza dos adversários. Estamos convosco. Mas isso tem um preço, não vos fieis no patriotismo, que geralmente (ficai a saber) é uma força de disfarçar a pulhice. Fiai-vos no futebol, que nós vamos atrás. Como uns valentes.

P.S. - Por terem «lesado a honra e reputação» da Comissão Disciplinar da Liga, o FC Porto e o SC Braga foram multados pela Comissão Disciplinar da Liga. Há aqui uma perversão que o leitor detecta facilmente: a CD da Liga julga os casos em que a CD da Liga intervém como queixosa. Não é preciso ser jurista nem ter o inexcedível talento de um membro da CD para vê-lo claramente, tenha a Liga os regulamentos que tiver. O bom senso é cada vez mais raro.

in A Bola - 29 Maio 2010

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maio 28, 2010

Blog # 618

Parece que o cantor Quim Barreiros, conhecido pelo seu tom jocoso (com largas tradições no nosso cancioneiro popular) compôs e gravou, no seu estilo, uma canção intitulada ‘O Casamento Gay’, onde usa o dicionário do costume e o tradicional jogo de palavras relacionadas com sexo. As organizações do setor protestaram — fizeram bem; uma delas pretende mesmo averiguar, com juristas, se a canção “configura algum crime”. Pode até acontecer que um tribunal decida ‘proibir’ a canção, o que cairia bem para Quim Barreiros – porque o disco se tornaria num êxito estrondoso, com a canção repetida pela net, cantada nos arraiais de Verão e discutida em público. Cada um sabe de si, mas, sendo as coisas como são, não sei se o melhor processo será mandar a polícia falar com Barreiros.

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História para ler este Verão: o livro ‘À Porta Fechada. Estaline, os Nazis e o Ocidente’, de Lawrence Rees (Dom Quixote), que analisa a forma como a II Guerra não terminou em 1945 e, pelo contrário, se prolongou com o estalinismo.

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FRASES

"Eu sou um péssimo dançarino. É verdade." Pedro Passos Coelho, ontem, no CM.

"Tenho a veleidade de pensar que sei reconhecer o amor verdadeiro quando o vejo." Teresa Ribeiro, no blogue Delito de Opinião.

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maio 27, 2010

Blog # 617

Ben Kingsley quer adaptar ao cinema ‘O Primo Basílio’, de Eça de Queirós. É uma notícia que interessa, não por ‘patriotismo’. É por causa da literatura, cujo espaço nas escolas tem sido cada vez mais reduzido – sobretudo o dos clássicos, desalojados para dar lugar a livros moderninhos que ainda não enfrentaram o tempo nem a sua poeira. Eça é um génio (como Camilo, como Machado de Assis) da literatura da nossa Língua. Que venha um ator de Hollywood relembrar-nos que as escolas portuguesas leem cada vez menos clássicos e se entretenham com gramática e “comunicação”, é uma coisa que deveria fazer pensar os responsáveis. Mas está lá alguém disponível? Não. Em vez de livros, distribuem computadores Magalhães – que, aliás, não funcionam e vão parar à sucata. É o destino.

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São 580 páginas, mas valem bem o esforço. Trata-se de ‘O Escriturário Indiano’, de David Leavitt (Teorema), um romance sobre um misterioso matemático indiano que desafia a lógica dos matemáticos de Cambridge. Sai no próximo mês.

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FRASES

"As nossas famílias são espaço frequente de violência." Teresa Magalhães, do Instituto de Medicina Legal (Porto), ontem, no CM.

"Portugal já não é o país dos engenheiros macromonetários que agora dão aulas de saudosismo." J. Adelino Maltez, no blogue Albergue Espanhol.

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maio 26, 2010

Blog # 616

Terminou nos EUA a série “Perdidos/Lost”. O último episódio foi visto por milhões e comentado em todo o mundo. Para lá do que isto significa como exemplo de ficção destinada a um público global, é importante o enredo da história, uma espécie de ‘Robinson Crusoe’ coletivo. Ao contrário do original, de Daniel Defoe (do século XVIII), em ‘Perdidos’ não é um personagem solitário – mas um grupo de pessoas que lida com a necessidade de sobreviver e com os instintos do grupo. O resultado é fatal. O romance de Daniel Defoe afirmava o valor do individualismo e da liberdade (coisas que andam a par, convém recordar); a série ‘Perdidos’ sublinha como é difícil o entendimento em sociedade. Pode ser ‘apenas’ uma série de televisão, mas mostra o suficiente do desígnio humano. Um perigo.

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Mais uma biografia sobre ‘os portugueses fundamentais’ – a de Mouzinho de Albuquerque, “Um Soldado ao Serviço do Império”, de Paulo Jorge Fernandes (Esfera dos Livros), um herói da monarquia que se suicidou em Janeiro de 1902.

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FRASES

"A jangada de pedra, de que falava Saramago, existe mesmo na economia." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"Os deputados deviam ser pagos voluntariamente por quem os elege." Filipe Abrantes, no blogue O Insurgente.

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maio 25, 2010

Blog # 615

Esta semana – depois de amanhã – assinalam-se os 150 anos do nascimento de Manuel Teixeira Gomes. É uma comemoração dupla. Por um lado, há quem celebre o político, que foi o nosso sétimo presidente da República; por outro, o autor de ‘Agosto Azul’, ‘Sabina Freire’ ou ‘Maria Adelaide’, livros infelizmente quase desaparecidos das nossas livrarias. Há, em Teixeira Gomes, uma marca de drama pessoal que merece ser estudada, e que relembra a forma como um presidente da República (por dois anos, entre 1923 e 1925) decide abandonar o país e procurar refúgio na Argélia, o que diz muito sobre a política e a moral da época, mas também sobre a sua natureza de literato convertido à política. Um século depois o seu nome suscita ironias, lamentos – e a melancolia que sucede à tragédia.

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É um dos grandes nomes do salazarismo; precisamente a governanta de Salazar, até à morte deste. Joaquim Vieira escreveu-lhe a biografia, ‘A Governanta. D. Maria, Companheira de Salazar’ (Esfera dos Livros), um retrato português.

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FRASES

"...uma fila enorme, ninguém passava. E todos sabiam que eu vinha fazer o comentário." Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o seu regresso à TVI. Ontem, no CM.

"O esforço atual dos portugueses é inútil enquanto não tivermos um Estado que sirva os cidadãos." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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maio 24, 2010

Blog # 614

Está a circular uma petição em defesa do Museu de Marinha. Porquê? Porque o museu fundado pelo rei D. Luís pode fechar as portas e ser transferido para um hipotético Museu da Viagem, dedicado aos Descobrimentos e defendido pela ministra da Cultura. Já aqui falei do assunto. A ideia tem algum sentido – menos do fazer um Museu da Língua, como queria a ministra Isabel Pires de Lima. O problema é que mudar a linguagem não basta para mudar a realidade. Se há acervo para um museu “da viagem”, que se use; se não há, cumpre recolher a proposta. Um museu dos Descobrimentos, se eu conheço os atuais “proprietários” da área, iria desvalorizar o material do Museu de Marinha e condená-lo a um apêndice. A questão não é só museológica. É ideológica. E não se fazem museus por decreto.

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‘Diário dos Vencidos. O 5 de Outubro Visto pelos Monárquicos’, do historiador Joaquim Leitão (Aletheia), sai em Junho e é um documento importantíssimo para compreender a I República. Tem prefácio de Vasco Pulido Valente.


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FRASES

"Desconfio que começa a ser um dever patriótico não fazer nenhum." João Pereira Coutinho, ontem, no CM.

"O patriotismo é neste momento uma atitude estúpida e inoportuna." No blogue O Jansenista.

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maio 22, 2010

Gratidão, sempre

Escrevo ainda sem saber quem será o novo treinador do FC Porto, assumindo que Jesualdo Ferreira parte, abandonando o clube que ajudou a conquistar três títulos consecutivos – um tri com sabor a tetra. O balanço é necessariamente positivo; mais do que isso: é um feito único que deve ser assinalado na história azul e branca.

Jesualdo confirmou que é um notável construtor de equipas, um formador e – além disso – um técnico elegante e paciente. São qualidades que não se esquecem num clube que assistiu ao abandono de Mourinho, à transformação de Co Adriaanse e, finalmente, à encenação patética de Del Neri. Jesualdo construiu, a partir daí, duas equipas vencedoras. Este ano, a conjugação de factores extra-futebolísticos (uma perseguição permanente e criminosa ao FC Porto) não permitiu o mesmo êxito. Mas não retira a Jesualdo o aplauso merecido e exigível num clube com história, com memória e com o sentido de gratidão. A gratidão é uma marca de gente superior; todos os portistas devem estar gratos a Jesualdo Ferreira por ter sido a peça fundamental do clube nestes anos de pressão e de sucesso. Mesmo quando eles se repetirem, num futuro próximo, não retirarão a Jesualdo nenhuma centelha do brilho que transportou para o clube.

Pensemos, pois, no futuro. O novo treinador deverá estar consciente das circunstâncias especiais que vivem o futebol português e as suas estruturas dirigentes – e deve, pelo seu exemplo, pela sua capacidade de liderança e de exigência, eleger a palavra «cavalheirismo» como um vector fundamental para a vitória. Já aqui escrevi sobre o assunto e já relembrei – a par de Jesualdo – o nome de Bobby Robson como um dos nomes a relembrar, um padrão, um termo de comparação insubstituível. Esta semana será, por isso, decisiva.

PS – Foi a todos os títulos lamentável o comportamento de alguns jogadores estrangeiros ao serviço do FC Porto durante a final da Taça de Portugal, ao não cumprimentarem, como deviam, o presidente da República. Essa é uma das razões por que falei de cavalheirismo. Não está fora de moda.

in A Bola - 22 Maio 2010

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maio 21, 2010

Blog # 613

Morreu Robert Laffont. A informação necrológica banaliza-se, mas Robert Laffont é imortal – ele era, para a edição francesa, um nome histórico e fatal, o de quem acompanhou um século de livros. Tinha 93 anos e a vida dos livros ressente-se destas notícias, como se uma época tivesse terminado. De certa maneira, terminou e Robert Laffont era o intérprete desse papel muitas vezes ignorado: o do homem que busca um livro decisivo em cada momento, um autor que preencha o vazio da espécie. Na vida cultural de um país, como de uma época, os editores são responsáveis pela formação de várias gerações. Não se trata de uma missão espiritual — mas de um modo de vida e de encarar as estantes da Grande Biblioteca, um universo sempre disponível para nos perdermos no seu labirinto.

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É já a 19 de Junho que chega às livrarias ‘O Original de Laura’, o inédito póstumo de Vladimir Nabokov (a publicar pela Teorema): uma história de amargura e infidelidade que relembra o melhor do autor de ‘Lolita’. Vamos a ele.

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FRASES

"Se o próximo campeonato terá Paulo Bento? Não sei se terá..." Paulo Bento, ontem, no CM.

"Descobri que lia mais blogues do que jornais para me manter informada." Maria do Rosário Pedreira, no blogue As Horas Extraordinárias.

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maio 20, 2010

Blog # 612

Na morte de Edoardo Sanguineti (1930-2010) recordo que li uma antologia sua na minha adolescência. Foi estranho alguém falar na “na possibilidade da contemplação”. Mas li-o sobretudo como crítico (Sanguineti era um estudioso de Dante – publicou um ensaio provocador, ‘Dante Reacionário’ – ou de Bocaccio, além de um grande especialista em estudos clássicos, gregos e latinos): inteligente e moderno, quase tanto como “alinhado” com o partido comunista, antes e depois da queda do Muro de Berlim (“nem em Cuba existe socialismo”, dizia), o que não lhe roubou a capacidade de encantar-se com as palavras e a poesia. Este genovês cosmopolita e divertido dizia que a poesia não estava morta morrer – mas leva uma vida clandestina. São muito diferentes os caminhos que levam até ela.

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Um Mundo Sem Europeus’, de Henrique Raposo (Guerra e Paz), é um livro indispensável para compreender como o “orgulho europeu” está ferido e a Europa não tem já importância – lançamento a 2 de Junho, com Rui Ramos e Pedro Lomba.

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FRASES

"Os fariseus andaram na festa com o Benfica e Sua Santidade. E agora veio-lhes a crise […]." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

"Às vezes as coisas são mais claras quando pioram." Jean-Luc Godard, ontem, no CM.

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maio 19, 2010

Blog # 611

Informou este jornal que há um ambiente de grande preocupação no Gabinete de Atendimento à Mulher e Criança Vítimas de Violência Doméstica, em Moçambique. O caso é que na província de Nampula, no norte do país, começa a ser “alarmante” o número de homens agredidos e maltratados. Em consequência – nos últimos tempos – 41 mulheres “foram abandonadas pelos maridos” devido à conduta violenta das suas companheiras. Para quem leu os livros de Paulina Chiziane pode não haver muita surpresa; os antropólogos falarão do “sistema matriarcal” que reina entre os planaltos e os campos de algodão; e há quem assinale que em África as coisas acontecem da maneira correta. Seja como for, justifica-se a ironia: depois da guerra os homens apanham, para aprenderem a comportar-se em casa.

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Colm Tóibín é um dos grandes autores irlandeses de hoje, a par de Banville, Doyle ou Ronan. A Bertrand publica ‘Brooklyn’ este mês – e Tóibín, que escreveu essas pérolas que são ‘The South’ e ‘The Heather Blazing’, vem a Portugal.

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FRASES

"Grande parte da riqueza que por aí anda tem uma proveniência totalmente desconhecida." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.

"Tenho boas e más notícias. As boas: temos ouro. As más: o ouro não chega." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

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maio 18, 2010

Blog # 610

Morreu Ronnie James Dio, um dos (se me é permitido a palavra) cantores mais barulhentos da história do rock. A sua banda mais recente era Heaven & Hell, mas não é aí que fez história – e sim a solo ou nos Black Sabbath (antes, nos Rainbow), onde entrou para substituir Ozzy Osbourne, outro barulhento. Era a época: Led Zeppelin, Deep Purple, Uriah Heep, enfim. Dio marcou a história dos Black Sabbath (que nasceram em 1968) nos anos 80 com canções que poucos recordam, como “Die Young” ou “The Mob Rules”. Um teatro de violência, ocultismo, misoginia – esta era a encenação do ‘metal’, que andava a par do cocktail de álcool e drogas de que quase todos padeceram. Depois dos AC/DC ou Judas Priest, Ronnie James Dio continuava em palco. Agora, aos 67 anos, deve estranhar o silêncio.

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A Relógio d’Água acaba de lançar uma nova edição de ‘O Bosque da Noite’, de Djuna Barnes (tradução de Francisco Vale e Paula Castro – e prefácio de T. S. Eliot) – um monumento que prova a existência dos demónios da literatura.

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FRASES

"Isto não é uma brincadeira. É uma comissão de inquérito." J. Pacheco Pereira sobre a CPI ao negócio da TVI. Ontem, no CM.

“Há uma crise de regime […] e o Presidente vai falar do casamento gay." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

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maio 17, 2010

Blog # 609

Editores, autores e leitores – todos sabem que a Feira do Livro de Lisboa é mais do que um acontecimento para quem gosta de livros; é, sobretudo, um facto meteorológico. Antes de ser antecipada para o fim de Abril (uma decisão menos boa), a Feira anunciava o início do verão e a derradeira chuva de Junho. Agora, abrindo mais cedo, marcou o início da primavera – este fim de semana já mereceu o nome. E, à semelhança de outros anos, vai ser prolongada por mais uma semana (a 1 de Junho passará para o Porto). Eu, que gosto da feira à maneira tradicional, fico contente; os livros ficam bem numa cidade, como uma espécie de estante monumental rodeada de gente; é um ponto de encontro civilizado, desprendido e alegre, com quem anda à procura dos últimos herdeiros de Gutenberg.

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M. do Rosário Pedreira saiu da Quid Novi no final do ano e passou para a Leya, onde é responsável pela captação novos autores portugueses. Os seus primeiros livros saem já em Junho – alguns serão uma boa surpresa para o verão.

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FRASES

"Suspendê-la foi uma medida radical. Se o sonho dela é ser modelo, não faz mal a ninguém." Rosa Santos, da Ass. de Pais da escola de T. de Dona Chama, sobre Bruna Real. Ontem, no CM.

"A tristeza só é um direito quando ninguém fez da tua alegria um dever." No blogue Ouriquense.

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maio 15, 2010

Coração inimigo

O meu coração divide-se. O GD Chaves acompanha-me desde a infância, quando achava absurdo que Pavão não jogasse nas fileiras do Desportivo, para ajudar a enfrentar os adversários da época. Pois se Pavão — o mesmo Pavão que me levou a comprar o primeiro exemplar de A Bola para ler uma das crónicas que mudou a minha vida, assinada por Carlos Pinhão — era de Chaves.

A ida do Chaves à final da Taça foi um regresso à minha infância, quando o velho estádio, junto do Forte de S. Neutel, era um campo de saibro que empastelava com as chuvas e onde vi os primeiros jogos de futebol a sério. Jogos contra o SC Vila Real (naturalmente, estes perdiam sempre), o Mirandela, o Bragança, o Régua (com as camisolas em losangos), o Vizela, Limiano, Riopele (um dos mais belos equipamentos que já circularam pelos nossos estádios) — e com aquele trio defensivo fatal, Lisboa, Rocha e Malano, além de Albino, Rendeiro, Adão, Tony ou Soares dos Reis (um guarda-redes que se excedia contra o Vila Real, como de costume). Assisti a duas invasões de campo, uma delas na sequência de um canto mal marcado (agredia-se um árbitro por razões sérias) e outra depois da expulsão de um jogador do Chaves que se limitara a rasteirar traiçoeiramente um extremo do Vila Real (um dever de qualquer jogador da casa). Depois, ainda assisti a jogos onde havia os nomes de Raul Águas (na altura falava pouco, o que era suportável), Fonseca (o bigode mais assinalável do futebol português), Noureddine (um marroquino excêntrico), António Borges (uma cabeleira inesquecível), Carlos Areias, Jorge Plácido, Padrão, Kiki, Vivas, Jorginho, Ferreira da Costa, Zrdavkov ou Rudi, Carvalhal (esse mesmo) ou Bastón (o guarda-redes que sofreu o golo mais caricato da história do clube). Seja como for, o melhor é parar.

Seja como for, ainda, este é o derradeiro fim-de-semana antes de o FC Porto tratar da sua vida. Está aí o mercado. Pede-se arrojo e sensatez, ao mesmo tempo – o próximo campeonato vem já aí, e (como se viu) não são desculpáveis tantos deslizes como os deste ano.

in A Bola - 15 Maio 2010

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maio 14, 2010

Blog # 608

São tempos difíceis. Impostos, arrecadação fiscal, menos dinheiro, mais dificuldade de viver. Não é a ‘dificuldade de viver’ que vem na literatura ou nos livros, e de que os poetas falam – é a outra, mais real, que afetará milhões de portugueses que não vão discutir o orçamento de Estado nem os ‘pactos de estabilidade’ e que não vão ser ouvidos quando os governos gastarem demais. A linguagem da ‘vida real’ pode soar excessiva aos corações sensíveis da cultura, mas convém estarmos preparados para dias difíceis e para caminhos de onde se cai facilmente para o abismo. A ‘dificuldade de viver excecional’, ontem anunciada, acrescenta-se à já habitual. É apenas o princípio de um purgatório. Este é o preço (elevado, sem dúvida) a pagar pela mentira que tomou conta da política.

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Patrick McGrath é o autor de ‘Spider’, adaptado ao cinema por David Cronenberg. A Bertrand publica, esta semana, o seu novo livro, ‘Trauma’, finalista do Prémio Costa. Se Cronenberg gostar, estamos feitos. É uma maneira de dizer.

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FRASES

"Acho que tem de haver um equilíbrio, porque os pobres é que não podem ficar mais pobres." Bispo D. Januário Torgal Ferreira, ontem, no CM.

"Num instante arrecadou mil milhões. E o povo a cantar o rosário de vela na mão." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

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maio 13, 2010

Blog # 607

O discurso de Bento XVI no CCB, ontem de manhã, é um curioso roteiro das relações entre a religião, a cultura, a racionalidade e a história. O seu apelo final (“Fazei coisas belas, tornai as vossas vidas lugares de beleza.”) recupera um ideal iluminista que a modernidade destruiu no meio do ressentimento e do desejo de morte. A humanidade educada no meio do transitório (ou dedicada ao tempo que passa) não compreende o que há de radical nesse incitamento. Porque se trata de um desafio terrível, que só a arte pode traduzir. O resto é obra interior, silenciosa, espantada, individual – e não admite multidões. Bento XVI sabe como é um confronto terrível: “Não tenhais medo de vos confrontar com a primeira e última fonte da beleza”, disse ele. Deus é um relâmpago desconhecido.

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Delicioso: ‘Halley. O Cometa da República’ (Temas e Debates), de Joaquim Fernandes, é uma releitura das reações portuguesas à passagem do cometa em Maio de 1910. Uma visita ao imaginário, ao medo e à propaganda política.

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FRASES

"A cultura é fonte inspiradora da vida." Bento XVI, ontem, no CM on-line.

"Eu, que não sou católico, oiço com atenção o que este homem, ex-Ratzinger, tem para me dizer." Bruno Vieira Amaral, no blogue A Douta Ignorância.

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maio 12, 2010

Blog # 606

Enquanto o país bem-pensante e ateu discute (com toda a legitimidade e com o esperado excesso de petulância), a vinda de Bento XVI a Portugal, é preciso dizer o essencial: além de papa, Joseph Ratzinger é uma das grandes figuras da Europa intelectual de hoje. Ao contrário do que é norma hoje em dia, em que qualquer candidato a médium do senso-comum ou do espetáculo tem os holofotes da popularidade a servi-lo, os problemas que Ratzinger coloca (mesmo para um não católico) não são populares, nem simpáticos, nem atrevidinhos. Não caem, portanto, no albergue da leviandade. Pelo contrário. Numa Europa sem sal e num mundo sem desígnio, a sua mensagem está cheia de preocupações, de interrogações e de conflitos. Conviria escutá-lo e lê-lo. Depois, sim, falaremos em condições.

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Está quase a chegar às livrarias o novo romance de Pedro Rosa Mendes, ‘Peregrinação de Enmanuel Jhesus’ (D. Quixote) – uma reescrita polémica (e notável, tão bem escrita) da história recente de Timor Leste.

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FRASES

"Mal saem de casa, os homens ficam solteiros; basta perfume de mulher inundar-lhes as narinas." Teresa C., no blogue Sem Pénis nem Inveja.

"O Estado funciona como os maus polícias. Quando não tem opções, ataca os suspeitos do costume." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

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maio 11, 2010

Blog # 605

Conheci Joaquim Vital (1948-2010) em Casablanca, longe de Paris e de Lisboa. Não se tratava apenas de um editor português em França, onde vivia desde 1973, depois de sete anos de exílio em Bruxelas; era o editor de La Différence – o que significa que publicou excelentes livros (de ensaio, ficção e arte) e bons autores (com ele aprendi a gostar de literatura marroquina). Surpreendeu-me a sua afabilidade (que contrastava com a fama de ser irascível) e, ao mesmo tempo, a ironia delicada e excêntrica com que falava de Portugal e de literatura. A sua morte na passada sexta-feira, em Lisboa, deixou-nos sem um interlocutor. Mais do que isso, para não sermos egoístas: deixou a Europa sem um editor à moda antiga, que publicava livros de que gostava. O que é cada vez mais raro.

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“Onde estavas em 1974 e 1975?” Se a sua resposta é “na extrema-esquerda”, é bom ler ‘A Esquerda Radical’, de Miguel Cardina (Angelus Novus), um roteiro das bandas ‘m-l’ e maoista nos anos de fogo, antes e durante a revolução.

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FRASES

"Portugal não parece bem." Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia. Ontem, no CM.

"Hoje sou apenas um dos antiteístas com fé inabalável em Jesus." João Tunes (adepto do Benfica), no blogue Água Lisa.

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maio 10, 2010

Blog # 604

A pílula contracetiva foi posta à venda há cinquenta anos. A vida humana mudou substancialmente desde a sua criação e é fácil admitir que os anos 60 e 70 teriam sido muito diferentes se a ‘revolução sexual’ não tivesse o seu apoio. A literatura e o cinema não falam do assunto mas a abundância de sexo (e a sua banalização) em ambos deve-se à pílula. É um bem extraordinário; mas também corresponde à utopia do controle absoluto sobre a vida e a reprodução. Evidentemente que não é a única culpada da crise demográfica do Ocidente, mas sem ela não seria possível limitar os nascimentos e aumentar a ‘frequência dos contatos sexuais’. O seu impacto cultural e moral foi óbvio – mas o seu peso na economia e na política só agora começa a ser analisado com seriedade. Mudou o mundo.

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Que livros leu ou guardava Fernando Pessoa em sua casa? Jerónimo Pizarro, Patricio Ferrari e A. Cardiello são os autores de ‘Biblioteca Particular de Fernando Pessoa’ (D. Quixote), cujo 1º volume chega esta semana às livrarias.

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FRASES

"Não existe. O ponto G é um mito." Vaz Santos, urologista, ontem no CM.

"A decisão sobre grandes obras públicas dava um ensaio sobre o mundo virtual na política." J. Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

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maio 08, 2010

Argumentos

Há uma razão para irmos à Liga Europa e não à Champions: é que a Champions já ganhámos (bem como a Taça UEFA, a Taça dos Campeões, a Intercontinental, etc.); a Liga Europa, ainda não.

O argumento foi utilizado pelo Grémio de Porto Alegre quando caiu para a segunda divisão («a segundona»), para tentar resistir à chacota dos adeptos do Internacional, seus conterrâneos e inimigos eternos – o Grémio sagrou-se, de facto, campeão da «segundona» no ano seguinte com um golo de Anderson, que depois veio para o FC Porto.

Ora, a Liga Europa não é a «segundona» e o terceiro lugar não é uma catástrofe – é certo que ambas as coisas eram evitáveis (como se vê: a vantagem do Benfica não é assim tão considerável – e o jogo é no domingo) com um pouco mais de concentração e de energia. Nem Jesualdo nem qualquer outro treinador pode, a intervalos de menos de oito meses, fazer e refazer equipas a partir dos buracos que o mercado de transferências abre no plantel. Graças aos «buracos», a SAD do FC Porto embolsa; devido a eles, a equipa abre buracos no seu rendimento. Dizem-me que é uma lei da vida financeira dos clubes, mas a verdade é que se exige mais constância na lista de jogadores. As rotinas, os esquissos de arquitectura e os truques só se conseguem com alguma prática – quem executa tudo isso são jogadores e não há forma de dar a volta ao assunto.

Por duas vezes aconteceram situações semelhantes na história recente do FC Porto, correspondendo aos chamados «fins de ciclo», um maneirismo usado para significar que a equipa está em construção. Ora, é isso mesmo: a equipa está em construção. Quem viu o jogo do último domingo percebeu a existência de um suplemento anímico que fez com que esquecêssemos que o FC Porto tinha sido reduzido a dez jogadores pelo pertinaz apito de Benquerença (o de impedir que o Benfica acenasse com o título no sagrado palco do Dragão); mas não só. Havia ali jogo. Pena que tivéssemos de esperar por esta altura para chegar à conclusão de que a vida é como é.

in A Bola - 8 Maio 2010

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maio 07, 2010

Blog # 603

Se fizermos bem as contas, não é assim tanto tempo: passam amanhã 130 anos sobre a morte de Gustave Flaubert. Todos ouvimos falar de ‘Madame Bovary’; mas ainda ficam para ler livros como ‘A Educação Sentimental’, ‘Salambô’ ou o extraordinário ‘Bouvard et Pécuchet’, para não mencionar o ‘Dicionário de Ideias Feitas’, um catálogo de observações de Flaubert sobre o mundo e a sociedade francesa da época, e que os políticos de hoje deviam ler para não caírem na tentação de se julgarem inteligentes. É pedir muito, talvez. O melhor é não ter esperança – e ler Flaubert, apenas. O seu talento basta-nos. A ironia, a crueza, e também o amável sentido da desesperança que bate à porta de todos os seus livros. É o destino dos grandes autores: sobreviver entre o esquecimento e a glória.

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Para leitores de Andrea Camilleri (que não escreve apenas ‘policiais’ com o comissário Montalbano): a Bertrand lança este mês, ‘Um Sábado com os Amigos’ – uma novela curta, deliciosa, mediterrânica, boa para sábados de Maio.

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FRASES

"Conseguir um emprego, só com uma boa cunha. Pouco interessa a formação ou a qualificação." Rui Rangel, ontem no CM.

"O que eu sei é que estar aqui a escrever me descontrai e diverte, meus amores." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

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maio 06, 2010

Blog # 602

O deputado Ricardo Rodrigues, muito popular ultimamente (até pelo seu tom de voz), não quis responder às perguntas dos jornalistas da revista ‘Sábado’; estava no seu pleno direito. Já aqui defendi por várias vezes o direito ao silêncio e a não ser entrevistado. A novidade é que, à socapa, Ricardo Rodrigues surripiou (nas suas palavras, “tomou posse”) ou locupletou-se com os gravadores dos jornalistas, que apresentaram queixa por roubo. O deputado justifica-se com a “violência psicológica insuportável” que teria sido exercida sobre ele (umas perguntas). Argumento sério. Deve ter sido por isso que apareceu a invocá-lo numa conferência de imprensa, acompanhado de dois dirigentes do partido. Pelo sim, pelo não, desta vez os jornalistas agarraram bem nos gravadores. Pudera.

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A Lua de Papel vai publicar nas próximas semanas ‘Confissões de uma Cirurgiã’, de Gabriel Weston – um documentário pessoal sobre viver, morrer e cuidar dos vivos num hospital. E bem escrito o suficiente para ser credível.

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FRASES

"O problema não é o que o PS vai fazer com Alegre, a questão é o que Alegre vai fazer ao PS." Pedro Marques Lopes, no blogue União de Facto.

"Os gregos comem tudo e não deixam nada. Levaram o campeonato da Europa e o nosso dinheiro." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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maio 05, 2010

Blog # 601

Pelo blogue de José Milhazes fiquei a saber que as tintas Robbialac propõem no seu catálogo o “vermelho Estaline”. Fui ver e lá está, ao lado do “vermelho baton”, do “vermelho paixão” e do “vermelho fogo” – o “vermelho Estaline”, ao lado do “vermelho Rússia”, que está muito próximo do “púrpura Vaticano”. É mais do que uma inovação: é alta poesia destinada a famílias esquerdistas, um mercado ideológico que merece atenção. Não sei se a marca de tintas criará o “verde Pinochet”, o “vermelho Khmer”, o “verdete Mao” ou o “castanho Mussolini” ao lado do “vermelho Guevara”, mas a coisa pode pegar. Um dia alguém vai pedir a cor preferida de Hitler, que deve ser o cinzento, a mesma de Kim Il-Sung ou dos generais romenos. Não diremos que vamos pintar uma casa; estaremos a manchá-la.

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Biografias breves e fulgurantes, um olhar perspicaz, vivíssimo – o de Maria Filomena Mónica em ‘Vidas’, o seu novo livro (Aletheia) sobre portugueses que conhecemos ou ignoramos. Absolutamente indispensável.

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FRASES

"O país não tem tempo nem pachorra para mais generalidades ideológicas." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

"Quem não me conhece fica com uma ideia completamente errada de mim." Armando Vara, ontem, no CM.

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maio 04, 2010

Blog # 600

A realidade ultrapassa a ficção, como conta o CM na sua edição de ontem: uma jovem mulher saiu nua, para a via pública, em perseguição de um amigo que se recusara a “praticar sexo” com ela. Ele garantiu à PSP que “eram só amigos” e que “já lhe tinha frisado isso”, mas as coisas são como são. Martin Amis fala do assunto no seu novo romance ‘A Viúva Grávida’, mas também Tom Wolfe já o abordara e, em farsa, os livros de Tom Sharpe têm sempre uma dama devoradora que persegue um homem atemorizado. Os antigos caçadores tornaram-se presas – o que é apenas um capítulo da revolução cultural em curso. A ordem do mundo altera-se e não é caso para escândalo nem lamento. Muitos anos de romances, cinema e ícones pop libertaram o sexo e transformaram-no numa compulsão. É a vingança.

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Gosto de livros de listas e os da New Scientist estão na linha da frente. A Casa das Letras acaba de lançar ‘Porque é que os Ursos Polares Vivem Sós e outras 101 Questões sobre a Ciência do Dia-a-dia’. Consulta e posse obrigatórias.

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FRASES

"O Benfica não perdeu por causa de Olegário. Perdeu porque não soube marcar mais golos." Leonor Pinhão, ontem, no CM.

"Espero empatar com o Rio Ave com um golo do Mantorras em fora de jogo no último minuto." Bruno Vieira do Amaral, no blogue A Douta Ignorância.

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maio 03, 2010

Blog # 599

Há personagens de romance que entram pela política e a marcam em definitivo. O tempo escolhe as melhores personagens, e uma delas é Francisco da Cunha Leal (1888-1970), este sábado homenageado no Fundão. Figura de destaque da oposição ao salazarismo, o seu trajeto político vem da I República, que viveu intensamente, com entusiasmo, coragem e contradições – como a época exigia, aliás. A meio do século XX, viu antes dos outros a necessidade de antecipar mudanças que, depois foram trágicas (a economia e as colónias, por exemplo). A imprensa vibrava quando se anunciava um discurso de Cunha Leal; como político, distinguir-se-ia dos de hoje – pela voz. E por não ter medo de provocar escândalo entre os dogmas bem comportados da esquerda ou da direita. Coisa rara. Ave rara, ele.

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Crónica de vidas dispersas, de mundos estranhos, de humanidades perdidas – é este o resumo, se existe, de ‘Submundo’, de Don DeLillo (Sextante): é um resumo do que foi a nossa vida nos anos mais recentes. Muito, muito bom.

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FRASES

"Não gosto de trabalhar e nunca fiz mais nada na vida a não ser escrever." Sveva Casati Modignani, ontem, no CM.

"Há muita gente a querer governar o país de fora sem se responsabilizar pelos resultados." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

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maio 01, 2010

O que eu espero

Espero, em primeiro lugar, que seja um bom jogo de futebol. Se possível, com golos – com jogadas disputadas, corridas, lances de profundidade ou passes curtos bem conseguidos, fugas, malandrices, embates leais. Espero, também, que seja um jogo de guerra em que se perceba o que está em causa: a vitória nesse jogo. Por isso, não vale tudo. Não vale violar as regras de um jogo que foi criado por gentlemen e é praticado, muitas vezes, por arruaceiros. Não vale distrair do essencial, porque o essencial é ganhar este jogo. Espero, por isso, que os jogadores respeitem o talento, o cavalheirismo e a sorte. A sorte pode ser injusta, mas é a sorte do jogo. O talento também pode aparecer nos grandes jogos. E o cavalheirismo é um suplemento de que o futebol anda necessitado.

Espero, também, que as claques se entusiasmem com o jogo – e não com a batalha campal que costuma visitar os estádios em dia de Benfica-Porto. Espero que respeitem o resultado, mesmo se não for agradável. E, se não for agradável, não precisam de saudar o adversário; basta que não o insultem. Não precisam de valorizar a vitória do adversário; basta que repitam o resultado até se convencerem, e retomem a vida, precisamente porque há mais vida para além do futebol. Pode não ser a mesma coisa, mas é uma vida.

E espero que, no final de jogo, ganhe quem ganhar, haja festejos. Se o FC Porto ganhar (como espero convictamente, mesmo por meio golo de vantagem), que se festeje a vitória no jogo; se o Benfica ganhar, os seus adeptos hão-de festejar a conquista de um campeonato ao fim de cinco anos. E, nesse caso, o espaço público e, ao mesmo tempo, as suas memórias, devem ser respeitadas por ambos os clubes e por todos os adeptos. Seria um bom sinal se não houvesse confrontos antes, durante e depois do jogo.

Seria pedir de mais que os jogadores se cumprimentassem depois dos 90 minutos? Não. Precisamente porque no próximo ano há outro campeonato, e por aí adiante.

in A Bola - 1 de Maio de 2010

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