abril 30, 2011

Três exemplos bastam

Depois de, ontem, ver o segundo golo do FC Porto, o de Freddy Guarín, as coisas ganharam algum sentido. As coisas, quer dizer, a vida, mereciam-no. Foi, como se recordam, um golo em dois tempos, com uma primeira parte primorosa em que desviou dois adversários da linha de corrida e uma segunda parte amável e, simultaneamente, crudelíssima, em que a bola acaba por lhe ser devolvida. O resto, ou seja, o toque de cabeça final de Guarín, não faz parte do golo – é pura elegância guerreira e capacidade de decidir numa fracção de segundo; está, sinceramente, além do golo, até porque alguém que finta a margem direita do Villareal e se apresenta diante do guarda-redes com aquela disposição, já merece o golo. Por isso o toque de cabeça é como que o terceto final do soneto que Guarín compôs, ele que não parece poeta.

Já o terceiro, com aquela via ligeiramente despedaçada por Hulk, entra também na história. Em primeiro lugar, porque o árbitro estava disposto a deixar, alegremente, que o Villareal torpedeasse os meniscos do portista; em segundo lugar, porque o toque de Falcao é milimetricamente seguro.

Falemos do quarto: um golo de ave, de quetzal, em voo ligeiramente pronunciado, empurrando o ar com o movimento do corpo, gesto de puro e indiscutível talento – só Falcao poderia tê-lo marcado diante da assembleia de incréus que veio das Espanhas, precedido da habitual fama com que os bárbaros se anunciam.

São três exemplos simples para provar a excelência de uma equipa campeã e superior. Talvez sejam três argumentos decisivos para que o FC Porto possa adquirir o direito de comparecer em Dublin, a discutir a final da Liga Europa.

2. Ao mesmo tempo, em Madrid, o Real perdia mais uma vez com o Barcelona. É assim tão superior, o Barça? Não; aprendeu a tomar conhecimento do campo todo, em vez de se ficar pelo primeiro terço, como um simples atrevido que mascara a sua covardia com a palavra “cautela”. Ora, o Real não foi cauteloso. Foi uma equipa condenada.

in A Bola - 30 Abril 2011

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abril 29, 2011

Blog # 855

Começou ontem a Feira do Livro de Lisboa. Ouço falar de inovações acerca do espaço que atualmente ocupa no Parque Eduardo VII, e que terão lugar em 2013. Pessoalmente, gosto da feira assim e já lhe vejo demasiadas inovações mas provavelmente estarei sozinho, porque as pessoas, em geral, gostam de “coisas novas”, “animação” e “novo design”. Gosto da feira de barraquinhas onde os livros se amontoam e se procuram. Gosto da feira como uma oportunidade de encontro e de perdição, sem demasiadas “atividades paralelas” a atrapalhar a vida dos passeantes e dos editores. Gosto, enfim, da feira onde os autores são atropelados por leitores curiosos ou apaixonados, sentados onde calha, e não dispostos como fornecedores de autógrafos. Podem mudar, sim, mas esta é a feira de que gosto.

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A nova selecção de crónicas de António Lobo Antunes está a sair. Leva o título ‘Quarto Livro de Crónicas’ (Dom Quixote) e tem esta originalidade: inclui um CD com dez crónicas lidas pelo próprio autor. Texto e voz de mãos dadas.

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FRASES

"Antes de desmaiar, ainda o ouvi dizer para me levantar e não dar nas vistas." Anjie, espancada pelo marido. Ontem, no CM.

"Não acordava tão sobressaltado desde que adormeci ao ver o Michael Jackson pela primeira vez." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

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abril 28, 2011

Blog # 854

Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011) não era apenas um professor ou um notável historiador dos Descobrimentos: era uma figura tutelar da cultura portuguesa, frequentemente ignorado pelo Portugal “contemporâneo”. O país que Magalhães Godinho estudou com rigor e paixão é o mesmo país que, como acontece desde o século XVI, se recusa a olhar a sua imagem no espelho da História, vivendo de ilusões caras e de mentiras banais. Perseguido pela ditadura, banido da universidade, Godinho construiu no estrangeiro uma obra notável que seria útil estudar para compreender melhor as suas difíceis conclusões: que a nossa participação na história global exige mais qualidade, mais trabalho, mais inteligência e mais rigor. Na morte de Vitorino Magalhães Godinho, devemos-lhe essa reflexão.

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É um clássico do romantismo, embora La Motte-Fouqué (1777-1843) seja um desconhecido: ‘Ondina’ sai por estes dias (Antígona) e com prefácio de Teolinda Gersão. Recentemente, Neil Jordan adaptou-o ao cinema. Lê-lo é outra coisa.

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FRASES

"Não posso dizer […] porque senão os ladrões ficariam também a saber." João Cordeiro, Presidente Ass. Nac. das Farmácias, sobre as medidas de segurança a adotar pelas farmácias. Ontem, no CM.

"Parece que anda tudo a engolir sem espinhas esta zanga entre Sócrates e Teixeira dos Santos." Bruno Faria Lopes, no blogue Elevador da Bica.

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abril 27, 2011

Blog # 853

É uma má notícia para os dietistas e caçadores de imoralidades calóricas: a ‘francesinha’ faz parte do nosso orgulho. O sítio AOL Travel acaba declarar que ela é a oitava melhor sanduíche do mundo, uma espécie de Machu Pichu da culinária de bar. A ‘francesinha’ deve ser comida de garfo e faca, e nas dez primeiras da lista, apesar da abundância de ingredientes, só o ‘kati roll’ (de Calcutá, em sexto lugar) se lhe compara em elegância – todas as outras só podem ser comidas com manifesto prejuízo das maneiras à mesa. A ‘fast food’ portuguesa pode ser enriquecida com a ‘francesinha’, à semelhança do que a cadeia Habib’s já fez com o pastel de nata ou o bolinho de bacalhau. Podíamos, claro, chamar-lhe ‘portuguesinha’ e licenciá-la como parte do nosso ‘património imaterial’.

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O que há de trapezismo na economia contemporânea pode ser lido em ‘23 Coisas que Nunca lhe Contam Sobre a Economia’, de Ha-Joon Chang (Clube do Autor). Se não conhece o autor, não ligue – os mitos da economia não têm assinatura.

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FRASES

"A verdade nunca fica bem na fotografia." Fernanda Cachão, ontem, no CM.

"De nada vale chegarmos a acordo quanto a uma decisão errada. Continua errada." André Abrantes Amaral, no blogue O Insurgente.

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abril 26, 2011

Blog # 852

Passam amanhã 120 anos sobre o nascimento do ucraniano Sergei Prokofiev. Conhecemos sobretudo a peça ‘Pedro e o Lobo’, um prodígio de simplicidade e de arte narrativa, bem como a música dos filmes de Eisenstein (‘Ivan, o Terrível’, nomeadamente) ou a sua ligação ao bailado (compôs ‘Romeu e Julieta’ para o Kirov). É pouco, mas o leitor pode escutar os seus concertos para piano. O que surpreende em Prokofiev é a sua ligação amargurada à ditadura de Estaline (morreram no mesmo dia), depois de ter passado larga temporada nos EUA (onde privou com Rachmaninoff) e em Inglaterra (onde conhece Stravinsky). O regime festejava-o e perseguia-o (e à sua família), em simultâneo. O estalinismo considerou-o um ‘formalista’, e a sua música anti-democrática. Resistiu ao tempo, como se vê.

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Sai a 16 de Maio para as livrarias e vou lê-lo sem hesitar: ‘Os Cem Passos’, do luso-americano Richard C. Morais (Dom Quixote), promete emoções para quem gosta, ao mesmo tempo, de literatura e de gastronomia (indiana e francesa).

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FRASES

"Sempre houve pessoas que nunca viveram senão em crise e no teatro somos o exemplo disso." Joaquim Benite, ontem, no CM

"Há pregadores que usam os dias santos para infernizar os raros prazeres dos compatriotas." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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abril 25, 2011

Blog # 851

João Maria Tudela será sempre lembrado por “Kanimambo” – eu recordá-lo-ei por “Lourenço Marques”, uma canção romântica que transportava, não apenas a memória colonial, mas a homenagem à “cidade das acácias”, a “pérola do Índico”. O tempo não foi justo nem injusto para com João Maria Tudela – foi o grande cantor do “verão eterno” daquele Moçambique, e calhou-lhe ser afastado e vetado pelo regime de então, bem como pelo que se lhe seguiu em 1974. Há uma maldição que persegue os que não têm território. Ia lembrar outros nomes que deixaram de ter pátria, como Rui Knopfli, poeta que não pôde ser moçambicano nem se sentiu, nunca, inteiramente português. Diz-se que os últimos tempos não foram felizes para Tudela; ele será, para as novas gerações, uma antiguidade a redescobrir.

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O Brasil transformou Hugo Gonçalves? Talvez. A prova está em ‘Fado, Samba e Beijos com Língua’ (Clube do Autor), o novo livro do autor de ‘O Coração dos Homens’ e de ‘O Maior Espetáculo do Mundo’. Lançamento amanhã ao fim da tarde.

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FRASES

"A única concepção democrática que existe na cabeça dos fanáticos não admite discórdias." João Pereira Coutinho, ontem, no CM.

"Os imortais não são mais à prova de morte do que os cidadãos anónimos." Paulo Araújo, no blogue Dias Com Árvores.

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abril 23, 2011

1,98 por cento bastou

Um jogo só está ganho quando termina; uma eliminatória termina ao fim de dois jogos. Este princípio, geralmente aceite, tem excepções – e, apesar da época excelente do FC Porto, ele não serviu para moderar a paixão da imprensa e o seu gosto antecipado pela previsibilidade a propósito das meias-finais da Taça de Portugal. Erro crasso e falhanço nas previsões.

Para a generalidade dos comentadores que ouvi na rádio, antes e durante os primeiros minutos de jogo, tratava-se de o Benfica aguentar a pressão “que decerto existiria” e de o FC Porto “tentar a vitória” mas sem colocar em perigo a passagem – garantida, como de costume – dos encarnados à final. O que o jogo de anteontem demonstrou foi o seguinte: o FC Porto estava disponível para discutir não só as evidências dos comentários mas, sobretudo, discutir o essencial, que era futebol. E ganhou, apesar de, nesse mesmo dia, o “Público” ter anunciado que, de acordo com a conhecida fiabilidade das estatísticas, só ter 1,98 por cento de possibilidades de passar à final (tendo em conta 101 jogos entre as duas equipas no estádio do Benfica). Pois foram esses 1,98 por cento que abriram a porta a uma das vitórias mais saborosas da temporada (até ao momento); se havia 1,98 por cento de hipóteses, seria por aí que o FC Porto seguiria, como seguiu, mostrando que não há jogos para “cumprir calendário” nem derrotas de que se não possa redimir.

A magnífica prestação ofensiva de que se distinguiu o tridente goleador (Moutinho, Hulk e Falcao) serviu, também, para confirmar as opções de André Villas-Boas que não foi à Luz para sujeitar a sua equipa às provações de um jogo mastigado e defensivo, como queria Jorge Jesus, confiante em que a semana da Páscoa lhe seria favorável e em que há sempre uma estrelinha a favorecer o clube que ainda representa.

Nisto tudo, um momento menos agradável: as luzes mantiveram-se acesas no estádio e o sistema de rega não funcionou. Alguma coisa, portanto, continuava a falhar.

in A Bola - 23 Abril 2011

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abril 22, 2011

Blog # 850

A semana da Páscoa trouxe-nos a estreia de ‘Jane Eyre’, o filme de Cary Fukunaga, com Mia Wasikowska, Michael Fassbender e Judi Dench. Será matéria para cinéfilos – por mim, recomendo que se leia, também, o livro, um dos romances essenciais da literatura europeia, de Charlotte Brontë (a irmã de Emily, autora de ‘O Monte dos Vendavais’, e de Anne, a de ‘Agnes Grey’). ‘Jane Eyre’ é um dos livros fundadores do primeiro feminismo: trata de um combate pela independência e pela dignidade, encetado por uma heroína rara na literatura da época (segunda metade do século XIX inglês), ainda respirando os versos do último romantismo e os acordes da poesia de Byron ou Keats. Juntamente com o livro da irmã Emily e com ‘Orgulho e Preconceito’, de Jane Austen, é inesquecível e poderoso.

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Para interessados em jornalismo de investigação, teorias da conspiração e afins, a Casa das Letras publica, no início de Maio, ‘Nos Bastidores da Wikileaks’, o livro de Daniel Domscheit-Berg, ex-número dois de Julian Assange.

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FRASES

"Se pensa que não é possível mais tiros nos pés, o PSD arranja sempre forma de dar mais um." Pedro Marques Lopes, no blogue União de Facto

"Vamos estar potencialmente atentos às pessoas que possam pôr em risco a vida de terceiros." Pedro Costa Lima, GNR, sobre a ‘Operação Páscoa’. Ontem, no CM.

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abril 21, 2011

Blog # 849

Não sou admirador de ‘Tintim’ e acho que, até hoje, devo ter lido quatro ou cinco. Os personagens de que mais gosto são o capitão ‘Haddock’ e a episódica ‘Castafiore’. Acho ‘Tintim’ um aborrecido e o cão ‘Milou’ parece-me um gato. Seja como for, em Setembro começará na Bélgica o julgamento que decidirá se ‘Tintim no Congo’ é um livro racista. Se o tribunal estiver de acordo, o livro levará uma cinta onde se advertirá sobre o "conteúdo incorreto" e as livrarias não poderão publicitá-lo; há bibliotecas onde o livro foi retirado da área infantil e só é lido com autorização especial. São sinais dos tempos, compreensíveis mas idiotas. Um dia, todos levaremos uma placa a dizer que somos mafarricos e já tivemos pensamentos indecentes e impróprios.

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abril 20, 2011

Blog # 848

Sorte a minha. Durante anos ignorei a existência de um livro intitulado ‘Single & Single’, de John Le Carré (Dom Quixote, de 1999). Leio-o comovido – é do melhor que Le Carré escreveu: uma prosa finíssima, elegante, crua e poética em simultâneo. Uma história que nos reenvia às transformações na ex-URSS, a um palco de personagens reservadas para o descalabro ou para a melancolia. Precisamente a melancolia: não há cultura superior nem civilização sem o seu perfume. Estes personagens transportam uma reserva de lágrimas que não mostram – por pudor. Amam terrivelmente. Sofrem sem limites. Se fossem portugueses, morreriam de saudade. E morrem, mesmo assim, como gente rebelde e destinada a fazer qualquer coisa de trágico e de glorioso, em nome do amor ou da própria melancolia.

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Eu sei, não consigo resistir ao folhear as páginas de ‘Cozinha. O Coração da Casa’ (Civilização Editora), de Nigella Lawson, ‘a Nigella’: nem é pela comida; é mais pelo efeito. Os meus leitores sabem do que eu falo. É por Nigella.

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FRASES

"As pessoas vão sempre precisar de música." Mikkel Solnado, músico, filho de Raul Solnado. Ontem, no CM.

"Segundo vozes viperinas, Mário Soares não para; desta vez mandou Fernando Nobre para o PSD." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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abril 19, 2011

Blog # 847

Inicia-se, em “termos civis”, a “temporada da Páscoa”. Tal como o Natal, a Páscoa perdeu relevância religiosa nas nossas sociedades. A morte de Cristo, no mundo católico, deixou de ser um símbolo para passar a ser uma referência que não convém ser demasiado cruel; da simbologia passou-se à mais prosaica obrigação das “férias de primavera” onde não há jejum nem temperança, mas procura da primeira praia apesar das previsões meteorológicas. O judaísmo mantém o ritual da Passagem (‘Pessah’) e da Libertação (dos escravos do Egito), provavelmente o que mais perdura, com o seu cerimonial discreto e heterodoxo. Mas, num mundo prosaico e sem mitos fundadores, a “sociedade civil” procura, sobretudo, os feriados e a antecipação do lazer. A crise apenas agudiza esta falta de sentido. *** Pequena relíquia: os contos do uruguaio de Montevideo, Felisberto Hernández (‘Contos Reunidos’), são um clarão primaveril, misto de prosa e poesia – mais um lançamento da série Ovelha Negra, da Oficina do Livro. Relíquia, sim. *** FRASES "Todos sabem quem é o ladrão, mas toda a gente tem medo." Augusto Santos, sobre os assaltos às campas no cemitério de Sta. Maria da Feira. Ontem, no CM. "Nesta fase as pessoas têm mais que fazer do que pensar em alternativas para vencer a crise." Teresa Ribeiro, no blogue Delito de Opinião.

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abril 18, 2011

Finalmente, a política

Finalmente, a política. Fui convidado, como independente, para a lista de candidatos a deputados pelo PSD no círculo de Bragança – e aceitei. As razões são simples e prendem-se, todas elas, com a necessidade de responder a um desafio para a participação na vida portuguesa. Há muitas formas de o fazer — esta é uma delas. A participação activa na vida política nunca foi uma das minhas prioridades acima de todas as outras; a experiência dos últimos anos, no entanto, é dramática: a indiferença destruiu a capacidade de o país escolher, interrogar-se, pensar, escolher e agir. Essa indiferença conduziu, não raro, a formas obtusas de ressentimento, de mistificação, de medo, de mau governo e — finalmente — a um caos em que o debate, a troca de ideias e o esforço colectivo foram desprezados, até chegarmos a um ponto em que a indiferença diante do mau governo se tornou tolerada e, até, apreciada e valorizada. Essa perversão da vida democrática é inaceitável. Diante do mau governo devem apresentar-se propostas e soluções para a mudança — até para reconduzir o país a uma normalidade que lhe permita encarar as dificuldades económicas que vive actualmente.

Penso que Portugal deve mudar; não apenas de governo, mas de modo de vida. Os últimos dez anos conduziram-nos a um caos que não vivemos antes senão em situações de excepção — na economia, na justiça, na educação, na protecção social, na vida em sociedade. À situação económica próxima da calamidade (de que os sinais mais evidentes, nos últimos anos, são o endividamento crescente do Estado, das empresas e dos cidadãos, a par do descontrole das contas públicas e da incapacidade de o governo fazer as escolhas mais acertadas, mascarando a contabilidade, falhando nas previsões, tomando por realidade aquilo que não passa de uma soma de fantasias cujos resultados serão bastante graves para os próximos anos) junta-se também a necessidade de procurar novos caminhos para a nossa vida. Isso passa por repensá-la e não por sujeitá-la a conjuntos contraditórios de «medidas» ditadas pela propaganda, pelas circunstâncias mais imediatas, bem como pela necessidade de manter uma enorme máquina de poder e de influência, cujo único objectivo é o de criar mais poder e mais influência. Acredito que isso passa por exigirmos clareza e transparência nas contas públicas, porque isso há-de significar, também, respeito pelo esforço e participação dos contribuintes; pela ideia de parcimónia e moderação na vida das famílias, porque isso significará que não se endividarão para lá do aceitável; por exercer o poder sem abdicar das ideias de tolerância, de respeito pela diversidade de opiniões, da necessidade de debate e de consenso; passará também por reduzir o poder do Estado e das grandes corporações, de modo a não sacrificar a liberdade dos cidadãos nem a sua capacidade de iniciativa; passará por fazer com que a educação e o ensino regressem à escola pública, que não pode ser reduzida a um palco de experiências sindicais, pedagógicas, ideológicas e de «engenharia social»; passará por uma reforma da justiça, de forma a torná-la mais célere, mais próxima dos cidadãos, mais eficaz, mais fiável, mais prestigiada e independente do poder político; passará por não tratar como mera estatística (maleável e apta para toda a espécie de propaganda) o crescente e dramático aumento do desemprego, da pobreza e do desamparo na velhice; passará por mais, sempre mais, rigor e transparência na aplicação dos dinheiros públicos, uma vez que o Estado não pode ser «propriedade» de nenhuma geração iluminada, de nenhum complexo empresarial, de nenhum grupo de pressão e de influência, nem pode, tão-pouco, ser administrado ao sabor das conveniências do momento; passará por uma nova interpretação do papel do Estado na área da Cultura, que não pode ser concebida como o organograma dos interesses privados e corporativos no actual Ministério da Cultura – é impossível falar de Cultura sem falar da ideia de comunidade, sem falar de imaterialidade, de prospecção do futuro, de património e da independência dos criadores em relação ao Estado; é também impossível falar de cultura sem falar de novos públicos para a cultura, tendo em conta que os novos públicos não se formam com mais dinheiro, com mais investimento e mais despesa do Estado, mas com a sua criação a partir da escola, que não pode continuar a menosprezar a educação artística, o pensamento e o contacto com as letras e o património. Estas são as minhas ideias e continuarei a defendê-las —já as defendi até aqui, e penso que são justas e sensatas. E creio que as ideias de justiça e de sensatez devem regressar à vida política. Irei defendê-las agora noutro lugar, e a partir de uma candidatura em Bragança, terra de grande parte da minha família, a terra dos meus maiores, como escreveu Jorge Luis Borges. Tenho orgulho em fazê-lo a partir de Bragança.

Como disse, aceitei esta candidatura como um desafio à participação na vida portuguesa. A partir de agora, esse desafio será, também, um dever. Manter-me-ei como independente, no quadro de um programa eleitoral com que me identifico e que defenderei. Não tenho uma vida profissional como político dedicado à política a tempo inteiro — sou e serei sempre o que fui: autor e editor. Irei, portanto, manter essa identidade e essa raiz. Espero não me arrepender; mas, se isso acontecer, sei que não há novos começos. Continuarei, apenas.

in A origem das espécies - 16 Abril 2011

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Blog # 846

O CM informa que durante o mês de fevereiro, nos EUA, já foram vendidos mais livros eletrónicos do que em papel. Em Portugal, estamos longe disso mas é provável que daqui a seis ou sete anos a proporção dos números seja muito semelhante à de hoje nos EUA. Continuo com dúvidas, ao contrário dos otimistas que vêem benefícios em todas as novidades. Ao contrário, acho que há novidades que não trazem grandes vantagens ou que, pelo menos, funcionam como uma distração. Ler é ler. Por vezes, exige concentração, silêncio, disponibilidade, portas fechadas. Por vezes, exige-nos inteiros, sem internet nem informação excessiva. O livro pode ser um ‘gadget’ miraculoso e brilhante, em papel ou noutro formato – o importante é que o número de leitores não diminua nem seja desperdiçado. *** A Sextante acaba de publicar ‘Até ao Fim. A Última Operação’, de António Vasconcellos Cardoso – a revisitação de um combate derradeiro na Guiné, durante a guerra colonial, enquanto acontece o 25 de Abril em Lisboa. Um olhar militar. *** FRASES "Ninguém disfarça. A começar pela própria União Europeia que, ao contrário do FMI, quer sangue." João Pereira Coutinho, ontem, no CM. "Fernando Nobre nem sonha com os dias que estão para vir." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

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abril 16, 2011

Assunto arrumado

A vitória do FC Porto ontem à noite apenas confirma uma promessa de qualidade feita no início do campeonato. Não vale a pena responder à multiplicação de querelas, alimentadas para mascarar outros falhanços e para tentar justificar uma época que fica a meio; sempre defendi que a única resposta a essa máquina de produzir desculpas, artifícios, birras adolescentes de circunstância, pequenos ressentimentos – devia ser o silêncio. Fica provado, depois dos cómicos incidentes da Luz (apaga a luz, liga a água, desliga a água), que não discute com o FC Porto quem quer. Assunto arrumado.

O que, certamente, não é assunto arrumado é a forma como a Benfica TV se referiu ao presidente do FC Porto. Um cómico tem liberdades de estilo, bem como disponibilidade para ser grotesco, facilidade em passar com ligeireza do risível ao abjecto, do jocoso ao ofensivo. Não se lhe deve levar a mal. Um cómico tanto pode ser inteligente como inimputável. Tanto pode ser ridículo como guardar capacidade suficiente para saber ridicularizar com graça. O FC Porto reagiu à prédica como se o assunto fosse sério; ora, o assunto não é sério – é, à imagem dos cómicos que o protagonizaram, matéria para recolher aos varais da inimputabilidade. Sou contra a constituição de “delitos de opinião”, acho desprezível a falta de humor – simplesmente, a Benfica TV tem de escolher entre ser uma marca televisiva ligada ao futebol ou um albergue indesculpável. Tem de optar.

Para terminar, um assunto festivo: três equipas portuguesas estão este ano nas meias-finais da Liga Europa. O facto não é apenas assinalável; é, também, histórico e a merecer a nossa alegria no meio da vileza geral. Certamente que a final terá também, pelo menos, um clube português. Com este quadro, é exigível que se peça ao “futebol português” que se reorganize, que se repense, que se mostre mais educado e mais apresentável. É o mínimo que os clubes portugueses podem fazer pela sua desejável transformação numa modalidade verdadeira e para gente decente.

in A Bola - 16 Abril 2011

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abril 15, 2011

Blog # 845

Esta é a frase: “Eu não me submeto a leis ao interpretar a palavra de Deus.” Foi escrita em Outubro de 1520 por Martinho Lutero, numa carta enviada ao papa Leão X – que viria a excomungá-lo três meses depois. Completam-se amanhã 490 anos sobre o seu julgamento em Worms, na Renânia, promovido pelo imperador Carlos V – foi aqui que Lutero ganhou a batalha definitiva perante uma corte de teólogos e políticos que pretendiam que ele renunciasse às suas célebres 95 Teses, onde questionava tanto o poder da Igreja como a autoridade do papa. Um homem é senhor do seu destino e não deve ter receio de defender as suas ideias; por isso, há 490 anos, a 16 de Abril de 1521, Lutero foi corajoso e definitivo: “Aqui estou. Não posso fazer outra coisa, isto é o que eu penso.” Fixem bem. *** Lembra-se de ‘Adolescente Agrilhoado’, o romance de José Marmelo e Silva? A 6 de maio assinala-se o centenário do nascimento do autor e a Faculdade de Letras do Porto dedica-lhe um congresso. A memória é um bem inestimável e raro. *** FRASES "Basta enchê-lo de ar para o maluco neurótico lhe mostrar as duas personalidades e meia." Instruções do boneco insuflável com o rosto de Charlie Sheen. Ontem, no CM. "Os melhores filmes são os que expõem as nossas obsessões." Ricardo Gross, no blogue Delito de Opinião.

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abril 14, 2011

Blog # 844

A proibição de fumar, nos EUA, é uma religião oficial. Em contrapartida, podem comprar-se armas. A comparação é hipócrita, mas serve os meus propósitos. Nos filmes de Hollywood não há personagens a fumar; em contrapartida, como assegurou Dennis Quaid num artigo publicado na ‘Newsweek’, os estúdios incluíam a cocaína como um dos itens a fornecer aos atores – tanto assim que havia uma verba semi-oficial para a contabilidade com os gastos em pó branco. A mesma indústria que se predispôs a censurar filmes em que Humphrey Bogart aparece de cigarro em riste, aceita e promove a cocaína entre os atores – é mais ‘cool’, mais ‘limpo’, mais ‘chique’. Uma ‘overdose’, mesmo rara, é um belo sinal de ‘glamour’ no universo da hipocrisia e do bem-estar.

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abril 13, 2011

Blog # 843

João Leal Pereira ganhou um concurso em que o objetivo era desenhar sardinhas que possam ser símbolos das Festas de Lisboa. São 15 as sardinhas, mas a deste estudante de ‘design’ merece distinção. Porquê? Porque escolhe elementos da literatura como marcas da cidade. Para além do fado e de uma ou outra presença (nem sempre louvável) na pintura, é a literatura que de forma mais duradoura fixou Lisboa. A sua ‘sardinha’ tem ‘rosto’ de Eça de Queirós e ainda os retratos de Camões e de Pessoa. Poderia acrescentar Rodrigues Miguéis ou José Cardoso Pires, Saramago ou Mário Cesariny. Cidades como Dublin, por exemplo, desenvolveram o turismo literário, que procura a cidade de Joyce e do ‘Ulysses’. Quem tem Pessoa não precisa de mais nada. Lisboa, cidade de Pessoa. E rima e tudo. *** Depois de um magnífico ‘O Homem Que Queria Ser Lindbergh’, João Lopes Marques regressa com ‘Iberiana’, um delírio romanesco sobre “os povos peninsulares” – não é: é, antes, sobre a possibilidade de a literatura se render à imaginação. *** FRASES "Ouve-se José Sócrates a falar e fica-se basbaque: deve ser outro país aquele de que fala." Pedro S. Guerreiro, ontem, no CM. "Ter pena e sentir vergonha pelo meu país também é patriotismo." J. Rentes de Carvalho, no blogue Tempo Contado.

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abril 12, 2011

Blog # 842

Amanhã, 13 de Abril, assinalam-se 110 anos sobre o nascimento de Jacques Lacan, psiquiatra, psicanalista, mas também linguista, filósofo, um nome essencial para incluir na lista dos intelectuais mais influentes do século XX europeu. O que era fundamental em Lacan? Isto: o Inconsciente é, sobretudo, linguagem, discurso, fala, palavra (sem o desejar, provavelmente, Lacan acabou por situar Sigmund Freud na sua real dimensão: a de um escritor, um poeta do espírito, um criador literário). Hoje, Lacan não é recordado como psicanalista mas, sobretudo, como uma figura de tensão no meio inteletual francês. Nessa medida ele foi também um dos mandarins da cultura francesa; o seu poder era inversamente proporcional à sua inteligibilidade. Daqui a uns anos, não haverá lacanianos. *** O cubano Leonardo Padura deu descanso ao seu detetive Mario Conde e, em ‘O Homem que Gostava de Cães’ (Porto Editora), trata da relação entre Ramón Mercader e Trotsky como elementos de uma luta ideológica e da erosão do comunismo. *** FRASES "Com o maquis queimado e a juventude anestesiada, não há ninguém para a resistência." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal. "Fui sempre saudável e também fui sempre muito brincalhona, o que talvez tenha ajudado." Sofia Martins, 105 anos. Ontem, no CM.

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abril 11, 2011

Blog # 841

Uma vida inteira. Isso podia ser dito de Sidney Lumet (1924-2011), que morreu este fim de semana. Um homem que encenou Tennessee Williams, Eugene O’Neill, Miller ou Tchekhov, que trabalhou com Al Pacino, Brando, Paul Newman, Sean Connery, Katharine Hepburn, Dustin Hoffman, Henry Fonda, Faye Dunaway, Robert Duvall ou até River Phoenix e Sharon Stone – seria sempre um homem feliz. Havia nos seus filmes uma disponibilidade e generosidade crítica, o que nos salvou de sermões ideológicos sobre "como o mundo devia ser", mas não nos poupou ao seu realismo nova-iorquino (no cinema e na TV), misto de sofisticação e de sujidade (o de ‘Serpico’), de tragédia e de amor profundo, tenso. Os filmes de Lumet resistiram, com brilho, ao tempo e à banalidade.

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abril 09, 2011

Tragicomédia e farsa

Em certa medida, o “hat-trick” de Radamel Falcao, ontem à noite (sobretudo aquele primeiro voo, magistral, diante da baliza russa), poderia fazer-nos esquecer as trapalhadas do domingo passado na sequência da conquista do título pelo FC Porto, a cinco jornadas do fim. Na verdade, a encenação daquele apagão da Luz foi tão ridícula, e a abertura do sistema de rega do relvado tão despropositado, que mais valia deixar os responsáveis deste Benfica com a sua tragicomédia particular. Mas há dois pormenores que me obrigam a voltar atrás.

O primeiro, depois sublinhado pela imprensa: ao ver que os jogadores do FC Porto tinham aproveitado os repuxos do sistema de rega para se divertirem mais um pouco, alguém mandou desligá-los. O que era a amostra de um temperamento ressentido e com jeito para partidinhas de carnaval, transformou-se num alegre retrato de gente com problemas de puberdade. Ou seja: alguém acompanhava a evolução dos acontecimentos no relvado e mandava manejar a luz e a água do estádio. São uns brincalhões.

O segundo ocorreu no dia seguinte: depois de apurados os danos e de se verificar que os adeptos do Benfica são, evidentemente, mil vezes melhores do que os dirigentes do clube, tentou-se proceder à invenção de histórias defeituosas para justificar o injustificável. Caiu por terra a tentativa – ninguém esquece a tragicomédia e ninguém vai ignorar a farsa montada em seu redor. A gargalhada aumentou de tom e ameaça tornar-se ensurdecedora de cada vez que são recordados os pormenores.

Seja como for, depois da conquista do título (que, como se sabe, tinha sido atribuído ao Benfica pela imprensa, ainda antes de a época ter começado) na Luz, ontem veio a confirmação com a goleada russa. Não só a equipa se apresentou ao melhor nível, sem mazelas nem arrogância, como tratou de – com disciplinada humildade – justificar a qualidade demonstrada ao longo de uma época que ainda não terminou. E, ao invés de floreados e ditirambos, Villas-Boas deu uma lição de cavalheirismo.

in A Bola - 9 Abril 2011

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abril 08, 2011

Blog # 840

No primeiro trimestre, os cinemas portugueses viram as suas receitas de bilheteira descer 21,3 por cento (o que significa menos um milhão de bilhetes). Não há estatísticas dos concertos e outros espetáculos porque as contas andam sempre baralhadas com os ilegais e nefastos subsídios atribuídos pelas autarquias. Números não oficiais fazem prever que as livrarias também desçam entre 15 a 20 por cento na sua faturação. É uma crise? É. Daqui em diante vai ser assim. Os números explosivos dos festivais de Verão do ano passado talvez não se repitam em 2012 e até em 2011. Ao contrário do que se possa pensar, isto é uma oportunidade para pensar duas vezes antes de gastar dinheiro em ‘desperdício. Faz-nos bem. As crises são benéficas para a cultura; espevitam a criatividade. *** É uma bela edição (da Dom Quixote) que nos reenvia ao século XIX português: as ‘Memórias do Duque de Palmela’, com prefácio e organização de Maria de Fátima Bonifácio. Era bom que os políticos de hoje pudessem escrever assim. *** FRASES "Há muito que ela ameaçava que me ia bater e andava a mandar-me mensagens com essas ameaças." Sandra Araújo, 34 anos, sobre filha de 16. Ontem, no CM. "Há aí uns pândegos que vêm falar em economia. Como se nós tivéssemos ou viéssemos a ter uma." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

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abril 07, 2011

Blog # 839

Quando o governo decidiu – e bem, mas empurrado pelas circunstâncias – cortar no número de institutos, observatórios, grupos de missão & afins, soube-se que ia ser extinta a Direção Geral do Livro e das Bibliotecas, a fim de ser integrada na Biblioteca Nacional. Entre tantas opções possíveis, o fim da DGLB era injusto: transporta consigo um historial (dos tempos do IPLL) de criatividade e de muito trabalho, de funcionários competentes e dedicados – apesar de ter um orçamento limitado e modesto. De adiamento em adiamento, no entanto, caímos nesta situação: como se quis adiar tudo para o PEC IV, a ironia é que a DGLB permanece, ao contrário do governo que queria extingui-la. Qualquer que seja o governo a sair das eleições, deve pensar duas vezes antes de fazer asneira. *** O século XX fez-nos melhores? A Casa das Letras publica este mês ‘A Pior das Guerras’, de Daniel Jonah Goldhagen. O subtítulo explica tudo: ‘Genocídio, extermínio e violência no século XX’. De Auschwitz ao Darfur, a lista é cruel. *** FRASES "As manifestações de carinho parecem ser mais naturais ao povo espanhol do que aos portugueses." José Sucena, Administrador da Fundação Saramago. Ontem, no CM. "A situação política pátria está demasiado em estado e modo ‘vai vir charters’." Nicky Florentino, no blogue Albergue dos Danados.

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abril 06, 2011

Blog # 838

26,5 por cento dos portugueses e 21,5 por cento dos espanhóis inquiridos pelo Barómetro de Opinião Hispano-Luso acham que José Saramago é espanhol; além disso, 46,4 por cento são favoráveis a uma ‘União Ibérica’, coisa que não se sabe o que significa. A esquizofrenia está mais ou menos galopante na pátria. A proposta de ‘União Ibérica’ regressa sempre que as coisas vão mal por aqui – o que prova a tentação de enterrar a cabeça na areia em vez de resolver os problemas. Para parte dos ‘iberistas’, a ideia é pôr a Espanha a fazê-lo, em vez de assumir responsabilidades. Eu, que gosto tanto de Espanha (vivi demasiado tempo na fronteira), quero que ela continue onde está, para que possamos apreciá-la, visitá-la, lisonjeá-la, rirmo-nos dela e, em certos momentos, detestá-la. Olé. *** A Teorema relança este mês três dos seus títulos mais emblemáticos, do inglês Tom Sharpe: ‘Wilt’, ‘Alternativa Wilt’ e ‘O Legado de Wilt’. Absolutamente hilariantes e politicamente incorretos, com capas de António Jorge Gonçalves. *** FRASES "Nada tenho contra insultos, apenas gosto que me revelem sinais de inteligência." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve. "O autor da ideia merecia ser agraciado com o Dragão de Ouro por ter dado mais brilho à festa." Duarte Moral, sobre o ‘apagão’ da Luz. Ontem, no CM.

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abril 05, 2011

Blog # 837

Em 1995 visitei o escritor Hugo Claus, em Antuérpia. Ele era o autor de um dos mais belos “livros europeus” de sempre, ‘Le Chagrin des Belges’ (em Portugal, ‘O Desgosto da Bélgica’), e candidato permanente ao Nobel. Poeta notável, romancista, Claus era um homem digno, culto – e triste. Um pormenor havia, no entanto, na sua biografia: vivera durante dez anos com a atriz Sylvia Kristel, a de ‘Emmanuelle’, o filme “erótico” de Just Jaeckin que agora se anuncia ir passar a uma versão de 3D. ‘Emmanuelle’ sempre me pareceu a emanação de um erotismo para francês ver, pirosinho e previsível, bom para a nossa adolescência. Uma versão ‘arredondada’ de ‘Emmanuelle’ (uma velharia quase belga do tempo em que não havia depilação brasileira) em 3D é uma perversão no limite da decência. *** Duas traduções memoráveis: antologias de Lope de Vega e de Luis de Góngora (ambas na Assírio & Alvim), sob a responsabilidade de José Bento, que além da tradução e da seleção de textos, assina prólogos esclarecidos e notáveis. *** FRASES "Nunca esquecerás que a política é a arte do possível – pelo menos em democracia." Pedro Correia, no blogue Delito de Opinião. "Tenho uma vida saudável. Por exemplo, faço aulas de flamenco." Carla Salgueiro, atriz, ontem, no CM.

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abril 04, 2011

Blog # 836

Numa pequena entrevista publicada no ‘The Guardian’, Martin Amis diz que “é necessária alguma inocência para se ser romancista”. Ninguém diria, à primeira vista, depois de ler ‘A Viúva Grávida’, o seu romance mais recente, uma espécie de reconstituição dos mitos sexuais e da eterna juventude dos anos setenta. Mas, pensando bem, faz todo o sentido; há na arte de contar histórias uma inocência que nos salva. Não tem a ver com bons sentimentos, nem com a inocência angelical, coisas que se reservam para a moral e não para a literatura – mas com o fato de acreditarmos, que ‘aquela’ história pode atingir o coração dos leitores, servir de conforto e de perturbação. Só um grande escritor pode dizê-lo assim, como se a literatura ainda valesse alguma coisa no coração das pessoas. *** O Festival Literário da Madeira terminou em apoteose: boa organização, muito público, boas intervenções, promessas de novas edições. Em três dias, o Funchal entrou para o mapa dos festivais. Parabéns à Booktailors e à Nova Delphi. *** FRASES "...a indiferença geral dos portugueses perante ‘o estado a que isto chegou’." João Pereira Coutinho, ontem, no CM. "Portugal só terá as mudanças necessárias quando um PM quiser governar contra o seu partido." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

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abril 02, 2011

A três pontos, rapazes

O impedimento da entrada de “símbolos portistas” no Estádio da Luz no jogo deste fim de semana e a titubeante e envergonhada resposta das autoridades em relação ao caso (está prometida uma conferência de imprensa da PSP para hoje, embora os esclarecimentos devessem ter sido prestados ontem) parecem ser os únicos pontos polémicos do clássico que se aproxima. A três pontos da vitória no campeonato, o FC Porto deve concentrar-se no essencial. E o essencial é isto: ou se ganha este fim de semana na Luz ou se ganha no próximo, no Dragão. Este é o xadrez que interessa. Que o Benfica encontre razão para birras quando se devia interromper o ciclo de patetices que tem marcado a relação entre os dois clubes durante esta época — é apenas um pormenor com interesse, sim, mas pouco relevante. O que contam são os três pontos que nos separam do título. Que eles se consigam neste domingo ou no próximo, repito, é uma minudência. É evidente que ganhar um título na casa do adversário mais directo tem outro sabor, e o FC Porto já comemorou vitórias nestas circunstâncias. Na “engenharia política” deste domingo, no entanto, o FC Porto deve ser discreto: entrar como um grupo de cavalheiros lutadores e limitar-se ao jogo – as câmaras de televisão mostrarão o que há para mostrar no território do adversário. Calma e contenção, bonomia e concentração. Dignidade. Na vitória, ser magnânimo e fazer a festa, apesar do cenário; na derrota, certamente indesejável, ser correcto e saber que nada se perdeu. Mas uma coisa é certa, rapazes: mesmo não sendo este o jogo do título, estamos a um jogo de contabilizar mais um campeonato. P.S. - De resto, estamos a assistir, a mais uma originalidade lusitana: o Benfica alega “falta de competência da CD da Liga” para castigar a Jorge Jesus na sequência da agressão a um jogador do Nacional. Tem razão, caramba. Que o seu treinador e o seu director de futebol entrem no campo nos termos em que os vimos na televisão, é irrelevante. O Benfica está acima da lei. in A Bola - 2 Abril 2011

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abril 01, 2011

Blog # 835

José Afonso Furtado, atual diretor da biblioteca de arte da Gulbenkian, excelente fotógrafo, foi escolhido pela revista ‘Time’ como uma das 140 personalidades que vale a pena seguir pelo Twitter, em todo o mundo. Não admira. Furtado foi presidente do velho Instituto do Livro quando os governos e o Estado prestavam atenção à cultura e à Rede de Leitura Pública, de que foi um dos fundadores, criadores – pais, enfim. Os seus ‘tweets’ mostram um homem atento a tudo o que tem a ver com o livro, o seu futuro, o seu negócio e a sua história recente e passada; hoje em dia, para estarmos a par de tudo o que tem a ver com a edição e indústria do livro, não temos outro remédio senão segui-lo no Twitter. Não sei como este país se pode dar ao luxo de dispensar José Afonso Furtado. *** A Imprensa Nacional publica por estes dias ‘Fernando Pessoa e as Doenças do Fim de Século’, uma leitura dos comentários de Pessoa sobre as teorias psicológicas do seu tempo. O autor é Kenneth Krabbenhoft, professor em Nova Iorque. *** FRASES "Em síntese, dêem-se as voltas que se derem, não há ‘soluções técnicas’ para ‘défices éticos’." A. Bagão Félix, ontem, no CM. "Minha querida Irlanda. Tal como acontece comigo, tu não gostas muito da realidade." Luís Naves, no blogue Albergue Espanhol.

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