janeiro 31, 2011

Blog # 791

Graças à televisão sem censura, em direto, os combates nas ruas do Cairo eram vistos em todo o mundo. Através de telemóveis cujas imagens e textos não podiam ser censuradas pelas ditaduras do Médio Oriente, chegaram-nos relatos da raiva da “rua árabe”. Os caminhos da liberdade são estranhos, complexos e tortuosos, quando se cruzam com os da “política real”. Escritores como Naguib Mahfouz (prémio Nobel, 1901-2006) ou Alaa Al Aswany sabem o que é viver na corda bamba, entre a ditadura de Moubarak, herdeira da de Nasser, e os radicais islâmicos (chefiados por Yusuf Qaradawi, líder da Irmandade Muçulmana) que os perseguiram e condenaram à morte. Os intelectuais liberais do Egito temem que a “festa da rua” abra as portas a uma nova ditadura. Os labirintos são sempre assim.

***

Ironia das ironias, a Civilização terminou o ano de 2010 a publicar ‘Cairo Novo’, de Naguib Mahfouz – em época de tempestade, convém ler o único Nobel de língua árabe. Mais do que atual, um grande romance para ler o Egito.

***

FRASES

"O ministro aguarda tranquilamente a conclusão do inquérito. Parece que nada é com ele." Joana Carvalho Dias, no blogue Os Tempos e as Vontades.

"A campanha eleitoral já terminou." Augusto Santos Silva, ministro da Defesa, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 29, 2011

É o hábito

O problema de certos clubes é que, além de sofrerem de gigantismo físico, o que já lhes tolhe os movimentos, estão quase sempre à beira do precipício psicológico e da hipertensão. A eliminatória da Taça de Portugal em Vila do Conde, por exemplo, teve aquela avalanche de quatro penaltis assinaladas pelo árbitro João “pode ser” Ferreira – uma contribuição generosa para as estatísticas que, no final da época, hão-de ser apenas coincidências. À mesma hora em que o Rio Ave era passado na chapa, o FC Porto voltava aos níveis adequados com um jogo de grande nível com o Nacional e mantinha a coluna das derrotas intacta na competição principal, castigando – como devia – os madeirenses.

Não bastou. Não bastará. Os mesmos que, na imprensa, decretaram haver um campeão ainda em Julho, voltaram agora aos advérbios da altura; não lhes basta duvidar de cada jornada vitoriosa do FC Porto no relvado – também querem que as primeiras páginas colaborem na campanha. Tingir as manchetes de vermelho parece que se tornou um remédio para períodos críticos. À medida que nos aproximamos do último tércio, sobe de tom a sanfona, empurrada pela chantagem e pelos duplos critérios. Cá vos esperamos.

Por falar em duplos critérios, também é apreciável que nessas primeiras páginas tingidas de vermelho não se repitam até à exaustão as imagens de um treinador que, depois de uma agressão, nem mereceu que o árbitro tomasse nota do deslize no relatório. É tudo rapaziada, encontrões aqui, abraços ali. Ainda se fosse uma emboscada no túnel servida pelo YouTube caseiro, ou um processo jurídico preso por arames – mas não; foi à vista de todos. André Villas-Boas foi expulso duas vezes esta época porque os relatórios mencionaram excessos – e cumpriu castigo, além de ouvir pregação moral dos hipócritas da ordem. Na época passada, nem processo foi necessário para tentarem o extermínio de Hulk. Já neste caso do caloroso abraço em pleno relvado, que diabo, é tudo entre rapazes. É o hábito.

in A Bola - 29 Janeiro 2011

Etiquetas:

janeiro 28, 2011

Blog # 790

A demissão de Jorge Salavisa do Opart, o Organismo de Produção Artística que gere os teatros nacionais e a companhia de bailado, é uma má notícia. Em primeiro lugar, porque Salavisa deve ter razões fortes para o fazer; em segundo lugar, porque é mais uma mancha na polémica biografia do Opart e é bem capaz de ser a prova de que “o organismo” não está destinado a viver muito mais. Naturalmente que, entre as condições enumeradas por Salavisa, e mantidas em recato (como é de bom tom e elegância, para já), deve estar o famoso “subfinanciamento”. É a vida. A ideia de “grande organismo” corresponde a uma época em que o dinheiro corria com certa abundância ou normalidade para satisfazer os “agentes culturais”. Este mundo também mudou bastante nos últimos meses, como sabemos.

***

Continuamos na poesia: ‘Seta de Fogo. 22 poemas’, de Santa Teresa de Ávila, pela mão ambulante e luminosa da Assírio & Alvim. Reedição de um livro que Manuel Hermínio Monteiro amava perdidamente – como se amam os livros que ardem.

***

FRASES

"O Governo está a fazer um favor às empresas que selvaticamente fecham em Portugal."
Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"O cartão de cidadão sofreu uma derrota de proporções bíblicas." Rui Rocha, no blogue Delito de Opinião.

Etiquetas:

janeiro 27, 2011

Blog # 789

O produtor de música Steven Greenberg esteve em Lisboa e discursou sobre os “conteúdos da internet” e os problemas gerados pela pirataria. Infelizmente, não pôde afastar-se muito do universo dos lugares-comuns da ordem, o que prova que não há soluções muito originais: é preciso pagar o que se retira da net. Greenberg acha (como bom relações públicas) que não se deve punir quem não paga– mas apenas “obrigar a pagar”, contra a ideia de que tudo o que aparece no computador é gratuito. Lindo, maravilhoso e pateta. Neste momento há uma indústria da pirataria que já copia e revende música, filmes e livros, destruindo empregos e empresas e lesando os direitos dos autores. Lamento, mas não há solução à vista sem punição. A net é uma bênção para todos, mas não pode ser um covil.

***

“Como te posso amar se não te vejo,/ se o espaço é maior que as minhas mãos,/ se o meu corpo se perde no universo/ e o verso não é uno, não tem cor?” Pedro Tamen em ‘Um Teatro às Escuras’ (D. Quixote), em de fevereiro. Beleza madura.

***

FRASES

"A base bloquista de Alegre nunca se reviu na democracia burguesa. De burgueses têm o modo de vida." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

"Sócrates conhece o seu partido melhor do que ninguém, e sabe que a maré voga a seu favor." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 26, 2011

Blog # 788

Amanhã assinalam-se 110 anos sobre a morte do compositor italiano e, sem dúvida, o mais popular , conhecido e trauteado compositor de ópera em todo o mundo. Por isso, prepare-se, e ouça uma peça de ópera. Ouça Verdi, Giuseppe Verdi (1813-1901). Não faz mal nenhum e aguça o espírito. Pode ser das mais populares, como ‘Rigoletto’, ‘Nabucco’, ‘Aida’ ou ‘La Traviata’ – mas também ‘Othelo’, ‘A Força do Destino’ ou ‘Simon Boccanegra’ e ‘Dom Carlos’. Coros abissais, duetos românticos, árias inesquecíveis. O nome de Verdi está tão intimamente ligado à nossa memória da ópera ou do “canto lírico” que é pecaminoso ignorar tanto a sua obra como o seu papel e a extraordinária força das suas composições. Ou então ouça o ‘Requiem’, poderoso, perto daquilo que nos eleva aos céus.

***

Depois de ‘O Caso de Jane Eyre’, a Guerra e Paz lança esta semana ‘Perdida num Bom Livro’, de Jasper Fforde, o criador de uma das personagens mais intrigantes da ‘literatura de mistério’. É uma boa companhia para este fim de semana.

***

FRASES

"O jornalismo português, como é sabido, tem uma filha, a esquerda, e uma enteada, a direita." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"Despedir um trabalhador é impossível, despedir dois é tão fácil como preencher um formulário." Pedro S. Guerreiro, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 25, 2011

Blog # 787

A morte e a vida para além da morte regressam com ‘Hereafter’, ‘Outra Vida’, um filme de Clint Eastwood que lê o livro de Peter Morgan. José Cardoso Pires escreveu ‘De Profundis. Valsa Lenta’ sobre a experiência de contacto com a morte e "regresso à vida", um tema que era e é desvalorizado pela "cultura positiva" de hoje. No entanto, não há nada tão presente no universo da arte como a luta contra a eternidade e o medo da morte, nem nada marca tanto a história da cultura como o debate com a morte e a perenidade. Tudo ou quase tudo resulta deste diálogo, que não interessa só à religião e à metafísica. Ou, então, dar-se-á o caso de a religião e a metafísica não serem conversa para medrosos, mas caminhos para o entendimento. Vejam o filme.

Etiquetas:

janeiro 24, 2011

Blog # 786

A França vive um momento incómodo em redor da figura de Louis-Ferdinand Céline, o autor de ‘Viagem ao Fim de Noite’ ou de ‘Morte a Crédito’, certamente um dos dez maiores autores de língua francesa, conhecido também pelas suas posições políticas claramente antissemitas e por outras opiniões muito pouco recomendáveis. Cinquenta anos depois da sua morte, a França recusa-se a admitir o seu nome entre as glórias literárias nacionais. Faz mal. Céline era, politicamente, um desgraçado próximo da abjeção. A sua arte mantém-se, porém, no pódio das realizações culturais da língua francesa. Assim, os judeus e as vítimas do antissemitismo transformam-se em censores involuntários de Céline. O verdadeiro antissemitismo vive-se nas ruas de França, não nos nomes da sua literatura.

***

A Dom Quixote continua, felizmente, a publicar poesia – ‘Desobediência’ é a novíssima reunião de poemas (a ‘obra completa’) de Eduardo Pitta, a publicar dentro de duas semanas. Um excelente poeta a redescobrir e a reler.

***

FRASES

"Agora vou ter de dizer ao meu irmão que disse o que vou dizer: o bebé não tem mãe." Kátia Aveiro, irmã de C. Ronaldo. Ontem, no CM.

"Estou cada vez mais convencida de que a figura de Presidente da República não faz sentido." Fernanda Câncio, no blogue Jugular.

Etiquetas:

janeiro 23, 2011

Quantos de nós somos?

A Colecção de livros da Cotovia de autores muito diversos, em que todos escrevem sobre temas judaicos, é um acto de enorme coragem editorial.Desde o 11 de Setembro de 2001 que todas as discussões sobre religião estão inquinadas pela sua contaminação pela violência e pela "ordem civilizacional". Aquilo que devia ser uma "conversa sobre a solidão do deserto" transformou-se na velha e complexa história da culpa e o palco – que devia ser, provavelmente, o do diálogo – foi o do ressentimento permanente. Judaísmo e Islão, sobretudo, mas o Cristianismo também e de forma crescente, foram envolvidos nesse combate desigual entre inteligência e oportunismo político, entre ignorância e tolerância. Quem ganha? Naturalmente, o oportunismo e a ignorância. E também o lugar-comum, a má-fé e o sentido de injustiça. Em redor do Judaísmo, então, o cerco de preconceitos e de esquecimentos é ainda mais notório.

A publicação de estudos sobre o Judaísmo, a religião e a cultura judaicas, a história das comunidades judaicas e monografias sobre as suas tradições tem registado um enorme défice entre nós, contribuindo para manter preconceitos históricos que atravessam vários séculos da nossa história, ignorância sobre os princípios do Judaísmo e, até, um certo receio de abordar temas que deveriam ser-nos próximos ou comuns, de tal forma Portugal está ligado ao destino da vida dos judeus. Aqui e ali publicaram-se, nos últimos anos, estudos sobre os judeus depois da II Guerra em Portugal (de Irene Pimentel), uma excelente recolha de gastronomia judaico-transmontana e apontamentos avulsos que relembram essa ligação e essa passagem.

MATÉRIA JUDAICA

No meio desta amálgama heteróclita e dispersa, a Livros Cotovia decidiu iniciar uma colecção de livros sobre "a matéria judaica", mas não exclusivamente religiosa ou "favorável". Uma simples leitura dos títulos dos primeiros seis livros dá conta desse carácter flutuante, diverso e plural – e nada fechados sobre si mesmos, sobre o tema ou as suas repetições.

Os livros são de Moacyr Scliar (‘Judaísmo. Dispersão e Unidade’, 150 págs.), Primo Levi (‘O Dever de Memória’, tradução de Esther Mucznik, 108 págs.), Helena Salem (‘Entre Árabes e Judeus’, 158 págs.), Karl Marx (‘A Questão Judaica’, 88 págs.), Bernardo Sorj (‘Judaísmo para Todos’, 170 págs.) e Samuel Schwarz (‘Os Cristãos-Novos em Portugal no Século XX’, 200 págs.). O texto de Schwarz é um clássico notável e, ao mesmo tempo, um manifesto sobre a beleza do Judaísmo secreto português – reedição do seu estudo de 1925, merecia um documentário que analisasse a "existência de judeus clandestinos, em pleno século XX, num país democrático e republicano da Europa".

O livro de Bernardo Sorj (autor, com Nilton Bonder, de um extraordinário ‘Judaísmo para o Século XXI. O Rabino e o Sociólogo’) é de uma clareza meridiana e simples. O testemunho de Helena Salem, dividida nas terras do deserto, pode ser lido como um romance. As inquietações transcendentes e claríssimas de Primo Levi mantêm-se actuais e urgentes, tal como a narrativa quase pedagógica de Moacyr Scliar. Isto não é apenas uma colecção. É um enorme acto de coragem editorial.

MÚSICA: ALOE BLACC

O homem vem a 4 de Maio a Lisboa. Do disco (‘Good Things’) as adolescentes preferem ‘I Need a Dollar’; eu acho providencial a versão de ‘Femme Fatale’, dos Velvet Undergound (com Nico). Aloe Blacc é uma voz suave e romanesca e pode ser que, além de ‘Good Things’, a curiosidade vos faça ouvir ‘Shine Through’ (2006).

Resumo: Músico norte-americano cujo trabalho de estreia data de 2006.

Título: CD ‘Good things’

SÉRIE: ‘LIE TO ME’

Eu, para vos dizer a verdade, não acredito naquela série de patranhas. Mas acredito em tudo o que Tim Roth faz e diz (mesmo quando são mentiras, como ‘dr. Cal Lightman’) e tenho um toquezinho de nervos, cheio de reverberações pseudo-eróticas, em relação a Kelli Williams (a ‘dra. Gillian Foster’).

Resumo: Série de TV da FOX exibida em Portugal naquele canal por cabo

Título: 'Lie to Me'

Intérpretes: Tim Roth, Kelli Williams e Brendan Hines

CONCERTO: DEOLINDA

Já expliquei que não vou a concertos com ‘moche’ incluído – e suas variantes. Mas há quem goste de concertos; eu gosto dos Deolinda e da voz de Ana Bacalhau por causa da ironia, do gosto agridoce, da desfaçatez, da crítica, do som – e da originalidade que transforma o fado em fadinho, e lhe dá um ar de coro abissal e castiço.

Resumo: Os Deolinda estrearam-se em 2008. O segundo álbum, ‘Dois Selos e Um Carimbo’, está no top desde Abril

Datas: Dias 28 e 29

Local: Coliseu de Lisboa

FUGIR DE...

‘O TURISTA’

A história realizada por Florian Henckel von Donnersmarck é boa. Além da história, só Johnny Depp, no papel de Johnny Depp. Tudo o resto é confrangedor. Angelina Jolie é pirosa, escanzelada, diz as piores frases dos últimos anos de cinema vulgar. O ritmo é o de uma espécie de perseguição de gôndolas em Veneza com direcção de Manoel de Oliveira.

Realizador: F. von Donnersmarck

Intérpretes: Angelina Jolie e Johnny Depp

Etiquetas:

janeiro 22, 2011

Que foi aquilo?

Depois da tentativa de os jogadores do FC Porto meterem os papéis para a pré-reforma na segunda parte do jogo contra o Beira Mar a contar para aquela Taça cujo nome me esqueço frequentemente, e reflectindo bem, tentei esquecer o que viria a seguir: novo jogo contra o Beira Mar. Não porque discuta as dioptrias de André Villas-Boas ao avaliar o modo como desenhou o tabuleiro deste jogo do FC Porto (um jogo sem interesse numa prova mal amada e ainda meia tonta), mas porque percebi o que viria a seguir. O que veio a seguir foi aquela equipa amolecida à qual enviei alguns insultos. Porquê? Porque as câmaras de televisão a mostraram. O que esteve essa equipa a fazer no estádio durante a segunda parte? Nada. Moer-nos a paciência e servindo-nos Mariano González como um empregado de mesa do Café Tortoni, em Buenos Aires. Rapaz, tens umas semanas para voltares ao relvado.

Ora a verdade é que não houve surpresa nem escândalo; o jogo contra o Beira Mar estava à espera do jogo do Nacional, quando o que contava realmente era o jogo deste fim-de-semana em Aveiro. De qualquer modo, espero que André Villas-Boas tenha mandado proceder a uma rápida quarentena para desinfestação e reparação depois desta exibição bovina que durou quarenta e cinco minutos. Se falo assim é porque posso e porque os rapazes jogaram mal, mesmo se a Taça de cujo nome me esqueço frequentemente não vale o esforço. O esforço, se me não engano, está prometido para a Liga, sim — mas um nadinha de brio ou ainda nos parecemos com o Benfica.

De resto, deixei-me comentar o castigo aplicado ao FC Porto: 16.990,97 euros “em virtude de danos causados no autocarro” do SLB no encontro da 29.ª jornada da época passada. Acho bem e nem se admite o arredondamento aos cêntimos. Se o orçamento dos estragos foi bem feito, acho bem. O Benfica foi ao Porto para perder o jogo e não para perder o autocarro. Era bom que esclarecessem os atiradores sobre o lugar onde devem exercitar-se: longe dos estádios, longe dos autocarros do SLB. 16.990,97 euros, limpinho.

in A Bola - 22 Janeiro 2011

Etiquetas:

janeiro 21, 2011

Blog # 785

O deputado Sérgio Sousa Pinto, certamente um talento poderoso, original e desgraçadamente ignorado, disse ontem que a “criminalização da violência escolar faz tanta falta como uma gaita num funeral”. A divertida reação do deputado dirige-se contra um projeto do governo para punir atos de indisciplina e de “grande violência física e psicológica” nas escolas, que já vem tarde e é apressado. A experiência pedagógica e escolar do deputado que vislumbra gaitas em funerais permite-lhe este arremedo de graçola. Não é a “criminalização de violência” escolar que faz falta; é, antes, um nadinha de bom-senso e de disciplina normal, que evite a catástrofe que atinge professores e alunos que o sistema (em que o sr. Deputado tanto confia) tem entregue às portas da barbárie.

***

Recuar até aos dias da II Guerra para contar uma história de amor: é esse o projeto de Howard Norman em ‘A Herança da Filha’ (Civilização). Para dias de ressaca pré-eleitoral, é uma hipótese perfeitamente plausível e aceitável.

***

FRASES

"A notícia da morte da Polícia Judiciária não é exagerada. O óbito está confirmado." Manuel Catarino, ontem, no CM.

"Aviso já que as autoridades e as editoras poderão contar comigo para bufo." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada, contra os livros eletrónicos e a pirataria de livros.

Etiquetas:

janeiro 20, 2011

Blog # 784

Vi-as ontem à tarde na Biblioteca Municipal da Nazaré (um prodígio de organização e de serviço público): fotografias de Stanley Kubrick captadas no litoral da vila e datadas de maio de 1948. Belíssimas. Mulheres de negro, marés vivas, um casal que se à frente de um moinho, crianças que se desfazem num riso humilde. A primeira surpresa é a de se tratar de fotografias de Stanley Kubrick tiradas na Nazaré; a segunda é a da sua interpretação fulgurante, claríssima: Portugal está ali, pobre, sorridente, diante do mar. O estudo ontem divulgado pela consultora GFK é o outro lado do espelho: mais de metade dos portugueses diz que está pior do que antes do 25 de abril. Isto, mais do que as banalidades acerca das conquistas de abril, devia fazer pensar os vendedores de passados.

***

A Sextante continua a apostar na publicação das obras de Rubem Fonseca, de quem já publicou ‘O Seminarista’, o mais recente. Agora, vai ser ‘Bufo & Spallanzani’, muito em breve, à entrada da primavera. Rubem é Rubem, é muito bom.

***

FRASES

"Cá tenho uma bolsa de 1500 euros. Em Inglaterra ganharia pelo menos o triplo." Joana Marques, cientista, investigadora, Prémio L’Oréal. Ontem, no CM.

"O Real Madrid é pequeno demais para acomodar simultaneamente Valdano e Mourinho." André Azevedo Alves, no blogue O Insurgente.

Etiquetas:

janeiro 19, 2011

Blog # 783

Nos EUA, as livrarias Borders esmagaram milhares de livrarias independentes com preços baixos e campanhas agressivas. Foi um festim de loucos que durou enquanto a Amazon não expulsou a Borders do pódio com preços ainda mais baixos (já se conhecia o mesmo fenómeno no mundo da música) e muito menos escolha. Hoje, editores, distribuidores e leitores lamentam-se porque desapareceu a possibilidade de escolha a preços decentes e com livreiros de categoria, entre estantes que relembram, em cada prateleira, a história do livro e da comoção que se propaga pelas suas páginas, como um contágio que permitiu o nascimento e o florescimento de uma civilização. Hoje, temos de aprender a desconfiar. O “maravilhoso mundo novo” tem armadilhas a cada passo. Costumamos cair em todas.

***

António Figueira escreve (muito bem) nos blogues ‘5 Dias’ e ‘Albergue Espanhlol’ – a D. Quixote publica em fevereiro o seu primeiro livro de contos: ‘O Homem de Campo de Ourique e Outros Contos’. Dezassete histórias, nem menos uma.

***

FRASES

"O que procura uma mulher antes dos trinta: procura um cafajeste. Há que aproveitar, jovem." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

"Quando se veem 40 anos de carreira condensados em três minutos, parece que só tive êxitos!" Robert De Niro, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 18, 2011

Blog # 782

O negócio do Facebook é a privacidade. A nossa privacidade não interessa apenas ao Estado ou aos vizinhos – interessa a quem quer comprá-la por vários motivos comerciais e políticos. Através dos nossos dados no Facebook, como no Google, há várias empresas e sistemas públicos de informação que sabem tudo sobre nós: que livros lemos, que compras fizemos, que carro temos, que opiniões defendemos, que opções sexuais tivemos. A partir de agora, as aplicações do Facebook podem pedir e registar os nossos endereços e números de telefone (para vender, claro). O nosso gigantesco ‘login’ na internet não tem apenas a ver com a privacidade – tem a ver com o fim dela. E mais: com a quantidade de idiotas e de criminosos à solta na internet, pode significar o fim da própria identidade.

***

A Tinta-da-China publica este mês um conjunto de estudos universitários “em homenagem” a José Medeiros Ferreira. No próximo mês, sai um livro do próprio Medeiros Ferreira – sobre os Açores e questões de política internacional.

***

FRASES

"Discutir os caráteres dos políticos e vasculhar os seus eventuais telhados de vidro é bom." Tiago Moreira Ramalho, no blogue A Douta Ignorância.

"Quero que o público passe por emoções contraditórias." Xavier Durringer, realizador de um filme sobre Sarkozy. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 17, 2011

Blog # 781

Uma semana depois do homicídio de Carlos Castro, e após o pequeno espetáculo da Broadway onde ficam as suas cinzas, há pormenores que a imprensa, aqui e ali, no meio de interpretações mirabolantes, começa a revelar sobre a tragédia. É um romance português que tem todos os ingredientes dramáticos e burlescos – tanto como brutais – de uma história de costumes. O mundo é esse: televisão, moda, ambição, poder, fama, desfiles de ‘passerelle’ entre a província e os grandes palcos, o universo dos “famosos”, as fotos do ‘glamour’ envergonhado e deficitário de um país provinciano, escondido e de segunda ordem. Há quem arrisque grandes interpretações e explique os impulsos que dominam o coração dos frágeis. Pode ser; mas o que resta é sobretudo um crime brutal e duas vidas perdidas.

***

Se leu ou não leu ‘Primeiro Amor’, a obra-prima de Ivan Turguéniev, não vem para o caso. Mas convém ler. E depois passar a este ‘Solo Virgem’ (tradução de Manuel Seabra), um romance sobre as ilusões e as utopias (Relógio d’Água)

***

FRASES

"Não há nada na história parecido com a Wikipédia. É um prodígio humano." Paulo Querido, ontem, no CM.

"Um clube com Costinha, Couceiro e Paulo Sérgio e quem se demite é o Presidente." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

Etiquetas:

janeiro 16, 2011

Perdido por cem

Pela boca morre o peixe. Manuel Alegre (no âmbito da estratégia de fazer campanha apenas para comentar as frases de Cavaco) acha que um padre apelar a «a exercer o direito cívico» é «eleitoralismo do século passado» e violação da separação entre Igreja e Estado; no dia seguinte, claro, admite que um sacerdote fale num comício seu em nome do Bloco. Critérios muito elásticos por estas bandas. Cavaco é populista porque fala dos salários; Alegre promete intervir em tudo o que a Constituição interdita o presidente de intervir, inclusive nos projetos de revisão constitucional. Que Cavaco comente a situação económica, é uma interferência fatal e criminosa; que Alegre o faça, é bem-vindo. Alegre caiu na esparrela armada pelos seus apoiantes; eles não o querem ver eleito. Preferem terra queimada.

in Correio da Manhã - 16 Janeiro 2011

Etiquetas:

janeiro 15, 2011

Tenham medo

Repete-se a euforia das eleições de 2006: Manuel Alegre anunciou ao país, com discutível sinceridade, que a reeleição de Cavaco “pode abrir caminho não apenas para uma mudança de Governo ou da maioria, mas também para uma mudança da democracia”: Basicamente, “a democracia” estaria em perigo. Esta ameaça (tenham medo, tenham muito medo) foi repetida até à exaustão durante a última campanha presidencial, agitada à esquerda, com o resultado que se conhece. Algumas almas entediadas chegaram a falar no “regresso ao fascismo” (um refrão certinho) e Augusto Santos Silva, num acesso de astenia cerebral, mencionou que essa eleição configuraria “um golpe de estado constitucional”, “uma tragédia”. A cantilena repete-se, mas eu não esperava que o intérprete desse guião entediante fosse Manuel Alegre.

in Correio da Manhã - 15 Janeiro 2011

Etiquetas:

Uma percentagem de desacerto

Já não se lembram mas tínhamos um problema com golos. Há quatro anos, no início da época de 2006-2007, Adriano imitava McCarthy, que imitava o meu vizinho Lino, que jogava aos Sábados nos treinos do campo de saibro do velho Desportivo de Chaves: era deprimente a quantidade de golos que podiam ter en­trado e não entraram. Às vezes, a bola traça-lhe tangentes, encos­ta-se-lhe a pedir para ser empur­rada para a baliza – mas a per­centagem de desacerto é esma­gadora. Jogar é afastar a infelici­dade; em futebol, falhar golos é o princípio da infelicidade mesmo que os floreados se encaminhem na direcção certa. Nós, na bancada, estávamos deprimidos. Às vezes, temo que a história se repita. Num mundo perigoso e aborrecido, já não temos paciência para dispu­tas complicadas. Nem sempre é possível ganhar por 5-0, como ao Benfica. A vitória contra o Pinhalnovense (com dois golos magníficos de Hulk) revelou o heroísmo dos rapazes da Segunda: um grupo cheio de garra, que mereceram chegar aos oitenta minutos.

Mas a semana não ficaria completa sem recordar o essencial da memória de qualquer portista de coração disponível: o golaço de Guarín. Um tiro a 37 metros vale a choraminguice de outros jogos. Apontado, preparado, municiado: o disparo partiu com a bênção de um raio divino. Guarín reabilitou-se a meus olhos e mereceu marcar o segundo, afastando os fantasmas de uma liga tropeçona e à procura de reforços de Inverno.

Sobre ele, o mercado de Inverno, digamos que está à al­tura do futebol português; é mentiroso. Quem não tem dinheiro não tem vícios, essa devia ser a regra, mas o negócio do Benfica, das marcas e das primeiras páginas (misteriosos conluios, destinados a falsificar o jornalismo e o futebol) é sempre absolvido, lembrando os negócios ruinosos das parcerias público-privadas pagas pelo Estado; quem vai pagar a factura? A esta hora, salvo erro, não há jogador que não esteja na calha da bolsa portuguesa. Se fosse verdade, daqui a uns dias havia congestionamento no aeroporto da Portela. Só vai ficar a solidão da arrogância.

in A Bola - 15 Janeiro 2011

Etiquetas:

janeiro 14, 2011

Blog # 780

Ontem os Xutos & Pontapés assinalaram 32 anos de carreira num concerto que deve ter revisitado as suas memórias – e as nossas memórias. Eles fazem parte das nossas vidas. Sem os Xutos, o rock português teria sido muito mais pobre, mais “maneirinho” e mais acrílico. Com menos intensidade e menos autenticidade. Há canções dos Xutos & Pontapés que a nossa memória não cede ao esquecimento, essa doença que também se pode designar por “ingratidão”. O tempo, mesmo sendo devorador e cruel, não apagou parte dessa vida possível que as suas canções transportaram como um archote. De certa maneira, a sua carreira acompanha os grandes momentos da nossa história portuguesa, lendo-a de um lado aventureiro, sem corrupção nem falsas alegrias. São uma grande banda. Um grande registo.

***

Acontecimento: a Tinta da China (quem mais?) lança o álbum de recordações de ‘Quim e Manecas’, a nossa primeira banda desenhada, de Stuart Carvalhais – com estudo e organização de João Paulo Paiva Boléo. Às livrarias, cidadãos.

***

FRASES

"As previsões valem o que valem e nos dias de hoje não valem nada." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.

"O FMI recusou-se a vir pois percebeu que uma legião de declamadores de poemas o esperava." Helena Matos, no blogue Blasfémias.

Etiquetas:

janeiro 13, 2011

Blog # 779

James Joyce morreu há 70 anos (13 de Janeiro de 1941) em Zurique, dois anos depois de ter publicado ‘Finnegans Wake’, e dezanove anos depois de ‘Ulysses’. São duas obras maiores da literatura, e poderemos ainda juntar-lhes ‘Gente de Dublin’ (de 1914 – uma sempre maravilhosa coletânea de contos) e ‘Retrato do Artista Enquanto Jovem’ (de 1916). A isso, que não é pouco, acrescentemos uma vida inteiramente consagrada à literatura, à deambulação – e ao medo. A literatura, viveu-a consagrando-lhe todas as páginas de cada dia; a deambulação veio depois de abandonar a Irlanda e a sua cidade de sempre Dublin (de que ‘Ulysses’ continua a ser um roteiro fantástico); o medo vem de todas as coisas – de si mesmo, da expatriação, do desamor. 70 anos depois ouve-se ainda esse rumor.

***

Stephen Crane é o autor de ‘A Insígnia Rubra da Coragem’ (o filme é de Joh Huston), passado durante a guerra civil americana. A editora Alfabeto acaba de publicar ‘A Mãe de George’, uma história nova-iorquina, glória do realismo.

***

FRASES

"Mourinho reconciliou-a [à pátria], com três patacoadas em língua portuguesa." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

"O governo empertiga-se para afastar o cálice." José Medeiros Ferreira, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 12, 2011

Blog # 778

Os livros de Paulo Coelho foram proibidos no Irão ao fim de 12 anos de vendas milionárias. Coelho diz que a decisão é arbitrária – tem razão. Em 2005, para contornar a constante violação das leis de direitos de autor (o Irão não paga direitos, a menos que a obra seja antes publicada no país), o autor de ‘O Alquimista’ fez com que a primeira edição mundial de ‘O Zahir’ saísse em Teerão e só depois no resto do mundo. Com isso, conseguiu 6 milhões de exemplares legais (contra cerca de 10 milhões ilegais). Ele espera, agora, que as boas relações entre a diplomacia brasileira e o regime iraniano possam ajudá-lo. Pode ser. Talvez isso ilumine mostre a verdadeira face dos interesses brasileiros – ou, então, as sua largas parcerias com regimes ditatoriais. Aceitam-se apostas.

***

De Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, autores de ‘Purga em Angola’, a denúncia do 27 de Maio de 1977, a Texto publicará este mês ‘Angola 61. Guerra Colonial, Causas e Consequências’, sobre os acontecimentos desse ano.

***

FRASES

"Infelizmente, Mourinho não é candidato presidencial nem gere empresas. Vamos lá à economia." Pedro S. Guerreiro, ontem, no CM

"A ver se percebem que isso de ‘gostar de mulheres’ não exclui outras possibilidades." Eduardo Pitta, no blogue Da Literatura.

Etiquetas:

janeiro 11, 2011

Blog # 777

Em Espanha há uma ministra imbecil que pretende, à semelhança do boneco de plástico que chefia o governo, “mudar o país”. Leire Pajín, a jovem ministra da Saúde, Política Social e Igualdade, acha que o Estado pode e deve meter-se em todos os domínios da vida civil – proibindo as pessoas da fumar, mas também punindo-as se elas ‘insultam’ (chamar ‘feio’ a outra pessoa pode valer uma multa de 500 mil euros), ou se ‘discriminam’ alguém – por exemplo, perguntar a uma rapariga ‘se tem namorado’ é punível; deve perguntar-se-lhe se tem ‘uma pessoa’. Para isso, vigiará escolas (para que as crianças não tenham brincadeiras ‘sexualmente discriminatórias’), imprensa, ruas e instituições, de látego na mão, mostrando às pessoas como se devem comportar. Os palermas estão no poder.

***

O livro-versão de Kate e Gerry McCann, os pais de Maddy, leva o título ‘Madeleine’ e será publicado pela Asa no próximo mês de maio. Esperemos que nenhum juiz o retire das livrarias, como aconteceu ao livro de Gonçalo Amaral.

***

FRASES

"O governo já fez tudo o que devia e, sobretudo, o que não devia, para ganhar a reputação que hoje tem." António Nogueira Leite, no blogue Albergue Espanhol.

"Seria bom que os portugueses não ajudassem a entrar o FMI." Manuel Alegre, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 10, 2011

Novo programa na TVI24 . "Nada de Cultura"

"Nada de Cultura" é um espaço de debate para um público alargado e interessado em usufruir e fruir a cultura e as suas polémicas, os seus temas e as suas novidades. "Nada de Cultura" irá devolver a cultura ao mundo real, falando dos cineastas e dos actores, dos livros e dos autores, dos músicos e dos discos, das casas e dos arquitectos, dos jornais e das televisões.

No primeiro programa, Francisco José Viegas e os seus convidados vão debater se as crises são sinónimo de contracção ou de criatividade e como vai reagir o mercado livreiro e os escritores aos cortes.

Para saber tudo o que pode ler em 2011, Francisco José Viegas convida para a mesa do "Nada de Cultura", do seu primeiro programa Isabel Coutinho, jornalista do Público, José Mário Silva, escritor e crítico literário e Pedro Mexia, ex-director-adjunto da Cinemateca Portuguesa, escritor e crítico literário.

Num ano de incerteza com a crise e a recessão a dominar todos os quadrantes da vida nacional, será que vai também chegar à cultura?

Conheça aqui o blog do novo Programa.

in TVI24 Online - 10.01.2011

Etiquetas:

Blog # 776

Cumprem-se hoje 50 anos sobre a morte de Dashiell Hammett. Para quem leu ‘O Falcão de Malta’ (adaptado ao cinema por John Huston, ‘Relíquia Macabra’, com Humphrey Bogart e Mary Astor), ‘A Chave de Vidro’ ou ‘Estranha Maldição’, todos publicados na histórica coleção Vampiro, é evidente que Hammett está no pódio da ‘literatura policial’. Sam Spade, o seu herói, é um personagem que não nos larga daí em diante; as suas descrições secas, melancólicas, revelam o coração de um grande escritor e de um temperamento solitário. Depois de Hammett, como depois de Chandler, o policial nunca mais foi inocente ou “divertido”. Wim Wenders realizou um ‘Hammett’ inspirado na sua vida (a partir de um romance de Joe Gores), belíssimo. Reler Dashiell Hammett é uma homenagem inspirada.

***

Fundamental para o debate sobre a justiça e a ideia de justiça: as 600 páginas de ‘A Ideia de Justiça’, do economista indiano Amartya Sen (cuidadosa edição da Almedina) – é a justiça que possibilita sociedades menos injustas?

***

FRASES

"Os políticos riem-se das iniciativas da sociedade civil. Depois, ignoram-nas completamente." Rui Reininho, ontem, no CM.

"Pesadíssimo, o silêncio de Mário Soares nesta campanha. E mais eloquente que mil discursos." Pedro Correia, no blogue Albergue Espanhol.

Etiquetas:

janeiro 07, 2011

Blog # 775

O Bloco de Esquerda apresentou ontem para discussão, no parlamento, uma resolução que visa parar o processo de fusão dos teatros nacionais. Na verdade, não há nenhum dado fiável e indiscutível que permita dizer que a autonomia dos teatros seja clara e notavelmente mais cara do que a sua aglutinação à maneira de uma central de compras de serviços do Estado. Não é, e o Bloco tem alguma razão: a ideia de um organismo único, tutelar, cheio de departamentos, gestores e inter-serviços, além de tentacular, não tem muito a ver com a pluralidade e a natural concorrência dos teatros nacionais e dos seus repertórios, e há de ser a porta aberta para um novo elefante branco do regime, inamovível e pouco aberto à discussão – e às exigências da arte e da programação artística.

***

Em atraso na estante, o livro do embaixador José Fernandes Fafe, ‘A Colonização Portuguesa e a Emergência do Brasil’ (Temas e Debates) – uma leitura das críticas à nossa colonização e ao nosso complexo de culpa, naturalmente.

***

FRASES

"Os maiores defensores da corrupção são os inocentes úteis." João Cravinho, ontem, no CM.

"Lamento muito ver Manuel Alegre, em 2011, desempenhar o papel de Basílio Horta em 1991." Pedro Correia, no blogue Delito de Opinião.

Etiquetas:

janeiro 06, 2011

Blog # 774

Malangatana (1936-2011) era, de certa maneira, sinónimo de Moçambique. Não há outro nome que tão bem traduza a identidade africana e moçambicana – nem espelho tão perfeito, formas tão naturais, biografia tão adequada. Quando dizíamos o nome do pintor – queríamos dizer Moçambique, África. No complexo mundo das relações entre os africanos e Portugal, Malangatana introduziu também um módico de sensatez e de amabilidade, características que nunca o abandonaram apesar da rudeza com que foi recebida a sua obra pelas autoridades coloniais, ou apesar de (depois da independência) ter sido internado pela Frelimo num campo de reeducação. Era uma das grandes figuras daquele país; era, também, uma das grandes figuras do meu país, qualquer coisa entre África e uma memória perdida.

***

Uma pérola: com tradução (do italiano) e seleção de José Manuel de Vasconcelos, a Assírio & Alvim publicou uma antologia da belíssima poesia de Umberto Saba: “Chegámos onde se estende o mar/ com praias solitárias, ondas azuladas.”

***

FRASES

"O camião recusava-se a andar porque era muito pesado e a areia muito mole." Elisabete Jacinto, ontem, no CM.

"Também eu acredito que ninguém fez mais do que Sócrates para promover a corrupção em Portugal." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

Etiquetas:

janeiro 05, 2011

Blog # 773

Ontem, no Parlamento, o PSD organizou um encontro com “agentes culturais” – de que resultou a crítica ao “desinvestimento do Governo” na área da cultura, setor “capital para sair do contexto de crise”. É precisamente em momentos de crise que é necessário agir com criatividade para mudar o que está mal, em vez de insistir em investir naquilo que é o resultado de duas décadas de vícios aceites por inércia e de contas mal feitas à sombra do Estado. Foi a ideia de que a cultura é “aquilo” que produzem os “agentes culturais” que conduziu ao beco com difícil saída em que se encontra o Ministério da Cultura, sitiado por dificuldades económicas e por complicações orçamentais. Pensar a cultura, hoje – é sobretudo pensar como vai ser o futuro; não como amparar os escombros.

***

Com tradução de António Miguel de Campos, a Relógio d’Água acaba de publicar uma edição bilingue do ‘Tao Te King’, de Lao Tse. Do século VI a.C. até hoje, um texto de que pouco se perdeu pelo caminho, de Oriente para Ocidente.

***

FRASES

"A Europa está de rastos, é estupidamente correcta em tudo e mais alguma coisa." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.

"A burocracia de Bruxelas pode acreditar que manda na Europa, mas gere um pequeno orçamento." Luís Naves, no blogue Albergue Espanhol.

Etiquetas:

janeiro 04, 2011

Blog # 772

Havia uma grande contradição entre o rosto de Peter Postlewaithe (1946-2011, falecido no domingo) e a elegância rude do seu trabalho como ator. O rosto era duro, irregular e, como estava muitas vezes mal barbeado, nunca teria um fragmento da luz dos galãs do cinema. Não: Postlewaithe nunca seria uma beleza do cinema. Mas, em muitos dos papéis que representou, de ‘Em Nome do Pai’, ‘Jurassik Park’ e ‘Os Suspeitos do Costume’ a ‘Águas Passadas’, era esse rosto que marcava todo o filme. Eu gostava do seu trabalho, e acho que a sua voz era muito digna de Shakespeare (que representou). A sua rudeza era a de um homem maduro que não tinha que se justificar nem fingir romântico. O romantismo dos seus papéis vinha daquele ar perdido, como um mineiro inglês resgatado pelo ecrã.

***

«Há coleções preferidas nas editoras? No caso da Assírio & Alvim, há. E essa coleção tem a presença, o mistério, a familiaridade e irrequietude de um gato.» A Gato Maltês comemora 30 anos neste mês de Janeiro. Mais do que felina.

***

FRASES

"A corrupção é endémica na sociedade portuguesa." Paulo Pinto de Albuquerque, ontem, no CM.

"Já sei que este é o ano em que a crise nos vai lixar a todos, mas eu gostei do meu recomeço." Sara Figueiredo Costa, no blogue Cadeirão Voltaire.

Etiquetas:

janeiro 03, 2011

Blog # 771

Além de tudo o que poderíamos dizer do ponto de vista cívico ou político, a petição que o CM lançou ontem e que continuará a ocupar as páginas do jornal pela aprovação – no Parlamento – da criminalização do enriquecimento ilícito, é um ato de cultura. Um país não pode viver com dignidade quando as suas leis não garantem a justiça plena, não protegem o trabalho honrado dos seus cidadãos, nem estão preparadas para punir a corrupção – o que tem acontecido, infelizmente, com o beneplácito ou a indiferença do Estado, a somar à pior indiferença, que é a dos cidadãos. Um país não é ‘civilizado’ apenas quando vive a ilusão da abundância; precisa de ser justo para ser mais livre; e, para isso, precisa de leis sensatas e claras, como a que a Petição do CM quer ver aprovada.

***

A notícia não interessa a ninguém, mas mostra que ainda se procuram coisas saborosas na vida: é a terceira vez que um livro de cozinha de Jamie Oliver é o best-seller de Natal no Reino Unido. Vendeu 200,000 em sete dias.

***

FRASES

"A clareza e bondade das leis são mais determinantes do que as estradas, o TGV ou aeroportos." Octávio Ribeiro, ontem, no CM.

"Não deixam um adulto vacinado fumar, mas deixam uma criança de 13 anos beber até cair." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

Etiquetas:

janeiro 01, 2011

Cautela e juízo

Factos que entram nos arquivos da estatística geral: o FC Porto terminou o ano sem derrotas nas últimas três dezenas de jogos; termina o ano com uma distância aceitável para o segundo classificado do campeonato nacional; termina o ano sem derrotas nas competições europeias. Se pensam que há aqui excesso de optimismo, é um erro – existem cautela, moderação, parcimónia e juízo. Ao contrário dos “clubes maioritários”, o FC Porto não teve os favores da imprensa que, em Agosto, já tinha escolhido o campeão da pré-época, o campeão de Inverno e, naturalmente, o campeão definitivo – como é habitual. A primeira surpresa foi André Villas-Boas, o “treinador júnior”, como o classificavam depreciativamente os que davam como garantido um ciclo em que o FC Porto, depois de quatro vitórias consecutivas e indiscutíveis (de Jesualdo Ferreira, com seis títulos no total), mergulharia na penumbra. André Villas-Boas não apenas mostrou que estava preparado para o desafio como, pela sua postura, esclareceu que os ataques ao FC Porto (tantas vezes inábeis e demasiado grosseiros) não ficariam sem resposta. Segunda surpresa: uma equipa lutadora onde quatro ou cinco nomes assumem um papel de destaque em qualquer avaliação. Terceira surpresa: o ressentimento diante de um clube e de uma equipa que apenas jogou futebol e que jogou o melhor futebol dos últimos cinco meses.

Cautela, moderação, parcimónia e juízo – precisamente, porque vêm aí, e só agora, os grandes desafios: uma segunda volta mais desesperada, competições europeias na sua fase derradeira, e o ataque concertado dos que transformaram o futebol português num território insuportável de guerrilha e sandice, convencidos de que se pode ganhar sem jogar, invocando glórias passadas (há muito tempo, de resto). Há, por isso, fragilidades a contornar e deslizes a corrigir. São tarefas necessárias e inevitáveis para enfrentar os ataques de que o FC Porto será alvo em várias frentes. Primeira regra: não menorizar nem subestimar o adversário.

in A Bola - 01 Janeiro 2011

Etiquetas: