dezembro 31, 2008

Blog # 257

Falamos demais sobre o ano que aí vem – desenhamo-lo como o ano de todos os perigos. Todas as nossas previsões são más, quer na política, quer na economia. É um cenário cinzento, triste, pouco dado para explosões de entusiasmo. Há quem veja nisso vantagens, como se a crise económica tivesse chegado para nos despertar de um optimismo doentio e sem suspeitas, cheio de computadores Magalhães e de novas tecnologias que nos poupariam o sofrimento, o trabalho e o estudo. Eram paraísos artificiais, promessas que não deviam ter sido feitas. Desde há anos que se juntavam as peças deste puzzle. O optimismo é a face visível de uma crise mais profunda, a do carácter e a da vontade. Todas as mudanças positivas nasceram em momentos de grandes dificuldades. Talvez 2009 seja um deles.

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LIVROS DO ANO (8): Um livro que passou em silêncio e por onde se pode obter um melhor retrato da gente que hoje está no governo: 'O Poder e os Idealistas', de Paul Berman (edição Alêtheia). Ou como as boas ideias dão más soluções.

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FRASES

"Estou à espera há duas horas e já sei que as pulseiras amarelas estão a esperar quatro." Utente das urgências do Hospital Amadora-Sintra, ontem no CM.

"Um homem excita-se até com o vento a soprar nos canaviais." João Bonifácio, no blogue Sinusite Crónica.

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dezembro 30, 2008

Blog # 256

O triste episódio da Escola do Cerco, no Porto, com um miúdo a gritar "dás-me positiva ou levas um tiro" foi desvalorizado porque as crianças, parece, podem fazer o que lhes apetece. Mas dá uma ideia – mais uma – do que o Ministério ignora sobre a vida das escolas. Tendo abandonado os professores em vez de atacar, como devia, a corporação que abunda pelos corredores e gabinetes do Ministério, Maria de Lurdes Rodrigues escolheu o alvo mais fácil e o mais errado. Os professores são a instituição que resta de uma escola despedaçada e desprotegida, alvo fácil de associações de pedagogos, de pais, de políticos e de energúmenos. Diante da cena macabra divulgada em vídeo, devia-se defender a professora ameaçada, e não desculpar os patifes. Estamos num mundo de pernas para o ar.

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LIVROS DO ANO (8): "Encontro em Capri", de Marcello Duarte Mathias (Oceanos) é a história inventada de um diário que Gorki nunca escreveu. Ou seja: é pura literatura, pura especulação, pura imaginação cheia de elegância e perturbação.

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FRASES

"As dívidas que temos resultam da crise que atinge todo o país." António Augusto, presidente da Junta de Freguesia de Galveias, ontem, no CM.

"Por pickles não me deixava matar, mas por cerveja Guiness, deixava que me batessem." Gustavo Offely, no blogue Life and Opinions.

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dezembro 29, 2008

Blog # 255

O governo termina o ano em baixa. Primeiro, com a suspeita de que o presidente da República não vai deixar passar o Orçamento sem uma palavra; depois, com uma mensagem de Natal muito dispensável, em que José Sócrates vestiu a pele de um propagandista em vez de se apresentar como um estadista em que os portugueses confiassem – falando da crise no plural. A questão do Orçamento não é inocente. O governo e o PS quiseram a guerra com o presidente, "pondo-o no sítio". Cavaco, que é discreto e não gosta de cometer o mesmo erro duas vezes, não deixará o pobre orçamento à solta e à mercê de operações de propaganda ou de "contabilidade política". Os eleitores, na verdade, podem não confiar na oposição – mas começam a descrer de um governo que os trata como ignorantes ou patetas.

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LIVROS DO ANO (7): O título é magnífico: 'A Matemática das Coisas. Do Papel A4 aos Atacadores de Sapatos, do GPS às Rodas Dentadas', de Nuno Crato (Gradiva), é uma divertida aproximação à matemática quotidiana. Da mais simples. E bela.

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FRASES

"Nós temos um governo cinzento, morno. Os ministros não sorriem, não estão contentes com a vida." José Gil, filósofo, ontem no CM.

"Hoje nevou em Celorico de Basto. Deve ser efeito do Protocolo de Quioto." Helder, no blogue O Insurgente.

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dezembro 26, 2008

Blog # 254

Desenganem-se os que atribuem a proposta (alargar o período experimental do contrato de um trabalhador de três para seis meses) a um governo de direita, refém dos interesses do grande capital e das associações patronais, interessado em promover o trabalho precário e a intranquilidade no proletariado (sirvo-me do léxico ideológico ainda em voga). De facto, quem elaborou o projecto foi um governo socialista com maioria absoluta. O Tribunal Constitucional vetou a norma depois de o Presidente da República (eleito com os votos da direita, não foi?) ter manifestado dúvidas sobre a sua constitucionalidade. Antes de pensarmos que o Mundo está de pernas para o ar, registemos que o ministro socialista do Trabalho recebeu o chumbo do TC 'com naturalidade'. O socialismo já não é o que era.

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LIVROS DO ANO (5): ‘Os Livros que Não Escrevi, de Georges Steiner (Gradiva), é um conjunto de ensaios memoráveis sobre a cul-tura e a política contem-porâneas, do ensino à religião, escrito por um dos grandes mestres do nosso tempo.

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FRASES

"Temos as auto-estradas e os estádios feitos. Para nós um Mundial ou um Europeu é só lucro." Luís Filipe Menezes, ontem no CM.

"Duas linhas de mulheres: as que se conhecem na pista de dança e as que se conhecem na biblioteca." Bruno Sena Martins, no blogue avatares de um desejo.

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dezembro 24, 2008

Blog # 253

Segundo parece, o "jantar de consoada" é cada vez mais encomendado de fora ou servido nos hotéis. Nas sociedades tradicionais, as festas tradicionais são essencialmente domésticas, caseiras, familiares – e Portugal está a mudar de hábitos. Não vem daí grande mal, a não ser a revelação de que as pessoas já não sabem nem gostam de cozinhar. Ou não têm tempo para isso, porque trabalham muito. Também não têm tempo para os seus velhos, e isso é mais grave: por esta altura, há famílias que entregam os seus velhos nos hospitais e dão, em troca, números de telefone falsos para não serem incomodados. Uma sociedade sem generosidade nem compaixão, fria e sem paciência – e com vergonha dos seus velhos, que incomodam e relembram que todos morremos e envelhecemos. É um retrato abjecto.

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LIVROS DO ANO (4): 'Rayuela', do argentino Júlio Cortázar (edição Cavalo de Ferro), é uma espécie de 'romance total', denso e amoroso, para se ler com um filme na cabeça, música, nuvens de fumo, a paisagem do mundo a entrar pela janela.

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FRASES

"Os consumidores é que acabam por pagar a crise." Armando Esteves Pereira, ontem no CM.

"Um ponto de exclamação em cada esquina. É disso que este país anda a precisar." Nuno Costa Santos, no blogue Melancómico.

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dezembro 23, 2008

Blog # 252

Vejamos. Portugal não é diferente dos outros países em matéria de excesso de palavrório. Mas é uma pena que, no meio de tanto discurso, declaração, comissão parlamentar de inquérito, audições e audiências, se percam às vezes coisas que valia a pena reter. António Ribeiro Ferreira fala do assunto na sua crónica de ontem, aqui no CM. Por exemplo, o Procurador-Geral da República afirmou no Parlamento que o senhor Governador do Banco de Portugal foi alertado para uma grande fraude internacional que envolvia o BPN. Quando? Há quatro anos. Devia o BP estar de sobreaviso? Sim. Esteve? Não. O Procurador disse também que não tem meios para investigar crimes de corrupção. Ao ouvir isto, os deputados o que fizeram? Peocuparam-se? Não. Mas devem estar a nomear uma comissão de inquérito.

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LIVROS DO ANO (3): "A Ferver", de Bill Buford (edição Sextante), é um romance reportagem como há poucos: o tema é a cozinha, o tom é vivo e diligente, a história é saborosa. O que o leitor aprende? A cozinhar e a reconhecer um bom livro.

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FRASES

"Porque é que o Estado confisca os nossos bens e nunca os nossos males?" Arcebispo de Cantuária, no blogue Atlântico.

"Um miúdo de 15 anos que bate no professor e a directora, com medo, não participa, é uma situação tremenda." Pinto Monteiro, citado ontem no CM.

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dezembro 22, 2008

Blog # 251

A "indústria da crise" está em grande actividade. Em momentos politicamente difíceis – ou 'complexos' – a palavra "crise" é ambivalente. Serve para a oposição e serve para o governo. Vacinados contra o queixume, os eleitores já não se deixam embalar pelo discurso mais fácil que brada por soluções evidentes e quer aplicar receitas milagrosas. Pelo contrário, detectam nos outros a sua própria malandrice. Desconfiam – e fazem bem. Assistem, com a ironia disponível, ao festival dos membros do governo que mencionam "a crise" para justificar a maior parte das medidas de carácter político excepcional. A "crise" é real – mas é também uma muleta para quem já não pode cumprir mais promessas. Em 2009 a "crise" vai justificar tudo. A maioria vai aceitar. Mas sabe que está a ser enganada.

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LIVROS DO ANO (2): 'O Mundo num Segundo, dos portugueses Planeta Tangerina é um dos livros mais maravilhosos do ano. Ilustração pura, poesia, melancolia. Para crianças e para adultos. Para ser ter em casa e olhar de vez em quando.

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FRASES

"Portugal parece um barco mal estivado com a carga quase toda a estibordo." José Medeiros Ferreira, ontem no CM.

"Os gregos, de uma maneira geral, estão fartos de aturar os idiotas dos meninos." Helder, no blogue O Insurgente.

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dezembro 19, 2008

Blog # 250

Houve um tempo de completa indigência nas escolas. Uma parte da "classe" safava-se como podia e fazia o papel do funcionário público previamente cansado, evitando o trabalho, aproveitando o artigo 4.º, subindo com diuturnidades e antiguidades, gozando férias prolongadas, recusando avaliações e formação. Com o tempo, a coisa mudou. A escola era vigiada e, ela própria, exigia mais atenção. Ontem, um estudo mostrava que 75 por cento dos professores escolheria outra profissão. É um bico de obra. Não se pode ter uma escola pública de qualidade com o actual ambiente de desconfiança. Por um lado, tem de haver mais exigência e mais rigor; por outro lado, os professores não podem ser tratados como sentinelas de aula ou funcionários do Ministério. É esse o dilema dos dias de hoje.

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LIVROS DO ANO (1): 'Os Detectives Selvagens', do chileno Roberto Bolaño (Teorema) – um livro extraordinário que é uma pena perder. Um grande escritor: os seus personagens ardem na cidade do México, cheios de sexo e de literatura.

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FRASES

"Santana Lopes, no campo de batalha, é um convite à desmoralização das tropas." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

"O PS sempre foi assim (...). Os portugueses sabem bem quem nós somos." José Sócrates, ontem, no CM.

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dezembro 18, 2008

Blog # 249

Manuel Alegre diz que quer tudo limpinho: "Que as forças conservadoras se assumam e que a esquerda seja esquerda." Nada mais simples. O retrato desse mundo vem nos manuais, explicado com clareza e ilustrado por esquemas providenciais que mostram duas cores distintas – a da esquerda e a da direita. Infelizmente, essa realidade a duas cores está longe do espectro em que as pessoas se movem: aqui e ali contam mais as tonalidades, as sombras, os declives e até as aparências. Geralmente, queremos que os outros sejam como achamos que eles devem ser. Mas o problema é que a realidade, muito sacana, vem atrapalhar tudo e encher a vida de surpresas. No caixote de lixo da história e da política há bastantes desses manuais feitos para gente simples; alguns nem para reciclar são úteis.

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Na altura do Natal, a Assírio & Alvim lembrou-se do essencial e preparou conjuntos de livros a preços módicos, reunindo "pequenas bibliotecas" – com os seus autores de culto, selecções notáveis de boa literatura. De 35 a 200 euros.

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FRASES

"Uma escolha entre a cigarra e a formiga."António Costa, presidente da Câmara de Lisboa, sobre o duelo eleitoral com Santana Lopes, ontem no CM.

"Ninguém votou em Ferreira Leite para ter Santana Lopes." Bruno Alves, no blogue O Insurgente.

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dezembro 17, 2008

Blog # 248

Alguns jornais interrogavam-se, ontem, sobre se Muntadar al-Zaidi, o jornalista iraquiano que atirou um sapato a George Bush, era um herói ou um delinquente num país onde heroísmo e delinquência se cruzam várias vezes por dia. Trata-se, portanto, de uma pergunta deslocada, até porque um sapato não é propriamente uma pedra – e tem mais graça. Mas é um sapato. O gesto corre o risco de virar moda, se bem que as pessoas não achassem tanta graça se o sapato atingisse a cabeça de Hugo Chávez ou de Lula da Silva, ideologicamente protegidos contra o arremesso. Cada sapato tem a sua ideologia. E, desculpando-se o gesto hoje, quem sabe se não o justificaremos amanhã. Mesmo que o sapato de Muntadar al-Zaidi sirva apenas para mostrar que o presidente americano não passa de um alvo.

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Acaba de sair o segundo volume do 'Diário' de Luísa Dacosta (edição Asa), 'Um Olhar Naufragado'. Uma sensibilidade rara e em desaparecimento, coisa de outro tempo. Com o sabor do mar do Norte e um gosto inusitado pela névoa.

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FRASES

"Não existe nenhuma guerra de gangs. São só pequenos problemas que têm de ser resolvidos." Grupo em busca de vingança depois da morte na Casa Pia, ontem no CM.

"Tive o maior cuidado com as crianças, não fossem elas ouvir os detalhes das fraudes bancárias." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

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dezembro 16, 2008

Blog # 247

Independentemente do que pensarmos sobre a reforma do Estado, o controle do défice, a operação de salvamento dos bancos ou a avaliação dos professores – a questão que pesa sobre as nossas vidas, a vida mesmo, aquela de todos os dias, não tem a ver com a ameaça de Manuel Alegre ao PS nem com o futuro da liderança de Manuela Ferreira Leite. Tem a ver com aquelas contas mais simples e irritantes que se fazem quando se olha para trás e se estabelecem comparações. O exercício é injusto e irreparável, porque não se pode voltar atrás, mas, por mais que nos digam que o Estado está de boa saúde e que grandes coisas têm sido feitas (ou estão em vias de ser anunciadas em ano de eleições), uma coisa parece evidente: há quatro ou cinco ou seis anos vivíamos melhor, não vivíamos? Oops.

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Fixem este nome: Ceridwen Dovey, uma sul-africana de que a Civilização publicou uma pequena maravilha, 'O Barbeiro, o Chefe e o Artista'.

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FRASES

"Vi que estava lá um cadáver e liguei a informar que não era apenas um carro queimado." José Silva, caçador, em Penafiel, ontem no CM.

"Que aqueles gregos não consigam emprego não me surpreende. Eu também não contrataria delinquentes." João Miranda, no blogue Blasfémias.

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dezembro 15, 2008

Blog # 246

Alberto João Jardim acha que há "grupos dentro do PSD" que querem a vitória de José Sócrates para poderem, diz ele, "defenderem os seus interesses económicos". Não é grande novidade. Para retomar um lugar-comum de séculos, o capital não conhece pátria nem se empata com minudências. Pode ser cruel, mas não deixa de ser verdade. Os "interesses económicos" vêem os tempos de crise a flutuar no horizonte e fazem contas aos milhões de euros que Sócrates anunciou para "apoio à economia", aos pacotes de "incentivos fiscais" e às "linhas de crédito" que se anunciam – seja lá o que isso for. O capital é obrigado a pagar o crédito com o seu silêncio. Jardim esbraceja, como é seu hábito, mas tem razão. Não porque lhe valha grande coisa, mas porque as coisas são como são. Vem nos livros.

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A editora Caixotim, do Porto, publicará em Janeiro o volume "Sobre Teoria e Crítica Literária", de Jorge de Sena – 300 páginas organizadas por Jorge Fazenda Lourenço e prefácio de Mécia de Sena. Uma parte do livro é ainda inédita.

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FRASES

"A pior coisa que pode existir no País é a cegueira, a miopia e a partidarite aguda." Ângelo Correia, ontem no CM.

"Não adianta, mulher bonita não sabe dar colo." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de Um Desejo.

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dezembro 12, 2008

Blog # 245

Durante o dia de ontem muitos portugueses se perguntaram sobre o que tinham eles a ver com Manoel de Oliveira. Tem sentido, a pergunta – sobretudo porque o cineasta fez cem anos. Gostando ou não de Oliveira, ele transformou-se num monumento, e um monumento raramente se discute; está ali, à chuva, atravessado pelas intempéries, sujeito às caganitas dos pombos e à passagem das estações, é visitado para homenagens e fotografado pelos turistas. Oliveira, portanto, merece – é um monumento que mostramos com dignidade e algum orgulho. Não concordo com aquele crítico espanhol que referiu Oliveira como um dos cineastas mais livres do mundo. Essa 'liberdade' foi possível com o generoso dinheiro do Estado e dos contribuintes, o que também foi uma sorte para o seu talento. Não é para todos.

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Está decidido, por princípio: a Feira do Livro de Lisboa abre a 23 de Abril no Parque Eduardo VII com stands e áreas diversificadas e consensuais. Tudo a tempo de os stands irem para o Porto, cuja feira abre depois da da capital.

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FRASES

"Estima-se que a visita do Arsenal à Invicta tenha deixado espalhados pelo país 6.000.000 de melões." Vasco Lobo Xavier, no blogue Mar Salgado.

"Não sei de quantos crimes sou acusado porque ainda não fiz realmente a contabilidade." Hugo Marçal, réu do processo Casa Pia, ontem no CM.

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dezembro 11, 2008

Blog # 244

Um dos novos desportos para preencher o vazio da cabeça é o de vigiar os hábitos de Barack Obama, como o de fumar. Os parvinhos elegantes, de ideologia tetraplégica, e as tias do século passado ficaram embasbacados com a novidade – Obama fuma; como é que ele vai fazer na Casa Branca, onde não se pode fumar? Naturalmente, vem até à porta das traseiras onde escapará dos moralistas. Interrogado pela imprensa, o presidente americano lá se justificou: "Mas olhem que tento ter uma vida mais saudável..." Para começar, estar no poder não é nada saudável. Depois, desde que inventaram os políticos com "uma vida saudável" que deixámos de ter bons políticos. Um bom político precisa de um certo suplemento de vício. Olhem para a União Europeia e confirmem: saudáveis, sim, mas uma merda.

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Sai na próxima semana (na Temas e Debates) 'Livros de Mais', do mexicano Gabriel Zaid (um poeta e homem de cultura notável, já agora). O tema? O excesso de livros no mercado – um livro novo de trinta em trinta segundos. Como sobreviver?

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FRASES

"Vejo a necessidade básica de haver sentido de dever." Jaime Gama, presidente da AR, sobre as faltas dos deputados, ontem no CM.

"O problema da cunha não é o tráfico de influências. O problema é que não funciona." Nuno Costa Santos no blogue Sinusite Crónica.

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dezembro 10, 2008

Blog # 243

Há uma enorme duplicidade das televisões quando exibem imagens de tumultos: há guerrilhas boas e guerrilhas más. Depende. Para a generalidade da imprensa, os meninos que andam a destruir Atenas são jovens e anarquistas em protesto. Lá vem a ladainha habitual: desemprego jovem, blá-blá, adolescentes coitados, blá-blá. Os desempregados que assaltam lojas em países africanos 'progressistas' ou em Timor, esses, são 'desordeiros'. Há um 'glamour' do protesto consoante os desordeiros usam lencinho palestiniano ou exibem males pouco fotogénicos. No primeiro caso, podem apedrejar os carros da polícia enquanto bebem umas cervejas; no segundo, são apenas instrumentalizados pela miséria, o que é pouco 'cool' para as novas gerações. A televisão gosta de promover o turismo do desacato.

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Festejemos o regresso das velhas, saudosas e belas edições da Ática, entretanto tomada pela Guimarães. Acaba de sair 'O Rosto e as Máscaras', a clássica antologia de Pessoa (poesia e prosa), organizada por David Mourão-Ferreira. Corram!

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FRASES

"As avarias são provocadas pelas alterações exigidas pelo Ministério da Administração Interna." Fonte policial sobre as novas pistolas a atribuir à PSP, ontem no CM.

"Os telemóveis deveriam vir acompanhados de um exemplar da 'Estilística Portuguesa'." António Figueira, no blogue 5 Dias.

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dezembro 09, 2008

Blog # 242

A imprensa 'gostou' muito mais de Ségolène do que da sua rival e muito mais de Obama do que do seu opositor. Ségolène não só tinha aquela aparência jovem e luminosa (parece que isso escondia um temperamento 'difícil', mas que importa) como, além disso, vestia bem. Toda a roupa parecia desenhada para ela. Pelo contrário, a sua rival 'vestia mal'. Alguns jornalistas 'de política' anotaram o facto como se se tratasse de um problema ideológico essencial. Olhem Gordon Brown, criticado porque parece saído de um gabinete de bibliotecário. Talvez um dia as pessoas se cansem das 'aparências' e apreciem a modéstia na maneira de vestir, ou os sapatos comprados nos grandes armazéns. António Alçada Baptista era um saboroso desleixado – certo que não era político, mas era um sedutor nato.

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Está à venda a partir de hoje a excelente recolha de crónicas de Pedro Mexia sob o título 'Nada de Melancolia' (edição Tinta da China, prefácio de Miguel Esteves Cardoso): mais do que um grande cronista – uma escrita de primeira.

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FRASES

"Creio que gostaria de ter uma Ana Moura só para mim, cantando na sala." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

"Se o Cristiano não fosse futebolista profissional poderia ter-se perdido." Dolores Ribeiro, mãe de Cristiano Ronaldo, ontem no CM.

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dezembro 08, 2008

Blog # 241

Não sei quem foi a boa alma que justificou o comportamento dos deputados do PSD por estarem desmotivados, mas é uma aldrabice e tanto. Isso não sei – mas o facto de 28 deputados do partido terem faltado numa votação crucial dá apenas ideia da qualidade política daquelas bancadas. Há quem culpe o presidente do grupo parlamentar. Isso não engana o essencial: 28 arremedos de deputado, pelo menos do PSD, não estavam na sala (há a desculpa de 10 que estariam em 'trabalho político'). Não se trata, portanto, de desmotivação. É simples desmazelo. Um desmazelo idêntico ao de quem os escolheu para figurar na lista de candidatos a representantes da nação. Ou traição deselegante, pura e simples. Ou, a acreditar que não quiseram votar – um acto de covardia que não se esquecerá tão cedo.

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A Feira do Livro de Lisboa vai abrir mais cedo do que a do Porto. Há rumores de que já se propõe a sua inaguração em finais de Abril. De qualquer modo, será primeiro a de Lisboa, depois a do Porto – mas com 'stands' coloridos.

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FRASES

"Queria fazer a minha autobiografia, mas perco-me em detalhes e nunca mais acabo." Manoel Oliveira, cineasta, ontem no CM.

"Nunca se foi tão longe em propaganda como agora." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

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dezembro 05, 2008

Blog # 240

Ao anunciar que a taxa do crédito à habitação vai descer ou que a gasolina vai ser mais barata, o primeiro-ministro referia-se a factores que não dependem do trabalho ou do empenhamento do seu governo mas da crise internacional e das medidas de correcção do banco central europeu. É como se dissesse que, graças à presciência do governo, neva no Marão, os automobilistas conduzem à direita ou a Terra é redonda. Tanto poder causa inveja e impressiona. Talvez por isso (e com a ajuda de outra crise, a do BPN) o PS tenha pensado que podia entrar em guerra contra o Presidente, que tem sido cuidadoso em relação ao governo. É uma guerra inútil que só serve para dizer quem manda e para esticar a corda. Tanto poder causa inveja e impressiona – mas, fatalmente, deixa as pessoas cansadas.

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A Campo das Letras está a começar a publicar a obra do poeta, dramaturgo e filósofo alemão Friedrich von Schiller (1759-1805). Sai agora "Wallenstein", em tradução de Maria Hermínia Brandão. Um monumento da cultura clássica europeia.

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FRASES

"Cada vez que ligava para o 112, só perguntavam se eu estava a brincar e desligavam a chamada." Lojista assaltada em Vila do Conde, ontem no CM.

"Nada tenho contra os ataques pessoais; lamento a fraquíssima frequência de peixeirada na blogosfera." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

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dezembro 04, 2008

Blog # 239

O que pede o Ministério da Educação? Que se cumpra a lei sobre "a avaliação". Quem fez a lei? O governo e a sua maioria. A quem se dirige a lei? Aos professores. Os professores concordam com a lei? Não. É possível aplicar uma lei quando aqueles a quem ela se dirige não querem a sua aplicação? Não. Este imbróglio diz respeito a todas as leis, ou seja, ao "espírito das leis", de que falava Montesquieu. Há quem pense que basta redigir uma lei para que a lei se cumpra; seria fácil, a um punhado de "pessoas esclarecidas", passar um ano a produzir leis e três anos a mandar executá-las, fechando um ciclo eleitoral. Infelizmente, as leis dirigem-se a pessoas concretas que vivem em condições concretas, nem sempre as desejáveis. As "pessoas esclarecidas" às vezes não vêem isto.

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A Assírio & Alvim acaba de publicar um pequeno e delicioso livro: "Segredos Culinários de Maria Callas", ou seja, as receitas apreciadas pela diva. Tem um prefácio de José Bento dos Santos e sugestões fatais para o nosso apetite.

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FRASES

"Que bela crise, devem pensar os accionistas e os felizes depositantes de fortunas do BPP." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.

"Não existe razão para a greve." Valter Lemos, secretário de Estado da Educação, ontem no CM.

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dezembro 03, 2008

Em busca de um mundo só seu

Anthony Bourdain é um dos meus autores preferidos – e a preferência não é, propriamente dita, literária. Mas podia ser, uma vez que li com grande prazer Um Osso na Garganta, um romance policial passado nas cozinhas e copas de alguns restaurantes nova-iorquinos (do lado de lá do rio, bem vistas as coisas, já em Jersey, como acontece com Os Sopranos). Refiro-me, antes, aos seus dois excelentes livros sobre cozinha: Confidential Kitchen e A Cook's Tour, traduzidos como Cozinha Confidencial e Em Busca do Prato Perfeito. Um Cozinheiro em Viagem.

Bourdain não é o chef encartado que se delicia com espumas & cozinha molecular, uma espécie de moda recente, produto da tecnologia; pelo contrário, ele procura na cozinha a revelação de uma arte que reuniu os seres humanos em torno da ideia de sobrevivência, de prazer e de felicidade. Há um pouco de jogo, certamente (a cozinha de espumas & moléculas é essencialmente jogo e divertimento), mas o que Bourdain faz é cozinha tradicional sem medo da morte. Por isso, os seus ingredientes são ainda o azeite, a manteiga, o vinho, os caldos espessos e olorosos, a carne e o peixe, o bacalhau salgado ou o açúcar; e os resultados são os vegetais cozinhados (e não crus), as carnes de que nada se desperdiça, os fritos que nos reenviam à infância, os doces de caldas luminosas. Em A Cook's Tour, livro-delírio, Bourdain viaja através do México, da França, de Inglaterra, da Rússia, do Vietname, do Japão, de Portugal ou do País Basco para tentar encontrar um fio de ligação entre o nosso desejo de coisas suculentas e o que se pode obter de pacificação depois de um almoço ou de um jantar quase perfeitos. Encontra-o por diversas vezes – em Portugal, logo a abrir, uma vez que o seu sócio e patrão no restaurante nova-iorquino Les Halles é um português de Amarante, José Meirelles, que enche os corredores da copa com caras de bacalhau, tripas, presuntos, enchidos de Trás-os-Montes. Encontra-o no País Basco, em jantares com os chefs mais divertidos da Europa, bebendo dúzias de garrafas de vinho e cantando canções de que não conhece o significado ("Osasuna! Osasuna!"); ou no Japão, comendo em restaurantes soberbos nas montanhas ou em botecos mal iluminados dos portos, aguardando a chegada de o-toro, o atum dos atuns; ou no Vietname, no meio dos campos, em apartamentos clandestinos ou em ruas cheias de pequenas roulottes carregadas de ingredientes desconhecidos.

Num mundo superpovoado de monumentos silenciosos que a nossa vaidade de turistas procura como uma espécie de pórtico para o conhecimento do mundo, Bourdain mostra-nos a outra face desse conhecimento. Não, não julgue o leitor que se trata de um roteiro de restaurantes no mundo inteiro, geralmente caros e atrevidos – pelo contrário, são amostras da vida quotidiana pelo mundo fora. Esse catálogo de restaurantes e das suas ementas pode ser encontrado tanto em Nova Iorque como em Lisboa, no Porto ou, vá lá, no Algarve. Mas "o prato perfeito", como diz Bourdain, só pode ser o resultado de uma pesquisa em ruas tortuosas e bairros populares, tanto em Marraquexe como em Bilbau, tanto numa quinta de Amarante como num campo de arroz no Vietname (pessoalmente, não recomendo a experiência, mas o leitor que arrisque). A grande cozinha, tal como a cozinha de espumas & moléculas acaba por ser idêntica, com ligeiras variações regionais, em todo mundo. O que é desigual são as formas de nos mantermos longe das dietas e próximos da terra. Num boteco do Rio, numa velha varanda de Goa ou num terraço escondido em Buenos Aires – não só é mais barato, digamos, como é a verdadeira descoberta. Essa é a verdadeira cozinha confidencial.

in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Dezembro 2008

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Blog # 238

O problema de Cristiano Ronaldo é que, há uns anos, um futebolista era um futebolista. Hoje em dia, é muito mais coisas: fala com abundância, conhece e pratica com senhoras, colecciona carros, não tem juízo nenhum em público. Mesmo assim, Cristiano Ronaldo é Cristiano Ronaldo e gostamos dele ou não – sendo ele como é. Os estetas acham-no de pechisbeque porque nunca escondeu a família, a vulgaridade ou a ambição. Preferiam-no cantor de ópera, sofisticado, mas ele é futebolista e ganha muito dinheiro. É o primeiro da sua família (humilde, simples) a ganhar dinheiro e a saber que é bom no que faz – e não tem vergonha. Com o tempo, talvez melhore e se torne mais discreto. Mas tem direito à sua euforia de miúdo: é o melhor do mundo com a bola nos pés. O que irrita os invejosos.

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A revolta espanhola contra Napoleão, em Madrid (1808) é o cenário de fundo do romance de Arturo Pérez-Reverte, 'Um Dia de Cólera' (Asa) – sou leitor incondicional. Contar uma história com talento é um dom inestimável e invejável.

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FRASES

"O problema de se fazer um elogio em Portugal é que se tem sempre de levar com um chato a seguir." Nuno Costa Santos, no blogue Melancómico.

"E acho que vai ser assim até ao final." Jesualdo Ferreira, que considerou 'difícil' o jogo com a Académica, ontem no CM.

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dezembro 02, 2008

Blog # 237

Quando Cavaco abandonou o governo, em 1995, estava farto do PSD. Quando Guterres deixou o governo em 2001 queixou-se "do pântano", e estava também a falar do seu partido. Treze anos depois, Cavaco continua farto do PSD e Guterres distante de um regresso à vidinha no PS. Periodicamente, há gente que se afasta e deixa no ar suspeitas sobre "o pântano" ou sobre "a política". Em qualquer dos casos queixam-se do "centrão", uma espécie de "organização secreta" que deixa a sua marca em todos os grandes negócios do regime e que dilui todas as diferenças entre os dois maiores partidos do sistema. Só assim se explica que Dias Loureiro tenha elogiado Sócrates na apresentação de uma biografia do primeiro-ministro e que as presidências dos bancos sejam ocupadas com um emblema ou outro.

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Perturbador e controverso: é o mínimo que se pode dizer de 'A Monstruosidade de Cristo', do esloveno Slavoj Zizek (Relógio d'Água), autor de "Elogio da Intolerância", traduzido antes. Uma reflexão sobre a violência e o medo da religião.

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FRASES

"Ele estava a dois metros e só acertou no pé. Foi sem querer." A.M. sobre Raul Teixeira, um dos réus no caso 'máfia da noite', ontem no CM.

Olivença é nossa. E português que é português, chateia um espanhol ao menos uma vez." No blogue 31 da Armada.

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dezembro 01, 2008

Blog # 236

Ontem, o diário 'El Mundo' escolhia os homens mais elegantes do ano – e entre eles, apenas atrás de Karl Lagerfeld (uma múmia), de Roger Federer, Barack Obama, Brad Pitt, ou do príncipe Haakon (da Noruega) e à frente de Jude Law, de Sarkozy ou do príncipe Carlos, estava José Sócrates. O sexto mais elegante do mundo. É uma distinção e tanto. Mundana, sim – mas uma distinção. Sisudo na foto, talvez isso seja uma das razões a sua popularidade, como diz o jornal, que acrescenta: "Os portugueses respeitam o homem rigoroso, com fatos escuros Armani." Pode ser. Por isso, a sua ministra da Educação escusava de considerar 'tocante' o caso do aluno que – depois de receber um computador Magalhães – lhe escreveu a dizer que quer inscrever-se no PS. Isso não é elegante. Nem tocante.

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O novo romance de Umberto Eco ('A Misteriosa Chama da Rainha Loana', edição Difel) arranca maravilhosamente: um alfarrabista chamado Bodoni, extraordinário amante de livros, perde a memória. Só se lembra do que leu. Bela leitura.

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FRASES

"Quem quiser candidatar-se contra José Sócrates terá de ter muita coragem." Almeida Santos, presidente do PS, ontem no CM.

"Um título do Benfica faz-nos amar o próximo mais do que ele se ama a si próprio." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

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