fevereiro 27, 2010

Devolver a bola ao campo

O historial do túnel da Luz merece que, doravante, as visitas guiadas ao estádio do Benfica o incluam como um suplemento inevitável e muito valorizado pelos seus turistas. «Foi aqui», dirão os guias, aos visitantes comovidos. O que já escrevi sobre o filme que circulou pelas televisões bastava-me; o extraordinário peso do castigo aplicado aos jogadores também não me surpreendeu – esperava-se mão pesada por parte do CD da Liga, como estava prometido pelo seu historial.

No entanto, é impossível deixar passar em branco o lamentável espectáculo de exibicionismo justiceiro protagonizado pelo meirinho de serviço. Ele quis não apenas exibir o seu poder, convocando os holofotes das televisões, mas também mostrar ao país que um castigo – aplicado aos jogadores do FC Porto – merece festa e deve passar como um aviso. Evidentemente que posso discutir o pormenor da presença dos stewards naquele espaço e da provocação que decerto eles protagonizaram, mas o caso não é esse. O caso é que o «país futebolístico» já não é surpreendido por estes excessos. Fazem parte do cenário rocambolesco em que as coisas andam a decorrer.

Uma das explicações tem a ver com o ressentimento (sempre mesquinho e infantil – o Dr. Freud explica) contra dois jogadores e um clube. Trata-se, naturalmente, de um problema de personalidade ou de matéria sociológica. A inveja faz mal à razão; mas a arrogância completa o quadro. E o resultado não se recomenda.

Outra explicação para este cenário rocambolesco tem a ver com a quantidade de juristas e legisladores que andam à volta do futebol. Não sei – mas suponho que sim – se as nossas leis apenas respeitam o cânone internacional e a legislação que vem da UEFA e da FIFA. Mas a vontade de legislar, criar trapalhadas processuais, artigos de excepção e armadilhas legais é demasiada. E faz desconfiar (regulamentos mais simples seriam mais úteis, mas tirariam protagonismo a esta gente) da sua eficácia – e, evidentemente, da justiça.

Devolvam, pois, o futebol ao estádio. Não ao túnel.

in A Bola - 27 Fevereiro 2010

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fevereiro 26, 2010

Blog # 554

Vale a pena conhecer Tiago Gomes, editor da revista ‘Bíblia’, uma espécie de fanzine artesanal e, na maior parte das vezes, difícil de ler. Ontem, nas Correntes d’Escrita, Tiago Gomes, poeta, leitor, e leitor voraz também, atirou-se ao problema de frente, diante dos doutores em poesia e de muitos equilibristas: que também faz letras para bandas de rock. Trata-se, diz ele, “de educar os músicos, que às vezes são um pouco bárbaros mas que também gostam de poesia”. Sem querer, provavelmente Tiago Gomes falou do essencial – os bárbaros estão às portas da cidade. Ou eles assaltam as ruas ou os educamos primeiro. Ensinemos-lhes poesia, por exemplo, que pode ser útil, ou comovente, ou mostrar o retrato do coração a preto e branco. Levar poesia ao rock não parece despropositado.

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O romance que pousou na mesa-de-cabeceira é ‘A Ordem do Tigre’, de J. J. Armas Marcelo (Teorema) – uma viagem à Argentina para reconstruir o passado e as ilusões da sua geração. E até, fica prometido, histórias de amor.

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FRASES

"Problemas financeiros resolvem-se com medidas financeiras, não apenas com medidas financeiras." J. Adelino Maltez, no blogue Albergue Espanhol.

"Nada disto se faz de um dia para o outro num País que se transformou num pântano." Paula Teixeira da Cruz, ontem, no CM.

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fevereiro 25, 2010

Blog # 553

Começou ontem, verdadeiramente, “a nossa pequena Paraty” – refiro-me às Correntes d’Escrita, na Póvoa de Varzim, que assinalam onze edições e que transformaram um pequeno encontro de autores ibero-americanos num acontecimento esperado anualmente. Pelo público que participa, pelos autores que reúne, as Correntes devem quase tudo ao interesse da Câmara da Póvoa, à organização rigorosa de Manuela Ribeiro e à insistência de Francisco Guedes. Num país que gosta de festejos que pedem dinheiro mas detesta a regularidade que exige trabalho, isto merece mais atenção. Como todos os “eventos culturais”, as Correntes também são uma pequena feira de vaidades, evidentemente. Mas com razão de ser. Num país que gasta muito com o “espetáculo”, é às Correntes que cabe defender o livro.

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Nada como estes versos para falar de poesia: “Preciso desse vento que sopra/ de onde os deuses partiram.” É do novo livro de poemas de Nuno Júdice, ‘Guia de Conceitos Básicos’ (Dom Quixote). Uma boa maneira de terminar o Inverno.

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FRASES

"A equipa está fresquinha, levezinha, parece uma alface." Jorge Jesus, treinador do Benfica. Ontem, no CM.

"Podia ter escolhido a literatura, mas não aprecio as virtudes formativas da pobreza." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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fevereiro 24, 2010

Blog # 552

Na sequência da tragédia madeirense levantaram-se imediatamente as vozes clamando sobre os desmandos do urbanismo. É evidente que há atropelos no povoamento e distribuição das casas pelas encostas da ilha, e que é preciso corrigir. Os novos sábios, muito jovens e imunes, se pudessem regressavam ao século XV e corriam tudo a chicote. Ninguém iria morar para o Curral das Freiras, seria proibido viver no Paul da Serra e nunca haveria uma estrada a ladear a encosta Norte até Porto Moniz. O mundo seria um lugar fantástico, desenhado a régua e esquadro, chefiado por tiranetes que – à distância – espreitam os perigos globais. Para eles, a Natureza nunca conta e nunca é violenta. Fazem-lhe festinhas e gemem. Tenham cuidado com esta gente que sabe tudo e fala em bicos de pés.

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Na Dom Quixote, sai por estes dias ‘Inversos’, a poesia de Ana Luísa Amaral entre 1990 e 2010. “Horror é conhecer. Tudo o resto/ se cura com a vida.” Ou: “Andar como nas dunas sobre o tempo/ o desejo do sol/ do outro lado”.

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FRASES

"Não há democracia sem partidos. Mas com estes maus partidos não haverá outra democracia." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

"Comissão de Ética: um espetáculo penoso, com heróis improváveis e malandros impenitentes." Constança Cunha e Sá, ontem, no CM.

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fevereiro 23, 2010

Blog # 551

Sabem quem é Abduljakim Izmailov? Morreu na semana passada com 93 anos – foi um dos soldados que há 65 anos ajudou a erguer a bandeira soviética no telhado do Reichstag e a agitá-la sobre os céus sujos de Berlim. A foto é famosa e constitui um ícone na história da Europa que se libertava do nazismo e se dividia em dois blocos. Curiosamente, essa foi uma das imagens que ocupou os experimentados fotógrafos e reveladores soviéticos (na altura não havia ‘photoshop’) – para eliminar um fragmento de luz no pulso de um Izmailov que subira ao telhado do Reichstag. O heroico libertador de Berlim, como os guerreiros de todas as guerras, usava um relógio que não lhe pertencia e que já fora produto do saque. A honra perdida de Izmailov foi agora revelada, no original da fotografia.

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Dois volumes indispensáveis para o estudo e o conhecimento da nossa literatura: ‘Indícios de Oiro’, de Eugénio Lisboa, agora lançados pela Imprensa Nacional. Um rigor raro na nossa crítica e uma paixão pelo pormenor.

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FRASES

"Os telespectadores queixam-se muito mais sobre matéria desportiva, sobretudo sobre FC Porto e Benfica." Paquete de Oliveira, provedor da RTP. Ontem, no CM.

"A tragédia que aconteceu na Madeira veio lembrar-nos o mau que é o jornalismo." Lourenço A. Cordeiro, no blog Complexidade e Contradição.

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fevereiro 22, 2010

Blog # 550

A tragédia só tem um nome: tragédia. A força da natureza destruiu uma parte desse equilíbrio entre ela mesma e o povoamento da Madeira. Uma das mais belas cidades portuguesas, ou a mais bela, o Funchal, ficará abalada durante muito tempo por essa tragédia. Ao recordar a beleza profunda, irremediável e fantástica dos seus cerrados, das suas florestas, picos, falésias, do seu rumor ilhéu, não se pode senão ficar do lado dessa gente orgulhosa que sofre com o isolamento e a claustrofobia – e, agora, com a destruição. Mais tarde, poderemos discutir o ordenamento, a ocupação do território, o urbanismo. Agora, silêncio, compaixão, ajuda e pudor. Mesmo se a memória nos atraiçoa em nome da beleza transitoriamente perdida do Funchal, uma varanda humana e luminosa sobre o mar.

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‘Cardeal Cerejeira, o Príncipe da Igreja’ (Esfera dos Livros) é um livro ímpar e escrito com a independência e a elegância de uma grande historiadora, Irene Pimentel. Uma biografia de Cerejeira como representante do país.

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FRASES

"Nunca senti nas pessoas da Madeira tanto medo da água que, na ilha, está por todo o lado." Laura Abreu Cravo, no blogue Mel com Cicuta.

"[Ao cardeal Cerejeira] nunca se lhe conheceu nenhuma namorada, mesmo antes de sacerdote." Irene Pimentel, historiadora. Ontem, no CM Domingo.

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fevereiro 20, 2010

Às vezes funciona

Um dos métodos mais ilustres e definitivos de calcular a eficácia de uma equipa e da sua carreira é a avaliação do plantel escolhido. Como treinador de bancada, sigo-o sempre que posso. Às segundas-feiras, é infalível. «O Jesualdo meteu o Guarín? Pois, foi o que se viu.» Nos últimos três meses o refrão voltava-se contra Mariano, o empregado de mesa. Contra Tomás Costa, valha a verdade que desde que deixou crescer o cabelo não cometeu tantos dislates, a provar que os cabeludos de antigamente não eram mal escolhidos, se bem que a barba de Ernesto Farías mereça reparo. Mas olha o Belluschi, com aquela poupa à popa, como se cavalgasse pelos pampas.

Acontece que, um dia, o treinador de sofá perde de goleada – é quando entram no relvado, ao mesmo tempo, todos os defeituosos, coxos, acagipados e extravagantes. Aí, o treinador de sofá arrepela os cabelos e torce-se na bancada (a minha cadeira fica em declive, tremendo) ou no sofá. E não é que «aquilo» funciona? E não é que Mariano marca, corre, empurra, salta – e sorri? E não é que Tomás Costa consegue fazer duas assistências sem tropeçar no salto alto?

Infelizmente, esta derrota do treinador de sofá (ou de bancada) não dura muito. Dois jogos depois, a mesma família de foragidos entra em campo e o resultado é totalmente contrário. É isso que tem sido a minha vida: a ver que os mesmos «processos» (o termo é de Jesualdo) e idênticas «peças» (o termo é de Karpov, parece) produzem resultados delirantes e contrários. Porque empatámos com o Leixões? Porque não funcionou. Porque ganhámos ao Nacional? Porque funcionou.

De resto, para os mais descrentes e reticentes, aviso que um golo destes, o de Radamel Falcao, a passe de Ruben Micael (com a devida protecção do árbitro – que, com Micael, esbracejou para que Sol Campbell não desse os dois passos da ordem) não é de todos os dias. É para aprenderem. Foi assim que o Arsenal marcou ao Chelsea; foi assim que um dia fomos eliminados pelo Bayern. Entrámos na alta-roda do futebol europeu. Foi pena não ter sido depois dos noventa.

In A Bola - 20 Fevereiro 2010

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fevereiro 19, 2010

Blog # 549

J. K. Rowling, autora da saga de Harry Potter, foi novamente acusada de plagiar um livro de Adrian Jacobs. O problema não é esta acusação; é que o mundo de Harry Potter é o de muitas histórias juvenis onde o maravilhoso se cruza com a demanda de justiça e de perigo. O mundo das ‘férias grandes’ seria o mesmo após Enid Blyton? As histórias de vampiros, que vêm do fundo dos tempos, passam por Bram Stoker, Dumas, Anne Rice e Stephenie Meyer – o que plagiam? Quantas vezes foi Homero plagiado? Lawrence Sterne, autor do prodigioso ‘Tristram Shandy’, foi plagiado por Garrett ou Machado de Assis? A Bíblia e o Corão foram plagiados quantas vezes? O problema é este: a literatura é uma corrente sem limites, cruzando várias vezes o mesmo caminho e os mesmos esconderijos.

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fevereiro 18, 2010

Blog # 548

Com o devido respeito, nem todas as questões políticas estão sujeitas a escrutínio parlamentar e a comissões de inquérito (nascidas de maiorias flutuantes) já suficientemente desacreditadas. A ideia de discutir a ‘liberdade de expressão’ no parlamento é uma pequena vingança que pode sair furada ou afogar-se no meio do ruído e da guerra governo-oposição. Os portugueses, infelizmente, não são muito sensíveis às questões de liberdade de imprensa nem de direitos cívicos; conformam-se. Há demasiados jornais proibidos, perseguidos e odiados na nossa história. O poder aproveita essa tradição iliberal portuguesa e reduz o problema a inveja, maledicência e conspiração; a oposição, que tem telhados de vidro, nem sempre escolhe bem o terreno onde pisa. O debate devia ser cá fora.

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A Assírio & Alvim reeditou o clássico ‘Fernando Pessoa, Empregado de Escritório’, do poeta João Rui de Sousa. A primeira edição foi lançada pelo Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, onde João Rui de Sousa era bibliotecário..

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FRASES

"Não existe solidariedade entre os cidadãos. Já não se crê na honestidade dos homens públicos." Rui Herbon, no blogue Jugular.

"É um problema individual de José Sócrates. O país inteiro já percebeu que ele mentiu." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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fevereiro 17, 2010

Blog # 547

Giordano Bruno morreu na fogueira da Inquisição há exatamente 410 anos, cumpridos hoje. Ele acreditava que o mundo era infinito e plural e que os sinais invisíveis da criação não podiam ser explicados com os dogmas católicos da época. Preso em 1592, só em 1600 o antigo dominicano foi finalmente sentenciado e as suas cinzas perdidas no Campo de’ Fiori, em Roma. Aproximadamente no mesmo lugar onde hoje está a estátua erguida em sua honra, enfrentando as cúpulas e os muros do Vaticano, e rodeada de símbolos herméticos. Nem todas as cinzas dos seus livros se perderam nesses derradeiros oito anos de cativeiro e de tortura. O que sobreviveu é o bastante para o desenhar como um sábio, um heterodoxo e um perguntador. Crimes suficientemente graves para a memória da Inquisição.

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Comprei e li num fim de semana: ‘Os Grandes Livros’, de Anthony O'Hear (Alêtheia), aproxima-se do padrão de “uma das obras essenciais da cultura ocidental”. Dos gregos ao século XIX, um cânone sublime para defender.

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FRASES

"A escola deixará definitivamente de ser um local onde se aprende e onde se ensina." João Torgal, no blogue À Mesa de Café.

"Os dois teatros nacionais recebem 11 milhões por ano e não sabemos o custo de cada espectador." Celso Cleto, encenador. Ontem, no CM.

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fevereiro 16, 2010

Blog # 546

Era discreto e parecia um velhinho na bancada de apostas de um hipódromo, de chapéu e gabardina. Essa imagem vinha a propósito porque Dick Francis viveu de livros, é certo, mas também de corridas de cavalos. Juntou as suas duas paixões para se transformar num dos escritores de literatura policial mais lidos em Inglaterra. Ano sem “um novo Dick Francis” e sem uma nova aventura de Sid Haley, não era coisa que se perdoasse. Com o tempo, as corridas de cavalos foram substituídas pelo basquete e pelo futebol, e os livros de Dick Francis perderam para os vampiros e thrillers maçónicos. Este homem, que pertencia à Inglaterra dos anos 70 e 80, morreu no domingo. ‘Dardo’ era um excelente policial e Francis um talentoso britânico que não entrou no século XXI. Como ele há poucos.

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Surpresa: ‘Diálogos para o Fim do Mundo’, de Joana Bértholo (Caminho), que recebeu o prémio Amália Vaz de Carvalho, é um belo romance, inquietante e perfumado com isto: viagens, terras, passagens, melancolias.

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FRASES

"O PS vai chegar à conclusão de que Sócrates não é a solução, é o problema." Eduardo Catroga, economista. Ontem, no CM.

"Os eleitores não conhecem 90% dos deputados, mas conhecem os candidatos a primeiro-ministro." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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fevereiro 15, 2010

Blog # 545

Um grupo generoso e ambidextro de apoiantes do primeiro-ministro prepara uma manifestação de desagravo ao líder, e que constitua “um aviso para a comunicação social”. Salvo erro, quem corre atrás “da comunicação social” acaba a levar pedradas. A lição não é de hoje nem de ontem. Até porque, como se sabe, o governo e as redações do jornais devem produzir coisas diferentes. O ideal é que “a comunicação social” do governo, e integralmente paga por ele, com o nosso dinheiro, se reduza ao circunspecto ‘Diário da República’. O desagravo tem toda a legitimidade; já “o aviso” é totalmente despropositado – limita-se a ser uma ameaça vulgar e malcriada, armada até aos dentes com a invocação do nome do líder. Coisas destas já aconteceram e as consequências foram risíveis.

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O novo romance de Manuel da Silva Ramos, o autor de ‘Os Três Seios de Novelia’ e de ‘A Ponte Submersa’, leva o título de ‘Três Vidas ao Espelho’, e sai em Março na Dom Quixote. Mais um retrato, a cinza, do país que dói por dentro.

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FRASES

"Depois não venham dizer que foram encornados." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

"Começo a perceber que a carreira do Porto vai ser difícil." Jesualdo Ferreira, treinador do FC Porto. Ontem, no CM.

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fevereiro 13, 2010

Nada de dramas

Vamos desdramatizar. Já basta a política, onde o drama subiu ao palco e ameaça – para nossa tranquilidade – não sair de lá tão cedo. Mas, no futebol, vamos dar um desconto. Está certo que o Sporting se afunda a cada semana, mas, vejamos, não se pode ganhar sempre. A ideia de que o campeonato e as competições adjacentes devem ser ganhas pelos «três grandes», com poucas alterações na classificação, é excessiva.

Se o FC Porto, o Benfica e o Sporting tivessem de ficar sempre nos três primeiros lugares de qualquer competição, seria de uma modorra interminável e sem graça. Felizmente, inventaram-se os quarto, quinto e sexto lugares (por exemplo) para serem ocupados por outras equipas concorrentes. Olhe-se o Benfica: ficou em sexto naquele ano em que Manuel José (então ao comando do Leiria) se vingou de ter sido despedido da Luz. Olhem o FC Porto, nos anos em que misturou restos de Fernando Santos com explosões de Octávio, e, depois, o incompreendido talento de Fernández com a pose da gabardina de Couceiro. Foi preciso Del Neri e Co Adriaanse para voltar à normalidade.

Nick Hornby, que escreveu um dos mais talentosos livros de futebol (Fever Pitch) com as suas descrições das várias campanhas do Arsenal, teria entrado em depressão se fosse um sócio dos três grandes portugueses. Javier Marias, que escreveu magníficos textos sobre o Real Madrid, teria já rasgado o cartão de sócio a cada deslize dos três grandes lusitanos, se lhe acontecesse ter nascido aqui.

Aprende-se uma certa virtude na derrota. Mas o futebol não tem nada de ciência (nem, acho eu, de desporto propriamente dito) – é um jogo puro, uma tabela de probabilidades que se cumprem algumas vezes. Eu, por exemplo, que me exaspero com Mariano González (a quem imagino como um digno empregado de mesa, transportando bandeja e martinis, ou como barbeiro de uma vila transmontana), saltei da cadeira para aplaudir o golo contra a Académica e incensá-lo como génio. E, confesso-vos: estive todo o resto do jogo a insultá-lo. Nada de dramas.

in A Bola - 13 Fevereiro 2010

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fevereiro 12, 2010

Blog # 544

Durante o Estado Novo, a censura proibia e cortava – em jornais e em livros – com o mandato do governo e do regime, e com uma polícia à retaguarda. Os tribunais também censuram, proibindo livros e jornais, mas com o mandato e a interpretação da lei. São duas circunstâncias e duas legitimidades diferentes, só que o resultado se aproxima no caso da providência cautelar dirigida contra o semanário ‘Sol’ – o que nos deve fazer pensar no que se tornou este país. Tudo começou, convém recordar, com “a obsessão com a comunicação social” e com o discurso de José Sócrates em pleno congresso do PS, bradando contra a “imprensa hostil”. Ora, a imprensa hostil presta um grande favor à democracia. A história diz-nos que as críticas à imprensa são um sinal de fraqueza e de fragilidade.

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O nome do autor, islandês, é estranho: Sjón. Mas o seu romance, ‘A Raposa Azul’ (publicado pela Cavalo de Ferro), é uma pérola que vem dos mares do Norte, encantador e mágico. E curtinho, descansem.

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FRASES

"Por dentro, a constipação é parecida com a melancolia." No blogue Dias Felizes.

"No limite estaríamos dispostas a publicá-las no ‘Expresso’." Henrique Monteiro, sobre as escutas publicadas no ‘Sol’. Ontem, no CM online.

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fevereiro 11, 2010

Blog # 543

Todos os governos tentam, de alguma forma, condicionar os jornais e os jornalistas. Nessa matéria, todos os partidos portugueses têm telhados de vidro e um historial que não abona a seu favor. Em primeiro lugar, essa tentação empobrece a democracia e o debate livre; depois, destrói a confiança dos cidadãos. O poder tem custos que convém ter em conta; um deles é suportar a crítica da imprensa e a sua vigilância permanente e até injusta. Manda a decência que entre os dois mundos exista uma separação clara. O poder torna-se absoluto quando reconhece que não lhe basta o seu direito a comunicar através dos canais institucionais e pretende garantir um lugar ao sol na imprensa. O jogo da democracia torna-se desigual, mesmo se as intenções são generosas. E quase nunca são.

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O caboverdiano José Luiz Tavares é uma das grandes vozes da poesia de Língua Portuguesa e o autor de ‘Cidade do Mais Antigo Nome’, com fotografias de Duarte Belo (Assírio & Alvim) – sobre a primeira capital do arquipélago de Cabo Verde.

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FRASES

"O governo não controla nenhum órgão de comunicação – nem sequer a televisão pública." Vital Moreira, no blogue Causa Nossa.

"Sócrates abriu guerras patéticas contra jornalistas, mostrando uma imprudência impensável." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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fevereiro 10, 2010

Blog # 542

O filme ‘Atividade Paranormal’ tem provocado desacatos em Itália, segundo parece. A história é a de um “fantasma demoníaco” que aterroriza uma casa e os seus dois ocupantes – nada de novo. Apenas isto: há pessoas que caem redondas, vomitam ou ficam em estado de choque e são hospitalizadas. A culpa é do filme? Vejamos: esses casos ocorrem com menores de idade, sensíveis e impressionáveis. O terror é um segmento da cinefilia que só devia poder ver-se com atestado médico. Nem todos os filmes são para todas as idades, nem todos os livros têm o mesmo efeito em idades diferentes. O filme, de facto, é fancaria, bom para impressionar – mas apelar à censura é o mais fácil. Só vai ver quem quer, ou quem gosta de testar os nervos. Não se queixem: é a receita mais velha do mundo.

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Preciosidade: ‘Encontro Magick seguido de A Boca do Inferno’, a fantasia de Fernando Pessoa em redor do policial, do fantástico e dos delírios diabólicos de Aleister Crowley, organização de Miguel Roza (Assírio & Alvim).

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FRASES

"O caso Watergate bem pode ser considerado jornalismo de buraco de fechadura." Cristina Ferreira de Almeida, no blogue Delito de Opinião.

"Mas seria mais saudável investigar do que abafar." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.

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fevereiro 09, 2010

Blog # 541

Faz hoje anos que Nelson Mandela tomou posse como presidente da África do Sul (em 1994). Não escrevo por isso – mas por ‘Invictus’, o filme de Clint Eastwood em que Morgan Freeman faz de Mandela e Matt Damon de Pinard, o capitão da seleção sul-africana de râguebi, os Springboks. Filme estranho, que desenha um herói absoluto, totalmente bom, pacificador, comovente, tranquilo – amável. Mandela é um grande talento político do séc. XX, um dos grandes líderes do nosso tempo. O filme transforma-o em “bonzinho perverso”, capaz de ver mais longe, um homem que soube o valor das palavras “perdão” e “reconciliação” – e abriu caminho para que o país começasse uma nova era. Todos temos direito à lamechice. Associo-me a esta em nome de Mandela (e, para bom entendedor, do râguebi).

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Não resisto: a Editorial Presença faz 50 anos e publica as ‘Obras’ de Bernardim Ribeiro (com organização de Hélder Macedo e Maurício Matos) – 380 páginas simples para uma das obras indispensáveis da nossa Língua.

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FRASES

"Portugal é uma tragédia grega. O protagonista tem de nome Sócrates." Raquel Vaz Pinto, no blogue 31 da Armada.

"Não basta dizer que Portugal não é a Grécia. Quem decide não costuma ligar a promessas." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

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fevereiro 08, 2010

Blog # 540

Claro que o ‘dinheiro da cultura’ não vem das bolsas do ‘desporto’, ou seja, do futebol (aliás, era preciso discutir bem onde aplicar o pouco ‘dinheiro da cultura’). Mas convinha que soubéssemos que cada um dos magníficos estádios que funcionaram durante as semanas do Euro 2004 custam, hoje, e custarão, durante muitos anos, cerca de 20 milhões de euros anuais às câmaras municipais que entraram no negócio. É muito. Tanto, que algumas câmaras gostariam de os demolir e de aproveitar os terrenos para financiar os seus orçamentos. Tudo isto foi feito com os dinheiros do Estado. E os mais de 120 milhões anuais canalizados para os mastodontes também vêm de onde o leitor sabe. Uma pechincha, era o que nos diziam. Aí está porque se deve discutir, com rigor, o Orçamento do Estado.

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Alma caridosa fez-me chegar (eu tinha pedido aos céus, no CM) o novo livro de L. A. Garcia-Roza, ‘Um Céu de Origamis’ (Companhia das Letras). O inspetor Espinoza ilumina o coração de Copacabana. E o céu, bem vistas as coisas.

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FRASES

“Os partidos decidiram vestir os bibes dos birrentos e deram o mais triste espetáculo." F. Moita Flores, ontem, no CM.

“A entourage de Sócrates não fez mais do que Miterrand, Berlusconi, ou Cavaco." Filipe Nunes Vicente, sobre a comunicação social, no blogue Mar Salgado.

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fevereiro 06, 2010

Notas de um cinéfilo

1. Ao fim de uma semana em cartaz, vi o tão aguardado filme do túnel do Estádio da Luz, nomeado para todas as categorias de diversos prémios, inclusivamente de guarda-roupa. Finalmente. Ia preparado para um épico, um arraial de pancadaria à grande e à americana, todos de Winchester e de Colt ou apenas usando os punhos rente às portas dos saloons. Um western.
Desilusão fatal. Em vez do épico, uma coisa chinfrim e aos saltos; em vez do western, um documentário que poderia ter sido produzido por uma seita contemplativa das Testemunhas de Jeová. Tenho, pois, a dizer o seguinte: 1) o túnel é feio e desagradável, muito pouco digno de cinema como deve ser; 2) não se vê grande coisa de acção nem «frame a frame», nem «em contínuo», tirando uns fragmentos em que não se sabe se são os índios ou os cowboys a empurrar os adversários – aquele joguinho mariquinhas do empurra-empurra-que-ainda-me-irritas-e-vou-fazer-queixa; 3) é incompreensível como um clube que joga na Liga Europa, e com um historial tão reconhecido, tem câmaras de videovigilância desta qualidade; 4) está lá um cavalheiro a perguntar se já podem desligar o vídeo porque precisam de devolver os aparelhos à loja; 5) um clube com pelo menos dois bons cineastas afectos às suas cores só conseguiu aquelas imagens da treta?; 6) inexplicavelmente, e contra todas as expectativas, não se vê o Cardoso a apanhar uma estalada; 7) não se vêem golos; 8) o cinema português, posso garanti-lo, não sai prestigiado; tudo maus actores – e da pós-produção nem falar.

2. Por falar em cinema: cenário perfeito, o do Dragão, para um jogo de grande nível – o da passagem às meias-finais da Taça. Ruben Micael parece ter chegado já com as chuteiras alinhadas. Mas o que mais me afectou foi a mobilidade de Mariano González. Este homem, que tem feitio e aspecto de empregado de mesa do Café Tortoni, que todos nós devemos assobiar e vaiar pelo menos uma vez na vida, parecia ter despertado para o futebol. Nunca se sabe.

in A Bola - 6 Fevereiro 2010

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fevereiro 05, 2010

Blog # 539

Os “alunos do básico e do secundário” tiveram ontem a sua jornada nacional de luta e alguns deles manifestaram-se ontem em frente ao Ministério da Educação para pedir aulas de educação sexual, o fim dos exames nacionais, das aulas de substituição e das provas de recuperação. Bonito. Também querem um novo estatuto do aluno, porque devem considerar o atual muito restritivo. Além disso, estão infelizes porque os bares e refeitórios estão a ser explorados por privados. Este género de “reivindicações” nem merece ser discutido, mas os governos anteriores contaram com os meninos como “parte da comunidade educativa” em vez de lhes distribuir deveres para casa e obrigações a que não podiam faltar. Agora aturem-nos e aceitem de volta os chavões e os disparates. Aprenderam todos.

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Está tudo cheio de veludo carmesim e de exclamações amorosas: ‘A Princesa e o Presidente’ é o segundo romance de Valery Giscard d’Estaing (Guerra & Paz) e faz-nos desejar que o tivessem eleito para a presidência da UE. Poupava-se.

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FRASES

"Não existe qualquer razão para que a segunda região mais rica de Portugal seja financiada." António Nogueira Leite. Ontem, no CM.

"Há dois grandes culpados do estado a que o Estado chegou. O primeiro é o povo." Tiago Moreira Ramalho, no blogue Plomb du Cantal.

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fevereiro 04, 2010

Blog # 538

Um projeto de lei elaborado por três deputados socialistas, Strecht Ribeiro, Afonso Candal e Mota Andrade, propõe que se tornem públicos os rendimentos brutos de todos portugueses. É uma medida excessiva, mas, independentemente da lei, o que mais choca é a linguagem utilizada: a ideia é que “cada um de nós possa ter consciência que a comunidade nos olha”. Mais: “sendo nós um imenso condomínio de 10 milhões” é necessário que “cada um de nós saiba a permilagem de cada um dos outros”. Esta conceção absurda (onde nada escapa à vigilância, à chantagem, à inveja e à denúncia) faz de cada cidadão um espião e um espreitador da vida dos vizinhos – com a proteção criminosa do Estado. Gente que desvaloriza a dignidade dos outros não pode ser levada a sério – ou não tem dignidade.

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A Tinta-da-China acaba de lançar para as livrarias um álbum de postais da I República – um belo arquivo reunido por António Ventura em 192 páginas coloridas que nos devolvem a grandeza e a pequenez do regime de 1910. Para deleite.

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FRASES

"Já se perdeu a noção de direitos individuais, de privacidade." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

"Quando me taparem a boca falarei. Mas isto não é um Pátio das Cantigas, é um País." Medina Carreira, ontem, no CM.

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fevereiro 03, 2010

Entrevista de João Pereira Coutinho

Ilustração de Luís Silva

Se a memória não me atraiçoa, és o primeiro escritor português a vencer o prémio de Romance da APE com uma obra assumidamente policial ("Longe de Manaus"). Achas que a "intelligentsia" literata ainda olha para o género com desprezo?

Acho que tem inveja. Passámos de um estado em que a chamada "literatura policial" era desprezada e negligenciada para um em que é invejada, copiada, imitada. Mas o problema é que é mais difícil copiar e imitar a literatura policial do que qualquer outro género. Em Portugal vive-se de exageros, como se sabe... O "Balada da Praia dos Cães", de Cardoso Pires, era um romance policial e ganhou o prémio em 1983. Mas houve um esforço enorme para dizer que não era policial, que era uma análise da oposição ao regime, por aí fora. Lembro-me de o José Cardoso Pires se desinteressar do assunto. Ele sabia que não havia volta a dar-lhe. Foi o primeiro escritor português a dizer que toda a literatura era policial...

Regressas ao género (e ao teu personagem fétiche, Jaime Ramos) com "O Mar em Casablanca" (Porto Editora). Mas tenho notado - e corrige-me se estiver errado - que os teus livros, sobretudo a partir de "Longe de Manaus", têm menos de "policial" e mais de "existencial". Concordas?

Toda a literatura é policial, em alguma medida, coisa que essa "intelligentsia" ainda não percebeu. Porque o policial nunca deixou de escolher como temas aquilo que é essencial nos problemas literários - a morte, a culpa, o desaparecimento, o enigma, o mistério, a procura... O José Cardoso Pires preferia destacar os métodos do policial, de que ele se serve abundantemente em "O Delfim", um dos grandes romances da nossa literatura do século XX. Mas eu alargo essa influência até aos temas propriamente ditos. A questão é, aí, a do detective Jaime Ramos (tenho cá uma pontaria para nomes, fui logo escolher este...), que não segue o modelo do detective dos anos setenta - alcoólico, problemas com a droga, relativamente marginal dentro da própria polícia, solitário... O meu Jaime Ramos é um personagem banal, um pequeno-burguês do Porto, ligeiramente conservador (embora com um passado comunista), embora os seus problemas existenciais se resumam a saber envelhecer, a tentar dar alguma dignidade à vida, a coleccionar os discos de boleros mexicanos, a procurar boa comida... Não é um herói, digamos, substantivo. Há duas histórias, bom, três, em que ele se recusa a identificar o criminoso. Numa, por preguiça... Nas outras duas por solidariedade com o "estatuto existencial" dos personagens, uma striper que estudava filosofia, e uma balzaquiana do Porto, uma mulher... O problema é que, em "O Mar em Casablanca", o passado inteiro veio ter com ele - a militância no partido comunista, as relações com os serviços de informação, um caso amoroso... Isso só acontecia com os seus personagens, com os criminosos ou as vítimas, e desta vez isso aconteceu com ele. Ele, que se vê como um biógrafo dos que vêm à rede das suas investigações, transforma-se em personagem. Está à beira da depressão, à beira da morte... O país dá cabo dele. O Jaime Ramos é uma espécie de sismógrafo pequeno-burguês desta coisa toda... Do país. Sem nunca falar dele. Sem fazer filosofia, sem fazer da literatura uma coisa programática, que é o mais aborrecido da literatura portuguesa, quando o escritor se põe a dar lições de política ao leitor, ensinando-o a votar à esquerda, a ser responsável, a fazer sexo seguro, a não maltratar os animais, uma merda. Por isso é que eu digo que não me interessa nada a sociologia dos crimes, os motivos sociais... Jaime Ramos limita-se a reconstituir crimes e eu limito-me a escrever histórias sobre o meu país, quer dizer, que se passam no meu país. E a viajar... a viajar muito. Sabes porquê?

Não faço ideia...

Porque os portugueses só são bons quando vão para fora. Só são felizes quando vão para fora, quando deixam o país. No "Longe de Manaus" o Jaime Ramos descobre essa multidão de portugueses que deserta e não quer regressar. A única grande utopia portuguesa é partir, sair, procurar a felicidade lá fora. Há uma maldição na terra deles e têm de livrar-se dela.

O que existe de biográfico nos teus livros? Ou seja: és um escritor essencialmente de imaginação ou de rememoração?

Há duas ou três passagens autobiográficas. Não podia livrar-me disso. Mas não se dá por elas, são passagens. Escrevo sobre os outros, sobretudo. Bom, de cada vez que preciso de falar de mim, de ir ao analista, escrevo. Mas não sobre mim. Conto uma história. Não vale a pena ir lá, aos livros, e procurar saber com quem dormi ou como é que me visto. Do que eu gosto realmente é dos personagens... De desenhar os personagens. Um escritor tem de gostar dos personagens, mesmo dos maus, daqueles que fazem os piores papeis. O mais difícil, aliás, é desenhar um "mau", um filho da puta. Sobretudo quando tem de ser um filho da puta com muito talento.

Mas o que usas da tua vida para compor o quadro?

Nunca escrevi sobre lugares que não conhecia. Desde o Brasil à Indonésia, da Guiné à Venezuela e à Argentina ou ao México, Cuba, Moçambique, Galiza, etc., que são lugares dos meus livros, estive lá. Vi, tomei notas, fotografei, escolhi os lugares, as ruas... É uma coisa que ficou do trabalho de jornalista, mesmo se escrever romance não tem nada a ver com jornalismo. O resto, uso como toda a gente. Tenho caixas com mapas, fotos, recortes, ementas de restaurantes, muitos dicionários, tudo isso.

Sempre acreditei na ideia de que um escritor é, primeiro que tudo, um leitor. Como leitor, quais foram os autores (e as obras) que te fizeram (ou desfizeram) a cabeça?

Lawrence Sterne. "Tristram Shandy" é essencial, porque é a destruição da literatura, a capacidade de não ter medo, o modo de destruir todo e qualquer politicamente correcto. É um livro fundador da literatura europeia. Se fosse mais lido, evitavam-se "coisas moderninhas" como tem havido nos últimos cem anos. Mas nos últimos cem anos a ignorância foi triunfando, a pouco e pouco. Na literatura, na política, no dia-a-dia... Só assim se explica que tenhamos chegado a este ponto da vida europeia, com uns trastes, uns biltres a ocupar os governos. Gente sem elegância, sem inteligência... Voltando ao tema, Sterne foi o grande autor, tal como Cervantes, o "Quixote", que foi o mais revolucionário. Depois, o seu inverso, Samuel Johnson, o grande conservador, o padrão dos padrões. Johnson foi o homem que inventou o sistema literário europeu, o seu esquema de valores e de sensibilidades. Depois, Borges, claro. Gosto muito de alguns brasileiros da minha língua - Rubem Fonseca, claro. Érico Veríssimo. Dos actuais, Tabajara Ruas. Gosto de alguns latino-americanos, Vargas Llosa, Bolaño, Rulfo, Saer, mas aborrece-me aquela coisa do "fantástico obrigatório", onde os generais enlouquecidos voam pelas florestas e vão às putas e há sempre um truque para lixar tudo. Mas, sabes, para ler, ler, ler mesmo... Bom. Há Shakespeare, sem snobeira, há Shakespeare, ninguém escreveu como ele. Eu gosto muito daqueles clássicos ingleses, Jane Austen, "Orgulho e Preconceito" é imortal, tal como "Monte dos Vendavais", da Brontë, nunca se conseguiu escrever sobre o amor como elas fizeram. E há Chesterton, o primeiro Le Carré (até ao "Alfaiate do Panamá"), Evelyn Waugh, Somerset Maugham, Graham Greene, Kingsley Amis... Mas estas listas nunca são definitivas, claro. Nem fechadas. Gostar destes não quer dizer que não goste de Camus, por exemplo, ou de Tolstoi, ou de Torrente Ballester.

E entre os portugueses?

Eu leio muito Camilo, porque me diverte muito. A "Brasileira de Prazins" é uma obra interminável, prodigiosa, tal como as "Novelas do Minho"... Quase tudo do Camilo, que foi muito prejudicado porque politicamente, enfim... estava à direita, digamos. Leio muito Eça, porque era um prodígio de estilo, de talento, de humor, de cinismo - e não há livrinho que me emocione como "A Cidade e as Serras". Mas Camilo é que era o grande retratista português, o grande historiador literário do século XIX, se tirarmos o "Portugal Contemporâneo", do Oliveira Martins. Dos do século XX, Agustina, José Cardoso Pires, o "Mau Tempo no Canal", de Nemésio, algum Vergílio Ferreira. Agualusa, gosto muito, gosto muito do José Eduardo. Quando estou com angústias literárias, essas merdas de não saber por que é que estou a escrever ou dificuldades em arranjar material, telefono ao José Eduardo, que é um grande amigo e um autor da língua portuguesa actual. Mas boa parte dos melhores autores portugueses do século XX são cronistas e ensaístas: o Vasco Pulido Valente, Vítor Cunha Rego, Abel Barros Baptista, Eduardo Lourenço... Sem falar dos poetas, claro. Mas a família dos poetas é uma coisa delicada...

Não concordas que, na prosa portuguesa recente, há dois tiques particularmente irritantes - o desprezo pela narrativa e um certo bacanal barroco-linguístico?

Já foi tempo em que havia bacanal barroco-linguístico. Hoje escreve-se mal, mal mesmo, mal sem atenuantes. Escreve-se mal sem piedade e sem gramática. Tenho muitas saudades da gramática, de alguém que escreva com sujeito, predicado e complemento directo sem abdicar da criatividade... E a ideia de que tudo é "jovem", "divertido". E "pedagógico". Isso é que lixa qualquer um. Mas que mais me impressiona na ficção portuguesa de hoje é a falta de jeito para o diálogo... Falta absoluta de jeito. Tu lês um romance desses, daí, muito universitário e tal, e os personagens falam empertigadas como se estivessem num verso parnasiano. Ninguém fala tão mal como eles.

Falam mal e, como tu próprio disseste, "fode-se mal na literatura portuguesa". Tens uma explicação para a nossa disfunção literária?

Disse isso porque era verdade. Fode-se muito mal, mesmo. Com muitas metáforas, com metáforas de mau gosto, muita falta de jeito. Não há, digamos, uma queca como deve ser... O problema é a falta de jeito para lidar com a crueza das coisas. Não achamos poesia nas coisas do quotidiano... Sabes, eu acho que o melhor era não se escrever sobre sexo. Chegava-se ali e tal, voltava-se a página e deixavam-se os personagens a foder, entretanto. O Português de Portugal é pouco maleável, não tem aquela musicalidade malandra, doce e amarga, picante... A tradição portuguesa de escrever sobre sexo acaba por desembocar no grotesco, no grosseiro, ou no absolutamente irrelevante. Há autores que também querem explicar aos leitores onde fica o clítoris, como é que se faz a coisa. Isso ainda é pior. E a falta de jeito para construir cenários para um episódio desses, então...

Achas que os brasileiros "trepam" melhor?

Sem dúvida. Rubem Fonseca, por exemplo. É muito cru, mas absolutamente delicioso, poético e obsceno ao mesmo tempo. Vê a quantidade de mulheres com quem anda o Mandrake, em "A Grande Arte"... E ele arranja sempre qualquer coisa de sensual para escrever sobre cada uma delas - até, imagina, sobre "a veia subclávia", sobre o tornozelo, sobre Bebel, a mais gordinha de todas (e, portanto, a que fode melhor)... Mas o problema é que o sexo está banalizado, tudo tem de ter sexo. Com essa banalização desapareceu a ideia de pecado, de transgressão, e sexo sem pecado, sem interdito, sem perversidade, não vale, não dá ponta.

Por falar em Brasil: tens uma relação umbilical com o país. Como vês as nossas relações transatlânticas?

Simpáticas. São simpáticas. Mais nada. As relações políticas não me interessam muito hoje em dia, porque o Brasil está na adolescência das relações internacionais, sobretudo com Lula em Brasília. Acho que nós nunca percebemos realmente o Brasil. Ou achamos os brasileiros uns palermas pegados (às vezes são), ou achamos que o Brasil é um paraíso onde tudo é bom, tudo é perfeito, etc. Na verdade, a vida é mais fácil no Brasil, há aquela leveza, aquela naturalidade com que as coisas são belas... Mas anda por aí uma onda de brasileirofilia que me assusta, porque parece que tudo é bom lá, desde o Lula até ao cantor nordestino mais piroso e manhoso... E não é verdade. A política brasileira é uma coisa de terceira ordem, aqueles complexos pós-coloniais dão enjoo, a falta de qualidade nas relações sociais é terrível, o policiamento ideológico é assustador. Mas eu viveria no Brasil de novo, sim (nunca no Nordeste, evidentemente)... Olha, a "Playboy" brasileira fez mais pela minha formação intelectual do que o Proust. E o Paulo Francis, o Nelson Rodrigues, a leitura do "Estadão" e da "Folha"... O Brasil ainda é o meu país de recurso, onde tenho grandes amigos. Mas sem a "utopia brasileira". Aquela coisa de o pessoal se babar de cada vez que o Caetano Veloso diz um disparate.

Algum escritor brasileiro já merecia o Nobel?

Só vejo o Rubem Fonseca, uma vez que o Erico Veríssimo já morreu. Acho que o Jorge Amado teria dado outro Nobel. Sinceramente. O problema é que o Nobel é escolhido em função do "interesse humanitário" de uma dada obra, por isso Rubem Fonseca nunca poderia ser... Mas Jorge Amado, sim.

Não é novidade para ninguém que o cronista António Sousa Homem é o teu heterónimo. Mas eu vou mais longe: para além de heterónimo, aquele conservador do Minho, respeitador burguês da ordem e da moderação, não é a faceta mais verdadeira de Francisco José "lui même"?

Acho que inventei o Sousa Homem para poder dizer o que penso realmente. O que eu penso de verdade. Isto pode parecer um bocadinho absurdo, mas o António Sousa Homem é quem eu gostaria de ser. Assim mesmo: com aquelas opiniões, aquela visão do mundo, aquela serenidade, aquele sentido da melancolia e da banalidade... Quando escrevo as crónicas dele, não sou eu realmente: é ele. É um heterónimo verdadeiro. É o meu heterónimo verdadeiro.

Então vamos ao ortónimo. Politicamente, como te defines? E sem merdas.

Sem merdas não consigo. O único partido em que fui militante foi o PS, justamente quando a AD ganhou. Tinha medo da vitória da AD a toda a largura do país. Hoje, acho que foi uma reacção um nadinha... trotsquista. E, depois, apoiei Cavaco, porque acho que Cavaco foi fundamental para retirar o peso da hereditariedade de esquerda à Presidência. Estas foram as minhas posições políticas mais ou menos públicas. Por princípio, um escritor, etc., é logo um tipo de esquerda, não é? Mas eu estou um bocado farto de ver sacanas de esquerda, medíocres de esquerda, hipócritas de esquerda. Sou uma espécie de liberal, sim. À moda antiga, como eu costumo dizer. Acredito que há um papel social do Estado em duas ou três áreas essenciais, além da segurança e da justiça. Mas a ocupação do Estado pelas clientelas políticas é um dos nossos males, esta dependência que gera medo de falar, medo de fazer, medo de criar...

Costumas dizer que vivemos num país sem liberais. Por que será?

Porque é assim. É um país liberal sem liberais. Lê-se o "Portugal Contemporâneo" e compreende-se logo: a "liberdade" de D. Pedro foi imposta de fora, à força, com um punhado de mercenários recrutados entre o que havia de pior nas tabernas de Londres e com o dinheiro dos agiotas menos recomendáveis... Temas como os direitos civis, a defesa da privacidade, a recusa da inversão do ónus da prova, a liberdade de imprensa, etc., são matérias pouco interessantes para os portugueses. Uma das coisas mais absurdas é quando alguém diz que "quem não deve não teme", como se todos devêssemos, de facto, favores ao Estado. A facilidade com que o cartão único passou, com que os chips das matrículas de automóveis vai passar, tudo isso é assustador. Depois, o chamado, até me dá vontade de rir, "o tecido empresarial" com empresários que não sabem viver sem apoio do Estado e sem negócios com o Estado. E o Estado aproveita e enriquece os fornecedores de obras públicas, não é? Esta rede de cumplicidade entre o Estado e as grandes empresas deixa os cidadãos indefesos, à mercê dos abusos políticos, da corrupção, dos favores, do desleixo... E depois o medo. O medo do trabalho, o medo do risco, o medo do debate, o medo da opinião contrária... Em Portugal os ditadores têm vida fácil.

Como vês a primeira parte do consulado Sócrates?

Sócrates fez um grande serviço à direita, na primeira parte do primeiro mandato, com aquelas reformas esboçadas logo de início. À direita em geral, não aos partidos de direita, que foram queimados no terreno. Se Sócrates fez aquilo que o PSD e o CDS queriam fazer e nunca fizeram, eles ficaram sem programa e sem argumentos... O problema, o grande problema de Sócrates foi a tentação de aumentar o poder a todo o custo, com a rede partidária a servi-lo e a servir-se dos recursos do Estado. Tudo valeu. Teria sido diferente se Sócrates se tivesse livrado daquela tralha papista que o venerou até à abjecção. Mas não. E, depois, Sócrates tem aquela visão geracional do país, um país que é preciso modernizar, transformar, etc., de onde é preciso afastar a má imagem, o provincianismo, o ruralismo... Quem é que vai fazer isso? Nós, os iluminados, os que estão do lado certo da história, com o dinheiro do Estado, o poder do Estado. Ele quis ser um iluminado. Por isso, o segundo mandato é um castigo para Sócrates, que terá de aprender a negociar, a gerir o monstro da "esquerda moderna" (uma mistificação) que ele criou, e que só sobrevive com mais impostos, sem crítica, com poder absoluto. Além de ter de gerir uma economia despedaçada. E eu tenho dúvidas sérias sobre se ele é capaz. Ele e a rede que construiu.

Tens sido um crítico desta direcção do PSD. Pedro Passos Coelho é a solução?

Pode ser uma solução. A outra solução era dar um segundo fôlego a Marcelo Rebelo de Sousa, mas acho que Marcelo só avança em caso de insanidade irremediável, porque aqueles apoiantes são todos falsos apoiantes, que estão de facas afiadas. O Passos Coelho tem uma vantagem: trabalha, sabe quanto vale um salário, não é funcionário do partido, não quer discutir minudências, faz política fora das horas de trabalho, não tem um lugar no parlamento... Falei com ele algumas vezes e pareceu-me bem intencionado, inteligente, ponderado, enérgico, liberal. Até era bom que fosse um pouco menos ponderado, que fosse mais agressivo no debate político, mas penso que está a guardar-se para o combate com José Sócrates. Eu gosto muito da Dra. Manuela, que é uma pessoa boa e com sentido de humor, uma mulher à antiga... Acho que foi uma injustiça terrível pô-la na campanha eleitoral, para o que ela não tinha jeito nenhum. E a ela sim, tentaram um assassínio político. Vejo o primeiro-ministro queixar-se de ser alvo de um assassinato político, de um ataque ao carácter... Mas isso foi o que eles fizeram à Dra. Manuela. Gozaram com os cartazes, chamaram-lhe dona de agência funerária, meteram-se com a roupa que usava, com os tiques de linguagem, com a idade, com o penteado. Deixaram-na sozinha, à mercê da tropa de choque socialista, muito à espreita de cargos políticos mas na reserva, como acontece no PSD ultimamente. Espero que o Passos Coelho assuste aquela gente.

Entrevista de João Pereira Coutinho, in GQ – Janeiro 2010

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Blog # 537

Gostava muito da Rosa Lobato Faria (1932-2010). Entrevistei-a algumas vezes, como escritora (a de ‘O Prenúncio das Águas’ ou ‘O Pranto de Lúcifer’), e admirava o esforço profissional e a inocência que marcavam os seus livros. Eram também características dela: inocência, profissionalismo, dedicação às coisas. Um bom-humor invejável e, certamente, invejado. Gostava da Rosa – e do seu riso, da sua inaptidão para a seriedade absoluta, convencional e postiça. Esse rosto perfeito que passou pelo cinema, pela televisão e pela literatura sempre me comoveu. Aparentemente ingénua, aparentemente ‘superficial’, Rosa conhecia a sabedoria das mulheres de família e tentou escrever sobre esse mundo. À sua maneira, fê-lo com raríssimo entusiasmo. Aos 77 anos, é um adeus inconformado.

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Excelente notícia: a Relógio d’Água publicou ‘A Ilha de Arturo’, da italiana Elsa Morante, um maravilhoso romance do final dos anos cinquenta. Imperdível: a certa altura, o mar entra pelas páginas dentro, com a adolescência.

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FRASES

"Há quem diga que somos um país de poetas porque somos um país de preguiçosos." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

"Sempre tive a mania de que sabia alguma coisa de arquitetura e tenho muitas opiniões." José Sócrates. Ontem, no CM.

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fevereiro 02, 2010

Blog # 536

Tomas Eloy Martínez – que morreu ontem – era um cavalheiro sul-americano, autor de dois livros admiráveis: ‘Santa Evita’ e ‘Cantor de Tango’, entre outros. Conheci-o quando já estava minado pela doença, mas sem ter perdido o extraordinário talento de contador de histórias. Mais do que isso: inventor, efabulador, narrador. São coisas diferentes – as histórias de Tomas encontravam sempre uma ligação à história amarga ou aventurosa do seu país e aos delírios que produziu. A Argentina tem autores desses, como Juan José Saer ou Belgrano Rawson (para não mencionar Bioy Casares, Borges, etc.) que encaram a dimensão do seu território como um cenário para todas as fantasias, por mais dura que seja a realidade. É isso que os torna sedutores: não serem evangelizadores mas escritores.

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Depois do filme, está aí o livro: ‘Homens Que Matam Cabras Só Com o Olhar’, de Jon Ronson (Civilização). Uma coisa é ver George Clooney, Ewan McGregor, Kevin Spacey e Jeff Bridges — outra é ver o original. Vão bem servidos, descansem.

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FRASES

"A 1ª República foi menos moderna, menos próspera e menos livre do que o regime anterior." Vasco Lobo Xavier, no blogue Mar Salgado.

"Há quanto tempo mantém essa relação? Faz sexo com ele? Então, qual é o problema?" Júlia Roberts para uma fã, ontem, no CM.

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fevereiro 01, 2010

Blog # 535

É bonito, sim, e funcional, mas tem um teclado tão feio que nem parece ter sido desenhado pela Apple, só funciona com aplicações da casa, e ‘pad’ – nos EUA – é nome de penso higiénico. Mas é um avanço: no iPad, um iPhone maior, leem-se jornais e revistas e, parece, livros. Eu duvido. O iPad propõe ver filmes, acesso a jogos e à net no mesmo aparelho onde alguém pode, um dia, ler o ‘Guerra e Paz’. Mesmo não querendo fazer o papel de “velho conservador” gostava de relembrar que leitura supõe atenção, concentração e um módico de austeridade. O problema é que, para haver e-books portugueses, é necessário que existam pelo menos 20 mil aparelhos destes nas mãos dos leitores. Coisa para cinco a dez anos. Até lá, entretenham-se com os ‘gadgets’ da moda. Lindos. Mas enfim.

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É uma das minhas paixões: ‘Alice no País das Maravilhas’. Acaba de sair uma edição belíssima, para crianças (na Arte Plural), com ilustrações, encartes, recortes e quase labirintos para se perder na obra de Lewis Carroll.

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FRASES

"Enfiar um trapo medieval, da cabeça aos pés, seria um descanso para muitas." J. Pereira Coutinho, sobre as burqas. Ontem, no CM.

"Espero que nestas comemorações da República se lembrem mais dos vivos do que dos mortos." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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