agosto 31, 2010

Blog # 684

Alguns livros de história estão a alterar a forma como a “história dos vencedores” trucidou, alterou ou, simplesmente, descreveu mal algumas épocas ou figuras controversas recentes. Na sua ‘História de Portugal’ (Esfera dos Livros), Rui Ramos trata os séculos XIX e XX com distanciamento e com dados que festejam os bentinhos da I República. Agora, com a sua biografia de Salazar (Dom Quixote), Filipe Ribeiro de Meneses abre caminho para uma dessacralização do mito – à esquerda e à direita. Abateu-se sobre Rui Ramos a fúria dos bonzos, tal como a biografia de Meneses será atacada por não ser suficientemente ‘anti-fascista’. O problema do tempo é justamente esse, o de desvalorizar a história ‘alinhada’, à maneira da do Estado Novo, mesmo se for de sentido contrário.

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LIVROS DE VERÃO (41). Última recordação de agosto fica com ‘Agosto’, de Rubem Fonseca (D. Quixote): uma história política com a perseguição a Getúlio Vargas e o seu suicídio como pano de fundo. Um grande romance.

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FRASES

"O novo dos Arcade Fire não vale a ponta de um chavo." Bernardo Pires de Lima, no blogue União de Facto.

"Apanhado a mentir, António Lobo Antunes ficou ainda mais rosadinho." Manuel Catarino, ontem, no CM.

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agosto 30, 2010

Blog # 683

Não era apenas jazz. Charlie Parker, ‘Bird’, não era apenas jazz – e teria festejado ontem oitenta anos (se não fosse a sua morte prematura aos 34, em Nova Iorque). Apesar da sua vida breve, desregrada e trágica, Charlie é, ainda, o mestre sobre todos mestres – o som do saxofone nunca mais foi o mesmo depois de ele tocar “Ornithology” ou de ter reunido Max Roach, Miles Davies e Dizzie Gillespie para tocar “Billie’s Bounce”, em 1945. Há quem mencione Parker como a viragem do jazz, a fronteira entre o jazz como elemento decorativo e uma maior intensidade na interpretação e composição. Talvez seja injusto para os músicos anteriores, mas sem ‘Bird’ o jazz não seria o que hoje é ou o que foi até hoje. Ninguém sabe o que ele tocaria com 80 anos, mas seria decerto muito bom.

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LIVROS DE VERÃO (40). Para terminar o mês de agosto, uma biografia de ‘Hipátia de Alexandria’, de Maria Dzielska (tradução de Miguel Serras Pereira, edição Gradiva) – uma visitação à grande matemática e filósofa da antiguidade.

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FRASES

"A minha mulher disse-me para seguir os meus sonhos sem hesitar." José Mourinho, ontem, no CM.

"Quando somos crianças o mundo faz sentido porque acabámos de descobri-lo." No blogue O Jansenista.

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agosto 29, 2010

O mais belo

Em 1986, na então redacção do ‘Jornal de Letras’ (onde eu trabalhava como editor da área de livros e de dossiers), preparávamos um "especial" sobre "leituras de Verão"; a ideia que então estava na moda, e que nós perseguíamos com tanta insistência como irresponsabilidade, era a de inventariar uma série de livros ‘mais leves’ como sendo recomendáveis para misturar com areia da praia e sestas prolongadas.

Um dos colaboradores era Manuel João Gomes (autor, crítico, tradutor e, sobretudo, um leitor amável, generoso e exigente), que protestava com energia: no seu caso, dizia, aproveitava o Verão para ler clássicos, livros densos, ou livros que já se leram há anos. Só com a idade, a mestra de quase todas as coisas, percebi que a razão estava do lado de Manuel João Gomes.

Ler livros que já foram lidos é uma das atitudes mais nobres que é possível manter na relação com a literatura – até para provar que nenhum livro se esgota na última página. Durante duas semanas de férias li apenas livros que já tinha lido.

Li seis John Le Carré. Recomendaria todos. Do ponto de vista estritamente "literário", talvez ‘Um Espião Perfeito’, ‘O Venerável Espião’ ou ‘O Fiel Jardineiro’. Do ponto de vista da "acção política", talvez ‘O Espião Que Saiu do Frio’, ‘O Alfaiate do Panamá’ ou ‘A Casa da Rússia’.

SMILEY

Escolhi ‘A Gente de Smiley’ – o livro final da trilogia iniciada com ‘A Toupeira’ e onde nunca nos conseguimos livrar da imagem de Alec Guinness interpretando o papel de George Smiley: discreto, vencido no amor e na honra, com o heroísmo silencioso dos simples. É uma visita ao universo de George Smiley, o personagem que, em ‘O Venerável Espião’, reconstrói todo o edifício dos serviços secretos britânicos, entretanto postos a nu com a deserção de Bill Haydon, o agente britânico ao serviço do "Centro de Moscovo", que não apenas se entregou a Karla (o grande chefe da espionagem soviética) como, para destruir mais profundamente Smiley, teve uma relação amorosa com a mulher deste, Ann.

‘A Gente de Smiley’ é o livro mais poderoso e sentimental Le Carré. Aquele onde respiramos mais intensamente, onde vivemos cada movimento ou decisão inexplicável de Smiley, um agente reformado, entregue à investigação sobre poesia clássica alemã e que, um dia, retirado entre a casa de Baywater e a Biblioteca Britânica, é chamado para ‘limpar’ a morte de um velho agente assassinado.

Smiley percorre a via-sacra dos vencidos e humildes, com um objectivo final: vencer Karla, o seu arqui-inimigo. Numa linguagem poética (que só se repetiria em passagens de ‘O Fiel Jardineiro’), a viagem sentimental de Smiley há-de levá-lo de novo a Hamburgo, às ruas de Londres, aos corredores de Whitehall e a Berlim, onde todos os destinos da espionagem desses anos se jogavam, diante do muro. Recomendo-o muito. Leiam-no antes que eu desate a plagiá-lo.

RESUMO

George Smiley, já na reforma, é de novo convocado para o serviço para enterrar o caso de um velho conhecido, morto a tiro.

AUTOR: John Le Carré EDITORA: Dom Quixote (480 páginas)

EXPOSIÇÃO: ‘A NOSSA CARMEN. A MAIOR LUSO-BRASILEIRA DE SEMPRE’

"Se não teve oportunidade de ler a excepcional biografia de Ruy Castro, aqui está uma segunda via para chegar a Carmen Miranda, a portuguesa que teve a sorte de ser brasileira. Em Portugal, seria fechada em casa; no Brasil, transformou-se numa artista."

Local: Centro Cultural de Cascais

Horário: terça a domingo 10/18h00 (até 26 de Setembro)

FILME: ‘ÁGUAS AGITADAS’

"O ‘cinema nórdico’ não existe (apesar de Ingmar Bergman); acontece, simplesmente, que há excelentes filmes realizados nos países nórdicos, como este de Poppe. O que surpreende é a beleza dos cenários, a clareza dos diálogos, o respeito pelas personagens."

RESUMO

Jan Thomas sai da prisão. Consegue emprego numa igreja, como organista, e inicia uma relação com a pastora.

Realizador: Erik Poppe

Exibição nos cinemas

MÚSICA: RICHARD YOUNGS

"Hoje não existe, propriamente, pop. Existem canções que perduram e que sobrevivem mais de um mês no iPod. O disco de Richard Youngs mistura as suas influências (folk britânico, suaves ritmos de dança) para fazer isso mesmo: canções que perduram, boas para exercício de mnemónica."

Título: ‘Beyond the valley of Ultrahits’

Músico: Richard youngs

Edição: Jagjaguwar/Flur

FUGIR DE...

‘OS MERCENÁRIOS’

O que fariam, num mesmo filme, Stallone, Schwarzenegger, Rourke e Willis? Resposta: uma epopeia sobre os velhos duros do ‘cinema de aventuras’, por exemplo. O que fazem, neste filme: tudo de mau. Há outra hipótese: o filme é tão mau, tão mau, tão cheio de testosterona inútil – que é bom. Pode ser... mas cuidado.

Título original: ‘The Expendables’

Realizador: Sylvester Stallone

Intérpretes: Sylvester Stallone, Jet Li, Mickey Rourke, Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger

Exibição nos cinemas

in Correio da Manhã - 29 Agosto 2010

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agosto 28, 2010

Um pouco de caos

O que é o caos? Em ciência, astronomia, ciência em geral — é de onde tudo nasce. A formulação é exacta mas não costuma aplicar-se ao futebol. André Villas-Boas acaba de fazê-lo anteontem, dizendo que não quer perder «o lado caótico do jogo», precisamente porque «o jogo é caótico por natureza, nem sempre está no papel». Esta clareza é positiva porque liberta o jogo da ditadura arquitectónica com que muitos treinadores gostam de armar as suas equipas.
Há, no entanto, um problema: esse «aproveitamento do caos» necessita de bons intérpretes – aliás, não apenas de bons mas, também, de excelentes intérpretes, jogadores capazes de criar oportunidades, de ler a pauta e de improvisar sobre ela, de conhecer a diferença entre executar um plano e interpretá-lo com talento. Belluschi começa a fazê-lo, tal como Álvaro Pereira, Varela e, naturalmente, Falcao, que vai tornar-se, creio, no jogador mais valioso deste campeonato. Tudo isto está certo desde que, cá atrás, a muralha não ceda (se se recordam, foi esse o pecado capital de Co Adriaanse) – é aí, de Moutinho até Helton, pelo miolo, que a geometria deve ser mais calculada.

2. Dois temas gerais desta semana. O primeiro, inevitavelmente – a vitória fantástica do Sporting de Braga em Sevilha, mostrando como se ergue uma equipa. O segundo – o chamado «caso Roberto», cujo protagonista é o guarda-redes do Benfica, crucificado pelos adeptos do clube, pela imprensa e pela voz da rua em geral. Roberto falhou, é certo, mas é injusto atribuir-lhe todas as culpas. Dá jeito ao Benfica – mas não é correcto. Transformar Roberto no único mau da fita serve para fazer esquecer que o Benfica não marcou, que não atacou com eficácia e que teve uma defesa a permitir o fuzilamento de Roberto. É preciso, em relação a Roberto, um pouco de sensatez e de honestidade.

3. O FC Porto está na Liga Europa com o resultado que se sabe; o Sporting recuperou com brilho de uma derrota desastrada. Juntamente com o Braga são boas notícias para o futebol.

in A bola - 28 Agosto 2010

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agosto 27, 2010

Blog # 682

Antigamente, escrevíamos com canetas, aparos, lápis. Vieram as esferográficas, os feltros – e os computadores, naturalmente. Exceto alguns maníacos, entre os quais me conto, que continuam a prezar o papel em que desenham a letra com caneta de tinta permanente, escreve-se cada vez menos à mão. A Papelaria Fernandes fecha as suas portas (quase) e é um mundo que também termina. O mundo da caligrafia (cadernos de linha estreita, lembram-se?), o mundo da mão, o mundo do papel. Os tempos estão pouco para sentimentalismos, é certo, e muita gente se queixa sobre o desperdício de papel sem, no entanto, se interrogar sobre o que vão fazer a tanto lixo informático acumulado de ano para ano. Uma pessoa devia ter saudades dos seus cadernos, das suas papelarias. Da sua caligrafia.

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LIVROS DE VERÃO (39). Para acabar o mês leia ‘Três Homens num Bote’, de Jerome K. Jerome (Cotovia): no Tamisa, no fim do século XIX, a viagem mais divertida de toda a literatura. São três loucos e um cão a quem tudo acontece.

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FRASES

"Privatizar a RTP é pouco, podem acabar com todos os 4 canais." Afonso Azevedo Neves, no blogue 31 da Armada.

"Sou novo mas não estúpido." André Villas-Boas, treinador do FC Porto, ontem, no CM

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agosto 26, 2010

Blog # 681

Sita Valles era uma mulher muito bela, comunista, entusiasta – e queria fazer a revolução, fosse onde fosse. Falhada a hipótese em Portugal, quis ir fazê-la em Angola, com o MPLA dividido numa guerra entre tendências. Sita Valles ficou ao lado dos ‘nitistas’ (de Nito Alves e Zé Van Dunem, com quem casou). Como muitos milhares de ‘nitistas’, Sita foi presa, torturada e fuzilada, na sequência do golpe de 27 de maio – um processo com mais de 50 mil mortos, campos de concentração e horrores infindáveis. A história é complexa e o 27 de maio ainda está por explicar totalmente. Mas Sita Valles é o emblema dessa história terrível. Leonor Figueiredo publica agora a sua biografia (Aletheia) com o subtítulo ‘Revolucionária, Comunista até à Morte’. Uma vida incómoda e incompleta.

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LIVROS DE VERÃO (38). ‘Animais Tristes’, do catalão Jordi Puntí (Teorema) é um livro sobre as vítimas do amor e sobre a tristeza de depois do sexo. Bom para acautelar amores de fim de verão – e certa melancolia do próximo outono.

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FRASES

"A saga dos processos disciplinares a Carlos Queiroz é uma das mais penosas novelas do verão." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM

"Santos Silva poderia ser ministro dos ataques mas jamais da Defesa." Paulo Pinto Mascarenhas, no blogue O Cachimbo de Magritte.

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agosto 25, 2010

Blog # 680

A literatura sobre a guerra colonial (a que agora sucede, finalmente, uma memória dos portugueses sobre África) teve momentos altos. António Lobo Antunes abriu caminhos originais nessa onda de romances que tentaram o retrato de uma época e de um trauma. Era necessário, até para que nos pudéssemos confrontar com o passado. Mas uma coisa é a aventura literária – e os testemunhos pessoais que ela transporta. Outra, diferente, é a falsificação que desfigura o registo real da guerra. A literatura sempre viveu de excessos – mas os homens verdadeiros vivem da sua memória, das suas feridas e da sua experiência. O conflito entre antigos militares e os relatos de Lobo Antunes tem a ver com isso. Se a literatura se coloca na trincheira da história, tem de respeitar a história.

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LIVROS DE VERÃO (37). Para assinalar o Centenário da dita, A Texto reeditou o clássico de A.H. de Oliveira Marques, ‘A Primeira República Portuguesa’, originalmente publicado em 1970, no seu regresso do exílio americano.

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FRASES

"É natural que precise de tempo para se adaptar a Lisboa." Paulo Assunção, do At. Madrid, sobre o guarda-redes Roberto. Ontem, no CM.

"O governo aumentou os impostos. ‘Tendencialmente gratuito’ quer dizer o quê?" Carlos Nunes Lopes, no blogue 31 da Armada.

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agosto 24, 2010

Blog # 679

Nascida na Ella Gwendolen Rees Williams é um nome que lembra as irmãs Brontë, por exemplo – e tanto ‘Um Vasto Mar de Sargaços’, que evoca ‘Jane Eyre’, como ‘Bom Dia, Meia-Noite’ (Bertrand), merecem esse empréstimo. Mas o nome que tornou conhecida Ella Gwendolen, que nasceu faz hoje cento e vinte anos (1890-1979), é Jean Rhys. Em 1966, ‘Um Vasto Mar de Sargaços’, que nos transporta à primeira metade do século XIX (na Jamaica) foi uma surpresa literária mais do que agradável; Rhys, que nascera na bela ilha de Domínica (nas Caraíbas), captara a essência mais destrutiva da vida colonial e falara da sua grande solidão, do desapontamento amoroso e do poder da memória. Depois disso desapareceu. Voltou episodicamente; a sua fragilidade nunca desmentiu a grandeza do seu livro.

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LIVROS DO VERÃO (36). Com tradução direta do russo (por António Pescada), aí está ‘Diário de um Homem Supérfluo’, de Ivan Turguéniev (edição Arbor Litterae): o enorme talento de um nome e de uma época. Cem páginas a não esquecer.

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FRASES

"Portugal perdeu algumas oportunidades de mudar de rumo." Manuel Alegre, ontem, no CM

"Para uma relação durar, os elementos do casal devem amar-se à vez. Ao mesmo tempo dá confusão." Bruno S. Martins, no blogue Avatares de um Desejo.

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agosto 23, 2010

Blog # 678

Jamie Oliver está nos nossos ecrãs com os seus programas televisivos sobre cozinha e acaba de receber o Emmy por um deles – especialmente dedicado à culinária contra a obesidade infantil. Devíamos acompanhá-lo. Oliver não é apenas o trintão britânico e histriónico que descobriu as maravilhas da cozinha italiana – ele reinventou (tal como Nigella Lawson) a forma de olharmos para a comida de todos os dias, a cozinha de nossas casas. Os ‘chefs’, na sua versão tradicional, fazem “grande arte”; mas é necessário transportar essa arte para a reinvenção permanente do quotidiano. Oliver pode irritar-nos; mas consegue-o. Às vezes com quase nada: uma erva, um sabor. Uma visita à memória. É isso a “cozinha cultural”: um apelo à memória e às tradições das avós. Tão simples.

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LIVROS DO VERÃO (35). ‘O Fim do Alfabeto’, romance de C.S. Richardson (Presença) é um livro que não nos larga: uma visita terminal aos lugares que poderíamos ter amado durante toda a vida. Uma história comovente e bem escrita.

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FRASES

"Fizeram tudo para que os homens não possam, mesmo que queiram, regressar à terra e às serras." F. Moita Flores, ontem, no CM.

"A maneira de pensar do PM é que toda a riqueza gerada no país é propriedade do Estado." Francisco Mendes da Silva, no blogue 31 da Armada.

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agosto 21, 2010

Excentricidades

A minha tese é a de que o FC Porto está a disputar a Liga Europa porque é um título que ainda falta na sua sala de troféus. É um argumento de «hooligan» e gosto dele, mas serve também para salientar a necessidade de cuidados no estilo e no ritmo de jogo da equipa. A Supertaça foi, como aqui escrevi, uma reparação, uma espécie de confirmação de expectativas diante do seu principal rival interno – e uma vitória justa; o jogo diante da Naval evidenciou a necessidade de descobrir caminhos para o golo, coisa que a vitória de ontem, contra o Genk, também reafirmou, a par de alguns excelentes sinais.

Não é um problema que diga apenas respeito ao FC Porto. A começar na segunda semana de Agosto, o campeonato não só está ainda totalmente aberto como corre o risco de proporcionar um arranque em falso, com contratações a decorrer, saídas de jogadores a serem equacionadas – ou seja, sem equipas totalmente definidas, flutuantes e indecisas (tanto mais que este foi um ano de Mundial). Isto é prejudicial para o futebol em si mesmo, para o espectáculo e para os adeptos. É um calendário a precisar de rearrumação, tanto mais que conta com a interrupção «de Inverno», uma excentricidade.

2. Parece cada vez mais evidente que seja lá quem for não queria Carlos Queiroz como treinador da selecção nacional. Por muito que sejam explicados os pormenores deste processo disciplinar (e de um outro que já se anunciou), a ninguém passam despercebidos os timings mal escolhidos para julgar factos ocorridos em Maio – nem sequer o tom apressado do comunicado da FPF a desmentir iniciativas para contratar outro treinador. Nada a fazer: nem despediram Queiroz depois dos resultados e exibições do Mundial, nem o castigaram com determinação em tempo útil (esta espera de três meses soou a calculismo bacoco), nem o defenderam por acreditarem nas suas capacidades. Limitaram-se a mostrar quem (ainda) manda, a ficar a meio do caminho e a criar um ambiente insuportável que não augura nada de bom. Outra excentricidade.

in A Bola - 21 Agosto 2010

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agosto 20, 2010

Blog # 677

Howard Phillips Lovecraft nasceu há 120 anos em Providence (onde viveu também Edgar Allan Poe, sua principal influência), a 20 de Agosto de 1890. H.P. Lovecraft é um dos génios da chamada “literatura de terror”, ou “gótica”, representada por títulos como ‘Os Demónios de Randolph Carter’, ‘O Caso de Charles Dexter Ward’, ‘Nas Montanhas da Loucura’ – e na antologia, em quatro volumes, ‘Os Melhores Contos de H. P. Lovecraft’ (edição Saída de Emergência). Terror, horror, espiritismo, demonologia, fantástico: a sua obra é uma visitação do lado mais sombrio da nossa imaginação, e que influenciou autores tão diferentes como Jorge Luís Borges ou Stephen King. Lovecraft explorou, há cerca de 100 anos, aquilo que nunca mais mudou na nossa imaginação: o desejo de invisível e de medo.

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LIVROS DE VERÃO (34). A Dom Quixote, para assinalar o centenário da I República, relança o notável álbum de Maria Filomena Mónica, ‘A Queda da Monarquia’: 320 páginas de imagens que nos devolvem um país em transição, controverso.

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FRASES

"Quem não sabe ler não sabe escrever. É um drama. Mas, ao contrário do país, tem solução." Sérgio de Almeida Correia, no blogue Delito de Opinião

"A estupefação é o estado de espírito mais frequente nos portugueses." João Vaz, ontem, no CM.

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agosto 19, 2010

Blog # 676

O Rio de Janeiro juntou-se a outras cidades brasileiras como Fortaleza, Curitiba, Brasília, Jundiaí e Londrina – vai criar um serviço de atendimento telefónico para dúvidas da Língua Portuguesa, ou seja, uma espécie de “piquete gramatical”, com direito a anonimato por parte de quem telefona. Um “disque-Língua Portuguesa”, na terminologia local. Só em Fortaleza, diz a imprensa, há 150 telefonemas diários, contra 280 de Curitiba. As almas lusitanas (num país em que erros básicos de ortografia passam nos rodapés das televisões) acham que isto é ridículo e que lhes basta reafirmar que são “os proprietários da língua”. Não é verdade. A língua é de quem a fala e de quem a cuida. Entre tantas Altas Autoridades e Provedorias, era bom que existisse uma dedicada à nossa língua.

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LIVROS DE VERÃO (33). Depois de ‘Jane Eyre’, hoje é ‘O Monte dos Vendavais’ (Relógio d’Água), de Emily Brontë. Publicado em 1847, a luta entre Heathcliff, Catherine, Isabella e Edgar, é eterna e fatal, em todos os grandes romances.

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FRASES

"As mulheres adotaram os mesmos comportamentos masculinos que criticavam no passado." Domingos Amaral, ontem, no CM

"Eu sou pelo orçamento de duodécimos, gasta-se menos." João Miranda, no blogue Blasfémias.

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agosto 18, 2010

Blog # 675

Aos 93 anos, a húngara Zsa Zsa Gabor despede-se de uma longa carreira no cinema e nas indústrias do espetáculo e do casamento (oito). Era uma das lendas vivas do século XX de que ficaram famosas a beleza, a irreverência e um humor cru e sempre disponível. “Sou uma ótima dona de casa: quando me divorcio fico com a casa”, dizia. Ria de si mesma: “Quantos maridos tive? Quer dizer, tirando os meus?” Do casamento: “Não sei nada sobre sexo porque estive sempre casada.” Dos homens: “Um homem apaixonado está incompleto até casar. Quando casa, acaba.” Do sexo: “O movimento feminista não mudou a minha vida sexual. Não teria coragem.” Do divórcio: “Divorciar-se só porque já não se ama o marido é tão idiota como ter casado só porque o amava.” Um dicionário de coisas práticas.

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LIVROS DE VERÃO (32). Para o final de agosto, um romance a sério: ‘Jane Eyre’, de Charlotte Brontë (Relógio d’Água) – amor, sofrimento, orgulho feminino, sonho, desilusão e alegrias finais. O romance como grande arte.

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FRASES

"Somos de uma geração em que muitos poucos viram uma árvore crescer e a morrer velha." André Abrantes Amaral, no blogue O Insurgente.

"É estranho que à mesma hora, na mesma freguesia, haja dois incêndios em fábricas de pneus." Vítor Azevedo, bombeiros de Famalicão. Ontem, no CM.

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agosto 17, 2010

Blog # 674

Para Eça, em certos dias Portugal era “uma choldra”; havia outros dias maravilhosos. Ontem como hoje, procuramos sinais que nos salvem. As autoridades ficaram muito felizes com “o dispositivo” que combate os incêndios (70% dos fogos europeus são aqui); o governo exultou com os 0,2% de crescimento (o quarto pior desempenho europeu); as universidades sorriram quando o “índice Xangai” colocou duas portuguesas numa lista de 500 (em 401.° e em 500.º). Vivemos em propaganda permanente; na maior parte dos casos, manobrando as estatísticas – na economia, nos exames das escolas, no crime, nos acidentes rodoviários. Ou seja, temos medo de nós mesmos. Se fosse numa empresa, haveria avaliação, castigo e despedimento. No caso da política, há eleições e a coisa há-de manobrar-se.

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LIVROS DE VERÃO (31). Uma das formas de encarar o país é ler o que os outros escrevem de nós. Há um século, Miguel de Unamuno dedicava-nos ‘Portugal: Povo de Suicidas’ (Letra Livre). Não é um retrato brilhante, mas é a vida.

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FRASES

"O Benfica massacrou, com muitos jogadores dentro da área e eles com uma defesa na molhada." Jorge Jesus, ontem, no CM.

"Cheirou-me ser esta a última época de Jorge Jesus no SLB. E não foi pelo resultado." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

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agosto 16, 2010

Blog # 673

Eça de Queirós morreu a 16 de agosto de 1900. Há 110 anos. Nós todos, que somos filhos de Eça, devemos-lhe muito: a língua, a infinita galeria de personagens, as obsessões, os retratos, o país desenhado a fino, o humor e o sarcasmo, as metáforas, o ressentimento, o colorido – só o talento, enorme e irrepetível, fica a salvo. Passados 110 anos, Eça devia ser lido sem adversativas em todas as escolas; e devia ser considerada falta grave que algum cidadão minimamente alfabetizado tivesse passado uma parte da sua vida sem ler Eça. Não, não por “dever cultural” ou (pior) “de cidadania”. Apenas porque sem Eça e os seus romances a nossa vida seria mais incompleta e menos divertida. Hoje, vá à estante e escolha um Eça. Se não tiver um à mão, não diga nada. É uma vergonha.

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LIVROS DO VERÃO (30). “A Cidade e as Serras”, de Eça, é uma obra-prima sobre Portugal e o século XIX. O mais romântico e um dos mais divertidos livros do grande criador. 110 anos depois da sua morte, estamos a tempo de lê-lo.

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FRASES

"Teria sido muito fácil matá-lo, mas isso não fazia parte dos planos." Ali Agca, sobre o atentado contra João Paulo II. Ontem, no CM.

"Mónica, tens 40 anos, não há nada em casa, vai comprar tomates e ler livros do Rushdie." Mónica Marques, no blogue Sushi Leblon

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agosto 15, 2010

Vá lá


Vamos lá. Andaram um ano a arranjar coragem mas valeu a pena. Está aí uma onda anti-Bolaño (tão ridícula como a onda absolutamente-Bolaño, concordo). Distingo desta «onda» o texto de Sérgio Lavos sobre O Terceiro Reich, a que mais tarde voltarei. A questão é outra, e não merece grande espalhafato.

Conheço-os há muito tempo. Nunca leram O Nome da Rosa ou O Pêndulo de Foucault porque eram romances impingidos pela máquina infernal do marketing das editoras. Que a máquina infernal os leve a comprar iPhones e iPods, arroz basmati ou tofu banhado de espermicida, isso compreende-se. Mas um livro, foda-se. Umberto Eco era bom, era, enquanto semiólogo, vá lá, e estudioso da estética medieval – mas um italiano do Piemonte que de repente escreve um par de romances acompanhado de lançamento internacional, isso só se deve à máquina infernal. Dão-lhes um livro de 1062 páginas? Isso não, um tijolo que pode estragar-lhes a digestão (devem ler grandes merdas, devem), puríssima e elevada, cheia de águas fosfatadas. Ficam cansados às primeiras páginas, coitadinhos (é o cérebro – o fosgluten não lhes chega em tempos de ressentimento), não estão para isso, e ainda por cima a máquina infernal dá-lhes forte no discernimento. Mas o problema é Bolaño.

O chileno aborrece-os. Em primeiro lugar riu-se das fantasias latino-americanas (lá vai Macondo, lá vão os Tarahumaras), não fez a revolução e desconfia de Gabriel García Márquez, tanto como de Octavio Paz, a maravilhosa esfinge. Em segundo lugar, gostava mais de rock do que de charangas e orquestas de marimbas. Depois, não foi convocado para nenhuma das legiões em combate, ou porque andava mal vestido, ou porque trabalhava para a família e pensava no futuro dos filhos. Pelo meio, gostava mais de Borges (a quem imitava, sem pudor e sem despudor) do que de falangistas de ambas as mãos. Há gente que fica incomodada porque Bolaño, em 2666, «estava sempre a descrever sonhos»; ora, uma pessoa, naturalmente sóbria, culta, equilibrada como um paxá, detesta sonhos. Naturalmente, o que é preciso é acção, acção demolidora, luz do dia, espinafres, função clorofila às horas marcadas e pouco incómodo. Assim, sim.

Um ano de ressentimento custa a curar. Ainda a Quetzal não tinha lançado 2666 e algumas das nossas melhores almas já manifestavam a sua preocupação. Muitos deles não se tinham dado conta de que já havia duas edições de Roberto Bolaño no mercado (Nocturno Chileno, publicado pela Gótica; e Os Detectives Selvagens, da Teorema), mas o pormenor passava. Confundir a operação de entusiasmo (cujos custos de marketing, o infernal marketing, vale a pena dizer, foram dez, vinte, trinta vezes menores do que qualquer romance de hipermercado ou uma estreia de uma locutora de televisão) em redor de 2666 com uma poderosa acção de marketing infernal – só mesmo por distracção e ignorância. Mas aceito o pecado. Fiquei entusiasmado com o livro; correria, de novo, os riscos que – como editor – corri. Maiores do que alguma vez os críticos anti-Bolaño correriam por que livro fosse (alguns deles não correm, nem andam, nem estão parados). Corri esses riscos porque fiquei perdido pelo livro. Isso já não se entende.

Que uma pessoa leia um livro e o deteste, eu defendo que se deve levantar da mesa, do sofá, da cama – e condená-lo à poeira. Que um pobre chileno morto seja queimado em efígie só porque um bando de malfeitores ficou entusiasmado com um livro (ou dois, ou três, ou os que hão-de vir), e isso é motivo de desconfiança, só dá uma ideia do ressentimento banal.

Mas o mais penoso é ver como almas simpáticas de repente – à falta do chileno morto – procuram um inimigo a abater, um culpado dos seus livros. Porque tem de haver um culpado, uma mão invisível. Esta mania do Bolaño tem de ter um culpado. A ninguém ocorre, a nenhuma cabecinha, que o chileno – enquanto estava vivo e bebia – apenas escreveu esses livros (não gostar deles, já o disse, é uma coisa; fazer de virgem literária é outra) e não conspirou para minar a sagrada estabilidade das suas digestões. Bolaño é odioso porque os jornais falaram dos seus livros e porque muitos leitores o leram e se surpreenderam? Não é grande novidade nas nossas províncias. Mas deixem o homem em paz. Guardem o Index para mais tarde.

in A Origem das Espécies - 9 Agosto 2010

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agosto 14, 2010

Foguetório

Rui Moreira escreveu neste jornal, na semana passada (exactamente há uma semana), que era o FC Porto quem mais precisava de vencer a Supertaça Cândido de Oliveira. Meu Caro Rui, lamento discordar de si – se havia alguém que precisava desesperadamente de ganhar a Supertaça, de valorizar (como sabemos) os «seus activos» e de confirmar o favoritismo que lhe era quase unanimemente reconhecido, esse alguém era o Benfica.

Ao longo de uma semana, comentadores de todos os quadrantes («comentadores» que deviam manter alguma equidistância, na imprensa, na rádio e na televisão, uma vez que gostam de não assumir as suas preferências clubísticas) não se pouparam a trabalhos: enalteceram a «superioridade» moral, física e – praticamente – religiosa do Benfica; multiplicaram por várias parcelas a inequívoca qualidade do plantel do Benfica até altitudes estratosféricas; entoaram todos os salmos possíveis à pré-época do Benfica, não apenas animadora mas, também, avassaladora e digna de uma divisão germânica atravessando as barreiras; choraram lágrimas de fervor benfiquista, as que antecedem orgasmos celestiais, angélicos, divinos; finalmente, deram guarida a toda a espécie de desconfiança sobre o FC Porto, sobre o seu treinador e sobre a qualidade do plantel. Não foi por acaso, aliás, que nunca vi tanto jornalista e comentador desfazer-se em «mea culpas» providenciais nas edições de domingo passado, alguns deles confessando que tinham – olá, se tinham – exagerado.

Escuso de descrever, Caro Rui, a natureza e a qualidade do jogo do FC Porto. Mas gostava de lembrar que, de facto, perante a avalancha inusitada e despropositada de favoritismo, de foguetório, de louvores de igreja, era o Benfica que precisava mesmo de ganhar a Supertaça. Não só para fazer jus às suas naturais e legítimas ambições – mas para satisfazer uma clientela que festejou antes do jogo e que vaticinou as piores desgraças ao FC Porto. Teve razão André Villas-Boas ao dizer que a vitória na Supertaça foi, também, uma reparação, uma atitude séria contra a injustiça. No campo, como se viu. Não nos túneis do futebol.

in A Bola - 14 Agosto 2010

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agosto 13, 2010

Blog # 672

A história vem nas páginas de desporto e nelas os leitores encontrarão informação suficiente, mas o essencial é isto: a transferência de Bebé, do Vitória de Guimarães para o Manchester United (também disputada com o Real Madrid) tem o valor de nove milhões de euros. É um desafio inédito ao seu talento e, também, uma aposta maravilhosa do destino, que o leva da Casa do Gaiato e dos torneios de sem-abrigo para um dos maiores clubes do mundo. Um momento destes é luminoso, uma espécie de cerimónia de redenção. Não sei se Bebé pode ou não ser um exemplo para outros miúdos como ele. Também não interessa o valor envolvido, que animou ontem as pantalhas da televisão. O mais importante é isto: o reconhecimento do talento de Bebé, o miúdo pobre que não será esquecido tão cedo.

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LIVROS DO VERÃO (29). Não há verão em que não recomende ‘Moby Dick’, de Herman Melville (Relógio d’Água). Ou ‘Benito Cereno’ (Civilização). História de marinheiros confrontados com adversários à sua altura. Aventuras exemplares.

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FRASES

"Chame a polícia sempre que vir alguém fazer qualquer coisa que lhe pareça normal." Miguel Serras Pereira, no blogue Vias de Facto.

"Um Procurador-Geral da República com todo o poder torna-se um autocrata." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.

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agosto 12, 2010

Blog # 671

Depois do alerta geral e do pânico, a OMS declarou extinta a pandemia do vírus H1N1, ou seja, a gripe A, que preencheu o outono e o inverno mais recentes. Para as farmacêuticas e associadas foi um bom negócio, mas é de mau-gosto fazer a associação. No dia seguinte ao anúncio, a revista ‘The Lancet’ alertava para o aparecimento de uma bactéria que parece imune a todos os tipos de antibiótico conhecidos: a NDM-1, com origem na Índia e no Paquistão e que já chegou à Europa. O “retorno do trágico”, ideia de Jean-Marie Domenach nos anos 70, mais tarde retomada por Mafesoli acerca das “sociedades pós-modernas”, pode aplicar-se a este cenário, ameaçando a racionalidade e a própria ideia de razão. Em ‘A Peste’, Camus alertava para a vitória do medo. Às vezes, ele pode vencer.

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LIVROS DO VERÃO (28). Vamos ler livros fora de moda? Retome-se ‘A Morte Feliz’, de Albert Camus (Livros do Brasil); um romance escrito nesse cenário perfeito: mar, sol e mulheres – o mediterrâneo como interrogação do destino.

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FRASES

"Com o desafio do procurador-geral da República, as escolas deixaram de ter medo de agir." Albino Almeida, presidente da CONFAP, ontem, no CM.

"Não há nada que me inspire tanto como dizerem-me para me calar." Fernanda Câncio, no blogue Jugular.

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agosto 11, 2010

Blog # 670

Vai uma pequena polémica, na imprensa e na blogosfera, sobre os “diamantes de sangue” que Charles Taylor – o líder liberiano acusado de crimes contra a humanidade durante a guerra civil na Serra Leoa (na década de 90) – teria oferecido à modelo Naomi Campbell depois de um jantar em casa de Nelson Mandela. Campbell é uma admiradora de pequenos ditadores e de políticos radicais (de Chávez a Khadafi) e fica bem nesse universo de modelos, homens ricos, revolucionários profissionais e gente pateta, onde se confundem heróis com tontos e líderes com comandantes de gangues (Benicio del Toro e Soderbergh já tinham procedido à plastificação de Guevara, acrescentando mito ao mito). O problema, nesse mundo, nem são as más companhias. Há-as em todo o lado. É mesmo a patetice.

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LIVROS DE VERÃO (27). Uma bela homenagem, a do poeta Luís Amorim a Alberto de Lacerda, em ‘Às Sete no Sa Tortuga’ (Assírio & Alvim), um espécie de biografia fragmentária sobre um dos nomes ignorados da nossa literatura.

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FRASES

"Na Justiça, onde há dúvidas não há condenações. No jornalismo, onde há dúvidas há notícias." Vítor Matos, no blogue Elevador da Bica.

"Os meus pais e o meu namorado gostam de me ver posar. Por isso, consigo mostrar amor nas fotos." Diana Karamach, ontem, no CM.

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agosto 10, 2010

Blog # 669

Na última semana de Julho, João foi detido cinco vezes por roubos, posse ilegal de arma de fogo e condução sem carta. De todas as vezes o tribunal mandava-o em liberdade, a aguardar julgamento, uma vez que condução sem carta e posse de arma de fogo são coisas simpáticas. Na semana passada foi ao tribunal de novo – saiu de lá em liberdade ao volante de um carro. Foi mandado parar pela polícia, por condução perigosa. Fugiu à polícia, resistiu à detenção, não tinha carta e no carro foi encontrada uma arma branca. A polícia levou-o a tribunal outra vez. No final da audiência João declarou que ia roubar de novo “para compensar” a perda de dinheiro roubado que a polícia lhe tinha entretanto apreendido. Perante isto, a juíza mandou-o em liberdade, divertida com a história.

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LIVROS DE VERÃO (26). Policiais brasileiros apetitosos? Os de L.A. Garcia-Roza: “O Silêncio da Chuva” e “Uma Janela em Copacabana” estão publicados há anos (pela Gótica) e são um bom pretexto para visitar uma livraria. Gozo puro.

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FRASES

"Indicações positivas para Jorge Jesus: houve um momento em que Roberto quase fazia uma defesa." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

"O risco de fogos aumenta em relação proporcional ao abandono da agricultura e do mundo rural." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

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agosto 09, 2010

Blog # 668

A solidão de Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República, seria tema para uma novela policial. Isolado dos seus, defendido pelos que não lhe são a melhor defesa (porque têm interesses óbvios e lhes convém mantê-lo), acumulando ‘gaffes’ sobre ‘gaffes’, disparando generalidades quando falha no essencial, o procurador vive a solidão dos homens cujo poder se mantém preso por fios, cumplicidades e más consciências. Seria um personagem de John Le Carré, lançado às feras em ‘O Espião que Saiu do Frio’, vítima de uma chantagem sem nome, o que o coloca no meio de dois fogos e sem que conheça o alcance das suas jogadas. Na decadência de Alec Leamas, o personagem, todos os processos em que toca se transformam em imbróglios. No seu caso, está à vista. Não sabe se sairá do frio.

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LIVROS DE VERÃO (25). Pode continuar-se a saga Le Carré com a recente reedição de ‘Gente de Smiley’ (Dom Quixote), com prefácio do autor – é, aviso desde já, o melhor de todos os seus livros ‘de espionagem’. Uma obra de arte.

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FRASES

"Na verdade, cada Dalí é uma falsificação. Ele falsificava os seus próprios quadros. Stan Lauryssens, falsificador e escritor. Ontem, no CM.

"Michelle Obama mandou fechar Marbella para lá se festejar o encerramento de Guantánamo?" No blogue O Jansenista.

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agosto 07, 2010

Azedume de Mourinho

Guerra verbal ou nem isso – a troca de declarações entre André Villas-Boas e José Mourinho animou desnecessariamente o final desta semana. A menos que haja outros factos (pessoais, ocultos, suspeitos), um treinador como José Mourinho não tinha necessidade de invocar a sua experiência para espevitar Villas-Boas e a sua estreia em competições oficiais. Ora, o que disse José Mourinho? Que a sua experiência tinha mais peso do que a de Villas-Boas antes de chegar ao comando do FC Porto. Grande coisa, a experiência, sem dúvida – mas, feitas as contas, a diferença é de apenas um jogo na contabilidade. Mourinho não tinha necessidade alguma de entrar nesta guerra ou de provocar o seu antigo adjunto, actual treinador do seu antigo clube. O aspecto da coisa, digamos, não ficou a favorecê-lo, a menos que, na base dessas declarações (uma entrevista ao jornal “Record”, que deu natural destaque ao “assunto FC Porto”) esteja o ressentimento de Mourinho contra o seu antigo adjunto e contra o seu antigo clube. A ser verdade, é uma face muito pouco simpática do actual treinador do Real Madrid, que nem um nem outro merecem. Como José Mourinho, aliás, intimamente sabe.

Que a aposta do FC Porto é de risco – evidentemente que é. Mas José Mourinho não é a pessoa mais indicada para mencionar “o risco”, “a idade” ou a “falta de experiência” de Villas-Boas. O seu inegável talento (de que esta coluna é insuspeita de regatear, como tem sido evidente) não é desculpa para uma adversativa tão cruel, tão deslocada e com tanta falta de senso. Azedume inesperado, é o mínimo que se pode dizer.

2. Evidentemente que a pré-época do FC Porto não foi promissora. Mas os jogos a sério começam este mês e não antes. Uma equipa vencedora constrói-se em vários meses (como aqueles que Mourinho precisou no FC Porto, para não ir mais longe) de trabalho e de rotinas. A mudança necessária no clube e no plantel não foi radical, como alguns esperavam, mas deu sinais do que pode vir a ser. Pode ser que os gatos-pingados fiquem surpreendidos.

in A Bola - 7 Agosto 2010

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agosto 06, 2010

Blog # 667

O líder supremo do Irão, Ali Khamenei só surpreendeu os mais incautos com a declaração de que a música não é compatível com os “os valores supremos” do Islão e, portanto, da sua República Islâmica – onde, defende o aiatola, deixaria de se ensinar ou de se ouvir música. Os barbudos de Cabul decretaram-no antes e os dirigentes do Hamas, em Gaza, já mencionaram a ideia, a par da proibição de lojas e de restaurantes. É preciso acrescentar que isto não é um disparate; é uma lei e uma interpretação islâmica. Os amigos ocidentais das ditaduras islâmicas e do seu terrorismo global devem encontrar uma explicação; encontram sempre – são também cúmplices do apedrejamento de mulheres, do fuzilamento de homossexuais, da censura e da tortura. Há sempre idiotas inúteis disponíveis.

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LIVROS DE VERÃO (24). A Cavalo de Ferro publicou a obra reunida de Juan Rulfo, o grande mestre e fundador do “fantástico latino-americano”. Num volume, ‘Pedro Páramo’ e ‘Llano en Llamas’, o que é uma preciosidade.

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FRASES

"Na Europa [há] baixos salários, mas os que têm menos sorte ganham cerca de mil euros mês." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"O desejo de sangue e expiação fascinará os estudiosos do ‘novo homem’ socialista." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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agosto 05, 2010

Blog # 666

A Barnes & Noble – a maior cadeia americana de livrarias, com 720 lojas – pode vir a ser vendida. A razão é simples, explicam os analistas de Wall Street (onde as suas ações desceram 32% este ano): tudo se deve à preferência de um nova geração de leitores por livros em formato digital, lidos na net ou descarregados para aparelhos como o Kindle, o iPad ou o Nook (que, ironia das ironias, foi lançado pela Barnes & Noble). Até ao final do ano estarão no mercado português cerca de 40 e-books disponíveis. E 2011 será um ano de combate em redor desses novos ‘gadgets’. Somos um país de poucos leitores e o nosso mercado é diminuto, pouco apetecível para os gigantes do livro digital; a revolução tecnológica ainda está a caminho e é apenas um luxo. Vantagens e desvantagens.

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LIVROS DO VERÃO (23). Não resisto a recomendá-lo: ‘A Grande Arte’, de Rubem Fonseca (Campo das Letras), é um dos mais belos romances da nossa língua, uma história sensual e perigosa, cheia de morte, de coincidências e de amor.

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FRASES

"[Para Pinto Monteiro] ttodos são feios, todos são maus. O pobre desgraçado está para ali." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.

"Quando um responsável quer descartar responsabilidades, basta dizer que não tem poderes." José Manuel Fernandes, no blogue Blasfémias.

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agosto 04, 2010

Blog # 665

As contas são desconexas e admitem alguma margem de erro mas, para todos os efeitos, assinala-se hoje mais um aniversário sobre a destruição definitiva do Segundo Templo de Jerusalém, no ano 70 da nossa era. O judaísmo posterior (três anos depois, as tropas de Tito assaltam Massada, o último reduto judeu, e em135 DC o imperador Adriano arrasa Jerusalém) fica, assim, condenado à diáspora e ao exílio permanente. Nenhuma religião é tão marcada pela ideia de extraterritorialidade como o judaísmo – todos os seus preceitos fundamentais são ordenados a partir dessa data. Resistência, estudo, recolhimento, perseguição, clandestinidade, extermínio: o judaísmo conheceu todas as variações desta escala. Além de uma religião, é um método, uma tradição e uma influência.

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LIVROS DE VERÃO (22). Aproveitemos também o verão para ler ‘Submundo’, de Don DeLillo (Sextante), um romance grandioso sobre a América, o basebol, a violência, Nova Iorque – mas sobretudo a partir do basebol. Génio e talento.

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FRASES

"A minha obrigação é ir ao encontro daquilo que Kaká precisa. A dele é seguir a minha filosofia." José Mourinho, ontem, no CM.

"Os nossos bem remunerados gestores falam como se houvesse um regabofe salarial em Portugal." João Rodrigues, no blogue Arrastão.

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agosto 03, 2010

Blog # 664

Lembro-me de Mário Bettencourt Resendes nesta semana de morte. Não sei se a vida tem um preço, mas creio que não – ou porque o seu é demasiado elevado ou porque a vida não está à venda. Mas lembro-me de alguns gestos seus no velho jornal da Av. da Liberdade. E lembro-me de como mencionou que o diretor de um jornal nunca precisava de deixar de ser um cavalheiro. De como o diretor de um jornal devia defender a liberdade de Imprensa, fosse qual fosse o governo. De como devia ser culto. De como devia ser honrado. De como devia manter a sua independência. De como devia ser tolerante. De como devia ser inteligente. À sua maneira, tentou que o ‘Diário de Notícias’ fosse um espelho de tudo isso. Eu gostava do Mário Bettencourt. Era um ‘gentleman’, o que diz quase tudo.

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LIVROS DE VERÃO (21). Alain de Botton não é apenas uma estrela da chamada ‘filosofia comum’. Os problemas que ele coloca em ‘Alegrias e Tristezas do Trabalho’ (Dom Quixote) deviam fazer-nos pensar. Pensar e agir.

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FRASES

"Cândida Almeida merecia retirar-se da magistratura com toda a dignidade. Já não vai a tempo." Manuel Catarino, ontem, no CM.

"As ideias que aparecem durante o período de descanso costumam ser originais." Carla Hilário Quevedo, no blogue Bomba Inteligente.

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agosto 02, 2010

Blog # 663

A ministra da Educação não o afirma claramente mas parece estar na calha o fim dos chumbos no ensino obrigatório. Não é o fim do mundo, mas trata-se de uma medida avulsa e que visa limpar estatisticamente o “insucesso escolar”. Uma coisa chamada Confederação das Associações de Pais rejubila (“é a maior revolução no ensino”, diz um dos papagaios), não se sabe se em nome dos filhos ou se para salvar alguma indigência paterna. E, à socapa, avançam-se números: 600 milhões de euros é o custo anual das reprovações; sem elas, vamos ficar mais ricos, mas sem mão na avaliação escolar. O sistema tem soluções para tudo, mesmo se para isso aceitar o apoio dos palermas. Isabel Alçada está a tempo de recuar e de evitar que o seu nome fique associado a uma trapalhada sem explicação.

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LIVROS DE VERÃO (20). É um dos livros que já me acompanhou no verão passado, e no anterior: ‘A Odisseia de Homero adaptada para Jovens”, por Frederico Lourenço (Livros Cotovia). Deixemo-nos tentar pela tentação.

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FRASES

"É difícil contemplar o sorriso dos pais de hoje pelos filhos analfabetos que terão amanhã." João Pereira Coutinho, ontem, no CM.

"Mas a verdade é que tudo envelhece. Até a verdade." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de um Desejo.

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