fevereiro 27, 2009

Blog # 298

Ainda está por escrever a história fascinante dos emigrantes portugueses do segundo quartel do século XX para a Venezuela. Há histórias sem fim – como a de Fernando Morais (fundador do Centro Português), figura essencial da comunidade portuguesa, que morreu no ano passado em Caracas. Como a do editor Mário Moura, que agora vive em Portugal. E como a do livreiro Sérgio Alves Moreira, que morreu anteontem, na Venezuela. Essa presença é notável, cheia de risco e de um desproporcionado gosto pela aventura. Amo esta gente portuguesa da Venezuela, os primeiros emigrantes, os que povoaram o bairro da Candelaria, os que chegaram ao porto de La Guaira e se fixaram para lá dos Andes ou em Maracaibo. Com a morte de Alves Moreira, vai uma parte da nossa aventura. E dos nossos livros.

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Para quem não tinha lido nenhum livro do Nobel deste ano, J.M.G. Le Clézio, e não encontra ‘O Deserto’ (o melhor de todos), aqui está ‘Estrela Errante’ (Dom Quixote), acabado de sair, tradução de Maria do Carmo Abreu.

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FRASES

“Temos um pequeno sentimento de vingança contra o Leixões." Quique Flores, treinador do Benfica, ontem no CM.

“Só um país grande teria sido capaz de sobreviver a 900 anos de convívio com os portugueses." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

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fevereiro 26, 2009

Blog # 297

Álvaro Siza Vieira vai receber em Londres a medalha de ouro do Real Instituto dos Arquitectos Britânicos, juntando-se a Niemeyer, Le Corbusier, Gehry ou Lloyd-Wright. Trata-se de uma distinção que se deve festejar – não apenas por Siza Vieira ser português, mas porque o seu enorme talento marca a história da arquitectura moderna. Nem sempre se gosta do que é genial e do que há-de, sem dúvida, ficar para a posteridade. Revisitando os trabalhos de Siza, em Portugal ou no estrangeiro, há obras a que aderimos sem dificuldade e outras de que não gostamos. A arquitectura não serve apenas para ser vista – mas para ser vivida e habitada. Nós, burgueses, traímos a arte com grande facilidade, em nome do conforto. Mas reconhecemo-la sem favor: Siza é um dos nomes do Olimpo.

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fevereiro 25, 2009

Blog # 296

A PSP de Braga apreendeu, mesmo no centro da cidade, exemplares de um livro que reproduz na capa o quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet. Uma patrulha não tem de perceber de arte, e diante daquela exibição das coxas abertas e do sexo de uma mulher, os agentes viram pornografia pura e trataram de defender a moral pública e o pudor dos bracarenses. Parece que isso está nas suas atribuições, se bem que os bracarenses saibam distinguir uma página da ‘Gina’ de uma pintura de Courbet, o amigo de Proudhon e de Baudelaire. A arte tem destas coisas; há tempos, o Metro de Londres retirou um cartaz da Royal Academy, que mostrava o corpo nu de uma mulher, pintado por Lucas Cranach, amigo de Lutero. Há gente que vê sexo em tudo. Em cada moralista há um tarado profissional.

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A Gradiva acaba de publicar um divertido livro do brasileiro Sérgio Rodrigues intitulado ‘What Língua is Esta?’ – deambulação sobre estrangeirismos e modas ridículas no português do lado de lá do Atlântico. Bela ideia para adaptar.

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FRASES

“Nádega com nádega, bem batido, seis vezes em cada alteração no ritmo da valsa." Organizador da ‘dança dos cus’ em Cabanas de Viriato, ontem no CM.

"Assustam-me mais as sambistas com pele de galinha e frio do que o soft porno de Torres Vedras." Pedro Vieira, no blog Irmão Lúcia.

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fevereiro 24, 2009

Blog # 295

A directora-regional de Educação do Norte tornou-se conhecida por ter instaurado (a um professor) um processo disciplinar de contornos políticos. Não contente com isso, que já é demais em qualquer país decente, avisou que coleccionava jornais e blogues que a criticassem, certamente para perseguir os seus autores. Pode bem fazê-lo: circulam pela net algumas das suas maiores pérolas ortográficas e sintácticas, de bradar aos céus. Por menos do que isso pode negar-se emprego a muita gente. O problema é que esses erros graves de Português em documentos oficiais são dados por uma responsável do Ministério da Educação. Que confiança podemos ter num Ministério que mantém no seu posto uma chefe de serviços que atropela a Língua Portuguesa em documentos que levam o seu selo? Nenhuma.

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A Editorial Verbo acaba de lançar o primeiro dos volumes da "Enciclopédia Interdisciplinar de Ciência e Fé" – um empreendimento notável, vale a pena dizê-lo, em tempos de exclusivismo e de surdez. Só por isso, a Verbo merece aplauso.

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FRASES

"Estão a ser muito generosos connosco." Danny Boyle, Óscar de Melhor Realizador, ontem no CM Online.

"E vão entregar o Óscar a um gajo de esquerda que faz de maricas?" Bruno Vieira Amaral, no blogue O Cachimbo de Magritte.

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fevereiro 23, 2009

Blog # 294

A imprensa anda muito agitada com um folheto publicado por Yiossuf Adamgy sobre o papel da mulher no Islão; parece que é uma resposta de Adamgy, líder do grupo de estudos islâmicos Al Furqán, às preocupações de D. José Policarpo sobre os casamentos entre católicas e muçulmanos. Adamgy esqueceu-se de lembrar, no documento, que (em 2004) não criticou a lapidação da nigeriana Amina Awal, por adultério – a não ser porque faltavam as quatro testemunhas exigidas pela lei islâmica, em vez das duas que eram apresentadas ao tribunal. É uma questão legal, certamente, mas a diferença entre duas e quatro testemunhas não põe em causa o que lá está escrito, preto no branco. As pessoas casam-se com quem querem, mas é bom que tenham em conta o historial de riscos que a decisão implica.

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Acho que é um dos livros do ano: "Eu Sou a Charlotte Simmons", de Tom Wolfe (Dom Quixote) é um dos mais brutais e cruéis retratos da América e da sua universidade, obcecada pelo sexo e pelo poder. Sai a meio de Março – a não perder.

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FRASES

"Toda a gente sabe que há alguma dificuldade do Governo em lidar com a Comunicação Social." José Eduardo Moniz, ontem no CM.

"O PS, ao convidar Hugo Chavéz vai transformar o congresso numa feira." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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fevereiro 20, 2009

Blog # 293

O assunto podia ser deixado no capítulo das curiosidades mas, vendo bem, há matéria para mais do que riso: as autoridades de uma cidade britânica, Warrington, determinaram a proibição de beijos no cais da sua estação ferroviária. Há mesmo placas, semelhantes às da estrada, que mostram uma barra sobre um casal a beijar-se. O Estado zela pelo bem público – ora legisla sobre a quantidade de sal no pão, ora sobre a troca de fluidos salivares no cais de uma estação de comboios. Nós vamos permitindo. A Europa está cada vez mais estranha. Liberais que somos, achávamos que o 'Grande Irmão' de Orwell se aplicava apenas a Estaline; não: o Big Brother está entre nós. Proíbe abundantemente. Primeiro, em nome do bem público; depois, por vício e por necessidade. Depois, por demência.

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'Charlotte Simmons', de Tom Wolfe (Dom Quixote), é um livro brutal, indispensável, desbocado: é uma odisseia de Wolfe pelos campus das universidades, revelando como os jovens morrem lentamente entre sexo, álcool, ignorância, solidão.

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FRASES

"Se não fosse a cocaína, que jogador poderia ter sido?" Diego A. Maradona, ontem no CM.

"Somos tolerantes com as caricaturas de Maomé, desde que não se metam com o nosso Maomé." João Miranda, no blogue Blasfémias.

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fevereiro 19, 2009

Blog # 292

Durante o salazarismo, os autores portugueses de romances policiais escolhiam pseudónimos em inglês. Havia duas razões: em primeiro lugar, os leitores desconfiavam de policiais portugueses, a quem não atribuíam 'glamour'; depois porque, oficialmente, não havia crime em Portugal. Ross Pynn, Dennis MacShade, Frank Gold ou Dick Haskins (ainda vivo) escreveram páginas imortais de literatura policial. As 'pessoas sérias' e 'boas almas' ficam desconcertadas quando se fala de crime ou se menciona que o Departamento de Drogas e Crime da ONU, encontra em Portugal a mais alta taxa de homicídios da Europa Ocidental (uma bela taxa de 2,15 por 100 mil habitantes). A realidade, como se sabe, acaba por imitar a ficção em todos os seus pormenores. Há um país desconhecido à nossa espera.

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Aí está uma edição a reter: a 'Poesia Reunida' de Maria Teresa Horta (Dom Quixote): meio milhar de páginas para recuperar parte substancial da obra de uma autora que deixou marca e tem sido ignorada. Versos que têm uma história.

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FRASES

"Mata-se por 'dá cá aquela palha'. Há jovens de 14 anos a praticar actos de grande violência." M. das Dores Meira, Presidente da Câmara de Setúbal, ontem no CM.

"O que leva uma pessoa a perder uma noite da sua vida para impedir que outros se casem?" Daniel Oliveira, no blogue Arrastão.

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fevereiro 18, 2009

Blog # 291

A revista 'New Yorker' publicará um texto de Ian McEwan sobre Salman Rushdie; não sobre Rushdie propriamente, mas sobre os primeiros dias da clandestinidade a que o escritor foi obrigado depois de o ayatollah Khomeiny o ter condenado à morte. McEwan abrigou-o numa casa de campo e escondeu-se com ele enquanto o Hezbollah e outros grupos fundamentalistas procuravam o autor de 'Versículos Satânicos' para o matar. Surpreendo-me com muitos ocidentais fascinados com o fundamentalismo islâmico, e que não resistiram aos encantos do servilismo e à 'questão religiosa'. Estranho como muitos compatriotas meus se colocam ao lado dos assassinos, defendendo a eliminação sumária de um escritor, como se pode odiar tanto e como se pode duvidar da ideia de liberdade. Foi há 20 anos.

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Decorre do Porto a Festa do Livro – no pavilhão Rosa Mota já estiveram mais de 30 mil pessoas desde o dia 31 de Janeiro. A última semana (termina a 28 de Fevereiro) destaca Lobo Antunes, que será homenageado. Uma feira apetecida.

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FRASES

"Quando se fala do casamento homossexual, por que razão continua a oposição à poligamia?" João Villalobos, no blogue Corta-Fitas.

"Onde estaria o Sporting sem a birra de Paulo Bento com Vukcevic?" João Querido Manha, ontem no CM.

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fevereiro 17, 2009

Blog # 290

O próximo livro de António Lobo Antunes levará o título 'Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?' e, se acreditássemos em tudo o que o autor diz em entrevistas (ontem, no DN), seria o penúltimo romance que vai publicar. Depois deste livro e do que se lhe segue ("um último livro para arredondar a obra"), virá o silêncio: "A minha voz falada ou escrita já não se ouvirá mais." Como declaração, é ribombante; como anúncio, é despropositado mas igualmente explosivo; como promessa. É ridícula. A um escritor não se lhe pede que fale verdade (que interessa a verdade em literatura?) mas que seja o autor dos livros que nos comovem – ou não. Lobo Antunes pode anunciar o que quiser, mas essa declaração é puramente literária. Ou seja: Lobo Antunes é personagem de Lobo Antunes.

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Para quem tem resistência a ler 'A Origem das Espécies', de Charles Darwin, pode ler as suas notas de viagem em 'A Viagem do Beagle. Viagem de um Naturalista à Volta do Mundo' (Relógio d'Água). Um livro indispensável e tentador.

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FRASES

"Se a mera suspeita invalida um conselheiro de Estado, que dizer de um PM?" Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

"É significativo que a mentira possa ser premiada e a verdade condenada na praça pública." A. Ribeiro Ferreira, ontem no CM.

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fevereiro 16, 2009

Blog # 289

Dois namorados partilhavam – suponho – sonhos, corpos, hormonas & fluidos, sms e passeios entre as casas dos respectivos progenitores, algures na província, onde tudo parece ser mais inocente. Isso não retira, a um namoro de província, nem a sua dose de luxúria nem a sua margem de patetice. Seja como for, os dois resolveram preencher um impresso do Euromilhões; e, como o amor às vezes é feliz, ganharam um prémio de 15 milhões. Felicidade absoluta. Até que o rapaz pediu a sua parte. A jovem achou uma traição, tanto mais que o palpite vencedor, dizem os seus pais, fora o seu. O caso está em tribunal. Parece que o amor não ultrapassa tudo – mas não chega para 15 milhões de euros. Trata-se de uma boa notícia, no rescaldo do Dia dos Namorados. Vem nos jornais, não é ficção.

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Veja-se este livro de Filipa Leal, "A Inexistência de Eva" (Deriva): "Uma história de Adão e Eva, mas sem Adão." Tem momentos altíssimos; é um texto estabelecido sobre a suave linha da beleza que mal tem sexo, só luz e sombra.

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FRASES

"Eu não tenho um arquivo de memória e disse o que tinha na minha memória." Dias Loureiro.

"Maitê está namorando de novo. Já não há respeito pelo imaginário pré-hormonal." Lourenço Cordeiro no blogue Complexidade e Contradição.

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fevereiro 13, 2009

Blog # 288

Há dez anos que as Correntes d'Escritas mobilizam centenas de nomes de autores da chamada expressão "ibero-americana" – vindos de Portugal, Espanha (com a Galiza em primeiro plano), Brasil e países latino-americanos e africanos de língua portuguesa. Há, certamente, um "folclore das Correntes"; mas os benefícios que a iniciativa trouxe para Portugal são enormes, e para a Póvoa de Varzim são inexcedíveis. De alguma maneira, a Póvoa é a nossa pequena Paraty. Cabem-lhe elogios que não devemos regatear: é o único lugar onde cabem todos os escritores e todos os milhares de leitores que não vêm no registo da 'oferta cultural' de Lisboa e do Porto. Em todo o mundo, a Póvoa de Varzim espalha o seu nome com letras de ouro. Aí está um investimento que trouxe recompensa e glória.

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Na categoria do romance histórico popular, há livros que merecem leitura; um deles é "A Rainha de Sabá", de Marek Halter (Bizâncio), que explica com pormenor a biografia e as origens desta figura que povoou a nossa adolescência.

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FRASES

"Para além de bonitas têm que ser muito dedicadas." Sophie Evans, actriz porno, sobre as qualidades das suas colegas, ontem no CM.

"O meu irmão enaltece a televisão digital. Perante o 'Lingerie' do Fashion TV, concordo." No blogue Vontade Indómita.

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fevereiro 12, 2009

Blog # 287

Charles Darwin nasceu há exactamente 200 anos. A data tem pouca importância, porque 'A Origem das Espécies' foi publicado quando completou cinquenta anos. É a obra de uma vida – e da nossa vida, mesmo que não saibamos o que vem lá dentro. O espírito moderno (na ciência, na observação, na vida) deve muito a Darwin, de quem gosto de recordar sobretudo a grande viagem à volta do mundo, a bordo do navio HMS Beagle. O desprezo por Darwin continua a ser corrente nos nossos dias, fomentado pela cegueira e pela ignorância que, no entanto, não abalam a sua prodigiosa aventura, feita de descoberta, intuição, observação, encantamento. Até nisso Darwin é moderno, não atribuindo à 'humanidade' um lugar central no universo, preferindo situá-la na sua condição e na sua circunstância.

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Em 1918, Adelaide abandona o marido (administrador do DN). Júlio de Matos e Egas Moniz internaram-na num manicómio e a justiça retira-lhe os bens. Manuela Gonzaga conta esta história escandalosa em 'Doida Não, e Não' (Bertrand).

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FRASES

"Substituir o João Carlos Espada pelo Marcos Perestrelo não lembra ao diabo." Rogério Casanova, no blogue Pastoral Portuguesa.

"As cenas de amor não foram difíceis. Ele tem 18 anos e é muito profissional." Kate Winslet, ontem no CM.

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fevereiro 11, 2009

Blog # 286

A frase (de Marçal Grilo, ex-ministro da Educação) devia ser pacífica: "O país e as famílias perceberam que não basta andar na escola e passar de ano, é preciso saber." Mas não é. A grande 'vitória da educação', nos últimos tempos, chama-se 'melhoria das estatísticas'; melhorando-se as estatísticas, melhora-se oficialmente a 'qualidade do ensino', em vez de ser ao contrário. Ora, acontece que, na maior parte das vezes, a melhoria das estatísticas não tem a ver com a melhoria do aproveitamento escolar. Todos os instrumentos estão lá, na escola – mas faltam os ingredientes fundamentais, a exigência, uma certa disciplina, e autonomia. A escola não pode progredir se estiver dependente de todas as influências e pressões. Não pode ser uma extensão do governo ou da família.

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Acaba de sair: 'A Loucura de Deus', de Peter Sloterdijk (Relógio d'Água), sobre os conflitos entre as três religiões monoteístas. Sloterdijk não é um sábio – mas o seu ponto de vista ajuda a compreender a loucura da fé e da morte.

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FRASES

"Kant, Hegel e os filósofos gregos estavam errados." Nadir Afonso, ontem no CM.

"O contribuinte impotente ficará radiante se lhe levantarem o sigilo bancário." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

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fevereiro 10, 2009

Blog # 285

Revolutionary Road' não chega aos pés de 'American Beauty' – é um arremedo de argumento servido por um bom livro de Richard Yates (edição da Civilização), um autor a descobrir e a seguir. Se era para ironizar, falta aquele suplemento de ironia que aparece nos livros de Updike. Mas o próprio assunto é alimento para o deserto intelectual da classe média: um drama familiar sem originalidade e com muito gosto pela grandiloquência. Só assim se explica que Di Caprio (só foi actor a sério em 'Diamantes de Sangue') represente um papel que soa a falso. Quando falha 'o essencial' (a arte, o talento), transforma-se 'o essencial' num drama sem classe nem brilho. Só é pena que isso tenha acontecido com uma história tão bem escrita por Yates, o autor dessa jóia que é 'Easter Parade'.

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Mario Conde, o detective do cubano Leonardo Padura regressa ao convívio com os leitores portugueses em 'Um Passado Perfeito' (edição Asa) – desta vez é menos um policial do que uma viagem às memórias da sua geração desencantada.

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FRASES

"O que lhes importa não é tanto a validade das 'causas', mas o facto de serem de Esquerda." Maradona, no blogue A Causa Foi Modificada.

"Há assuntos muito mais importantes a preocupar a Igreja, como a pobreza e o desemprego." Sec. Conf. Episcopal sobre os casamentos gay, ontem, no CM.

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fevereiro 09, 2009

Blog # 284

Na sua monumental biografia de Carmen Miranda, Ruy Castro estabelece, em definitivo, que a cantora nasceu em Marco de Canavezes. Muitos brasileiros não gostaram – Carmen (a voz, o corpo, o menear dos quadris, os dentes brancos) é um emblema nacional. Têm razão: o transatlântico que transportava Carmen devia ter partido mais cedo para que ela nascesse no Rio, a que pertence. Portugal não tem muito a ver com aquela mulher luminosa cheia de aventuras, sexo, malícia e divertimento. Ficaria, como no poema de O'Neill ('Um Adeus Português'), submetida à melancolia cinzenta da pátria. Aquela malícia só seria possível nos trópicos, aquela voz só brilharia mais alto com os músicos do outro lado do mar. Nasceu em Portugal, mas há cem anos ela estaria condenada a um destino menos feliz.

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A Planeta, dirigida em Portugal pelo catalão Juan Mera, inclui entre os seus primeiros autores Juan José Millás, Carlos Ruiz Záfon ou Lya Luft. Mas preparem-se: em Junho vai publicar a biografia de Paulo Coelho, de Fernando Morais.

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FRASES

"O PSD actua como se fosse um partido de protesto, uma espécie de PCP de direita." Vital Moreira, no blogue Causa Nossa.

"Pode acontecer que muitos países consigam ultrapassar a crise, mas Portugal não." Jerónimo de Sousa, ontem no CM.

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fevereiro 06, 2009

Blog # 283

Vale a pena insistir no assunto? Vale. Em primeiro lugar porque o ministro Santos Silva, aquele que outrora foi sociólogo, também insiste nele. Reparemos no recorte das suas declarações: "Eu cá gosto é de malhar na direita e gosto de malhar com especial prazer nesses sujeitos e sujeitas que se situam de facto à direita do PS e que são das forças mais conservadoras e reaccionárias que eu conheço e que gostam de se dizer de esquerda plebeia ou chic." A frase, que é grande e rotunda, parece arrancada ao 'Eusébio Macário' de Camilo, ou inspirada pela 'Besta Esfolada' do Padre Agostinho de Macedo. Mas em estilo, claro, fica muito abaixo. Falta-lhe brilho, eloquência, distinção – o que lhe sobra em tudo o resto, e que não é bom. A vontade de malhar é que me parece uma obsessão.

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É uma das grandes surpresas do ano: a Porto Editora lançará em breve uma grande Antologia da Poesia Portuguesa, do início da nacionalidade até ao século XXI; os organizadores são Jorge Reis-Sá e Rui Lage. Mais novidades para a semana.

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FRASES

"Santos Silva transformou-se numa espécie de pistoleiro do faroeste." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

"A milha filha Renata, tem cinco anos e quer muito ser modelo. Em casa desfila ao espelho." Silvana Oliveira, mãe, ontem no CM.

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fevereiro 05, 2009

Blog # 282

O homem que outrora foi o sociólogo Augusto Santos Silva, e que é hoje ministro, mostrou-se indignado com uns cartazes contra José Sócrates – ou com uma incorrecção que constava num deles. Tanta sensibilidade causa impressão num político que denunciou uma tentativa 'de golpe de estado constitucional' caso Cavaco fosse eleito sem ter pedido desculpa a seguir. Mas é o seu trabalho e devemos compreender que esse ofício nem sempre é fácil. O que diria Santos Silva se alguém adoptasse a frase da campanha de Kennedy vs. Nixon ("Você comprava um carro em segunda mão a este homem?") em 1960, e que mais tarde, nos anos oitenta, foi retomada na Alemanha? Pediria a intervenção da polícia ou saía para a rua, hirsuto e aos gritos, arrancando cartazes? Sim, nem sempre é fácil. Mas é a vida.

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'Lili, La Tigresse', é o novo romance da israelita Alona Kimhi (edição Asa, que já tinha lançado 'Susana em Lágrimas', uma história imperdível). Kimhi é um perigo: escreve bem, é belíssima e gosta de Portugal. E o livro merece.

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FRASES

"Não há concorrência porque todos queremos o mesmo." Marc Zoro, ex-futebolista do Benfica, cedido ao Setúbal, ontem no CM.

"Se calhar deu um jeitinho em Alcochete, e depois?!, aquilo não passava de um pântano!" Isabela, no blogue Um Mundo Perfeito.

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fevereiro 04, 2009

Blog # 281

Há sempre uma maneira de baixar o preço; é uma lei do capitalismo, mesmo se é o Estado que ocupa o lugar das corporações. José Sócrates devia sabê-lo quando apresentou o computador Magalhães na cimeira ibero-americana, anunciando o seu preço diminuto. Anteontem, no entanto, o governo indiano anunciou o Instituto de Tecnologia de Bangalore tinha acabado de produzir um computador a 10 euros capaz de aceder à internet sem fios e a funcionar a energia solar (para baterias de dois watts) – e que vai utilizá-lo para levar a web e o ensino à distância pelos lugares mais remotos da Índia rural; parece que cerca de 20 mil escolas secundárias ficarão em rede. Os mais cépticos dizem que se trata de campanha eleitoral do governo indiano. Não sei onde eles foram buscar essa ideia.

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'Adolescente Agrilhoado', um clássico português dos anos sessenta, de José Marmelo e Silva, acaba de ser reeditado pela Campo das Letras. A primeira edição, na velha Portugália, foi em 1948. Apesar do livro, o mundo mudou muito.

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FRASES

"É evidente: o poder ainda é uma reserva masculina." Marina Costa Lobo, no blogue Tempo Político

"Salazar era uma figura austera e um homem que, como tal, tinha atracção pelo sexo e pelo sexo oposto." Diogo Morgado, actor, ontem no CM.

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fevereiro 03, 2009

Blog # 280

Há dezoito anos que não nevava com tanta violência em Londres e a cidade parou por horas - metro, autocarros, taxis e, naturalmente, aviões com voos cancelados. Os mais irónicos e sarcásticos veriam nisto a confirmacão de que o aquecimento global pode ser uma treta, embora o modelo de alteracão climática suponha acontecimentos destes. Seja como for, todos os meus voos foram cancelados - o que deu tempo para ver uma cidade como ela só é nos filmes: casais passeando na neve crepuscular do Hyde Park, miudos construindo bonecos de neve em Kensington ou atirando bolas em Trafalgar. Subitamente, o frio siberiano devolveu-nos um pouco da vida. Fechado num aeroporto, recordo o dia em que Londres voltou a ser um bairro do século passado.

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"Estrela Distante" continuará o trajecto de sucesso de "Os Detectives Selvagens", de Roberto Bolaño (edicao Teorema) e deve ser publicado no segundo semestre deste ano. A onda de "paixão por Bolañno" alastra por todo o lado. Infelizmente, depois da morte do autor.

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FRASES

Ninguém sabe o que é verdade e o que é mentira." Ricardo Sá Fernandes, ontem no CM online.

"A melhor propaganda anti-Socrates é deixar Augusto Santos Silva falar." Masson, no Almocreve das Petas.

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fevereiro 02, 2009

O viajante enquanto espião

Todos nós queremos um lugar para viajar. Um lugar inclinado sobre nós e sobre a felicidade. Às vezes procuramos um lugar que nos complete, uma sombra, um muro cheio de sol, uma ventania, uma praça, uma rua onde encontramos uma parte de nós, uma casa onde viveríamos a nossa vida – se tivéssemos tempo, se tivéssemos oportunidade. Viajar tornou-se, não apenas uma espécie de apelo da humanidade civilizada e com um mínimo de meios económicos, mas também uma vitória sobre a eternidade; porque a viagem nos salva do que perdura e que não é tão bom como julgávamos.

Às vezes leio romances de John Le Carré para poder viajar. Por exemplo, O Peregrino Secreto. O leitor da Volta ao Mundo acompanha-me há vários anos e, por isso, posso ter esta intimidade de desabafo. Em O Peregrino Secreto George Smiley, o grande personagem de Le Carré regressa da sua reforma e vem jantar com futuros espiões em fase de aprendizagem e com velhos amigos, a quem fala sobre os mistérios e banalidades do ofício. Ned (que participa em vários livros) conta histórias ao longo do livro – ele recorda as viagens. Berlim (a Berlim da Guerra Fria que alimenta todas as histórias de espiões, naturalmente), Munique, Banguecoque, Telavive, Hamburgo, Canadá, Rússia, Beirute, todos os lugares onde andou a Gente de Smiley (título de um dos seus mais belos livros). Há um cemitério em Hamburgo, não posso esquecer esse cemitério que, a certa altura, aparece recortado numa das páginas do livro como o cenário em que um casal faz amor ao crepúsculo, perdidamente. No Oriente, algures no Oriente, entre o Vietname e o Laos, Ned e Hansen passam uma noite conversando sobre a selva. Há uma ilha escocesa onde uma mulher habita uma casa – é preciso atravessar um canal, tomar um ferry, suportar os bancos de nevoeiros.

Noutro livro, O Fiel Jardineiro (sim, se apenas viu o filme não viu nada – porque o livro é de uma grandeza assustadora) as paisagens sucedem-se, do Quénia a Itália, do Canadá à Suíça, repetindo apenas aquela melancolia do espião que veste a pele do viajante. Em certa medida, o viajante é um espião, um aventureiro que viaja disfarçado e sem a pele que o cobre durante um ano de trabalho ou mais. O verdadeiro viajante (procuramos sempre essa figura, não é?) troca de identidade e espera não ser reconhecido enquanto espera por um avião ou se perde numa estrada. Tal como nos livros de aventuras do nosso século passado – em que os heróis, na maior parte das vezes, são espiões –, o viajante é sempre outra pessoa, é sempre o outro: dorme nos hotéis evitando olhar-se nos espelhos, anota pormenores que noutras circunstâncias lhe pareceriam inúteis e irrelevantes; leva o seu caderno para escrever impressões que teria vergonha de redigir um mês antes; as suas fotografias procuram o mistério de um lugar – um lugar para viajar, um lugar inclinado sobre nós e sobre a felicidade –, as sombras de um mercado ao final da manhã (cheio de cores, de vozes), a passagem do tempo, a areia de uma praia, a poeira de uma estrada que não voltará a percorrer.

Pertencendo a um mundo em que cada minuto tem um preço e uma medida exacta, o viajante recupera a poesia, a inutilidade, os monumentos em ruínas, os papéis que hão-de ser arquivados fora da memória, as varandas dos hotéis, os instantes fugidios de prazer e de sexo e de clandestinidade. Ele é verdadeiramente um espião que vai e regressa para fazer um relatório acerca de um mundo suspeitado, amável, desejado. Nunca mais será o mesmo, ainda que se comporte da mesma maneira, ainda que não possa mudar – realmente – de personalidade. Mas mudou. Lá por dentro, onde as coisas importantes acontecem, ele mudou mesmo. Aprendeu a ser espião.

in Revista Volta ao Mundo - Fevereiro 2008

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Blog # 279

James Joyce nasceu há 127 anos. Cumprem-se hoje. O seu 'Ulysses' faz parte do conjunto de monumentos da nossa cultura, seja ou não de difícil leitura – é a narração de uma aventura pelas ruas de Dublin, mas a cidade é um território simbólico, peregrinando sem cessar das oito da manhã às duas da madrugada. O livro anuncia uma espécie de desordem na literatura e na vida, como trezentos anos antes o fazia o 'Tristram Shandy', de Sterne, romance dos romances, livro fundamental. E como antes o fazia Cervantes com o seu Quixote. A nossa história é a história desses livros (como 'O Monte dos Vendavais', de Emily Brontë), mas não o sabemos. Livros assim completam a nossa ideia do mundo, inventam os nossos desamores e os nossos temores, a solidão e a perturbação de leitores distraídos.

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Os tempos que vivemos lembram-me um livro: 'Agosto', de Rubem Fonseca, um dos grandes recriadores da língua portuguesa (edição Campo das Letras). É um romance sobre a mentira, a política e a corrupção autêntica. Podem lê-lo e relê-lo.

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FRASES

"A legislação deve ser feita para o País em concreto, que é o nosso, e não para utopias." Cavaco Silva, ontem no CM.

"As violações do segredo de justiça fazem parte do espectáculo, são activos valiosos do negócio." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

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fevereiro 01, 2009

Blogosfera

Há amigos que têm blogs e às vezes desistem; e há blogs que continuam. Há outras pessoas que têm blogs e não são meus amigos. Há pessoas que conheço e outras que não conheço. De vez em quanto há a tentação de fazer um balanço sobre a blogosfera e o seu ressentimento, a sua inutilidade, a sua maldade -- tanto como sobre as coisas indispensáveis que ela trouxe. Evito. Há coisas que nos deixam irritados com os outros e coisas que nos deixam despertos para os outros; os blogs fazem, em todos nós, parte da irritação e da sensação de partilharmos ideias comuns ou incomuns. Já gostei mais de blogs e já os li mais, logo de manhã. Por vários motivos, continuo a lê-los e encontro neles grandes virtudes, a par de coisas dispensáveis (a verdade é que, antigamente, muitos idiotas andavam anónimos pelas ruas e, hoje, grande parte deles se encontram na blogosfera). O género humano é assim. E há quem escreva maravilhosamente, quem escreva superiormente; e quem devia escrever mais. E quem leio sempre com prazer; há blogs que nunca leio pelo simples motivo de que não concordo com uma única palavra do que possa estar lá escrito (porque uma coisa é não concordar e discutir, e outra, inteiramente diferente, é evitar encarar o ressentimento e a ignorância); há blogs com que raramente concordo mas que leio todos os dias; e há blogs que fazem parte do meu roteiro de leituras diárias. Gostava de fazer uma lista, mas tenho medo de esquecer este e aquele; e se é uma injustiça para esses blogs, também o seria para mim. De modo que já várias vezes pensei em acabar com o blog, «acabo com esta merda do blog», mas a idade vai aconselhando cuidado com «estados de alma» e alguma persistência. Nem sempre escrevo o que quero; nem sempre escrevo quando quero; e nem sempre quero escrever no blog. Debater sobre a blogosfera é capaz de ser uma coisa muito fragmentária se não se tem uma agenda, um plano & objectivos para o quinquénio. De modo que vou escrevendo; quando posso, quando tenho tempo, quando -- mesmo não tendo tempo -- invento tempo para não perder o blog. Já tive mais tempo disponível. Tenho menos. Tenho menos tempo e mais idade. Quando comecei um blog, o Aviz, eu tinha mais tempo e menos idade e escrevia a todas as horas possíveis, de madrugada, de manhã cedo, pela tarde dentro. Depois, o Aviz acabou e Aviz também, pelo menos para mim. O Origem das Espécies era uma homenagem a coisas dispersas: ao título de um livro, ao seu autor, às suas viagens, às suas descobertas, ao espírito do tempo, a um tom, a uma dúvida, a uma perturbação sobre a origem das coisas. Mas o Origem das Espécies não é um blog íntimo, pessoal, autobiográfico; não é o meu GPS senão em relação ao mapa onde circulam a política, as leituras, as imagens, as irritações, tudo isso. É uma coisa inútil só porque quero que seja inútil, dependendo apenas da minha disponibilidade, do «hoje sim, amanhã talvez». Estamos hoje muito vigiados; somos vigiados por leitores, vizinhos, colegas de trabalho, pessoas que nos amam ou nos detestam, gente irrelevante, gente a que damos importância, gente que não tem importância. A net é barata, acessível e livre. Dá para tudo, para o melhor e para o pior, para a maledicência e para a aldrabice, para as cartas de amor (ridículas, evidentemente) e para a banalização de tudo. É aí que estamos todos. Perdeu-se muita inocência na internet. Às vezes, ainda bem; de outras vezes, infelizmente. Provavelmente hoje devia ter escrito sobre Obama, ou sobre o descaramento de o dr. Rendeiro ter perorado sobre economia & finanças apesar do pântano do BPP, ou devia ter comentado uma frase muito boa do Maradona e que se devia repetir de vez em quando («pessoas de má índole vieram aqui desmentir-me, utilizando para tal, à falta de melhor, argumentos»), mas não tenho agenda nem isto é a delegação de um jornal diário. Chegados a este ponto, o leitor prepara-se para o anúncio de que o blog vai terminar, mas desengane-se. O Origem vai para férias daqui alguns dias; depois, na próxima semana, regressará à vida com um novo desenho. E é assim; para acrescentar alguma falta de sentido a tudo isto.

in A Origem das Espécies - 20 Janeiro 2009

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