abril 30, 2009

Blog # 342

Abre hoje a Feira do Livro de Lisboa. Parece que há cerca de ‘1500 actividades culturais’ programadas, entre debates, apresentações, espectáculos e outros desvarios de utilidade geralmente duvidosa. Porque o essencial é mesmo a feira: subir e descer o Parque Eduardo VII, encontrar livros que se compram por puro prazer, vasculhar, economizar algum, falar com autores (se eles vêm), perder-se. Em feiras de rua, como esta, não vale a pena inventar muito que nos distraia dessa aventura que é a de encontrar um livro ou, em simultâneo, perdermo-nos por um livro. Respirar entre as árvores faz bem às coronárias e favorece as conversas entre as prateleiras e os ruídos da Primavera. Isso é a feira: pessoas rodeadas de livros, velhos e novos, antigos e modernos, sob o céu de Lisboa.

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Aos poucos, a China toma conta de África e dos seus investimentos – tudo em ‘O Safari Chinês. Pequim à Conquista do Continente Negro’, de Serge Michel e Michel Beuret (Livros d’Hoje): o retrato de uma conquista e do desleixo europeu.

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FRASES

"Não tenho receio da gripe, quero divertir-me e conhecer o México." João Cabral, algarvio, 49 anos, ontem, no CM.

"Jornalistas faltam ao respeito, noticiam o que lhes apetece, perguntam o que lhes dá na gana...". Lutz Brückelmann, no blogue Quase em Português.

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abril 29, 2009

Blog # 341

Uma rede de supermercados decidiu que não venderá nas suas estantes o livro ‘A Casa dos Budas Ditosos’, de João Ubaldo Ribeiro (Prémio Camões do ano passado), explicitamente dedicado à luxúria. Há uns anos, quando o livro teve a sua primeira edição, a cena foi a mesma e eu próprio protestei. É uma pena que os supermercados não o queiram nas suas estantes – obrigando os curiosos a ir a uma livraria, portanto – mas trata-se da liberdade de comércio. Há muitos mais livros que os supermercados recusam vender, de Bruce Chatwin a Thomas Mann, de Luiz Pacheco a Tomás de Aquino. Não lhes convém comercialmente. Desta vez não lhes convém, digamos, ‘moralmente’. É um juízo arriscado mas legítimo. Não é todos os dias que uma empresa está disposta a perder dinheiro por motivos ‘morais’.

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Sai ainda esta semana: ‘O Céu Não Pode Esperar’, de António Brito (Sextante), um romance absolutamente insólito: um militar português cruza-se, no norte de Moçambique, com um mistério que assombra a nossa história desde o século XVI.

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FRASES

"Este filme não é para a Dra. Manuela. Tirem-na deste filme." Bernardo Pires de Lima, no blogue União de Facto.

"Manter a calma, porque, mesmo com a gripe asiática, a Humanidade não ficou comprometida." António Vaz Carneiro, professor de Medicina, ontem, no CM.

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abril 28, 2009

Blog # 340

Em poucas palavras, a ‘The New Yorker’ traça um retrato – de largo, para caber mais coisa – de António Lobo Antunes. E, comparando-o com José Saramago, chama-o "obsessivamente local", português (e ocupado com Portugal), em contraste com o autor de ‘Memorial do Convento’, que escolhe lugares imaginários e não identificados. Saramago está preocupado com ‘o universal’, é mais ‘parabólico’, piscando o olho à humanidade inteira; Lobo Antunes, diz o articulista, segue a lição de ‘Dedalus’, o personagem de ‘Ulysses’, de James Joyce. Trata-se de um elogio. Obsessivamente locais foram Flaubert e Dickens, Tolstoi e Roth – ou até o aborrecido Faulkner. Provavelmente não havia nada tão local como o ‘Quixote’, quando Cervantes escrevia. E faz bem às pessoas lerem coisas sobre Portugal.

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João Luís Barreto Guimarães é um dos nossos grandes poetas – o novo livro, ‘A Parte pelo Todo’ (Quasi): "Um dia/depois de tombar plantámo-lo/num metro de terra talhado à terra dura/da terra onde nasceu. Ainda não cresceu nada."

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FRASES

"Pessoas com pouca preparação e alguns deles com interesses até um pouco suspeitos." Mário Soares, falando sobre os políticos actuais, ontem, no CM On-line.

"Rui Rio, o poeta do rigor, anda numa fona a desmarcar-se de Manuela Ferreira Leite (....)". José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.

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abril 27, 2009

Blog # 339

Salazar nasceu há 120 anos; assinalam-se amanhã. Sem ele não se pode falar de salazarismo (é a obra mais duradoura do homem que dominou grande parte do nosso século XX); ambos morreram definitivamente porque correspondem a um tempo português que se pode recordar e estudar, não reviver. Portugal mudou radicalmente e é um país irreconhecível por uma ideologia cujos escombros já se desfizeram. Há uns tiques, uns sopros, uns saudosistas – mas, fundamentalmente, o salazarismo é um objecto de museu (em Sta. Comba Dão ou em qualquer outro lugar), destinado a ser visto e estudado como uma parte do que fomos. Não vale a pena soltar os seus demónios nem acrescentar-lhe actualidade. Faz parte de um retrato em que já não nos reconhecemos. É uma velharia para análise de laboratório.

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É um pequeno prodígio de imaginação e de humor: ‘A Breve e Assombrosa Vida de Oscar Wao’ (Porto Editora), do dominicano Oscar Wao, obteve o Pulitzer do ano passado – mas não se atermorizem com o prémio: o livro é uma boa surpresa.

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FRASES

"Quotas para mulheres nas listas pode dar a falsa ideia que os homens estão lá por mérito." Gabriel Silva, no blogue Blasfémias.

"Os santos não rendem grande dinheiro e, na maioria dos casos, não justificam o investimento." Benedito Feliz, vendedor de artigos religiosos, ontem no CM.

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abril 24, 2009

Blog # 338

Poucos se deram conta de que o Dia Mundial do Livro e dos direitos de autor, comemorado ontem, coincide uma efeméride marcante: a morte, nesse mesmo dia (em 1616), de dois autores fundamentais para a nossa cultura: William Shakespeare e Miguel de Cervantes. As suas obras enquadram e desenham o espírito da grande literatura do Ocidente. Entre ‘Hamlet’ e ‘Dom Quixote’ vai um longo caminho, mas o que está em causa é o destino do homem, vivendo entre a tragédia e a comédia, fazendo-nos rir ou chorar, duvidando do amor ou interrogando o poder. Ninguém explica tão bem a natureza da literatura como Shakespeare e Cervantes. Precisamos, cada vez mais, de conversar com Sancho Pança ou Falstaff, dois heróis de comédia. Não para rir; apenas para entender como chegámos até ao que somos.

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O livro é “À Procura da Escala. Cinco Exercícios Disciplinados sobre Cultura Contemporânea” – António Pinto Ribeiro (ex-Culturgest, nomeadamente) deve ser sempre lido. Nas livrarias na próxima semana, para contrariar o silêncio.

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FRASES

"Queremos que seja uma festa contra a crise, que seja um sinal de esperança." Padre Francisco Rodrigues, sobre a canonização de Nuno Álvares Pereira, ontem, no CM.

"Sua Excelência patenteou que já não sabe o que quer, de onde vem e para onde vai." J. Adelino Maltez, no blogue Sobre o Tempo que Passa.

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abril 23, 2009

Blog # 337

Na sua entrevista à RTP, o primeiro-ministro declarou-se perseguido pelos jornais e pela oposição. Para dar um exemplo certamente elevado e culto, citou “livros da literatura da América Latina onde se viam organizar processos contra políticos”. Procurei nas estantes, mas tirando um título de Rubem Fonseca em que Getúlio Vargas é assassinado e dois ou três maus livros sobre o Chile ou o Uruguai, não encontrei outras referências. Nessa América Latina a que Sócrates se refere, geralmente os políticos organizavam processos contra os jornalistas e os escritores, mas temo que não queira seguir-lhes as pisadas, se bem que seja íntimo de Hugo Chávez (que fecha as televisões que não lhe agradam). A literatura é fatal para os políticos, como se vê. Sobretudo quando não é lida.

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Livro admirável: ‘Quando o Nosso Mundo se Tornou Cristão’, de Paul Veyne (Texto&Grafia) – um dos autores essenciais para o estudo da Idade Média. E desta questão: Como começou a Europa a aceitar e a impor a si própria o Cristianismo?

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FRASES

"Líbia presidente dos direitos humanos da ONU é como Cicciolina em aulas de castidade a freiras." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"O Presidente é sempre mais forte quanto maior a fraqueza dos governos." Domingos Amaral, ontem, no CM.

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abril 22, 2009

Blog # 336

Esta é a ilusão do ‘crescimento infinito’: se se venderam 100 mil carros, no próximo ano hão-de vender-se 120 mil, como se fôssemos obrigados a ser idiotas. A doutrina do ‘crescimento infinito’ é mais selvagem do que o próprio capitalismo selvagem. Agora, as autoridades entraram em pânico porque se cobraram menos impostos – também o governo vive na ilusão do ‘crescimento infinito’ da cobrança fiscal e conta com o nosso dinheiro para o que lhe convém. Parece que lucraram menos com os nossos impostos. Tenham em atenção que em matéria de sigilo fiscal e bancário, que muito os preocupa, só as contas dos cidadãos individuais podem ser devassadas; as corporações estão a salvo por mandato judicial. A santa aliança entre o Estado e o capitalismo caseiro só nos devia preocupar.

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Na próxima sexta-feira (18h00, El Corte Inglés de Lisboa), véspera do 25 de Abril, é lançado o livro de João Céu e Silva, ‘Uma Longa Viagem com José Saramago’ (Porto Editora). Inesperado: Ricardo Araújo Pereira apresenta o livro.

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FRASES

"Reprimir é uma consequência inevitável." Paulo Flor, porta-voz da PSP, sobre o aumento das multas de trânsito, ontem, no CM.

"Não é preciso estudar direito para saber que escrituras públicas são públicas." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

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abril 21, 2009

Blog # 335

James Graham Ballard foi um dos filhos do império britânico – nasceu em Xangai, uma cidade que há 78 anos era cenário de romances, aventuras, espionagem e negócios (como os do seu pai, que emigrara de Manchester). Viveu três anos como prisioneiro do exército japonês e passou essa experiência para a literatura (e Spielberg levou-a para o cinema). Não ficou amargurado por isso. Seguiu em frente. Escreveu. J.G. Ballard deixa atrás de si um rasto admirável de livros polémicos e de temas que foram chocantes no seu tempo. O seu mundo estava cheio de fantasmas e transportava-nos para uma realidade que só existia nos seus livros. A beleza passa por ‘The Kindness of Women’ (‘A Bondade das Mulheres’), mais autobiográfico do que ‘O Império do Sol’. A bondade de J.G. Ballard permanece.

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Leia, leia, leia: chama-se ‘Dona Stella e as Suas Rivais’ (Quid Novi) e é um romance que deixei passar. A autora, Isabel d’Ávila Winter vive na Austrália (Brisbane) e escreve em inglês. É um romance tão bem escrito que magoa.

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FRASES

"Sampaio disse que não participava em acções de campanha. Disse-o numa acção de campanha." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

"Tenho de pensar no que é melhor para mim, a minha família e o futuro da Rubina." Pai da criança que ganhou o Óscar, ao colocá-la em leilão por 227 mil euros, ontem, no CM.

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abril 20, 2009

Blog # 334

Durante três dias, cerca de trinta escritores do mundo inteiro (dos EUA ao Chile e da Argentina à França, passando pelo Brasil, Peru e México) estão em Matosinhos para falarem de ‘Literatura em Viagem’, um encontro anual já com várias edições. Luis Sepúlveda conta histórias maravilhosas de voos pela Amazónia. Paul Theroux – que veio de Honolulu – lembra as suas viagens de comboio pelos quatro continentes. Ontem, esteve três longas horas à conversa com Luandino Vieira – desenharam o mapa de Angola em várias folhas de papel e trocaram informações sobre vidas perdidas nas estradas de África. Theroux vai escrever um livro sobre Angola e aquelas folhas são preciosas. Num mundo sitiado, eles lembram o sentido da viagem – a única coisa, além do amor, que prolonga as nossas vidas.

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Hoje, às seis da tarde (na Almedina do Atrium Saldanha, em Lisboa), Carlos Amaral Dias apresenta o seu novo livro, ‘Carne e Lugar’ (Almedina) – psicanálise, sim; mas sobretudo reflexões sobre a nossa cultura e o nosso esquecimento.

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FRASES

“Os delírios do pensamento politicamente correcto, quando começam, nunca mais acabam. João Pereira Coutinho, ontem, no CM.

“Somos um povo de brandos costumes; a obsessão doentia não compensa. Antes pelo contrário.
Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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abril 17, 2009

Blog # 333

Lembram-se de quando nos diziam que os cidadãos não tinham legitimidade para referendar os tratados, porque estes eram ‘muito complexos’? Agora, o primeiro-ministro acha que as eleições europeias devem servir para “falar da Europa” e não daquilo que os cidadãos ou os políticos entendem. Está enganado: falar da Europa não é falar da Europa. O que é, para os europeus, a Europa? Será tudo, menos a geringonça palavrosa de Bruxelas e dos seus burocratas e especialistas – tudo gente necessária ao debate mas dispensável para a conservação da espécie. O que conta para cada europeu é o seu território, a sua casa, a escola dos seus filhos, a sua memória, os jardins da sua cidade, a facilidade ou a dificuldade de viver. Isso é a Europa. Dizer o que se pode ou não falar não é europeu.

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Para fanáticos de Peter Carey, o autor de ‘Oscar e Lucinda’, sai em Maio o novo romance ‘Roubo, Uma História de Amor’ (Dom Quixote), viagem com cenários deliciosos divididos entre a Austrália, o Japão e Nova Iorque. Aguardem.

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FRASES

"Estado gasta menos se apoiar empresas do que se deixar os trabalhadores no desemprego." Luís Garra, União de Sindicatos de Castelo Branco, ontem, no CM.

"Falar da contracção do PIB tem um suplemento sexy. A economia tem sensualidades escondidas." No blogue A Natureza do Mal, de Luís Januário.

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abril 16, 2009

Blog # 332

Vital Moreira, que é um homem cordato, deixou-se levar inconscientemente pelo seu papel de professor da ‘vetusta Coimbra’, atribuindo à “excitação juvenil” uma afirmação do seu principal adversário político nas próximas eleições europeias, Paulo Rangel. Trazer a acusação de “excitação juvenil” para o palco da política é uma opção tão malévola (e, digamos, fraquinha) como atribuir a Vital o título de ‘vetusto professor’, ou justificar as suas posições pró-governamentais com uma “quietude anciã”, um problema de idade. Seria deselegante em termos de vida em sociedade – e, em política, desonesto. Longe de mim. Ou será que, sem querer, Vital Moreira chamou a atenção para um problema da política portuguesa: a falta, evidente, de excitação – juvenil ou não? Se foi isso, foi bom.

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Já está nas livrarias a biografia de Paulo Coelho, ‘O Mago’, de Fernando Morais (Planeta): revelações espantosas – algumas, vergonhosas, de fazer corar. Na política, no dinheiro, na literatura, na vaidade. É uma grande biografia.

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FRASES

"Não me lembro de mais nada, não me lembro de os matar." Arnaldo Ferreira, 55 anos, acusado de matar os dois irmãos, ontem, no CM.

"A única coisa que me ocorreu antes da fronteira, foi abastecer com gasolina espanhola." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

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abril 15, 2009

Blog # 331

Dizem-me que, dentro de um ano, haverá dois computadores por cada aluno da escola pública e um quadro digital interactivo por cada duas salas de aula. Os números, como confio na minha fonte, são de fiar. Tamanho luxo deixa-me surpreendido mas não agastado; apenas ligeiramente preocupado. Ao contrário do que quer fazer crer a equipa pedagógica que anda no poder há dois ou três anos, ‘mais tecnologia’ não significa, por si só, ‘melhores resultados’. Leiam-se estudos recentes sobre o assunto para perceber que não é apenas com nova linguagem que se combatem novos problemas. Desenhar uma sociedade sem infoexluídos, mas com poucos hábitos de trabalho, é andar para trás. Uma viagem pela Ásia e pelo Leste mostra que não basta ter computadores aos molhos. É preciso trabalho.

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O título é ‘A Caipirinha de Aron. Crónicas de um Liberal Triste’ (Bertrand). Trata-se da recolha das crónicas de Henrique Raposo – e da difícil tarefa de explicar por que razão os portugueses têm medo da liberdade. Indispensável.

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FRASES

"O período de dispensa temporária na Quimonda termina logo a seguir às eleições. E a seguir?" Tavares Moreira, no blogue Quarta República.

"Nunca disse que admirava Cristiano Ronaldo. É um bom jogador, mas isso não significa nada." Lucho González, ontem, no CM.

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abril 14, 2009

Blog # 330

George Friedrich Häendel morreu há 250 anos. Cumprem-se exactamente hoje, dia em que as crianças regressam à escola depois de duas semanas de férias e de um domingo de Páscoa – data em que era costume ouvir-se uma das suas peças maiores, a oratória ‘Messias’. Hoje, nas escolas, não se sabe quem era Häendel e suponho que os nomes de Bach, ou Mozart, ou Haydn, dizem pouco nas salas de aula. Sinto-me cada vez mais desiludido com o esquecimento destas coisas, culpa minha de não saber acompanhar ‘o ar do tempo’. Sou dos que pensa que o ensino da música devia ser universal e obrigatório – seria uma forma de ‘democratizar’ a arte em vez de escondê-la para eleitos. Infelizmente, em democracia, se a maioria defende o mau gosto, é ele que ganha. Tenho pena, mas Händel não é popular.

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Comecei por duvidar. A Princesa de Kent (vive no palácio de Kensignton, sim) é a autora de ‘A Serpente e a Lua’ (Civilização). O tema? O mais indicado para uma princesa: o triângulo entre Henrique II e duas damas das quais descende.

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FRASES

"Não é permitido o uso de qualquer tipo de maquilhagem." Uma das normas para os militares do sexo masculino, ontem, no CM.

"Se soubessem o que eu estava para escrever, agradeciam-me o prolongado silêncio." Samuel Úria, no blogue Ainda Não Está Escuro.

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abril 13, 2009

Blog # 329

Eu gostaria de ter conhecido María del Socorro Tellado López mas não saberia por onde começar a conversa – se pelos 400 milhões de livros vendidos, se pelo argumento de ‘Aposta Atrevida’, se pelo desprezo que lhe votavam. Corín Tellado morreu anteontem, mas os seus leitores tinham morrido antes. Ela não fazia apenas parte de um mundo de histórias, enredos românticos, casamentos destroçados e sonhos de subúrbio (com erotismo e ascensão social) – ela era esse mundo. Corín Tellado era uma marota. Trouxe para as suas novelas os sonhos de gente irrisória que, de outro modo, não reconheceria as suas próprias histórias. Nunca bebeu o champanhe das famosas escritoras ‘light’ e a censura franquista proibiu-lhe livros e cortou-lhe muitos capítulos. Vai hoje a enterrar, nas Astúrias.

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O título, ‘Transparência. Como os Líderes podem criar uma Cultura de Sinceridade’, pode ser excessivo, mas o livro de Warren Bennis, Daniel Goleman e James O’Toole (Gradiva) ajuda nestes dias ao debate sobre a condição do poder.

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FRASES

"Ao Fisco não interessa como gastam o dinheiro, mas sim como ganharam esse dinheiro." Vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, ontem no CM.

"A hegemonia do Natal sobre a Páscoa é reveladora: vivemos em sociedades que não toleram a dor." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

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abril 10, 2009

Blog # 328

Atravessar o deserto: a imagem bíblica repete-se anos após ano. A Páscoa original, ou Passagem (‘Pessach’, do hebraico), queria dizer também ‘paragem’ e ‘travessia’. Os mistérios das religiões passam pela vida quotidiana e arrastam consigo a memória de histórias que hoje já só fazem parte de uma memória proscrita e envergonhada. O Ocidente tornou-se laico, primeiro – mas ateu depois. Agora, tem medo; teme a religião e os seus símbolos. No século passado, a filosofia decretava a morte do homem – hoje, a política transforma o homem e os seus prazeres em ídolos absolutos, tal como os fracos de espírito adoraram o bezerro de ouro do Êxodo. O mistério da religião permanece, inquietante (vive-se quase em clandestinidade) e lembra-nos que somos peregrinos. Estamos de passagem.

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A obra de Pessoa a chegar às pequenas frases em ‘Citações e Pensamentos de Fernando Pessoa’, de Paulo Neves da Silva (edição Casa das Letras): além de um A a Z, uma antologia de poesia e prosa. Falta apenas Pessoa em versão SMS...

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FRASES

"Hoje os meninos e meninas das redacções têm uma agenda: fazem esperas." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

"Não aceito que se condene alguém antes de se provar que cometeu um crime." José Sócrates, ontem, no CM.

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abril 09, 2009

Blog # 327

A escolha das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo não vai ter a atenção que foi dispensada às duas iniciativas que a antecederam. Convinha que tivesse alguma. Durante dois ou três séculos Portugal espalhou um pouco de si pelo mundo fora. Há sempre quem ache indigno recordar a expansão colonial e as suas marcas; eu sou dos que gostam de lembrar essa presença. Um templo numa colina da Ásia, um forte nos limites da Amazónia ou na costa da Guiné, um casarão na Colónia de Sacramento, diante de Buenos Aires, um bairro marroquino, deviam ensinar-nos alguma coisa sobre o nosso passado e a pequenez a que não devemos sujeitar-nos. Não se trata de elogiar o “passado glorioso” – mas de lembrar quem fomos. E que, muitas vezes, somos melhores lá fora do que dentro de fronteiras.

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Harry Hole é um personagem que não se esquece tão cedo, depois de ler ‘O Pássaro de Peito Vermelho’, de Jo Nesbø (Livros d’Hoje): uma história policial que nos mostra um pouco do que é viver no “paraíso nórdico” – e no seu passado.

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FRASES

"É de esperar que o desenvolvimento da recessão faça aumentar o crédito malparado." Vítor Constâncio.

"Um dos remédios é a redução da carga fiscal sobre o cidadão. Aqui faz-se o contrário." J.M. Ferreira de Almeida, no blogue Quarta República.

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abril 08, 2009

Blog # 326

José Murilo de Carvalho, o autor vencedor da primeira edição do Prémio Leya, acha que “a Língua pode unir-nos muito mais do que a Literatura”. Uma afirmação como esta faz o delírio dos distraídos e dos legisladores da cultura. Mas é grave, por muito que a figura de Murilo seja simpática (e é). Primeiro: se não for a Literatura a fixar a Língua, esta morre, como nos ensinam a história e a filologia; depois, porque um escritor devia saber que a Língua, sem realização literária, é apenas um bom resíduo para acrescentar o lixo dos burocratas – é apenas um alfabeto sem vida. O que faz a grandeza do Português é ter sido a língua de Euclydes da Cunha, de Eça, de Machado de Assis, de Camilo, de Drummond ou de Vergílio Ferreira – não por ser usada por um director das Alfândegas...

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É o regresso em grande de Artur Portela, num romance delirante e cheio de coisas estapafúrdias: ‘A Guerra da Meseta’ (D. Quixote). Já vou no capítulo 22 e ri bastante: imaginemos um país da treta – esse em que está a pensar, leitor.

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FRASES

"Como é possível que eu ainda não tenha apanhado com um processo? É só amiguismos, é o que é." Sofia Rocha, no blogue Geração de 60.

"Não temos o direito de deixar aos nossos filhos um passivo que tenham dificuldade em suportar." Cavaco Silva, ontem, no CM.

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abril 07, 2009

Blog # 325

Temos pouca cultura liberal entre nós. Liberal à moda antiga. Liberal, de liberdades, de autonomia, de independência e de individualismo. Queremos que a nossa opinião seja logo adoptada como ‘a opinião’; ou que a opinião dominante seja tão dominante que nem se dê ao trabalho de ir a debate. Temos medo de ficar do lado da opinião minoritária, do outro lado do poder – de onde vêm benefícios e vantagens. Tememos quem manda. O único horizonte de salvação é o Estado – para funcionários, para necessitados, mas também para empresários, que suplicam favores e facilidades. Por isso, o Estado tem sempre razão. Temos medo da palavra ‘indivíduo’ – a maioria acha que ‘o indivíduo’ (um luxo suspeito) não vale nada e que deve sujeitar-se ao colectivo. A nossa desgraça é precisamente essa.

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‘A verdade é que fui um mau aluno’, confessa Daniel Pennac, autor de ‘Mágoas da Escola’ (Porto Editora) – uma reflexão semi-autobiográfica desenhada a partir da experiência do mau aluno. Para professores, pais e educadores – com humor.

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FRASES

"Se acabarmos onde estamos agora, ainda assim, fazemos melhor do que na época passada." Quique Flores, ontem, no CM.

"Férias da Páscoa: expressão utilizada por gente instalada em hotéis." Isabel Goulão, no blogue Miss Pearls.

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abril 06, 2009

Blog # 324

Uma das regras da democracia consiste em que ‘quem vai à guerra dá e leva’. José Sócrates pode ter de si a melhor das opiniões e considerar que são injustas muitas das críticas que lhe fazem – e até pensar que muitas delas relevam de má-fé. Mas, mesmo sendo injustas (se for o caso), essas opiniões não são criminalizáveis. Os grandes estadistas passam sobre essas coisas com superioridade. Sabem que o poder tem um preço. Que têm de resistir à vontade de usar todo o poder de que dispõem, legal ou ilegalmente – precisamente porque devem reservar espaço para o contra-ataque, ou então não há jogo, outra das essências da democracia: a tolerância. Há muitos romances sobre o assunto, e nem todos são de espionagem. A maior parte fala da solidão do poder ou de como se perde a razão.

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Excelente história, a de ‘Montespan’, de Jean Tulé (Guerra & Paz), um regresso ao século XVII francês: ao contrário dos seus pares, o marquês de Montespan não acha graça à escolha da sua mulher para amante de Luís XIV. Muito bom.

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FRASES

"Nem sempre se deve confiar num grande advogado que acha que se deve processar um articulista." J. Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

"Talvez a natureza humana e a sua felicidade sejam sempre trágicas." Joana Amaral Dias, ontem, na CM/Domingo.

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abril 03, 2009

Blog # 323

Quinze anos depois da morte de Agostinho da Silva, o velho filósofo e professor deve ser lembrado. O tempo deu-lhe razão – não porque tivesse defendido um sistema, uma teoria, um regime, um princípio geral do funcionamento da economia ou da sociedade. Mas porque fazem sentido, hoje, as inquietações que semeou em vida. Num mundo cada vez mais vigiado, cheio de pequenos mandarins e dominado por gente inculta e ignorante (são duas coisas diferentes), incapaz de ver mais longe do que o seu nariz, as observações de Agostinho da Silva deviam ser recordadas. Ele sabia. Ele sabia que, um dia, pelo caminho que as coisas levavam, um dia nos faltaria ‘modo de vida’, capacidade de inventar e de imaginar. Portugal está doente também por isso. Por estar entregue a gente sem ideia de vida.

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Com prefácio de Nicholas Shakespeare e usando a velha tradução de Maria Ondina Braga, a Casa das Letras reeditou um dos livros mais fascinantes da literatura inglesa, ‘O Cônsul Honorário’, de Graham Greene. Não se pode perder.

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FRASES

"Tenho sempre de arranjar um bocadinho de tempo para oportunidades como esta." Catarina Furtado, que no filme ‘Monstros vs. Aliens’ interpreta um papel de monstro, ontem, no CM.

"Os trópicos continuam a produzir mais fêmeas do que machos. A natureza tem sempre razão." Manuel Jorge Marmelo, no blogue Teatro Anatómico.

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abril 02, 2009

Blog # 322

A doença do crescimento tomou conta da economia há muitos anos mas só agora se lhe reconhece o carácter de catástrofe. A imprensa espanhola fala de uma crise abominável no sector automóvel – parece que se venderam menos 450 mil carros do que no ano anterior e o alarme soou, gravíssimo. Os economistas (como astrólogos de segunda categoria) choram. Recomendo ao leitor que imagine um milhão de carros novos vendidos todos os anos e veja se não é um exagero. A doutrina do crescimento infinito, grata aos economistas e políticos, é que nos levou à crise. Um livro lê-se as vezes que quisermos, e um filme pode voltar atrás. A economia, como a deixaram os anos noventa, precisa de mudar. O mundo precisa de viver de outra maneira. Com menos crescimento infinito. E com mais eternidade.

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Policial para as mini-férias da Páscoa: ‘A Paciente Misteriosa’, de P.D. James (Europa-América). O detective, Adam Dalgliesh, é poeta e solitário, um génio único na literatura do género. E P.D. James é um talento inesquecível.

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FRASES

"A vida portuguesa é um repositório das possibilidades tecnológicas na captação vídeo." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de um Desejo.

"Tento superar isto pensando nas coisas boas da vida." Luís Ribeiro, que ganhou com a então namorada 15 milhões no Euromilhões, ontem no CM.

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Histórias de aeroporto (1)

Eu tinha chegado à Guatemala e vira aquele céu coberto de nuvens tapando os vulcões – um véu de cinza e calor à mistura com o ruído dos aviões. A minha referência era o ruído dos aviões: a verdade é que não podia sair do aeroporto porque não tinha dinheiro, ou tinha pouco – e eram onze e meia da noite, o avião trouxera-me de Miami deslizando, primeiro, sobre sobre um mar de cartolina, alaranjado com a luz do crepúsculo, e depois sobre as florestas negras da Grande América. Naquelas circunstâncias, o melhor que há a fazer é vadiar por um aeroporto desinteressante e vazio onde os aviões chegavam a conta-gotas até às duas da manhã. Depois disso viria o silêncio, o fim dos gritinhos de boas-vindas junto do portão das chegadas, e até desapareceria o cheiro dos pastéis fritos – e eu teria essa dificuldade adicional, a de encontrar um lugar para dormir, se deixassem que eu dormisse no aeroporto.

Deixaram. Quando começaram a fechar as portas, às duas e meia, a polícia indicou-me uns bancos ao fundo do corredor das chegadas, onde dispus os dois sacos de viagem mais uma mochila – e me deitei para ler o El Periodico e o El Quetzalteco (dizia tão bem da sua cidade, Quetzaltenago, ou Xala, que jurei ir lá um dia) dois jornais que comprara para me acompanharem num jantar tardio e, valha a verdade, frugal e barato. Tinha quatro horas apenas para apanhar o voo seguinte e limitei-me a adormecer imaginando que não seria assaltado. Acordei com aquele cheiro: massa de milho frita, café, e até uma sopa de feijões, tudo o que um viajante decente precisa para acordar num aeroporto desconhecido.

Éramos oito no novo avião, um Cessna que atravessaria as cordilheiras até Puerto Barrios, uma pequena cidade que vigia a baía que partilha com o Belize, com os telhados coloridos de Punta Gorda, até me depositar em Belize City. Em Puerto Barrios saíram sete passageiros que se destinavam a San Pedro Sula, uma cidade maior onde se chegava de autocarro – eu, o único resistente (viajei depois sozinho para a antiga capital do Belize), e os dois tripulantes, abrigámo-nos sob a copa de umas árvores para escapar à luz do sol, que era branca, oferecendo cigarros uns aos outros (a uns metros da pista principal do pequeno aeroporto, note-se), conversando sobre o Real Madrid e aprendendo (eu) tudo sobre as cervejas da Guatemala.

Ao chegar a Belize City, o espectáculo era tão comovente como imaginara – casas de madeira que resistem aos ciclones e furacões, velhos garifuna (os imigrantes da Grande Jamaica, cerca de metade da população do país) passeando-se nas sombras do bairro do porto, e um aeroporto delicioso, com dois hangares isolados e desabrigados. Atravessando, solitário, a pista deserta do aeroporto (Graham Greene tinha razão quando dizia que não se passa no Belize – ninguém vai ao Belize a menos que se queira ir lá expressamente), um homem recebe-me e pergunta-se se eu sou «o embaixador». Digo-lhe que não e ele encolhe os ombros, desiludido, apontando-me o hangar mais distante. Sou o único passageiro que vem de Puerto Barrios e da Ciudad de Guatemala, e tenho direito às honras dos três funcionários que me carimbam o passaporte, me abrem os sacos e me perguntam que venhon eu fazer sozinho ao Belize. A falar verdade, não sei. Havia uma reportagem que eu queria fazer sobre os lugares onde ninguém vai, lugares que ficam afastados das rotas do glamour ou do turismo de multidões; mas não posso dizer-lhes isso. Explicar que tinha curiosidade em ver como era o café em que River Phoenix passava o tempo (o Lili Rose Cafe & Patio), longe do cinema e bebendo rum. Nenhuma das explicações era convincente. «Vim perdido», disse eu. «Ah, isso já se compreende», disse um dos funcionários, entregando-me o passaporte.

in Outro hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Abril 2009

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abril 01, 2009

Blog # 321

Portugal parece uma panela de pressão. O novo presidente do sindicato dos magistrados fala de pressões, que julgo inqualificáveis. São tais e tamanhas pressões que pediu para ir queixar-se ao Presidente da República, que já se sabe como é caladinho. O ministro Santos Silva, menos caladinho, diz que quer saber (e todos nós) quem faz essas pressões. O Procurador-Geral nega a existência de pressões e diz que não permitirá um clima de suspeição. Ora, como não sabemos que pressões existem a pender, ameaçadoras e graves, sobre a cabeça dos magistrados que investigam o ‘caso Freeport’, limitamo-nos a viver na suspeita de que há árbitros a negociar em Canal Caveira e de que é capaz de ter existido vida em Marte. A isto estamos reduzidos, a ouvir pessoas que não falam como gente.

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O novo livro de Douglas Coupland, ‘jPod’ (Teorema) é meio estapafúrdio graficamente – mas a história é fatal: os dias loucos de personagens absurdos num ‘escritório tecnológico’, tudo isso antes da ‘bolha financeira’ e da ‘crise’...

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FRASES

"Há muitos assaltos em Albufeira." Ana Santinho, advogada de um implicado no caso Freeport, cujo escritório foi assaltado, ontem, no CM.

"O facto é que não os preparámos [aos nossos filhos] para a desgraça." Suzana Toscano, no blogue Quarta República.

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