janeiro 30, 2010

Conveniências e interesses

1. Tal como no desajustado mundo da política, o do futebol tem os seus rabos de palha, as suas conveniências, dislates, coincidências, interesses comerciais e palermices — tudo junto também é possível arranjar-se. Num mundo ideal, estas coisas diluíam-se dentro das quatro linhas, a jogar à bola, com laterais rápidos, centrais portentosos e pontas-de-lança, digamos, com sentido de oportunidade. Ai de nós; o futebol só a espaços se joga nos relvados. Não porque haja falta deles (somos, provavelmente, um dos países com mais concentração de estádios de futebol da União Europeia), mas porque conveniências, dislates, coincidências e interesses comerciais se unem em conciliábulo para promover patetas e canalhas a «uma espécie de gente». Esta «espécie de gente» tomou conta do futebol por causa do poder que ele transporta para todo o lado. Um dia, havemos de festejar os jogos das distritais — e mesmo esses, olha lá.
Tudo se havia de harmonizar se houvesse justiça desportiva a sério e não um arremedo de «tribo disciplinar» muito entretida a negociar favores, promovendo conveniências, dislates, coincidências, interesses comerciais e palermices. Não, não me assusta o clima de guerra aberta instalado na bola. É normal e faz parte do cenário. O país não merece mais — e não me consta que haja países subdesenvolvidos em que a tentativa de transformar o futebol em merda não resulta. Resulta sempre. Bom proveito é o que lhes desejo. Lá se arranjem.

2. A bola, finalmente. A bola, bola: o meu FC Porto desenvencilhou-se contra um Estoril aguerrido e decente. Não sei se se desenvencilhará na próximas partidas, enquanto a equipa não apresentar armas à chamada. Ilibo Jesualdo, à partida – e não peciso de citar Freud nem Clausevitz ou Maquiavel. Há momentos em que a guerra é a guerra e só essa me interessa. Jogo, jogo puro, golos, laterais rápidos, avançados oportunos e centrais portentosos. Quem gosta de futebol, gosta desse jogo. Estou à espera, de cachecol na mão.

in A Bola - 30 Janeiro 2010

Etiquetas:

janeiro 29, 2010

Blog # 534

J.D. Salinger já tinha morrido há muito pela simples razão de que se recusava a aparecer em público. Afastado das luzes, o autor de ‘À Espera no Centeio’ foi mais importante para a transformação dos costumes, da cultura e da vida de milhões de pessoas, do que muitas pantomineirices das "causas fraturantes" desta época de espetáculo. Quem leu ‘À Espera no Centeio’ compreendeu melhor as mudanças na sociedade do que folheando ideias feitas. Vem tudo lá: a solidão das famílias, a febre dos inadaptados e uma linguagem que foi absolutamente revolucionária. Salinger, ao contrário dos políticos, sabia que as revoluções não se fazem com revolucionários mas com revoltados. É esse o segredo dos autores que mudaram a vida de milhões de leitores.

***

Atenção Porto: na Fundação Cupertino de Miranda ainda há tempo para os últimos dias da Festa do Livro. Preços baixíssimos, até 1€ – com bons títulos, bons livros, bons autores. Oportunidade para não desprezar em tempos de crise.

***

FRASES

"Belmiro é um rei, com sotaque, que esconde outro na barriga e que dá trabalho a muita gente." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

"Há sinais evidentes de que a Justiça está politizada." Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 28, 2010

Blog # 533

Comemoram-se amanhã os 150 anos do nascimento de Anton Tchekhov. É uma das figuras mais enigmáticas da grande literatura russa, que praticamente desconhecemos – e o autor atento às pequenas coisas, o que fez dele um contista exemplar e um dramaturgo minucioso. O que mais me apaixona na sua vida é a viagem incompreendida que inicia aos 30 anos e que o levou à ilha de Sacalina (o mais longínquo dos territórios do desterro russo) e a Vladivostoque, primeiro, e ao Sri Lanka depois. No regresso (por Odessa) – e só então – tornou-se um grande escritor, disponível para prestar atenção aos personagens que desenhou com pluma trágica e melancólica. Se Tolstoi é o gigante das epopeias ou dos dramas familiares, Tchekhov foi um criador miniaturista, impopular e no fio da navalha.

***

Em Fevereiro, a Dom Quixote publicará o novo livro de Patrícia Reis, ‘Antes de Ser Feliz’ — é o regresso de Patrícia depois de ‘Amor em Segunda Mão’ e do belíssimo ‘No Silêncio de Deus’. Um nome para estarmos atentos e aguardarmos.

***

FRASES

"Um dos grandes prazeres como atriz é viver momentos que não vivo na minha vida pessoal." Soraia Chaves, ontem, no CM.

"Nas televisões a noite de Óscares e o Orçamento do Estado vão para o ar no mesmo horário." Carlos Nunes Lopes, no blogue 31 da Armada.

Etiquetas:

janeiro 27, 2010

Blog # 532

Em ‘O Fiel Jardineiro’, John Le Carré elege a indústria farmacêutica como o demónio omnipresente, omnisciente e malévolo. O atual debate sobre a Gripe A (existiu, não existiu?) lembra um pouco essa demonologia – que a indústria farmacêutica é capaz das piores torpezas. Certamente, é capaz de muitas. Mas a OMS, um organismo da ONU, não pode ser poupada com ligeireza e amenidade. Primeiro, espalhou o terror e o alarmismo, falando de mortos aos milhões. Depois, insistiu – quando já tinha dados para duvidar. Os governos, empurrados pelas previsões, montaram centrais de propaganda anti-catástrofe e hoje devem sentir-se envergonhados. Como se vê, o medo é uma ciência dos tempos de hoje, intimidando-nos com um simples espirro. Na dúvida, lança-se o alarme. Nunca falha.

***

A Máquina de Fazer Espanhóis’ é o novo romance de Valter Hugo Mãe (Alfaguara), autor do maravilhoso ‘O Nosso Reino’. Ainda só li os capítulos 5 e 17, por motivos pessoais – e agora recomeço no capítulo 1, até ao fim. Façam isso.

***

FRASES

"O défice vai ficar igual. A direita, contra tudo o que tem dito do despesismo, cala e consente. Perde a face." J. Castro Caldas, no blogue Ladrões de Bicicletas.

"Foram considerações inadequadas para um primeiro-ministro." José Carlos Castro, acerca das declarações de Sócrates sobre a TVI. Ontem, no CM Online.

Etiquetas:

janeiro 26, 2010

Blog # 531

Os autores devem estar atentos à indústria que só existe por causa deles. Falo de escritores, na generalidade sitiados entre os 8, 10 ou 12 % de direitos de autor cobrados por cada exemplar vendido. Está longe de ser um pagamento confortável, se pensarmos que são eles que escrevem os livros. Com o advento do e-book (o livro em formato digital, que pode comprar-se pela internet e não tem de ser impresso), autores como Ian McEwan ou Martin Amis pedem o dobro ou mais do que recebiam até aqui, até aos 60% nos livros eletrónicos. Inteiramente justo. A indústria fala de autores como quem fala de embaladores de charcutaria, dispensáveis e substituíveis – apenas um elemento nas folhas de cálculo. Pois se a indústria quer e-books e lucros, tem de pagar. Vai começar o combate.

***

Quem viu ou leu ‘O Padrinho’ conhece o nome de Mario Puzo, o seu criador. Acaba de sair, em edição de Bolso (11/17, Bertrand) ‘O Último dos Padrinhos’, uma história como só Puzo é capaz de contar – com talento e no fio da navalha.

***

FRASES

"Os músculos são mesmo dele. Quando éramos namorados, os abdominais dele eram mesmo assim." Nereida Gallardo, sobre Ronaldo. Ontem, no CM.

"Ainda não foi hoje que Sá Pinto anunciou a candidatura a presidente da Federação de Pugilismo." Pedro Correia, no blogue Albergue Espanhol.

Etiquetas:

janeiro 25, 2010

Blog # 530

Faz hoje cinco anos que Manuel Lopes (1907-2005) morreu em Lisboa. O seu nome merecia mais porque é um dos autores maiores de Cabo Verde – na prosa, é autor de ‘Os Flagelados do Vento Leste’ e de ‘Chuva Braba’; na poesia, vale a pena ler-lhe a antologia ‘Falucho Ancorado’, um bom repertório. Fundou no Mindelo, com Baltasar Lopes ou Jorge Barbosa, a revista ‘Claridade’, um farol da literatura. Leiam-no, juntamente com outros autores maiores da nossa língua, como os poetas João Vário, Corsino Fortes, Arménio Vieira, ou José Luís Tavares, o autor de uma pérola intitulada ‘Paraíso Apagado por um Trovão’. A nossa ignorância da literatura de Cabo Verde é um pecado capital. Comecemos por Eugénio Tavares; todos os seus poemas são mornas belíssimas, irrepetíveis, grandiosas.

***

Estou deprimido. Saiu o novo Luís Alfredo Garcia-Roza, no Brasil, e ainda não o li. ‘Céu de Origamis’ (Companhia das Letras) é o seu oitavo livro com o Delegado Espinosa e o mundo de Copacabana. Uma alma caridosa que mo envie.

***

FRASES

"A guerra aos símbolos religiosos é, hoje, na Europa, um sinal preocupante." D. José Policarpo, cardeal. Ontem, no CM.

"Aconteceu-me que estive em Lisboa, alguns meses, achar que a cidade está cheia de betos." Mónica Marques, no blogue Sushi-Leblon.

Etiquetas:

janeiro 23, 2010

Isto vai uma linda república

No mesmo dia em que a Federação de História e Estatística do Futebol classifica o FC Porto em 12.° lugar no seu ranking mundial de clubes, apareceram na internet as transcrições das escutas telefónicas a J.N. Pinto da Costa. Belo serviço — mas não à justiça desportiva nem à seriedade dos processos judiciais. Já se sabe que é ilegal, já se sabe que essa publicação fere gravemente as instituições da justiça e põe em causa a idoneidade e a fiabilidade do aparelho judiciário. Mas é uma festa. Os coscuvilheiros do regime aplaudem, sobretudo porque essa publicação (de que nenhum órgão de comunicação social é culpado, segundo parece) aumenta a sensação de que o segredo de justiça e as regras processuais são terreno minado. E, já agora, provam que no futebol a lei da selva tem mais eficácia do que a sensatez. Que lhes faça bom proveito. Espero, simplesmente, que o inquérito que o procurador-geral da República vai abrir seja eficaz e indique o nome do prevaricador. E se pertencer «ao meio», tanto melhor. Isto vai uma linda república.

2. Não estou, de resto, para desviar as atenções do essencial, e o essencial é o seguinte: é inadmissível que o FC Porto tenha de assistir a 30 grandes penalidades antes de saber se segue em frente na Taça. Mérito para o Belenenses, evidentemente — e demérito para a classe de abéculas profissionais que transformaram o futebol do FC Porto numa anedota para os adversários rirem a espaços. Grande parte dos dançarinos do grupo de tango e milongas do FC Porto deviam, nesta altura, estar em risco de serem corridos do balneário (e, já agora, para serem substituídos por jogadores de futebol). Mas não: Jesualdo garante que o FC Porto foi melhor, esteve melhor e mereceu ganhar. Não duvido. Do que eu duvido é deste futebol onde quase tudo falha, dos passes aos penaltis. E um futebol assim até pode triunfar. Mas à rasquinha, à rasquinha. E não me venham com estatísticas.

in A Bola - 23 Janeiro 2010

Etiquetas:

janeiro 22, 2010

Blog # 529

Eric Arthur Blair morreu em Londres há 60 anos, cumpridos ontem. Esse nome destina-o ao anonimato – mas o seu pseudónimo literário, George Orwell, recorda-nos o autor dos seus dois livros mais famosos, ‘1984’ e ‘O Triunfo dos Porcos’ (‘Animal Farm’), convertidos, à esquerda e à direita, em hinos à liberdade e avisos sobre o totalitarismo. Tanto um livro como outro são proféticos, e previam um mundo em que a verdade existiria camuflada, em que a linguagem seria trucidada pelo poder, e em que nada escaparia ao seu controle. Sem querer, distraída e involuntariamente, várias das suas profecias foram autorizadas pela sociedade contemporânea, que preza as ‘belas letras’ mas teme os seus horrores, como o próprio Orwell percebeu durante os seus 47 anos de vida. Restam os livros.

***

Divertido, enciclopédico, bem ilustrado e útil: ‘Grande Livro dos Segredos dos Códigos’ (Círculo de Leitores) – uma panorâmica complexa desde os códigos militares à Tabela Periódica ou aos religiosos. Fundamental.

***

FRASES

"Nixon também achou indecente que tivessem escutado as suas conversas com os assessores." Nuno Gouveia, no blogue 31 da Armada.

"Obama incarna o maior problema da política atual: a diferença entre os chavões e os princípios." Carlos A. Amorim, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 21, 2010

Blog # 528

Realizou-se em Lisboa uma jornada de protesto contra a pirataria do audiovisual que, como se sabe, prejudica largamente tanto os clubes de vídeo como os próprios produtores e autores. Vem com atraso, lamento informar. Nos EUA e, agora, um pouco por todo o lado, o negócio da música e do audiovisual mudaram radicalmente e desapareceram vários pontos das cadeias de distribuição e comercialização. Em breve o mesmo acontecerá, a outro nível, no caso da edição de livros e jornais, com o avanço das plataformas de leitura eletrónica. As mudanças são hoje mais rápidas do que se supunha que iam ser, e há casos em que vão desaparecer negócios estáveis até hoje. O problema não são apenas os ‘downloads’ ilegais, uma atividade criminosa – é, além disso, uma época que termina.

***

Autobiografia, delírio, divertimento – e também um exercício perfeito de auto-reconhecimento ficcional, de grande desdobramento literário. É isso que está em ‘Verão’, de J. M Coetzee (D. Quixote), um romance a chegar às livrarias.

***

FRASES

"É tão fácil pôr meia dúzia de chavões políticos simpáticos e consensuais em livro." Joana Carvalho Dias, no blogue Hole Horror.

"Acho que não deve ser permitida a adoção a casais homossexuais." Marinho Pinto, Bastonário da Ordem dos Advogados. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 20, 2010

Blog # 528

É uma das poucas escolhas sobre a qual não tenho muitas dúvidas – “o filme da minha vida” é ‘Amarcord’, de Federico Fellini, que nasceu faz hoje cem anos. É o filme onde se reúnem quase todos os sonhos do cinema de Fellini, todas as recordações, todos os passados, a poeira de Verão, a neve que não interrompe a vida, a morte que chega como um sobressalto, o riso que invade tudo (tal como a música de Nino Rota), a brutalidade e a malandragem. A história, que decorre durante o fascismo italiano, desfaz-se mal queremos contá-la com princípio, meio e fim. Exatamente como a vida inteira: sem ordem determinada, sem demasiada moralidade, sem excessiva perturbação. Nos momentos mais felizes, a nossa vida também se parece com o argumento de ‘Amarcord’: leve, cómico, melancólico.

***

Passou. Passou e não devia ter passado: a Oficina do Livro reeditou ‘Elegia para um Caixão Vazio’, de Baptista-Bastos, um dos seus grandes livros – um grande romance que dá gosto reler. Agora espero ‘O Cavalo a Tinta da China’.

***

FRASES

"A direita segue a esquerda na economia e a Igreja nos costumes. A direita não existe." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

"Ninguém quer sustentar um Governo com os dias contados; e ninguém quer precipitar eleições." Constança Cunha e Sá, ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 19, 2010

Blog # 527

Nos anos sessenta e setenta, o casamento era uma “instituição terminal” – estava para morrer. Fazia parte, aliás, de uma série de símbolos da “civilização burguesa” que era preciso banir. Era o famigerado “papel” que o Estado e a Igreja usavam para legitimar as relações amorosas e familiares, e para controlar as suas demografias e censos. Os casamentos de Sto. António foram interrompidos em 1974, aliás, a par da crise das marchas de Lisboa – ambos regressaram depois da revolução como eventos populares da capital. Não estou para interpretar o pensamento do santo católico em relação à problemática dos casamentos gay. Mas a impressão que guardo dessa recusa do casamento durante os anos sessenta e setenta permanece: é um vulgar papel que hoje tem, sobretudo, valor fiscal.

***

O regresso da religião ao debate contemporâneo merece um enquadramento: é o que se faz em ‘A Grande Separação. Religião, Política e o Ocidente Moderno’, de Mark Lilla (Gradiva). Nem todos, infelizmente, são como nós. Ocidentais.

***

FRASES

"Eu gosto muito das tradições, especialmente daquelas que inventamos todos os dias." António Figueira, no blogue Albergue Espanhol.

"Não sou uma mulher realizada a cem por cento, sou apenas 98 por cento." Liliana Aguiar, apresentadora de TV. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 18, 2010

Blog # 526

Durante dois dias, as televisões correram atrás das imagens mais chocantes. Não interessavam apenas as ruínas. Era preciso que, por detrás das ruínas houvesse corpos trucidados – e sobreviventes para iluminar o drama. Depois, era preciso violência. O Haiti era o cenário ideal: um dos países mais desgraçados do mundo, onde os pobres se transformaram nos atores da tragédia da sobrevivência e da luta no meio da morte. Depois, as imagens não editadas passaram a ser rigorosamente escolhidas, à mistura com as do ‘star system’ solidário. Entretanto, a ajuda tardava. São pretos. Morrem por si mesmos. Há uma ‘correção demográfica’ que arrasa os pobres de tempos a tempos e lhes dá a abertura dos telejornais. Depois tudo volta ao normal, é só substituir o sangue das imagens.

***

De William M. Thackeray (o génio talentoso de ‘A Fogueira das Vaidades’, o original), a Guerra e Paz publica ‘O Livro dos Snobs’ (com as ilustrações genuínas) – um livro que faz falta em todas as mesas de cabeceira masculinas.

***

FRASES

"Não tinha noção de quanto a terra podia tremer. Talvez por isso não tenha pensado na morte." Mariana Palavra, jornalista portuguesa da ONU. Ontem, no CM

"Ainda não vi hospitais, acampamentos, equipas de limpeza dos destroços. Coisas de somenos." Eduardo Pitta, no blogue Da Literatura.

Etiquetas:

janeiro 16, 2010

Cesário Bonito

1. Conta-se que Cesário Bonito (que, como presidente, marcou a vida do FC Porto em três períodos diferentes, de 1945 a 1948, de 1955 a 1957 e de 1965 a 1967) foi irradiado pela Federação Portuguesa de Futebol por ter protestado contra o adiamento de um jogo no Estádio das Antas. Um jogador da equipa adversária ficou retido em Madrid (o nevoeiro impediu o avião de chegar a horas) e as autoridades adiaram o encontro. Não foi o caso mais grave de anti-portismo no historial da FPF. Cesário Bonito não se calou, o caso acabou por ser falado no estrangeiro e a FPF voltou atrás, contrariada.

Um amigo recordou-me esta sanção a Cesário Bonito a propósito do «caso do túnel» do Estádio da Luz – e fez bem. O amontoado (que, de qualquer modo, podia enumerar-se) de incidentes estranhos que marcam a avaliação deste caso desperta suspeitas não apenas de desorientação mas, também, de parcialidade e desrespeito pelo próprio sentido de justiça. Os organismos disciplinares querem ser bravos e dar um exemplo; como de costume, empertigando-se mais do que permite o peito, tudo vai terminar numa trapalhada. Por agora, já estão envolvidos o árbitro Lucílio Baptista, bem como as SAD do Benfica e do FC Porto (é um método interessante, o de misturar tudo), além de uma lista de jogadores que os bravíssimos disciplinadores acham que não devem ser conhecidos. E que nem se lhes deve mencionar as fantásticas provas que possuem, atarrachadas pelo segredo e pela imaculada honra da justiça desportiva. Brava gente que, mais tarde ou mais cedo, há-de recuar sem vergonha. Mascararam mal o seu recuo com o imbróglio em que transformaram o «Apito Dourado»; castigaram Lisandro (por simulação) com dureza exemplar, para mascarar outras simulações nunca analisadas; foram céleres quando lhes convinha, e lentos quando a máscara não tapava a asneira. É puro génio. Cesário Bonito conheceu-os.

2. O caso da semana veio de Angola. Com a voz de Manuel José, irritado com os seus jogadores – que conseguiram transformar a vitória por 4-0 no mais estranho dos empates por 4-4. Nem o FC Porto.

in A Bola - 16 Janeiro 2010

Etiquetas:

janeiro 15, 2010

Blog # 525

Parece que há uma polémica entre duas editoras (Gradiva e Bertrand) para saber qual livro (‘Fúria Divina’, de Rodrigues dos Santos, ou ‘O Símbolo Perdido’, de Dan Brown) pode ser “o mais vendido de 2009”. O pormenor não é despiciendo uma vez que – além da literatura, propriamente dita, ou do romance – há folhas de cálculo, orçamentos, lucros e salários para pagar. Publicar livros é um negócio complexo e , às vezes, dramático. Depois, há outras coisas: ler, esconder, ocultar, segredar, confidenciar, murmurar, simular, calar, recolher. E gostar. Um leitor a dizer uma frase ao ouvido do outro. Deixar-lhe (lembram-se?) um recado dentro de um livro. Esconder um livro para ser só seu. Segredar uma coisa maravilhosa, um verso, uma frase, um lugar, um gesto, um nome. Um livro.

***

Estou a reler, comovido, concentrado e feliz, um dos grandes livros de John Le Carré, ‘A Gente de Smiley’. Uma nova edição, com prefácio do próprio autor, sai no próximo dia 29, sexta-feira (D. Quixote). É um dos seus grandes livros.

***

FRASES

"São todos muito “fracturantes” para as causas efémeras que a modernidade inventa." Joana Carvalho Dias, no blogue Hole Horror.

"Se não pudesse voltar a tocar é que seria um grande drama." Zé Pedro, guitarrista dos Xutos e Pontapés. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 14, 2010

Blog # 524

Coisa maravilhosa: a Biblioteca Municipal de Vila Real vai organizar uma exposição sobre “coisas esquecidas no meio dos livros” — marcadores, anotações avulsas, flores secas, poemas anónimos, cartas, bilhetes de namorados, postais ilustrados que durante meio século foram sendo deixados “no meio dos livros” que foram requisitados das suas estantes. Para isso serviam, também os livros: um bilhete, no meio de um dicionário de Latim, a marcar um encontro junto do muro do Liceu; um queixume enternecido e magoado esquecido entre as páginas de uma monografia sobre cerâmica regional. Um bilhete de cinema a fazer de marcador. A lista pode ser interminável, tal como as florezinhas que se deixavam em certas páginas, onde vinham os sonetos de amor. A ideia é de puro génio. Vou vê-la.

***

LIVROS DO ANO: ‘Em Busca da Identidade: o Desnorte’, do filósofo José Gil (Relógio d’Água) é um instrumento indispensável para analisar o ‘ethos’ português, sobretudo depois da leitura do seu livro anterior, ‘O Medo de Existir’.

***

FRASES

"As previsões do Banco de Portugal melhoram sempre em vésperas de Orçamento de Estado." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

"Cada pessoa não pode ter atrás de si um polícia." Luís Barbosa, Comissão para a Promoção de Boas Práticas, da CML. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 13, 2010

Blog # 523

Ontem mencionei a “vida privada”; hoje regresso ao tema, mas por outro caminho. O criador do Facebook, Mark Zuckerberg (25 anos, uma passagem produtiva por Harvard), disse este fim de semana passado que a privacidade já não é uma “norma social”. No fundo, o Facebook assume o conceito de privacidade dos miúdos (‘kids’) e limita-se a transpô-lo para a vida de adulto – com as suas contingências, adversidades e intrusões. A designação “rede social” é um engodo e, ao mesmo tempo, uma deturpação do que fazem 350 milhões de utilizadores que diariamente se expõem, em permanência, como na hora de mudar as fraldas na creche. Zuckerberg vai mais longe: ele propõe-se mudar o próprio conceito de privacidade. Ele sabe que a vida deixou de ser vida e é apenas um ‘reality show’.

***

LIVROS DO ANO: O primeiro romance de Rui Cardoso Martins, ‘E Se Eu Gostasse Muito de Morrer’, fazia prever um salto e um amadurecimento literário. Está aí ‘Deixem Passar o Homem Invisível’ (Dom Quixote), uma boa leitura de 2009.

***

FRASES

"Nem todos os grandes jogadores têm a sorte de ser agraciados com tanta beleza." Estibalíz Pereira Rábade, Miss Espanha, sobre Cristiano Ronaldo. Ontem, no CM.

"Cara Isabel Alçada: retire poder ao ministério; dê poder aos professores." Henrique Raposo, no blogue Clube das Repúblicas Mortas.

Etiquetas:

janeiro 12, 2010

Blog # 522

A vida privada é uma grande coisa. Descoberta há uns séculos – sinceramente, suponho que desde que há imprensa a sério – serve para abundantes finalidades, uma das quais é ser mais “apetitosa”. Acontece que a “vida privada” deve ser separada da “vida pública” por barreiras de betão, valha a metáfora; de contrário, deixa de ser privada. Não é possível falar de “vida privada” quando a vida começa a ser pública. Veja-se o caso da relação poliamorosa do primeiro-ministro irlandês e da sua mulher – já não é privada. Podemos não mencioná-la em público, claro – mas só por obrigação. Está lá o gérmen da curiosidade e da devassidão. Apetece protegê-los, aos dois, ele e ela. Mas não podemos. São um caso literário, ligeiramente trágico, ligeiramente cómico. Não há lei que lhes valha.

***

LIVROS DO ANO: O ‘Dicionário do Judaísmo Português’ (Lúcia Mucznik, : Alberto S. Tavim, Esther Mucznik, Elvira A. Mea) foi um dos grandes acontecimentos editoriais de 2009 (Presença, 600 págs.), indispensável e revelador.

***

FRASES

"Foi preciso repetir muitas vezes, mas com prazer." Clara Pinto Correia, sobre as fotos da exposição ‘Sexpressions’. Ontem, no CM.

"Não há desemprego na Irlanda do Norte para se concentrarem?" Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

Etiquetas:

janeiro 11, 2010

Blog # 521

Sejam quais forem as várias e diferentes conclusões a tirar do acordo entre os sindicatos dos professores e o governo, há uma coisa que parece mais ou menos exigível: que, a partir de agora, a discussão se centre em redor do ensino, da escola, da educação – ou seja, do que realmente interessa. Sem propaganda. Sem falsificações estatísticas. É o mínimo que se pode pedir depois de um ano de acusações, de computadores Magalhães e de ressentimento. Há muito para fazer. Não peço, como Paulo Rangel, “uma revolução conservadora”. Mas é urgente reorganizar o sistema curricular, repensar o tema “qualidade do ensino” e corrigir os erros cometidos, nestes últimos vinte anos, pelos “cientistas da educação” que transformaram as escolas em laboratórios. Com tristes resultados.

***

LIVROS DO ANO: o 89º catálogo do alfarrabista Manuel Ferreira, do Porto, que assinala 50 anos de vida (1959-2009). É só um catálogo? Sim. Sem imagens. Só com palavras. Com livros velhos, antigos, saudosos, imperfeitos – com cheiro.

***

FRASES

"Na Malásia, há muitos anos, e na floresta de Tamam Negara conheci uma osga que ria." José Eduardo Agualusa, ontem, no CM/Domingo.

"Os livros arderam de vez e as chamas dos livros não iluminaram o mundo." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

Etiquetas:

janeiro 09, 2010

A luz do túnel

Se algum jogador violou as regras que se impõem a um atleta – ou, vale dizer, a um profissional do futebol –, deve ser punido. Ou seja: se algum jogador do FC Porto for declarado culpado de condutas menos próprias no célebre túnel da Luz (como se sabe, um lugar cheio de câmaras de vídeo, prodígio de vigilância electrónica), deve ser punido de acordo com as leis em vigor. E, para manter as coisas na mais estrita regularidade, deve ter direito a uma defesa justa e profissional, uma vez que o CD da Liga não pode ser deixado à solta como se fosse proprietário da justiça desportiva (já se viu que não é o seu melhor intérprete). Se for um jogador apenas – que seja punido. Se forem três, quatro, cinco, seis – que sejam punidos. Da mesma forma, devem ser avaliados e eventualmente punidos os comportamentos de outros agentes envolvidos no processo – de «stewards» a dirigentes ou enfermeiros. Toca a todos.
Dito isto, que é bastante, acrescento o seguinte: não me parece que um grupo de jogadores se tivesse disposto a agredir um «segurança» ou «vigilante» no Estádio da Luz, apenas para dar largas à sua criatividade, musculatura e bonomia (de qualquer modo, como ouvi o responsável da PSP dizer que nada de anormal se tinha passado, espero que o seu testemunho também seja ouvido). Esperemos que o caso do túnel não se transforme num caso «câmara oculta» com «provas», «gravações» e «vídeos» a circularem por todo o país clandestino, onde se fabricam apitos dourados e rumores ao desbarato.

2. Por falar em Estádio da Luz, foi pena que os «casos» do jogo do Benfica com o Nacional não tivessem ocorrido no túnel. A esta hora já a justiça desportiva tinha actuado.

3. Os dois últimos jogos do FCP não deram grandes indicações sobre o arranque de 2010. A avaliar pelo jogo em campo, os sinais foram fraquinhos com excepção dos resultados; talvez para Jesualdo tenham outro significado – no fundo, foi ele que falou em sofrimento. Ora, quem melhor pode falar sobre o assunto?

in A Bola - 9 Janeiro 2009

Etiquetas:

janeiro 08, 2010

Blog # 520

Um estudo da Anacom mostra que mais de 90% dos portugueses que aderiram aos programas do Plano Tecnológico ou ao fornecimento de Magalhães à mistura – já tinham computadores em casa (tal como banda larga). Não custa a acreditar. Além disso, as muitas escolas que tenho visitado têm computadores nas bibliotecas e nas salas de TIC. A superabundância de computadores no ensino é um bom negócio para as empresas fornecedoras de material mas não sei se está a favorecer grandiosamente o estudo e a aplicação nas escolas. Embora tenha dúvidas, deixo esse assunto aos professores – eles deviam ter sido consultados antes desta trapalhada. Mas não. As luminárias do costume acham que os professores não devem ter palavra sobre o ensino. Talvez tivessem alguma coisa a aprender com eles.

***

LIVROS DO ANO: Uma surpresa enternecedora: ‘A Breve e Assombrosa Vida de Óscar Wao’ (Porto Editora), de Junot Díaz – uma viagem pelos caminhos onde a cultura americana se encontra com a tradição hispânica. Mas sem rococós.

***

FRASES

"Disciplina de voto é sempre uma ofensa à liberdade dos deputados eleitos." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

"Não vou dar os bons-dias num dia de chuva, pois alguém pode levar a mal." Mituxa Jardim, ao ser condenada por difamação, injúria e calúnia. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 07, 2010

Blog # 519

À descoberta do Ponto G – nos anos cinquenta, pelo alemão Ernst Gräfenberg – correspondeu diretamente a década de 70 e a “emancipação sexual” das mulheres. Com a existência do Ponto G tudo era possível. Ainda bem. Foi bom. A procura desse lugar invisível era, além disso, uma promessa de encontro, de devassidão e de prazer, tudo coisas positivas. Um grupo de investigadores do King’s College garante agora, no entanto, que o Ponto G não existe ou que a sua existência é “subjetiva”. Ora bolas. Há novidades científicas que não deviam divulgar-se sem cautelas suplementares, para não correr o risco de convulsões desnecessárias. É como se alguém nos tentasse convencer de que, afinal, as sereias ou os unicórnios não existem. Para todos os efeitos, continuaremos à procura.

***

LIVROS DO ANO: Richard Zimler tornou-se um caso especial com a edição de ‘O Último Cabalista de Lisboa’. Em 2009 publicou ‘Os Anagramas de Varsóvia’ (Oceanos), uma meditação (em thriller) sobre a identidade judaica e o holocausto.

***

"Eu não aceitaria posar despida porque o meu tempo de beleza escultural já passou." Ágata, cantora. Ontem, no CM.

"Depois da Ruth Marlene na ‘Playboy’ parece que 2010 esgotou a sua capacidade de promessa." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de um Desejo.

Etiquetas:

janeiro 06, 2010

Blog # 518

Quando os entusiastas do e-book festejam o lançamento de mais um novo leitor de livros eletrónicos, tenho dúvidas. Tenho dúvidas porque sou conservador – e tenho dúvidas porque tenho receio da pirataria informática que afetará os direitos de autor e a indústria do livro. Ontem, o CM noticiou: o título mais pirateado das bibliotecas digitais foi o ‘Kamasutra’, com cem mil a 250 mil cópias falsas. Neste caso não há problema com os direitos de autor, evidentemente – mas o top das falsificações revela o perfil do pirata de livros: ‘softporno’, informática, bricolage (não estou a brincar) e em oitavo lugar vampiros e Stephenie Meyer. Ainda são piratas de pacotilha. A ‘The Economist’ diz que até 2011 se vão vender 18 milhões de leitores de e-books. É fazer contas, piratas.

***

LIVROS DO ANO:Os Intelectuais’, de Paul Johnson (Guerra & Paz) é uma leitura muito recomendável para ingénuos, incautos, entusiastas e indefectíveis. Ninguém está livre do mal, de Marx a Rousseau, de Ibsen a Brecht ou Russell.

***

FRASES

"Tanta treta sobre a igualdade para se aprovar um casamento de segunda para os gay." João Miranda, no blogue Blasfémias.

"Foi um acidente, porque não tinha nenhuma razão para matar a minha mulher." Filipe Meireles, 28 anos, acusado de homicídio qualificado. Ontem, no CM.

Etiquetas:

janeiro 05, 2010

Blog # 517

Não sabemos se Jorge Luis Borges escreveria de maneira diferente caso não tivesse cegado. O que ele teria lido. Como ele teria amado Buenos Aires, onde nasceu e viveu. Como ele teria amado Genebra, onde morreu. A cegueira, que é um dos nossos grandes pavores, foi total em Borges aos cinquenta anos. Em Louis Braille, cujo centenário se assinalou ontem, foi aos três anos – a criação de um alfabeto ou código para cegos constituiu uma das grande aventuras da humanidade e merece ser relembrado como um avanço indiscutível na nossa sensibilidade ao sofrimento dos outros. Braille imaginou o seu código associando-o à linguagem musical, o que já diz muito da beleza desconhecida que ele transporta. Com a obra de Braille ficámos, todos, mais humanos. Mais sensíveis. Visíveis.

***

LIVROS DO ANO: a saga de Lizbeth Salander e de Mikael Blomkvist (ou Millennium), criada pelo sueco Stieg Larsson, conquistou milhões de leitores. ‘A Rainha no Palácio das Correntes de Ar’ (Oceanos) é o terceiro volume. Leia todos.

***

FRASES

"Em vez de promoverem a excelência e o rigor, as escolas trabalham para as estatísticas." Armando Esteves Pereira, ontem, no CM.

"Não conheço melhor maneira de estar na net: como um diplomata, não como um cruzado." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

Etiquetas:

janeiro 04, 2010

Blog # 516

O CM de ontem dava conta de uma preocupação aparentemente nova acerca do “comportamento alcoólico” das novas gerações – muito mais de acordo com os excessos do norte da Europa do que com os velhos padrões mediterrânicos. Só por distração. Há justamente um ano, nesta coluna, chamei a atenção para o moralismo das autoridades, que perseguiam fumo e colesterol nos restaurantes evitando a fiscalização de bares onde adolescentes e crianças, de 12 anos, por exemplo, entravam em coma alcoólico com vigilância policial à porta. É o que sabemos: beber, um ato convivial e civilizado, transformou-se na pedrada que sabemos. O meu pai, um cavalheiro, detestava (com a mesma intensidade) gente que se embebedava e gente que não bebia. As nossas autoridades só gostam de coisas trágicas.

***

LIVROS DO ANO: um estudo de síntese, monumental e devastador, sem ceder ao pessimismo nem à contemporização – ‘O Século XX Esquecido’, de Tony Judt (Edições 70), para parar, pensar e reequacionar a nossa visão da atualidade.

***

FRASES

"As campanhas [contra o alcoolismo] revelam-se ineficazes e até contra-producentes." João Goulão, Inst. da Droga e Toxicodependência. Ontem, no CM.

"Chega-se à conclusão que somos um país de fraco crescimento mas de muitos negócios." José Medeiros Ferreira, no blogue Córtex Frontal.

Etiquetas:

janeiro 02, 2010

Ir às compras

1. O final do ano é sempre agradável de ver. Não só há um «campeão de Inverno» a reivindicar já meio título (viram como os jornais não festejaram o ceptro, só porque não é o Benfica?), como «os clubes vão às compras». Esta designação peca por moderada e tímida; não se trata de ir «às compras» – trata-se de fazer larguíssimos investimentos que alegram os adeptos mais cheios da fé que transcende os estádios.
A mania é portuguesa – de 1 a 26 de Dezembro, os terminais de Multibanco em Portugal registaram quase 3 mil milhões de euros de movimentos, sem falar de compras em cartão de crédito. De onde vem esse dinheiro? Do endividamento, dos bancos, dos empréstimos que flutuam de acordo com os milagres da temporada, e que mais tarde ou mais cedo hão-de ser reivindicados pelos credores. No caso do futebol, é preciso dizer que um jogador não se compra com o cartão do American Express – mas tem um preço. Claro que podemos fazer contas e proceder à devida «engenharia financeira» que tanto permite transferência de atletas como nos deixa pagar os legumes da sopa.
Eu tenho uma grande dificuldade em compreender essa engenharia, até porque em Portugal as contas saem sempre furadas. Como se recuperam vinte, trinta milhões de euros, se não há receitas provenientes da venda de jogadores (que, de qualquer modo, já estavam destinados à conta-corrente diária)? Não me lixem.

2. Contas furadas? Cá está o pessimista (eu). Em 2002, 2003, fartei-me de escrever que os estádios de Aveiro, Leiria, Algarve e Coimbra iriam dar prejuízo. Recebi insultos de leitores e houve jornais que me apontaram a dedo. Pois cá estamos: as câmaras de Aveiro e Leiria já pedem a demolição dos seus estádios porque não têm dinheiro para os aguentar. Alguém há-de arranjar uma «engenharia financeira» (termo muito vale-e-azevediano que deu no que deu) para resolver o que estava previsto que iria acontecer. Juntem-lhe a Alta Velocidade e vai ser uma festa.

in A Bola - 2 Janeiro 2010

Etiquetas: