março 31, 2009

Blog # 320

Um relatório de investigadores da Universidade de Toronto, no Canadá, alerta-nos para a facilidade com que se pode ter acesso a dados de cidadãos nas redes governamentais de alguns estados – como o português. Nada que não se soubesse. Para os mais optimistas, é apenas um empecilho; para os cépticos nas glórias do progresso cibernético, trata-se de um dado essencial. O relatório confirma que os dados disponibilizados pelos cidadãos nos ficheiros do Estado podem ser consultados, roubados e vendidos. Com o cartão único, os chips obrigatórios nos cartões e nas matrículas de carros, estamos mais fragilizados. Não temos nada a esconder, claro que não. Mas podemos não gostar que andem a escarafunchar na nossa vida, a entrar em nossas casas e a contabilizar-nos como lhes convém.

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Em Abril, uma dupla de John Cheever nas estantes: a Relógio d’Água reedita ‘Parece Mesmo o Paraíso’; a Sextante publica o primeiro volume dos ‘Contos Completos’ do autor americano. Um autor a nunca esquecer. Ou a redescobrir.

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FRASES

"O recurso dos cidadãos à Internet nas suas relações com o Estado devia ser facultativa." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

"As pessoas sabem que há vagas nos hotéis do Algarve." António Pina, Turismo do Algarve, ontem, no CM.

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março 30, 2009

Blog # 319

A Inquisição foi extinta a 31 de Março de 1821, há quase duzentos anos. Mas deixou trabalho para outros duzentos. Durante a sua existência, o país dividiu-se em acusados, acusadores e denunciantes, a maior parte deles anónimos. Se há categoria de gente reles é essa – a que vive feliz com a pequena denúncia, o rumor, a suspeita permanente, a “teoria da conspiração”, a insídia moral, o riso escarninho. Junto com essa categoria há a outra, a dos que se ajoelham e se especializaram em justificações para agradar aos poderes – aos grandes e aos pequenos, aos gerais e aos particulares. Passados estes anos, a Inquisição ainda resiste. Só faltam as fogueiras. O povo gosta de ver. Os juízes, o melhor que têm a fazer, é exigir que se legalize a denúncia anónima. Aliás, já o fizeram.

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Vantagens da gripe: obriga-nos a ler livros que deixámos passar. Um deles é ‘Amantes dos Reis de Portugal’, de Paula Lourenço, Ana Cristina Ferreira e Joana Troni (Esfera dos Livros): ah, digna estirpe, valentes e esforçados reis.

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FRASES

"O futebol não é para quem merece mas sim para quem marca e vence." Carlos Queirós, ontem, no CM.

"Não é um ‘problema’ de Carlos Queirós; é dos portugueses: conversa, conversa, conversa…" Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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março 27, 2009

Blog # 318

Leio no CM de ontem que a ‘Playboy’ portuguesa pagará entre 30 a 50 mil euros a senhoras que aceitem posar (nuas, creio) para a revista. A ‘Playboy’ brasileira, por exemplo, contribuiu mais para a minha formação intelectual do que, digamos, o cinema japonês – guardo algumas edições como recordação de adolescência e outras como travessura de adulto (se o leitor sabe quem são Luiza Tomé, Luma de Oliveira ou Fernanda Paes Leme, eu escuso de explicar mais). O problema é que a ‘Playboy’ brasileira paga às suas modelos quatro vezes mais do que a portuguesa está disposta a gastar. Parece-me controverso e injusto, porque as portuguesas já não têm bigode nem são parecidas com os ancestrais minhotos. Há questões de Estado menos importantes do que esta. Nada de ferir o nosso orgulho.

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Uma socióloga em férias: podia ser este um dos subtítulos possíveis para ‘Passaporte. Viagens 1994-2008’, de Maria Filomena Mónica (Alêtheia). São visitas em redor do mundo, comovidas ou apenas resumidas. E maravilhosamente escritas.

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FRASES

"Devo ter cometido muitas ilegalidades, assumo." Isaltino de Morais, ontem no CM.

"O Benicio del Toro é parvo que se farta. Ana, no blogue Ana de Amsterdam.

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março 26, 2009

Blog # 317

Ontem, a CP encerrou as linhas do Corgo e do Tâmega sem avisar ninguém. Contava com o silêncio de todos e fê-lo pela calada, desprezando toda a gente. Mas a culpa não é da CP; é, antes, de todos os pacóvios que transformaram o país num tapete de asfalto, bom para a camionagem, para as empresas de obras públicas e para o consumo de gasolina. Em vez de investir em comboios e serviços decentes para passageiros e mercadorias, os sucessivos governos destruiram um património secular e uma parte da nossa geografia cultural – tudo em nome das ‘grandes obras’ e do ‘grande dinheiro’. Hoje há pouco a fazer. Há alcatrão, cimento, camionagem e gasóleo. Tudo caro. Os comboios portugueses inventaram um país, povoaram-no, desenharam a nossa geografia. Era um país mais bonito do que este.

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A D. Quixote publicou uma nova edição de ‘O Espião que Saiu do Frio’ (tradução de Teixeira de Aguilar), com prefácio de John Le Carré. Não dormi toda a noite para rever este personagem, Alec Leamas, e uma aparição de George Smiley.

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FRASES

"[O Magalhães continha] conteúdos que não tinham sido verificados pelo Ministério da Educação.” Ministra da Educação, ontem, no CM Online.

"Tive um sonho molhado em que o provedor de justiça era o Octávio Machado." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

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março 25, 2009

Blog # 316

Ontem, algumas centenas de estudantes concentraram-se aqui e ali para protestar contra “o processo de Bolonha”, os exames nacionais e o preço das propinas. Dando de barato que “o processo de Bolonha” é um dado adquirido (os professores e as universidades passaram dois anos a trabalhar no assunto e não vão, agora voltar atrás), as outras duas matérias são mais ou menos pacíficas – é preciso fazer exames e é necessário pagar propinas. A ideia de que o ensino público é ‘tendencialmente gratuito’ pode servir para esgrimir em debates – mas convinha dizer aos meninos que nada neste mundo se consegue sem esforço. Argumento tão reaccionário está condenado à fogueira destes tempos, mas é a verdade. Ou estudam, ou vão fazer outra coisa, e há coisas a mais à espera de serem feitas.

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É um dos nossos grandes poetas, subtil e injustamente ignorado. A Cotovia acaba de publicar ‘Arado’, mais uma recolha de poema de A.M. Pires Cabral – poesia luminosa, incandescente, perto das árvores e das montanhas. Fundamental.

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FRASES

"Um patriota é um consumidor. Adquire o Magalhães. Compra painéis solares." Paulo Gorjão, no blogue Delito de Opinião.

"Um treinador que só percebe de futebol, pouco ou nada sabe." José Mourinho, ontem, no CM.

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março 24, 2009

Blog # 315

Poucos reconhecem o nome de Clyde Chestnut Barrow (nem o de Bonnie Parker, que era um ano mais nova), nascido faz hoje cem anos numa pequena cidade do Texas – mas quase toda a gente sabe trautear ‘Bonnie & Clyde’ (a canção de Georgie Fame, já que a de Serge Gainsbourg é mais rara) ou viu o filme de Arthur Penn, com Warren Beatty e Faye Dunaway, um casal quase perfeito – e belo, como normalmente acontece no cinema. De alguma maneira, eles são filhos da crise económica dos anos vinte, o que fez deles heróis românticos num mundo em crise e desesperado. Era a sua desculpa. Roubavam bancos (o que restava de um sistema financeiro falido e sitiado pela corrupção) – e colectores de impostos que também eram vistos como assaltantes de cidadãos indefesos. Não sei se me entendem.

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Reedição de um fantástico clássico dos nosso tempo: ‘A Obra ao Negro’, de Marguerite Yourcenar (Dom Quixote) – uma visita à Idade Média, ao seu silêncio e à sua imensa e devoradora angústia. Poucos livros merecem esta releitura.

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FRASES

"Marquei penalti por intuição." Lucílio Baptista, árbitro, ontem, no CM.

"O ‘apito vermelho’ não deve tardar muito a aparecer por aí." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.

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março 23, 2009

Blog # 314

Vivemos de símbolos e de mitos. Isto vem a propósito do filme “Che: O Argentino”, de Steven Soderbergh. Ernesto Guevara de la Serna foi um rapaz do seu tempo (‘Diários de Motocicleta’, de Walter Salles, é o seu panegírio), um ‘herói da revolução’. Os mitos são amados – pelo menos até que a revolução se decomponha. Tanto o filme de Salles como o de Soderbergh são servidos por dois actores bonitos, Gael García Bernal e Benicio del Toro. Essa beleza (como a de Cristo) prolonga o mito mas tem pouco a ver com a verdade e com a decomposição do rosto de Guevara, que gostava de fuzilamentos e tinha um gatilho irregular. Prolongar o mito vende mais t-shirts. Mas depois de contar os mortos que a revolução deixou para trás, custa a crer que o guevarismo continue a devorar Guevara.

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Para perceber melhor a realidade editorial, leia-se ‘A Edição de Livros e a Gestão Estratégica’, de José Afonso Furtado (Booktailors). Custa a crer que Furtado não seja ouvido pelos burocratas quando se trata de falar do Livro.

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FRASES

"Perdi algumas calorias como num debate mensal no Parlamento." José Sócrates, depois da prova da Meia-Maratona, ontem, no CM.

"É tão difícil nomear um provedor de justiça como encontrar a Maddie McCann." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

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março 20, 2009

blog # 313

Quando o papa diz seja o que for, a primeira coisa que se perfila é um vasto pelotão de flibusteiros e engraçadinhos que não ouve o que o papa diz mas comenta o que gostaria que ele tivesse dito. Qualquer cronista avançado e com gosto pela heresia (que é hoje muito fácil e bem remunerada) diz duas alarvidades a jeito. O mais preocupante é ver a insuspeita quantidade de especialistas em teologia e história eclesial que logo se ergue nas rádios e nos jornais, como se fossem católicos de ir à missa e se importassem muito com os pobres que morrem de sida. O ideal, para estes cavalheiros, seria um papa que defendesse o aborto, o sexo com animais e a distribuição de preservativos nas escolas. Isso sim, seria moderno, fracturante e capaz de chamar fieis. Fieis – não se sabe a quê.

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É um dos autores mais publicados do biénio: Machado de Assis. Não há fome que não dê em fartura. Agora é ‘Dom Casmurro’ (D. Quixote), obra-prima da língua portuguesa, sem dúvida. Saiba tudo sobre a vida de Capitu, e pronto.

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FRASES

“Eu tenho uma pensão aceitável mas não sou rico." Padre franciscano Vítor Melícias, que recebe pensão de 7500 euros, ontem no CM.

“O homens éticos, sensíveis e poetas, na hora H fogem como ratos." Mónica Marques, no blogue Sushi Leblon.

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março 19, 2009

Blog # 312

Passaram cinquenta anos sobre a morte de António Botto, no Rio de Janeiro, numa das ruas onde hoje passam mais turistas portugueses, a Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Eduardo Pitta organizou (para a Quasi) a obra completa de Botto, o que é de festejar. O país envergonha-se de António Botto porque aprecia muito a pequena anedota que desvaloriza uma obra, uma personagem, um nome. O país muito macho e alazão (mas muito bicha às escondidas) suspeita de Botto e evita usar o seu nome. Faz mal. O contacto com a sua poesia só eleva o leitor e abre a caixa dos preconceitos, para os ver cair depois. Um dos títulos das suas obras completas é ‘Cartas que Me Foram Devolvidas’, o que dá bem a ideia do medinho com que esta gente ficou, só de ouvir dizer o nome de António Botto.

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Lembram-se da rubrica ‘Bom Português’, da RTP? Passou agora a livro, pela mão da Porto Editora: são 240 páginas de dúvidas e respostas sobre expressões comuns da nossa língua. Favor oferecer ao Ministério da Educação. E à RTP.

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FRASES

"Aplausos, certamente de familiares ou proprietários dos estabelecimentos." Isabel Goulão sobre o Cascais Moda, no blogue Miss Pearls.

"A minha própria filha empurrou-me para o chão e começou a bater-me com a minha bengala." Maria Alice Oliveira, reformada de 82 anos, ontem no CM.

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março 18, 2009

Blog # 311

Todos esperamos uma explicação – e é certo que terá de haver uma, séria e ponderada, para que os alunos ciganos da Escola de Barqueiros, em Barcelos, tenham aulas à parte (de contrário, chamemos a polícia). Em matéria ‘multicultural’ é sempre necessário ter alguma cautela e escutar todas as partes envolvidas. Gritar que é racismo é a coisa mais fácil e mais em conta; mas o ‘racismo’ é uma faca de dois gumes – e corta onde mais convém. O leitor quer um veredicto? Ciganos de um lado, gentios do outro é uma solução desagradável e errada. Se os ciganos querem estar isolados, só há um remédio: explicar-lhes, com frontalidade, que o país não pode permitir a formação de guetos. Se foi a autoridade que os isolou, é preciso pôr a autoridade na linha e pedir-lhe para se demitir.

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Um romance de capa e espada? É essa a promessa de José Sasportes para ‘A Vingança de Marcolina ou o Último Duelo de Casanova’ (Dom Quixote), acabado de sair para as livrarias. Ironia, humor e tragédia – em boas e moderadas doses.

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FRASES

"Porque é que deixei de assistir a conferências? Há uma explicação simples – o powerpoint." No blogue O Jansenista.

"Pode haver humor em formatos que não são especificamente humorísticos." Teresa Guilherme, ontem, no CM.

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março 17, 2009

Blog # 310

O ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, anunciou em Cabo Verde que o Acordo Ortográfico entraria em vigor, em Portugal, no segundo semestre de 2009. No Brasil já está na rua: os jornais já se publicam com a “nova ortografia” e começam a ser distribuídos os primeiros manuais escolares especificamente dedicados à ortografia. Acontece que, em Portugal, há um abaixo-assinado para reenviar a lei ao parlamento. Ao ultrapassar as cem mil assinaturas, esta petição pública obriga os deputados a reapreciar toda a lei. De modo que o anúncio da entrada em vigor do Acordo pode ser uma má decisão política. O país que encolhe os ombros aos erros do ‘Magalhães’ ou ao mau Português dos seus políticos, é fervoroso quando se trata de mexer nos seus símbolos. Podem andar pelas ruas da amargura e serem maltratados com vigor, os símbolos – mas quando toca a reunir, vem tudo para a rua falar de escândalo. A ortografia ameaça transformar-se nisso mesmo.

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Chega na próxima semana às livrarias, o novo livro de Michael Ondaatje (o autor de ‘O Paciente Inglês’), ‘Divisadero’: o cenário é fatal e abre com o norte da Califórnia nos anos 70 – os grandes desertos americanos, duas mulheres, um jogador de póquer, um autor desaparecido.

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FRASES

"Com esta crise pode ser que um gajo acabe na política, ou assim, é preciso ir preparando o passado." Lourenço Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.

"O Governo português chegou a fazer negócios utilizando offshores." Carlos Anjos, PJ, ontem, no CM.

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março 16, 2009

Blog # 309

'A Corte do Norte' é um dos mais belos e enigmáticos romances de Agustina Bessa-Luís. Para isso contam não só o talento eterno e o altíssimo momento da autora na época (1987) mas também o cenário (a Madeira) e um enredo pós-romântico de traições, paixões e desacertos. Nessa altura, a crítica e a academia não lhe prestaram muita atenção (praticamente, só a aclamaram de novo em ‘Vale Abraão’, deixando passar em branco duas obras monumentais, ‘Prazer e Glória’ e ‘Eugénia e Silvina’). João Botelho redescobriu o génio de Agustina filmando ‘A Corte do Norte’, um retrato sublime de homens e mulheres atraiçoados pelo destino, como só ela soube pintar, com estilo, ironia, crueldade e (aí está o segredo) clemência para com os desesperados. É um romance muito belo, que se deve reler.

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Ele é genial como escritor e aborrecido como político (sobretudo na última década). A Dom Quixote reedita, em Abril, um dos seus livros mais emblemáticos: ‘O Espião que saiu do Frio’ de John Le Carré – aventura de espionagem e solidão.

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FRASES

“Voltei à linha justa." João Botelho, sobre o seu filme ‘A Corte do Norte’, ontem, no CM.

Todos somos especiais – até percebermos que no Facebook são 175 milhões de malucos ao mesmo." José Pimentel Teixeira, no blogue Ma-Schamba.

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março 13, 2009

Blog # 308

O actor Joaquin Poenix atacou um espectador durante um espectáculo de rap medíocre. Parece que José Mourinho agrediu anteontem um adepto do Manchester. Bruce Willis atacou um fotógrafo. A família de uma actriz portuguesa agrediu fotógrafos à saída da maternidade. O fenómeno e a iguaria repetem-se e fazem parte da relação entre as “estrelas”, o público e a imprensa. Antigamente, as ‘estrelas’ eram quase todas bem tratadas. Desfilavam, deixavam-se fotografar, eliminavam as perguntas de que não gostavam nas entrevistas; esse mundo luminoso acabou. As figuras que as ‘estrelas’ fazem também contam – tornaram-se mais medíocres e mais patetas. Abrem as portas de casa quando lhes convém, e querem fechá-las depois de arrombadas. Sentem-se devoradas pela máquina que as inventou.

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Morreu ontem o jornalista João Mesquita. Era um bom amigo que escreveu (com J. Santana) um monumental ‘Académica - História do Futebol’ (Almedina). Ele era fanático da Académica. Eu não. Mas fui procurar o livro em sua homenagem.

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FRASES

“Não há nada mais deprimente do que escrever num blogue." No blogue Ana de Amsterdam.

“No fundo, nunca temos pior inimigo do que nós próprios." Rui Ramos sobre José Sócrates, ontem, no CM.

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março 12, 2009

Blog # 307

Segundo Pinto Monteiro, Procurador-Geral da República, o projecto de lei sobre a violência doméstica “tem muitos conselhos, o que não deveria fazer parte de uma lei ordinária”. Seja bem-vindo ao clube. Legislar devia ser uma actividade séria e ponderada, ao abrigo das pressões da actualidade, da última moda e dos títulos dos jornais. Em Portugal legisla-se bastante (para cada problema promete-se um decreto) e sob influência da actualidade. Como se não bastasse, muitos legisladores acham que a lei fica incompleta se lhe falta um preâmbulo ideológico cheio de moral, ética e princípios, onde é mais fácil cair a asneira. Se os legisladores têm necessidade de grandiloquência, que a pratiquem no lugar adequado, poupando-nos a sermões e figuras de estilo sobre a vida em geral.

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‘O Planalto e a Estepe’ é o título do novo livro de Pepetela, que a Dom Quixote publica em Abril – lembrança de quando Moscovo era a ‘grande pátria’. É lá que um estudante angolano e uma jovem mongol se encontram. O resto é romance.

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FRASES

“Agora, tenho de levar isto a sério." Paulo Branco, produtor de cinema e agora actor num filme de Mathieu Amalric, ontem no CM.

“Vocês dão-nos o guito, nós damos-vos a respeitabilidade." Filipe Nunes Vicente, sobre a visita do presidente angolano, no blogue Mar Salgado.

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março 11, 2009

Blog # 306

Aos domingos, o CM publica – na sua revista – uma série de documentos extraordinários: são as fotografias dos últimos trinta anos portugueses, que correspondem aos trinta anos do jornal. Como temos a memória curta, convém regressarmos de vez em quando àquelas imagens; sobretudo porque, entretanto, o país mudou muito, melhorou o seu aspecto, construiu auto-estradas, usa roupas da moda, entrou na Europa, e não nos envergonha. Também é verdade que vivemos com mais ressentimento, estamos endividados (logo, mais pobres) e com medo do futuro. As fotos de há 30 anos mostram-nos um país que esquecemos. Mas somos aquilo: somos aqueles bigodes fora de moda, as ruas esventradas, aquela exuberância falsa. À primeira vista somos muito modernos. Mas continuamos a ser aqueles retratos.

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Sai em Abril o novo livro de José Mário Silva, crítico, poeta e ficcionista: leva o título ‘A Luz Indecisa’ (Oceanos) e tem versos deslumbrantes, coisas quotidianas: “Caruma, raízes escuras, manchas/ de luz entre as árvores.” Reserve.

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FRASES

“Voltei ao vinil. O digital é maricas e o matrimónio é um privilégio único do analógico." Tiago Cavaco, no blogue Voz do Deserto.

“Não se sabe. [...] O bairro foi abandonado." Fernando Brancaamp, Pres. Junta Alto do Pina, sobre quantas pessoas vivem no Bairro Portugal Novo, ontem, no CM.

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março 10, 2009

Blog # 305

Os críticos de cinema discutem se ‘Quem Quer Ser Bilionário?’ (‘Slumdog Millionaire’), o filme de Danny Boyle, merece ou não ser visto. Parece-me que a questão é ‘o retrato da Índia’ (que seria pouco ‘comprometido’) e o facto de ter um ‘final feliz’. Há um grande preconceito sobre esta matéria e todos querem ser plagiadores de Edward Said a qualquer o custo – o filme, pecado dos pecados, seria demasiado ‘ocidental’. Além disso, não está carregado de ressentimento pós-colonial, de culpados, e de ‘mensagens’ sobre a pouca-vergonha que é um pobre querer ser rico. Pior desígnio do que este, só o facto de não ser um filme sobre o ‘declínio do Ocidente’ e de nos deixar a rir bem perto do final. A “crítica cultural” está cheia de sacerdotes e de fustigadores de palmo e meio.

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Leitores de John Updike! Está aí ‘As Viúvas de Eastwick’, logo no começo de Abril (chancela da Civilização). Guardem energias para o derradeiro romance do grande retratista americano, um momento único para ler e reler. É fartar!

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FRASES

"Como manifestação de boa-fé, Vale e Azevedo pedia-me três ou quatro milhões de dólares." Isaías Samakuva, presidente da Unita, ontem, no CM

"Manuel Alegre: com um mínimo de atitudes criou um máximo de expectativas." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro.

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março 09, 2009

Blog # 304

O assunto podia não ir além da anedota, mas convém retê-lo como exemplo. Para o governo e para os entusiastas do Ministério da Educação, o computador Magalhães era o essencial – o resto não passava de pormenor. O que se fazia com ele, o aproveitamento dos alunos, a perda de contacto com a realidade, isso não interessava desde que o Magalhães aparecesse ao lado do primeiro-ministro e as crianças das escolas o utilizassem fosse para o que fosse. Esqueceram-se do que vinha lá dentro: ‘aplicações interactivas’ cheias de erros de Português de palmatória, uma autêntica vergonha. Espera-se que sirva de lição, mas não há grande esperança porque o Ministério fez pouco ou nada pela melhoria do ensino do Português. É, em grande medida, um Ministério que se preocupa com intendência.

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Chega às livrarias o novo livro de Jorge Listopad, ‘Deslizamento’ (QuidNovi) – textos curtos, cruzamento de géneros, observações meteorológicas, recordações literárias. Um estilo cultivado por Listopad há muito tempo. E com proveito.

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FRASES

“O lema deste governo é quem não está comigo está contra mim." Manuela Moura Guedes, ontem, no CM.

“A existência de um dia da mulher é uma marca sexista e discriminatória." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.

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março 06, 2009

Blog # 303

Tozé Brito diz que, através do número de identificação do ISP, as operadoras de telecomunicações sabem quem faz ‘downloads’ ilegais; então, o utilizador ficaria com a net cortada por determinação da operadora. Portanto, resolver-se-ia com facilidade um dos principais problemas da indústria música: o ‘download’. É evidente que a operadora teria de saber o que cada um de nós estaria a descarregar da internet, o que parece não afligir To Zé Brito. Os noruegueses já responderam a esta proposta da indústria: vigiar a internet de cada um é como os correios começarem a abrir e ler as nossas cartas. Claro que o problema dos ‘downloads’ ilegais é grave – mas querer propor às operadoras que devassem os nossos consumos de internet para bloquear o serviço, é, digamos, mau sinal.

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Em Abril, os encontros de Literatura em Viagem, que decorrem em Matosinhos, já têm um convidado de ‘grande peso’ confirmado – trata-se de Paul Theroux, o autor de ‘A Costa de Mosquito’. Se é ‘literatura de viagem’, ele é o rei.

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FRASES

“Fiquei com a impressão de que a crise não pode ser vencida nos próximos meses." Cavaco silva, ontem no CM.

"A todos escorria uma doce felicidade pelos cantos da boca. É o Prozac do poder, essa droga." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.

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março 05, 2009

Blog # 302

Manuel Alegre publicou um poema sobre o alargamento do terminal de contentores de Alcântara. É uma iniciativa como qualquer outra, mas em verso. Os militantes socialistas, aliás, quando querem desvalorizar “o camarada Manuel Alegre”, salientam sempre “o maior respeito pelo poeta”; o que quer dizer o seguinte: não concordo nada com ele e preferia que se calasse, mas enfim, ele escreve versos. Só com grande esforço se pode apreciar o conjunto de quadras publicadas ontem, no seu blogue pessoal. Há causas boas servidas por poesia sofrível ou, mesmo, má. Neste caso, Alegre apenas consegue rimas, o que é pouco – fica-se por um fadinho. Naturalmente, podemos interrogar-nos sobre a qualidade da política feita em verso, já que, quanto aos versos, estamos falados, pelo menos desta vez.

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É o regresso de um dos melhores moçambicanos: ‘Pneuma’, de Luís Carlos Patraquim (edição Caminho), que vive em Lisboa há muito tempo. Poemas entre a ‘gravidade do violoncelo’ e a mais pura modernidade africana.

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FRASES

“Fui ver o filme ‘The Wrestler’ e lembrei-me do Drulovic." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.

“A vida é sempre curta demais para fazermos tudo." Manoel de Oliveira, ontem no CM.

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março 04, 2009

Blog # 301

Não aprendemos grande coisa, nem com o passado nem com os avisos sobre o futuro. Ontem de manhã, numa rádio, ouvi um dos responsáveis pelo cadastramento do DNA dos portugueses admitir que, daqui a uns anos, todos estaremos registados num arquivo onde se guarda o essencial sobre a nossa identidade (DNA) e onde se podem fazer cruzamentos com outros dados. Parece que é um grande avanço. Não acho. Pelo contrário: é um perigo que nos devia deixar alerta. Depois do cartão único virá o chip da matrícula dos carros – e depois o arquivo do DNA. Na série televisiva CSI, aquele arquivo está sempre ao serviço do “bem” e só os maus são punidos. Na vida real, quem tem acesso a um desses dados, pode bem ter acesso a todos. Trata-se de uma ameaça à nossa liberdade individual. É grave.

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Pérez-Reverte disse que Juan Manuel de Prada publicou ‘o melhor romance espanhol dos últimos 20 anos’; aos 39, Prada regressa com ‘O Sétimo Véu’ (Dom Quixote), uma história de amor, espionagem, política e desilusão. Preparemo-nos.

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FRASES

"O superficial culto da imagem ajudou ao regresso do mais pesado culto da personalidade." José Medeiros Ferreira, no blogue Bichos Carpinteiros.

"Ao contrário do que se tem dito, este não é um filme sobre lesbianismo." Débora Monteiro, sobre o filme ‘Duas Mulheres’, ontem no CM.

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março 03, 2009

Blog # 300

Maria Gabriela Llansol morreu precisamente há um ano. Não era popular, nunca quis ser popular. Não sendo ficcionista, nem romancista, Llansol era uma prosadora que nunca se afastou do domínio da poesia. Tinha uma ideia da prosa, do sentido e da escrita. Mas a sua obra, sendo prosa, estava para lá do romance – situava-se no reino das perguntas, da revelação, das interrogações, e não na arte da contar histórias. Há autores, como Llansol, que não entram no combate dos números vendidos ou do reconhecimento público; a sua obra foi construída, lentamente, como uma recusa e um desejo de afastamento. ‘O Livro das Comunidades’, ‘Na Casa de Julho e Agosto’ ou ‘O Jogo da Liberdade da Alma’ nunca serão best-sellers. Mas ignorar o seu nome e a sua minúcia é um acto indesculpável.

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Para os leitores de Cormac McCarthy (‘Belos Cavalos’, ‘O Guarda do Pomar’, ‘Este País não É Para Velhos’), aí está uma boa novidade – a Relógio d’Água lança, durante a próxima semana, ‘Suttree’, uma história de solidão no Tennessee.

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FRASES

“Em vez de sancionar zonas com impostos mais baixos, a Europa devia era baixar os seus." Diogo Leite de Campos, fiscalista, ontem no CM.

“Nino Vieira morreu como lhe competia. Como um homem às mãos de cobardes." João Gonçalves, no blogue Portugal dos Pequeninos.

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março 02, 2009

Elogio dos viajantes que nem sempre viajam

[Para Joan T.]

Viajar nem sempre é viajar; há viagens que arrancam o coração e há viagens que apenas mudam o horário do sono. Penalizo-me, desta vez, por tantas vezes ter desprezado a segunda das categorias – a classe de pessoas que circula no céu, desperta e ocupada, consultando laptops e blackberries, folheando dossiers e preenchendo espaços vazios da sua agenda com nomes de hotéis onde só pernoitarão, com nomes de pessoas com quem falarão uma só vez em encontros rápidos e superficiais em salas de que não recordarão nem a decoração, nem o cheiro, nem a luz que entra pela janela.

São os primeiros a sair dos aviões. Os primeiros a caminhar pelos corredores, ligando o telefone, olhando em frente como se o mundo lhes parecesse igual em qualquer latitude. Passo do desprezo à ternura, quando penso neles. Grande parte dos leitores da Volta ao Mundo há-de chamar-lhes «executivos» e pensará neles como viajantes que não viajam; que apenas passam de um aeroporto desconhecido para um aeroporto conhecido, de um hotel nos subúrbios para um hotel no centro das cidades – e cujo tempo livre é ocupado a dormir, se podem fazê-lo. Eu podia escrever sobre muitos deles, como personagens de um romance sobre o desperdício de viver e sobre a obrigação de cumprir um destino que às vezes – eu sei, ah, eu sei – lhes parece despedaçado ou quase inútil. Duzentas viagens de avião por ano a que correspondem pelo menos cem hotéis diferentes e trezentos nomes novos acumulados nas suas agendas. Um passeio furtivo nas ruas de uma cidade deserta. Compras apressadas com a lembrança de alguém. Insónias que despertam uma vigília inesperada e, muitas vezes, triste ou solitária. Um fuso horário seguido de outro, um nome que transportam, um risco desconhecido de luz no meio do céu e do crepúsculo que parece igual a todos os crepúsculos lá, no alto, ao lado do vazio das coisas. Um livro aberto, como se sabe – romances populares, poemas, guias de viagem. «Quem vê um, vê todos. Quem acompanha um, acompanha todos.» Que injustiça. Intervalos no ritmo de «executivo» em restaurantes que se recordam mais tarde. Eu podia escrever sobre muitos deles, captar-lhes aquele instante em que adormecem a meio de uma viagem, deixá-los reconhecer uma praça vazia (em Amesterdão, Bruxelas, Moscovo, Nova Iorque, Roma) em que nunca estiveram realmente – e sentir por eles a mesma ternura que se sente por um personagem de romance, por uma imagem abandonada. Recebem telefonemas a meio da noite, porque os fusos horários são estranhos. Ouvem a voz de um amor distante de que quase nunca estão realmente perto. Estão sempre em outro lugar, têm sempre uma mala preparada, um nome para repetir, um código de contacto com a vida que espera por eles noutra cidade.

Terão aventuras, desilusões? Escreverão diários íntimos, folhearão Margarita e o Mestre em Moscovo, à procura do Diabo? Lembrar-se-ão de Kafka nas ruas de Praga? Entrarão neste restaurante onde estiveram Dickens, Thackeray, Le Carré, Kingsley Amis, e recordarão a passagem do tempo? Imaginamos apenas que a sua roupa é igual à de milhares de outros solitários que procuram um táxi numa rua desconhecida. Outra injustiça. Não conhecemos os seus amores, as suas obsessões. Admiramo-nos muito quando descobrimos que são semelhantes às nossas. Quando se sentam à mesa e esperam por coisas que também esperamos: um pedaço de pão, a consolação ou a recompensa por uma viagem que não os leva como viajantes, que não os transforma como transforma a vida que passa por eles, lá, no céu ao lado do vazio. E sim, o mundo é muito pequeno, o mundo é muito grande, muito igual, muito desigual.

in Outro Hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Março 2009

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Blog # 299

A vida das cidades traduz-se em tudo – no cinema, na literatura, na música, nas ideias que produziu, nos romances que suscitou, nas pessoas que a amam e que a não dispensam. O Rio de Janeiro assinalou ontem 444 anos de vida. Eu poderia dizer que se trata da minha cidade, mas seria pouco: o Rio é o retrato mais forte da beleza impura. Fundada por portugueses, cresceu contra nós para se tornar aquilo que é – bela, cosmopolita, rica, miserável, canalha, bela, limpa, suja, romântica, erótica, festiva, melancólica. A corte portuguesa, fugitiva, emprestou-lhe poder; mas a graça, a beleza, a alegria e a malandrice, vieram depois, com a imigração massiva, a misturança e o orgulho – ela é aquilo que nós poderíamos ter sido se não tivéssemos sido aquilo que fomos: uns aborrecidos.

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S. Paulo é um dos personagens trágicos e estranhos do cristianismo. Mas também o mais poderoso e o seu fundador por excelência. O romance ‘Paulo de Tarso na Estrada de Damasco’, de Walter Wangerin (Presença) dá-lhe voz e densidade.

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FRASES

“O esfregaço erótico-vitimizante deste fim-de-semana em Espinho foi inútil e lamentável." Filipe Nunes Vicente, no blogue Mar Salgado.

“A minha surpresa não é menor do que a vossa." Vital Moreira, candidato do PS às eleições europeias, ontem no CM.

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