Um armazém de emoções para conservar com muita poeira
outubro 31, 2009
O modelo e o sistema
O FC Porto não anda no seu melhor e abre a defesa sem cerimónia para que o adversário faça pela vida. Isto é muito bom para os adversários, mas nós trememos na bancada ao imaginar a repetição dos primeiros quarenta e cinco minutos contra a Académica. Ao fim desse tempo, apetece a qualquer um entrar em campo e vergastar aqueles repolhos ambulantes que falham passes com galhardia e se expõem aos assobios; mas um resto de pundonor deixa-nos pregados ao assento, à espera de um golo, dois, três. E lá vem o buraco nas trincheiras da defesa.
Jesualdo diz, uma, duas, três vezes, que a equipa não pode jogar assim. E tem razão; mas, então, ele que trate de ordenar aquela barafunda. Recordo aos leitores esta passagem de uma entrevista de Setembro do ano passado (ao Público), em que Jesualdo Ferreira explicava o nervo do jogo: «O FC Porto tem o seu sistema-base. E depois tem princípios, tem métodos e tem estratégias que variam necessariamente tendo em vista alcançar determinados rendimentos e resultados. O sistema-base não define o modelo. O modelo é um conjunto de sistemas, princípios, métodos e estratégias. O que se pretende atingir cada vez com maior eficácia é que é o modelo.»
Lido isto (que na altura me deixou em coma estratégico, mas silencioso), há uma coisa que eu não entendo, e admito que seja por culpa minha: quando é que se joga de novo?
A temporada do Benfica está a ultrapassar todas as expectativas, incluindo as de Jorge Jesus. Ao sair de Braga, deixando o Bom Jesus para trás, ele não imaginava que ia limpar o Everton ou o Nacional com esta clareza – por mais que se tenha na conta de bom treinador (e auto-estima não lhe falta, como sabemos). Alguma coisa haverá, mas não me meto nos balneários do adversário. Escrevo por outra coisa: incomodam-me as “vestais do futebol”, muito moralistas. Desta vez, criticaram Jesus por ter levantado quadro dedos na direcção do treinador adversário. Que isso era uma ofensa. Ofensa? Só se fosse por não lhe ter mostrado os dedos dos golos que faltavam. Deixem-se de mariquices.
‘Caim’, de Saramago, ou ‘Fúria Divina’, de Rodrigues dos Santos, tratam de religião, cada um à sua maneira e com intensidades naturalmente diferentes – um encarando a Bíblia, outro perdendo-se entre os seguidores do Corão. O novo romance de Dan Brown também não anda longe porque a maçonaria é uma religião laica e de imaginação prodigiosa. O que levará estas almas a acertar contas com o misterioso, o invisível e o improvável? Precisamente porque essas coisas estão no coração das pessoas. Não exactamente de todas – mas das pessoas que respiram e se distinguem por olharem mais longe. Precisamente, o que custa é perceber que tudo isto se banaliza, justamente, como se fossem produtos de supermercado com instruções para uso mais ou menos garantido. Deus detesta a banalidade.
***
Olivier Rolin é um dos grandes autores franceses que vale a pena conhecer – mesmo que tenha preconceitos contra “a literatura francesa”. Experimente ‘Um Caçador de Leões’, finalista do Goncourt, que a Sextante acaba de publicar.
***
FRASES
"Há quem queira perpetuar o instante do orgasmo, mas parece-me uma perspectiva extenuante." No blogue Ouriquense.
"Faço o que gosto e não ligo ao que os outros pensam, senão o País não avança. O corpo é meu." Erica Fontes, 18 anos, actriz porno. Ontem, no CM.
O chileno Luis Sepúlveda é, provavelmente, um dos últimos representantes da larga geração de escritores latino-americanos que procurou na Europa um lugar para viver depois de os seus países terem sido ocupados por ditaduras militares. A Europa acolheu-os por motivos políticos e literários. Eles eram a última hipótese de o bom selvagem ser substituído pelo bom revolucionário; acontece que Sepúlveda ultrapassa largamente a sua condição política e escreveu livros como ‘O Velho Que Lia Romances de Amor’ ou ‘As Rosas de Atacama’. O seu livro ‘A Sombra do Que Fomos’ (Porto Editora) trata dessa memória – nostalgias de esquerda que sobrevivem porque são contadas de forma magistral, sem pena nem tragédia. Sepúlveda continua com uma mão única, um excelente contador de histórias.
***
Aviso-vos: ‘A Princesa de Gelo’, de Camilla Läckberg (Oceanos) é uma grande história policial: um mundo aterrador no interior da Suécia. Comecei a ler ontem, ainda não pude parar. Sai a 9 de Novembro para as livrarias; vão lá.
***
FRASES
"Gerir o quotidiano, os egos. Nada de reformas ou mudanças: o pessoal não gosta." Tomás Vasques, no blogue Hoje Há Conquilhas.
"Fazer chantagem com novas eleições. Esta é a grande prioridade do novo Governo." António Ribeiro Ferreira, ontem, no CM.
Parece que, apesar de vários discursos oficiais e do habitual folclore ‘politicamente correto’, Portugal caiu cinco posições num ‘ranking’ que mede as desigualdades entre homens e mulheres e está agora em 46.° lugar, atrás da África do Sul ou do Lesoto, por exemplo. Mas também do Sri Lanka, da Argentina, da Namíbia ou da Bielorússia. Os critérios deste índice, patrocinado pelo Fórum Económico Mundial, são discutíveis e alguns difíceis de medir. Mas tome-se este exemplo: depois da tomada de posse do governo com mais mulheres na história portuguesa, as únicas fotografias que ontem apareceram na imprensa – eram de homens, isoladamente ou em grupo. Nem por isso especialmente interessantes, os ministros vestiam de cinzento e sorriam entre eles, ligeiramente cansados do poder.
Releio, sem muita surpresa, as últimas páginas do novo livro de Dan Brown, ‘O Símbolo Perdido’, que será publicado na próxima sexta-feira em Portugal (Bertrand). A certa altura, uma personagem, Katherine Solomon, enumera a trilogia básica do romance: “Mistérios Antigos, ciência e Sagradas Escrituras.” Esta é a trilogia básica de Dan Brown e não deve ser escarnecida – vai de encontro aos tempos que correm, onde a dúvida procura prolongar-se nos braços de qualquer incerteza. Robert Langdon, o seu personagem (o mesmo de ‘O Código DaVinci’), entra numa corrida alucinante que decorre nos túneis, labirintos e esconderijos de Washington; é uma cidade totalmente nova que se revela aos nossos olhos, sob o peso do mistério. E sim, é também alucinante o ritmo da história. Diabólico.
***
A Livraria Artes e Letras/Solmar, de Ponta Delgada, tomou a seu cargo a edição de ‘As Ilhas Desconhecidas’, de Raul Brandão. Tem um prefácio de António M.B. Machado Pires e vale sempre a pena a releitura deste livro maravilhoso.
***
FRASES
"Inspiro-me em Camões para terminar. Aqui estamos." José Sócrates, ontem, no CM online.
"Sócrates fez bem em agrupar as prioridades – antes que a realidade lhe entre pela janela." José Medeiros Ferreira, no blogue Bicho Carpinteiro.
Nos últimos dias falou-se muito de religião e de Deus. São coisas diferentes, como se sabe – Deus vive no meio do deserto e não tem nome, nem sombra, nem destino. O seu caminho está coberto pela poeira que esvoaça diante das muralhas que as religiões construíram. Não seremos melhores sem Deus; não seremos piores sem religião organizada. Mas seremos mais infelizes ou incompletos se ficarmos mudos a esse apelo do indizível, do invisível, do deserto. Um instante que seja, uma vez na nossa vida. O nosso mundo explica tudo com grande limpeza e tem uma grande vontade de “transparência”; temos universidades, laboratórios, instrumentos, medições – o que falhou, então, para que se oiça tantas vezes essa voz muda que atravessou séculos de dúvida? Incertos – é isso o que somos.
***
Uma das obras mais surpreendentes, estranhas e, ao mesmo tempo, ignoradas da poesia contemporânea: a Assírio e Alvim rende homenagem a Adília Lopes publicando ‘Dobra’, que reúne a sua obra poética num só volume. Para anotar.
***
FRASES
"A haver um atentado, não vai ser aqui. Portanto, os portugueses podem ficar tranquilos." José Rodrigues dos Santos, ontem, no CM.
"A última coisa de que o PS precisa são tribunais a funcionar." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.
Mesmo com incidentes e acidentes, o jogo com o APOEL aproxima o FC Porto de mais uma fase na Liga dos Campeões, os oitavos de final. É preciso mais um esforço em Chipre, dirão os mais realistas e optimistas, preocupados com o essencial – os resultados, a eficácia do marcador, o que afinal interessa: passar em frente. Há estatísticas que ajudam: o número de remates à baliza, por exemplo, diz que o FC Porto ataca bastante. Infelizmente, o jogo com o APOEL teve bastantes remates mas um resultado magro que prolongou o jogo para lá do desejável e até do aceitável. Fucile, no final, disse que nunca viu o jogo em perigo. Eu vi, todos vimos. É essa a diferença entre este FC Porto (que, caramba!, irá a Chipre sem Mariano) e o FC Porto do ano passado: nós, adeptos, sofremos mais.
Se a observação parece antipática, já Jesualdo tem de entender o sofrimento dos outros – de nós, que não sabemos de arquitectura e de jogo tirado à esquadria, mas que estamos sentados em redor do relvado a contar os minutos de jogo. Ele que me perdoe, mas eu não quero passar noventa minutos assustados pelo APOEL (quem?). Ou então que venha um subsídio para Xanax.
O FC Porto tem de ter sempre alguém para que as bancadas possam assobiar à vontade. Este ano é Mariano González, que tem aquele ar de empregado de mesa do café Tortoni, de Buenos Aires. O cabelinho, o jeito de segurar na bandeja, tudo – ele tem feito de empregado de mesa, até quando é expulso. Até a maneira como a clientela fica exasperada. E, no entanto, os números do jogo com o APOEL, por exemplo, mostram quanto são injustos os assobios diante dos passes certos e das curvas que desenhou pelo relvado. Em outras épocas, houve outros jogadores. Lambro-me de Quaresma entrar em campo e de se levantarem os assobiadores – era injusto, porque Quaresma tinha o seu jeito, o seu compasso, uma forma de pôr os pés no tablao em que exercitava o seu flamenco. Uma coisa, porém, era ver assobiar Quaresma e mandar calar o coro de juízes de bancada; outra, diferente, é pensar que o FC Porto vai a Chipre sem Mariano. E respirar de alívio.
Há um sem-fim de coisas para a agenda da nova ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, mas é preciso dizer que se trata de uma boa escolha. Tem a seu favor o facto de não ter receio de pressões e de saber lidar com elas – e isso é importante porque é preciso fazer escolhas certas e limitadas. É preciso inventar (porque a cultura não existe sem isso), reorganizar e motivar. O património, material e imaterial (dos monumentos à música, das bibliotecas à fotografia e à Internet), espera por decisões e ações. Os subsídios devem merecer-se e não devem ser garantidos à partida. Um eixo fundamental é o da ligação entre a cultura e a educação, para que esta não seja absorvida por tecnocratas. Há muito a fazer, felizmente. Gabriela Canavilhas tem mostrado que gosta de desafios.
***
Ian Kershaw é o autor da monumental biografia de Adolf Hitler publicada pela Dom Quixote. Mais de mil páginas de dados, factos relevantes e um retrato a frio do ditador da Alemanha nazi. Um monumento, de facto.
***
FRASES
"Sem net, a minha vida está arruinada; sem televisão, continua e por bons caminhos." Bernardo Pires de Lima, no blogue União de Facto.
"O Primeiro-Ministro sabe muito de jogo; não do Grande Jogo que é o desenvolvimento do País." Paula Teixeira da Cruz, ontem, no CM.
Temos uma má relação com a polémica. José Saramago disse sobre a Bíblia e as igrejas uma série de coisas previsíveis e houve quem lhe respondesse e ripostasse – nada de mais natural e saudável. É só literatura. Mas houve quem avariasse e tivesse perdido a cabeça de repente: Mário David, eurodeputado e vice-presidente do Parlamento Europeu pediu a Saramago que “fosse consequente” e abdicasse da cidadania portuguesa porque as suas opiniões ofendem Mário David. O dislate não se compreende. Assim, de cada vez que as opiniões de alguém “ofendessem os portugueses”, lá teríamos de lhe pedir para devolver o passaporte. Não. Saramago tem todo o direito de dizer o que disse. E nós de discutir forte com ele. É isso que nos permite viver uns com os outros, pensando coisas diferentes.
Uma das notícias de ontem foi a dúvida da população de Aveiro: parece haver uma proposta para a demolição do Estádio Municipal, construído para o Euro 2004, porque manter aquele monstro é um encargo que a Câmara não pode suportar ou que os munícipes de Aveiro têm de pagar. Tal como o de Aveiro, também o do Algarve e o de Coimbra têm explorações negativas. Trata-se de uma das formas do célebre “investimento público em eventos”. Se não há futebol, haverá concertos; se não houver concertos, arranjam-se concentrações de grupos religiosos; e se não houver nada disso, avança-se para a demolição. Um país de eventos e de investimento público é um país que corre para a frente. Com toda a gente a assistir ao “evento”, naturalmente. Ora, de onde vem o dinheiro para pagar o bilhete?
***
Oportunidade para regressar a John Updike, uma caneta superior: ‘Coelho em Paz’ (Civilização) obriga-nos a reconfirmar o personagem de Updike como um parceiro indispensável a qualquer retrato sobre a América suburbana. Muito bom.
***
FRASES
"Chamei dois dos meus jogadores e disse-lhes ‘ama-o, beija-o’ e eles beijaram-se." Miroslav Blazevic, treinador da Bósnia. Ontem, no CM.
"Somos todos iguais mas o governo alemão é mais igual que os outros." Luís Januário, no blogue A Natureza do Mal.
Sobre a Bíblia há mais do que José Saramago diz (como bom ortodoxo, inspirou-se na ortodoxia adversária). Em primeiro lugar, não se trata de um programa ideológico nem de um guia para a vida prática. Não se limita a enumerar leis de há milhares de anos nem a mostrar os castigos aplicados aos humanos. Não reproduz a história de um Deus material e conveniente. Não é um manifesto para a mudança do mundo. É, antes, o repositório de narrativas que transitam de um povo errante para uma civilização que ocupou o seu lugar no mapa. Não se pode olhar a Bíblia como gostaríamos que fosse – mas como uma hipótese sobre o nosso medo do passado e dos seus mitos. Os fundamentalistas olham-na como tudo; os seus adversários olham-no como nada. Está aí: é papel, é história, narrativa.
***
É hoje lançado em Lisboa o livro ‘Bíblia para Todos’ – trata-se de uma edição literária da Bíblia propriamente dita, sem o aparato teológico ou eclesial (Círculo de Leitores e Sociedade Bíblica). Em texto corrido, como um romance.
***
FRASES
"As mulheres [dos brasileiros] são quase tão belas como as nossas, embora lhes falte o bigode." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.
"Estou cheia de nódoas negras e dores por todo o corpo. Mas estou a adorar." Grazi Massafera, modelo e atriz brasileira, ontem, no CM.
João Tordo ganhou o Prémio José Saramago e é um dos nomes fundamentais da nova geração de escritores da Língua Portuguesa. Os seus romances publicados até agora (‘O Livro dos Homens sem Luz’, ‘Hotel Memória’, e ‘As Três Vidas’ – este, premiado) mostram um narrador hábil, cheio de talento, de leituras e de bom gosto. O talento não é “natural” – aperfeiçoou-se com muito trabalho e, quanto ao bom gosto, é cada vez mais difícil de encontrar em literatura. As suas histórias não decorrem em Portugal (à exceção de parte do último), mas num mundo que se despedaça e se reconstrói por toda a parte onde os seus personagens vivem e morrem. Estejam, por favor, atentos a este autor tão discreto como insistente e sólido. João Tordo não escreve por escrever. Tem uma marca de grandeza.
1. Acho que foi Eduardo, o guarda-redes da selecção, que disse «para falarmos de justiça com frieza, devíamos ter conseguido a qualificação directa para a fase final do Mundial». Foi o mesmo que disse Bolatti no final do jogo com o Uruguai, se bem que Portugal esteja apenas no play-off: «A selecção merecia este apuramento.» Lamento, mas não é verdade. Portugal não merecia o apuramento directo para o Mundial porque fez uma carreira sofrível e medíocre antes destes jogos decisivos, com empates e derrotas inexplicáveis; e a Argentina não sei se merecia passar com tanta limpeza depois do que (não) fez sob o comando de um Diego Maradona que, de jogador genial e de talento único, passou a ser um arrivista sem desculpa, um anão ao pé do seu currículo. Mas as coisas são como são: a Argentina já lá anda e Portugal há-de lá ir se se esforçar. Em futebol não existe o merecimento absoluto – existem resultados e existe qualidade de jogo. O ideal é que as duas coisas coincidam e se aliem para um espectáculo fatal; mas não venham, rapazes, falar de justiça. A justiça não tem nada a ver com isto. Isto é futebol.
2. Por exemplo: é justo o FC Porto ter deixado sair um rapaz como Diego, um talento que fez jogos irrepreensíveis, depois de uma época em que Adriaanse transformou o plantel num molho holandês? Não é. Já viram onde eu quero chegar.
3. Maradona foi um talento extraordinário. Só o vi jogar uma vez no relvado, mas a sua magia ultrapassava os limites do campo – até onde chegava um golo de Maradona chegava o seu mérito, a sua capacidade de nos pôr a sonhar, a magia do baixinho. Vi-o, depois, no estádio do Boca, em Buenos Aires, a assistir ao jogo do centenário do seu clube de sempre (e que o Boca perdeu) – era já uma sombra daquele talento. A mesma sombra arrastou-se pela forma como tem dirigido a Argentina durante esta campanha do Mundial. Uma pena. Para terminar, insultou a imprensa e os críticos. A Argentina precisa de se livrar da figurinha.
4. Vítor Baía completou ontem quarenta anos. Parabéns atrasados a um dos grandes nomes do FC Porto.
As histórias vêm de lugares estranhos. Em França, foi descoberto em Poissy, nos arredores de Paris, o corpo de um emigrante. Estava mumificado, sentado numa cadeira há cerca de dois anos. Viveu naquela casa cerca de seis anos – tempo suficiente para que alguém o procurasse ou desse com ele. Nenhuma dessas coisas aconteceu. Em França, no início do Verão, são abandonados cerca de mil velhos por ano, para que morram sem incomodar as famílias que vão de férias. Este português também foi esquecido – pelos seus e pelos outros. É uma história trágica, de romance, que funciona como um sinal dos tempos: as pessoas podem esconder-se ou serem escondidas e esquecidas. Há quem venha agora falar da solidão e da velhice. Não é bem. É só uma vida difícil, uma vida sem sentido.
A Feira do Livro de Frankfurt não é uma festa – não há tempo para tanto, e só quando as suas portas fecham, com a noite, os editores procuram uma sombra daquilo que foi “a Feira”. A única. A maior. Aquela que reunia gente de todo o mundo à procura de um livro, ou em redor de um livro – e que era o retrato de uma geração que dava tudo pelo livro. Hoje, os negócios fazem-se antes da Feira, pela net. Durante o dia, a Feira é uma montra de novidades ao longo de 12 kms de livros expostos e, este ano, de curiosidades sobre a China, o país convidado. Uma casta de negociantes e de gestores com feitio de gabiru empobreceu o mundo da edição com as suas folhas de cálculo e a sua ignorância. Por isso, Frankfurt perdeu o seu ‘glamour’. É preciso vir cá, sim. Mas só para ver os amigos.
"Escrever é um divertimento." João Paulo Borges Coelho, vencedor do Prémio Leya, com o romance ‘O Olho de Hertzog’. Ontem, no CM.
"Sócrates começa a encontrar formas de tentar sair ileso de futuros impasses." Joana Carvalho Dias sobre a insistência de José Sócrates no “dialogo”, no blogue Hole Horror.
Jantei com Maitê Proença em Lisboa, possivelmente na mesma altura em que a atriz gravou o vídeo que agora está na internet. Nele, Maitê (sempre bem tratada pelos portugueses, que inclusivamente lhe compram os livros) dá por adquirido que os portugueses são inábeis, atrasadinhos, enfim – o costume. Durante esse jantar, Maitê mostrou-se encantada com Portugal, e creio que era mais do que simpatia. Mas no Brasil é outra coisa. Faz parte do gene brasileiro esse apetite saudável por Portugal, a velha metrópole de padeiros, açougueiros e gente desajustada. As jovens nações, entusiastas e adolescentes, acham gracinha a tudo. Comportam-se como crianças quando descobrem a careca dos avós. É natural e compreensível. Depois crescem. Ou pedem que lhes apreciemos as pantomineirices.
***
Acaba de sair e é um monumento: ‘A Luz Fraterna’, em capa dura, edição Assírio & Alvim, 654 páginas, reúne toda a poesia de António Osório: um bosque no meio da terra, um relâmpago que ilumina o resto do ano. Grande poesia.
***
FRASES
"Não consigo perceber. Para mim foi uma surpresa muito grande." Fátima Felgueiras, sobre a sua derrota eleitoral. Ontem, no CM.
"Não pude ver o jogo da seleção em que o bruxo derrotou o Cristiano." Pedro Vieira, no blogue Irmão Lúcia.
A cidade de Baltimore, no Maryland, decidiu recriar o funeral de Edgar Allan Poe, um dos filhos da terra. Esta homenagem póstuma tem a ver com o funeral de há 160 anos, quando Poe foi enterrado quase em segredo, com a cidade a ignorá-lo. Conheci uma das bibliotecas de Poe, a Athenaum, em Providence, Rhode Island: umas salas belíssimas e tranquilas onde o escritor se escondia durante a tarde e onde lia e escrevia a muitos quilómetros de Baltimore e a dois passos de uma das mulheres da sua vida. Rodeada de árvores frondosas, das baías belíssimas que vão até Cape Cod e do céu negro que cobre aquele litoral, talvez esse cenário fosse melhor do que Baltimore. Poe sobreviveu à sua vida; é natural que sobreviva ao seu segundo funeral, mesmo que Baltimore esteja arrependida.
***
‘Caim’, o novo romance de José Saramago (Caminho), questiona Deus, ou seja, como se diz na primeira linha, “o senhor, também conhecido como deus”. Tem 182 páginas e as livrarias recebem-no como um dos livros do ano. Está a chegar.
***
FRASES
"Disse que se não ganhasse entrava na sala e matava toda a gente." Eduardo Gonçalves, de Ermelo, sobre o crime de António Cunha. Ontem, no CM.
"Santana não vai aguentar tanto tempo sem votos. Sporting, PSD, condomínio: tudo boas hipóteses." Bruno Sena Martins, no blogue Avatares de um Desejo.
Ontem, domingo de eleições, almocei com um amigo italiano. Expliquei-lhe, sucintamente, que Portugal era um país brando e solarengo, mas cujos humores oscilavam bastante. Temos uma tradição de homicídios políticos pela província. Neles, tudo se mistura: caçadeiras a monte, ódio político, disparate latente e questões sentimentais. O caso de Ermelo, Vila Real (900 eleitores), vem daí. Em Portugal não seria possível uma disputa italiana como a de Giovanni Guareschi, entre Don Camillo e Peppone. Falta-nos humor para o essencial e coragem para olhar as coisas de longe. Camillo e Peppone, o padre e o comunista, sabiam que eram parte do conjunto – e ajudavam-se para nenhum deles perder a face. A miséria da política é como em Ermelo: pede a exclusão. Daí ao tiroteio é um passo.
***
Um clássico do pensamento conservador europeu: ‘Defesa da Sociedade Natural’, de Edmund Burke, é publicado na colecção de Política dirigida por Diogo Pires Aurélio na Temas e Debates - com tradução e notas de Pedro Santos Maia.
***
FRASES
"Tenho-me preocupado bastante com a falta de preocupação do Sporting em relação ao Benfica." Rogério Casanova, no blogue Pastoral Portuguesa.
"Ele sabe quem tem. O meu coração é só dele, não é de mais ninguém." Luciana Abreu, namorada do futebolista Yannick Djaló, sobre as ‘cenas ousadas’ na telenovela ‘Perfeito Coração’. Ontem, no CM.
O que faz um jogador mais do que os outros? Futebol, é isso que ele faz. Nos meus tempos de bancada no Estádio das Antas – há dez anos, digamos – havia um grupo de amigos que voltava as costas ao relvado de cada vez que certo jogador tocava na bola. Eles tinham razão: por muitos títulos que o FC Porto tivesse ganho durante essas épocas, uma coisa eles não desculpavam – o mau futebol. Quando era preciso indicar um nome para significar «mau futebol», eles não precisavam de enumerar as trincheiras do inimigo; bastava-lhes começar em casa para assinalar as desilusões (fez escola a lista de «novos Eusébios» que apareceu na altura e que desapareceu em equipas secundárias ou em folhas de dispensa às escondidas). Nem todos os avisos fizeram escola ou tiveram sucesso. Em primeiro lugar, porque o FC Porto acabou por triunfar; em segundo, porque os adversários facilitaram as coisas escolhendo jogadores ainda piores. Não me puxem pela língua. Nisso, as bancadas das Antas, como agora as do Dragão, foram uma escola de «humildade democrática» e de honestidade: ninguém insulta melhor os nossos jogadores do que um de nós. Porque está melhor colocado para o fazer e porque tem toda a legitimidade.
Os tempos mudaram. Aprendeu-se muito, entretanto. Continua-se a esperar a catástrofe nas linhas inimigas, mas o perigo está cá dentro. Pensei nisso enquanto via o jogo com o Olhanense e observava as movimentações de Castro e a afoiteza de Rabiola. E perguntava-me (desculpai, ó autoridades) o que faziam Mariano e Tomás Costa nos seus lugares. Um descuido, e Rabiola havia de fazer desgraça a passe de Castro. Sou capaz de enumerar vários casos, mas deve haver razões para que jogadores de «futura primeira linha» sejam dispensados enquanto se valorizam repolhos que vestem as cores das nossas camisolas. Vi o mesmo depois, no jogo do Benfica com o Paços, ao apreciar dois ou três lances de génio de Cristiano (que é brasileiro).
Como lhes disse, é capaz de haver desculpas sérias e argumentos aceitáveis. Mas eu sei que tenho razão.
Reduzir Irving Penn (que morreu anteontem em Nova Iorque aos 92 anos) à categoria de “fotógrafo de moda” é injusto. De entre as suas grande imagens estão retratos de Truman Capote, Colette, Levi-Strauss, Jean Cocteau, Alberto Giaccometti ou as fotografias que eternizam Marrocos. Penn era um dos momentos altos da fotografia contemporânea: cheia de clareza mais do que de claridade, de nitidez, de cuidado e de grande estilo. Os seus retratos eram fragmentos de uma encenação – o que levou os mais apressados a declararem-no “pouco puro”. Pelo contrário. O que Irving Penn fixou era, antes de mais, um desejo de pureza absoluta nas suas imagens estilizadas, iluminadas com requinte. A encenação, descobriu ele cedo demais, não era um pecado. Era, de facto, uma condição do mundo.
***
Andrew Sean Greer é um dos nomes da nova ficção americana, de que a Civilização acaba de publicar ‘A História de um Casamento’, cuja frase dominante nem nos surpreende nem nos assusta: “Julgamos conhecer aqueles que amamos.” Chega?
***
FRASES
"O pai camarada, o professor camarada não é uma coisa boa. Não se pode educar sem autoridade." Daniel Sampaio, ontem, no CM.
"Se eu tivesse uma gamela em Bruxelas também fazia uma campanha desastrosa." João Miranda, no blogue Blasfémias.
O mais recente livro de Francisco José Viegas, «Mar em Casablanca», foi apresentado na Lx Factory, em Lisboa. Editado pela Porto Editora, a nova aventura do detective Jaime Ramos coloca o escritor no patamar dos grandes autores da língua portuguesa de sempre, defende o cineasta António Pedro Vasconcelos.
A Cantina LX foi pequena para acolher os amigos e admiradores da escrita de Francisco José Viegas, visivelmente emocionado com a presença de inúmeras caras conhecidas. Um dos rostos mais antigos no restaurante era o de Manuel Alberto Valente, editor da Porto Editora, o mesmo editor que publicou o primeiro livro de Viegas na ASA, em 1992, «As Duas Águas do Mar». Após 18 anos de relação, Alberto Valente temeu que o seu pupilo não o acompanhasse na Porto Editora aquando deixou a Leya, «e não a ASA», ressaltou, já que o criador de Jaime Ramos tinha assumido entretanto o papel de editor da Quetzal. No entanto, fiel aos seus princípios, o escritor manteve-se com o seu eterno editor, um gesto que não o deixou indiferente. «Além da amizade que tenho por Viegas, pois me considero uma espécie de irmão mais velho dele, um dos motivos pelo qual eu queria continuar a publicá-lo é porque o considero o mais importante escritor da sua geração. Mas, devido a rótulos, por escrever supostos policiais, esse valor não é reconhecido como deveria ser. Grande parte da melhor literatura contemporânea encontra-se nos romances policiais».
António Pedro Vasconcelos, convidado a apresentar «O Mar em Casablanca», relembrou que, quando acabou de ler o anterior livro de Viegas, «Longe de Manaus», enviou um SMS ao escritor a agradecer o tempo que tinha passado com a obra, mesmo sem o conhecer profundamente. O cineasta assumiu que começou a ler tarde os livros de Viegas e colocou o autor no mesmo patamar dos grandes nomes da literatura nacional, como Fernando Pessoa e José Cardoso Pires, por exemplo. O cineasta ressaltou ainda que o detective Jaime Ramos diz adeus ao seu passado em «O Mar em Casablanca» e que o livro deve ser cantado, «já que os romances de Francisco José Viegas são músicas que devíamos cantar para nós próprios». Depois de exaltar os diálogos e a estrutura de «O Mar em Casablanca», de ler excertos da obra, de referenciar o resgate de parte da cultura portuguesa que encontramos nos livros de Viegas e felicitar a grande capacidade de descrever a atmosfera e os ambientes nos seus romances, Vasconcelos despediu-se com uma pergunta ao autor: «Jaime Ramos e o seu subordinado, sendo do Norte, falavam com pronúncia? É importante sabermos esse pormenor porque devemos ler «O Mar em Casablanca» como a ouvir música.»
Francisco Viegas respondeu que o subordinado tinha pronúncia, ao contrário do detective. Como um jovem apaixonado, o homenageado da noite não escondeu a paixão pela sua criação, principalmente porque Jaime Ramos conseguiu sobreviver ao autor, é independente, «e não há nada que orgulhe mais o escritor do que um personagem ganhar vida própria». O autor revelou que já tentou escrever uma história sem Jaime Ramos, mas demorou sete anos a escrevê-la, entre 1995 e 2002. «Durante esse tempo ele ficava à minha frente na secretária (…) Jaime Ramos não é um detective tradicional, não tem problemas com o álcool ou com drogas. Ele continua provinciano, conservador, não gosta de novidades».
José Viegas admitiu orgulhoso que o seu detective escapa muitas vezes das suas mãos, como aconteceu um dia em Leiria, também durante uma apresentação. «Uma pessoa perguntou onde ele morava e eu disse que no Porto, em tal rua, no primeiro andar. Uma senhora na assistência interrompeu e disse que era no segundo; depois perguntaram qual o carro que ele tinha, a mesma senhora disse que era um Volkswagen. Ele tem realmente uma vida própria.»
E é essa «vida» que mais uma vez Francisco José Viegas revela em «O Mar em Casablanca», da Porto Editora.
É dia de Nobel, portanto. Tenho as minhas preferências (Roth, Magris, Kadare, Oz...) mas não faço apostas. O Nobel da Literatura nem sequer é uma lotaria; trata-se, antes, de uma decisão cheia de conveniências e de pormenores pouco abonatórios – desde o simples e aceitável ‘gosto literário’ até à embirração pura ou à valorização política de certos autores e à desvalorização de outros (Cheever, Updike ou Borges não o receberam). Ninguém pode contar com uma decisão limpa e equidistante – mas há de contar com uma, e ficaremos contentes ou desiludidos, mesmo sabendo que a literatura não começa nem acaba no Nobel. Todos os anos, o ‘efeito Nobel’ provoca este género de discussões, o que significa que, lá no fundo, alimentamos o desejo de que os livros sejam, pelo menos, lidos.
***
Poesia para dias de Outono: ‘Se Fosse Um Intervalo’, de Ana Luísa Amaral (Dom Quixote), um belo livro: “Um pequeno relâmpago/ que se vestia há muito/ para uma cena assim: dizer adeus a uma vida longa/ em que os actores sobravam”.
***
FRASES
"Não é ainda uma situação que podemos antecipar como muito difícil." Adérito Serrão, Prés. do Instituto de Meteorologia. Ontem, no CM.
"Nobel para Paul Auster? É muito simples: no dia em que isto acontecer eu mato-me." Rogério Casanova, no blogue Pastoral Portuguesa.
Leveza, melancolia, inteligência – leio as primeiras páginas de ‘Uma Semana em Outubro’, da chilena Elizabeth Subercaseaux (edição da Civilização) e dou com um romance sobre a sobrevivência e o combate ao mal. Um livro de Outono.
***
FRASES
"Hollywood é um mito que faz as pessoas sonhar. Nunca lá vivi. É uma cidade feia." Michelle Pfeiffer, ontem, no CM.
"Baixar o nível nunca é boa tática, sobretudo quando o nível do adversário é o que é." Fernanda Câncio, no blogue Jugular.
Amália Rodrigues morreu há dez anos. Na lista de nomes que a eternidade tocou, mesmo ao de leve, o seu está lá – pela voz, mas também pelo que representa para além do fado. Transformá-la em mito foi fácil, uma vez que já o era em vida com as suas canções, a sua travessia da história, a sua fama. Dez anos depois, o fado ressurgiu com novas vozes, algumas de grande brilho; parte deste “novo fado” tem uma marca de homenagem à mulher que melhor o interpretou e que fez dele o que quis e o tratou como uma segunda pele. Há entre o fado e o nosso temperamento uma relação de infidelidade: por um lado, queremos escapar à melancolia extrema e trágica da “canção nacional”; por outro, nada explica tão bem a melancolia portuguesa como essa dolência que Amália personificou e eternizou.
***
Reinhard Mohn, fundador da Bertelsmann, morreu anteontem. Foi um visionário e um recriador da edição europeia, o homem que imaginou os ‘clubes do livro’. Sem ele, a história do livro no século XX seria muito menos interessante.
***
FRASES
"Com metade do orçamento ficámos quatro anos à frente do Benfica." J. E. Bettencourt, presidente do Sporting. Ontem, no CM.
"A minha mãe diz que só escrevo sobre sexo." Mónica Marques, escritora, no blogue Sushi Leblon.
A República faz 99 anos. Na história das revoluções portuguesas é um acontecimento que marca todo o século XX – mas, cem anos depois, não significa nada: tirando o laicismo e a educação pública, não há uma herança cultural ou política da I República, tirando uns festejos comemorativos, com deposição de coroas de flores e romagens aos cemitérios, ou paixão pelas bombas e atentados que percorreram as suas ditaduras e castas. O legado dos ‘pais da República’, de Teófilo Braga a Afonso Costa, passando por Bernardino Machado e António José de Almeida, deve hoje ser reanalisado e subtraído ao discurso do heroísmo patético do breve regime de 1910. Hoje, ouvir-se-ão discursos sublinhando a herança da República e os valores da República. Uma patetice e uma mentira convenientes.
***
‘A Estrutura das Revoluções Científicas’, de Thomas S. Kuhn, foi um dos livros fatais da minha formação universitária. Mudou tudo na forma como se encarava a ciência e a investigação. Finalmente, é publicado pela Guerra e Paz.
***
FRASES
"O que ninguém discute [na Justiça] são as questões que nos tocam a todos." Eduardo Dâmaso, ontem, no CM.
"Eu nunca casei de branco. A primeira vez foi de cor-de-rosa e a segunda de pérola quase bege." Alexandra Lencastre, ontem, no CM.
Passei o jogo com o Atlético de Madrid a jantar com um amigo benfiquista e dividi com ele o belo jogo de Fucile. Sempre gostei de o ver. Tem o ar matreiro do lado de cá do Rio da Prata – imagino-o a contar anedotas uruguaias sobre os argentinos. Uma das mais populares é a do uruguaio que pergunta se em Buenos Aires também conhecem «aquela música de Montevideo, o tango», o que leva qualquer argentino ao desespero e à indignação mais brutal, tentando ignorar que Gardel pode bem ter nascido no Uruguai, e que «La Cumparsita» foi composta em Montevideo. A alcunha de Fucile é «esquilo», o que lhe assenta bem, correndo pela lateral, atacando e defendendo, determinando as fronteiras naquele território – e, no caso, reduzindo o madridista Simão à insignificância. Separa-o do lateral um subtil toque de atrevimento e dureza, se bem que não relembre – pelo estilo e pela velocidade dos pés – o jeito de Bosingwa.
A outra boa surpresa em construção é Beluschi, naturalmente; já o tinha escrito aqui. Se numa orquestra é necessário haver um elemento que interprete o alinhamento geral, lendo a pauta de todos os instrumentistas, deslocando-se para ocupar os lugares vazios – esse alguém é Beluschi.
Eu não fui ver o jogo do Dragão contra o Atlético de Madrid, mas fui um dos que assobiou Simão Sabrosa lá dentro. Explico: o futebol é assim – assobiar, vaiar, festejar, rir, ulular. Nelson Rodrigues dizia que, no Maracanã (o estádio que leva o nome do seu irmão, Mário Filho), «até minuto de silêncio era vaiado».
Começo com isto por ter lido várias críticas ao comportamento dos adeptos nas bancadas (onde eu não estive, mas com quem partilhei a vaia) em relação a Simão Sabrosa e a Paulo Assunção. Esta ideia de um futebol asséptico disputado entre guerreiros no relvado parece-me absurda. Cada jogador sabe que não enfrenta apenas o onze adversário; enfrenta os milhares das bancadas – só isso lhe confere o estatuto de representante de uma tribo que defronta a outra. E deve sorrir diante das vaias, se tiver fibra de herói. De contrário é apenas isso: um adolescente que não cresceu.
Tenho na minha frente os primeiros capítulos de ‘Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?’, o novo romance de António Lobo Antunes (edição Dom Quixote) – e noto a sua permanência no domínio da melancolia. Agrada-me isso, um autor que insiste, que regressa, que enfrenta os seus fantasmas. É o mesmo autor que, em entrevista ao jornal ‘Folha de São Paulo’ diz que se trata de “um livro óptimo para dar um trabalhão à crítica”. Lobo Antunes “queria fazer um romance à maneira clássica, que destruísse todos os romances feitos desse modo”. Temos um Lobo Antunes preocupado com a crítica, ou apenas interessado em afirmar a singularidade do seu livro? Não é bom sinal, porque um livro deve dar um trabalhão aos seus leitores e, sobretudo, deve dar um trabalhão ao seu autor.
"Se há aí alguém interessado em promover a restauração da monarquia, este é o momento, rapazes." Lourenço Cordeiro, no blogue Complexidade e Contradição.
"As amostras analisadas correspondem, sem dúvida, ao crânio de uma mulher." Linda Strausbaugh, que investigou os restos mortais de Adolf Hitler. Ontem, no CM.
O cineasta António Pedro Vasconcelos foi escolhido pela Porto Editora para apresentar o novo romance de Francisco José Viegas, "O Mar em Casablanca".
A apresentação está agendada para o dia 7 de Outubro na Cantina LX - LX Factory, em Lisboa, a partir das 22h00. No final será servido um cocktail, ao gosto do inspector Jaime Ramos.
"O novo romance de Francisco José Viegas, vencedor do Grande Prémio de Romance e Novela da APE, 2005, com a obra "Longe de Manaus".
O que une um cadáver encontrado nos bosques que rodeiam o belo Palace do Vidago e um homicídio no cenário deslumbrante do Douro? O que une ambos os crimes às recordações tumultuosas dos acontecimentos de Maio de 1977 em Angola? Jaime Ramos, o detective dos anteriores romances de Francisco José Viegas, regressa para uma nova investigação onde reencontra a sua própria biografia, as recordações do seu passado na guerra colonial - e uma personagem que o persegue como uma sombra, um português repartido por todos os continentes e cuja identidade se mistura com o da memória portuguesa do último século. História de uma melancolia e de uma perdição, O Mar em Casablanca retoma o modelo das histórias policiais para nos inquietar com uma das personagens mais emblemáticas do romance português de hoje".
Toda a gente tenta fingir que se trata de um escândalo e eu aviso: não acho. Não tenho opinião definitiva e gosto moderadamente da obra de Roman Polanski. A sua detenção está a chocar meio mundo e a indignar diplomacias paralelas e “gente da cultura” – que pedem a sua libertação imediata. Eu também acho que era bom termos Polanski cá fora. Infelizmente, por motivos puramente legais, isso não é possível: cometeu um crime e reconheceu-se culpado. Corre o risco de ser extraditado para os EUA, de perder uma batalha legal e de passar largos anos preso. O problema é esse meio mundo que pede a sua libertação “em nome da cultura”. E se, em vez de Polanski, fosse outra pessoa qualquer a ser acusada de ter violado uma rapariga de 13 anos? Também seria libertado “em nome da cultura”?
***
É o grande lançamento da Lua de Papel para a temporada: ‘O Filósofo e o Lobo’, de Mark Rowlands, o relato de uma relação estreita entre um professor de filosofia e um lobo. E uma meditação sobre a lealdade e a vida em sociedade.
***
FRASES
"O que tem graça neste livro é que cada um pode fazer o seu. Se não gostarem, façam outro." João Botelho, sobre a adaptação do ‘Livro do Desassossego’ para o cinema. Ontem, no CM.
"Isto não teria acontecido se Cavaco tivesse um Magalhães..." Rodrigo Moita de Deus, no blogue 31 da Armada.