janeiro 15, 2011

Uma percentagem de desacerto

Já não se lembram mas tínhamos um problema com golos. Há quatro anos, no início da época de 2006-2007, Adriano imitava McCarthy, que imitava o meu vizinho Lino, que jogava aos Sábados nos treinos do campo de saibro do velho Desportivo de Chaves: era deprimente a quantidade de golos que podiam ter en­trado e não entraram. Às vezes, a bola traça-lhe tangentes, encos­ta-se-lhe a pedir para ser empur­rada para a baliza – mas a per­centagem de desacerto é esma­gadora. Jogar é afastar a infelici­dade; em futebol, falhar golos é o princípio da infelicidade mesmo que os floreados se encaminhem na direcção certa. Nós, na bancada, estávamos deprimidos. Às vezes, temo que a história se repita. Num mundo perigoso e aborrecido, já não temos paciência para dispu­tas complicadas. Nem sempre é possível ganhar por 5-0, como ao Benfica. A vitória contra o Pinhalnovense (com dois golos magníficos de Hulk) revelou o heroísmo dos rapazes da Segunda: um grupo cheio de garra, que mereceram chegar aos oitenta minutos.

Mas a semana não ficaria completa sem recordar o essencial da memória de qualquer portista de coração disponível: o golaço de Guarín. Um tiro a 37 metros vale a choraminguice de outros jogos. Apontado, preparado, municiado: o disparo partiu com a bênção de um raio divino. Guarín reabilitou-se a meus olhos e mereceu marcar o segundo, afastando os fantasmas de uma liga tropeçona e à procura de reforços de Inverno.

Sobre ele, o mercado de Inverno, digamos que está à al­tura do futebol português; é mentiroso. Quem não tem dinheiro não tem vícios, essa devia ser a regra, mas o negócio do Benfica, das marcas e das primeiras páginas (misteriosos conluios, destinados a falsificar o jornalismo e o futebol) é sempre absolvido, lembrando os negócios ruinosos das parcerias público-privadas pagas pelo Estado; quem vai pagar a factura? A esta hora, salvo erro, não há jogador que não esteja na calha da bolsa portuguesa. Se fosse verdade, daqui a uns dias havia congestionamento no aeroporto da Portela. Só vai ficar a solidão da arrogância.

in A Bola - 15 Janeiro 2011

Etiquetas: