janeiro 23, 2011

Quantos de nós somos?

A Colecção de livros da Cotovia de autores muito diversos, em que todos escrevem sobre temas judaicos, é um acto de enorme coragem editorial.Desde o 11 de Setembro de 2001 que todas as discussões sobre religião estão inquinadas pela sua contaminação pela violência e pela "ordem civilizacional". Aquilo que devia ser uma "conversa sobre a solidão do deserto" transformou-se na velha e complexa história da culpa e o palco – que devia ser, provavelmente, o do diálogo – foi o do ressentimento permanente. Judaísmo e Islão, sobretudo, mas o Cristianismo também e de forma crescente, foram envolvidos nesse combate desigual entre inteligência e oportunismo político, entre ignorância e tolerância. Quem ganha? Naturalmente, o oportunismo e a ignorância. E também o lugar-comum, a má-fé e o sentido de injustiça. Em redor do Judaísmo, então, o cerco de preconceitos e de esquecimentos é ainda mais notório.

A publicação de estudos sobre o Judaísmo, a religião e a cultura judaicas, a história das comunidades judaicas e monografias sobre as suas tradições tem registado um enorme défice entre nós, contribuindo para manter preconceitos históricos que atravessam vários séculos da nossa história, ignorância sobre os princípios do Judaísmo e, até, um certo receio de abordar temas que deveriam ser-nos próximos ou comuns, de tal forma Portugal está ligado ao destino da vida dos judeus. Aqui e ali publicaram-se, nos últimos anos, estudos sobre os judeus depois da II Guerra em Portugal (de Irene Pimentel), uma excelente recolha de gastronomia judaico-transmontana e apontamentos avulsos que relembram essa ligação e essa passagem.

MATÉRIA JUDAICA

No meio desta amálgama heteróclita e dispersa, a Livros Cotovia decidiu iniciar uma colecção de livros sobre "a matéria judaica", mas não exclusivamente religiosa ou "favorável". Uma simples leitura dos títulos dos primeiros seis livros dá conta desse carácter flutuante, diverso e plural – e nada fechados sobre si mesmos, sobre o tema ou as suas repetições.

Os livros são de Moacyr Scliar (‘Judaísmo. Dispersão e Unidade’, 150 págs.), Primo Levi (‘O Dever de Memória’, tradução de Esther Mucznik, 108 págs.), Helena Salem (‘Entre Árabes e Judeus’, 158 págs.), Karl Marx (‘A Questão Judaica’, 88 págs.), Bernardo Sorj (‘Judaísmo para Todos’, 170 págs.) e Samuel Schwarz (‘Os Cristãos-Novos em Portugal no Século XX’, 200 págs.). O texto de Schwarz é um clássico notável e, ao mesmo tempo, um manifesto sobre a beleza do Judaísmo secreto português – reedição do seu estudo de 1925, merecia um documentário que analisasse a "existência de judeus clandestinos, em pleno século XX, num país democrático e republicano da Europa".

O livro de Bernardo Sorj (autor, com Nilton Bonder, de um extraordinário ‘Judaísmo para o Século XXI. O Rabino e o Sociólogo’) é de uma clareza meridiana e simples. O testemunho de Helena Salem, dividida nas terras do deserto, pode ser lido como um romance. As inquietações transcendentes e claríssimas de Primo Levi mantêm-se actuais e urgentes, tal como a narrativa quase pedagógica de Moacyr Scliar. Isto não é apenas uma colecção. É um enorme acto de coragem editorial.

MÚSICA: ALOE BLACC

O homem vem a 4 de Maio a Lisboa. Do disco (‘Good Things’) as adolescentes preferem ‘I Need a Dollar’; eu acho providencial a versão de ‘Femme Fatale’, dos Velvet Undergound (com Nico). Aloe Blacc é uma voz suave e romanesca e pode ser que, além de ‘Good Things’, a curiosidade vos faça ouvir ‘Shine Through’ (2006).

Resumo: Músico norte-americano cujo trabalho de estreia data de 2006.

Título: CD ‘Good things’

SÉRIE: ‘LIE TO ME’

Eu, para vos dizer a verdade, não acredito naquela série de patranhas. Mas acredito em tudo o que Tim Roth faz e diz (mesmo quando são mentiras, como ‘dr. Cal Lightman’) e tenho um toquezinho de nervos, cheio de reverberações pseudo-eróticas, em relação a Kelli Williams (a ‘dra. Gillian Foster’).

Resumo: Série de TV da FOX exibida em Portugal naquele canal por cabo

Título: 'Lie to Me'

Intérpretes: Tim Roth, Kelli Williams e Brendan Hines

CONCERTO: DEOLINDA

Já expliquei que não vou a concertos com ‘moche’ incluído – e suas variantes. Mas há quem goste de concertos; eu gosto dos Deolinda e da voz de Ana Bacalhau por causa da ironia, do gosto agridoce, da desfaçatez, da crítica, do som – e da originalidade que transforma o fado em fadinho, e lhe dá um ar de coro abissal e castiço.

Resumo: Os Deolinda estrearam-se em 2008. O segundo álbum, ‘Dois Selos e Um Carimbo’, está no top desde Abril

Datas: Dias 28 e 29

Local: Coliseu de Lisboa

FUGIR DE...

‘O TURISTA’

A história realizada por Florian Henckel von Donnersmarck é boa. Além da história, só Johnny Depp, no papel de Johnny Depp. Tudo o resto é confrangedor. Angelina Jolie é pirosa, escanzelada, diz as piores frases dos últimos anos de cinema vulgar. O ritmo é o de uma espécie de perseguição de gôndolas em Veneza com direcção de Manoel de Oliveira.

Realizador: F. von Donnersmarck

Intérpretes: Angelina Jolie e Johnny Depp

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