Em 1986, na então redacção do ‘Jornal de Letras’ (onde eu trabalhava como editor da área de livros e de dossiers), preparávamos um "especial" sobre "leituras de Verão"; a ideia que então estava na moda, e que nós perseguíamos com tanta insistência como irresponsabilidade, era a de inventariar uma série de livros ‘mais leves’ como sendo recomendáveis para misturar com areia da praia e sestas prolongadas.
Um dos colaboradores era Manuel João Gomes (autor, crítico, tradutor e, sobretudo, um leitor amável, generoso e exigente), que protestava com energia: no seu caso, dizia, aproveitava o Verão para ler clássicos, livros densos, ou livros que já se leram há anos. Só com a idade, a mestra de quase todas as coisas, percebi que a razão estava do lado de Manuel João Gomes.
Ler livros que já foram lidos é uma das atitudes mais nobres que é possível manter na relação com a literatura – até para provar que nenhum livro se esgota na última página. Durante duas semanas de férias li apenas livros que já tinha lido.
Li seis John Le Carré. Recomendaria todos. Do ponto de vista estritamente "literário", talvez ‘Um Espião Perfeito’, ‘O Venerável Espião’ ou ‘O Fiel Jardineiro’. Do ponto de vista da "acção política", talvez ‘O Espião Que Saiu do Frio’, ‘O Alfaiate do Panamá’ ou ‘A Casa da Rússia’.
SMILEYEscolhi ‘A Gente de Smiley’ – o livro final da trilogia iniciada com ‘A Toupeira’ e onde nunca nos conseguimos livrar da imagem de Alec Guinness interpretando o papel de George Smiley: discreto, vencido no amor e na honra, com o heroísmo silencioso dos simples. É uma visita ao universo de George Smiley, o personagem que, em ‘O Venerável Espião’, reconstrói todo o edifício dos serviços secretos britânicos, entretanto postos a nu com a deserção de Bill Haydon, o agente britânico ao serviço do "Centro de Moscovo", que não apenas se entregou a Karla (o grande chefe da espionagem soviética) como, para destruir mais profundamente Smiley, teve uma relação amorosa com a mulher deste, Ann.
‘A Gente de Smiley’ é o livro mais poderoso e sentimental Le Carré. Aquele onde respiramos mais intensamente, onde vivemos cada movimento ou decisão inexplicável de Smiley, um agente reformado, entregue à investigação sobre poesia clássica alemã e que, um dia, retirado entre a casa de Baywater e a Biblioteca Britânica, é chamado para ‘limpar’ a morte de um velho agente assassinado.
Smiley percorre a via-sacra dos vencidos e humildes, com um objectivo final: vencer Karla, o seu arqui-inimigo. Numa linguagem poética (que só se repetiria em passagens de ‘O Fiel Jardineiro’), a viagem sentimental de Smiley há-de levá-lo de novo a Hamburgo, às ruas de Londres, aos corredores de Whitehall e a Berlim, onde todos os destinos da espionagem desses anos se jogavam, diante do muro. Recomendo-o muito. Leiam-no antes que eu desate a plagiá-lo.
RESUMO
George Smiley, já na reforma, é de novo convocado para o serviço para enterrar o caso de um velho conhecido, morto a tiro.
AUTOR: John Le Carré
EDITORA: Dom Quixote (480 páginas)
EXPOSIÇÃO: ‘A NOSSA CARMEN. A MAIOR LUSO-BRASILEIRA DE SEMPRE’
"Se não teve oportunidade de ler a excepcional biografia de Ruy Castro, aqui está uma segunda via para chegar a Carmen Miranda, a portuguesa que teve a sorte de ser brasileira. Em Portugal, seria fechada em casa; no Brasil, transformou-se numa artista."
Local: Centro Cultural de Cascais
Horário: terça a domingo 10/18h00 (até 26 de Setembro)
FILME: ‘ÁGUAS AGITADAS’
"O ‘cinema nórdico’ não existe (apesar de Ingmar Bergman); acontece, simplesmente, que há excelentes filmes realizados nos países nórdicos, como este de Poppe. O que surpreende é a beleza dos cenários, a clareza dos diálogos, o respeito pelas personagens."
RESUMOJan Thomas sai da prisão. Consegue emprego numa igreja, como organista, e inicia uma relação com a pastora.
Realizador: Erik Poppe
Exibição nos cinemas
MÚSICA: RICHARD YOUNGS
"Hoje não existe, propriamente, pop. Existem canções que perduram e que sobrevivem mais de um mês no iPod. O disco de Richard Youngs mistura as suas influências (folk britânico, suaves ritmos de dança) para fazer isso mesmo: canções que perduram, boas para exercício de mnemónica."
Título: ‘Beyond the valley of Ultrahits’
Músico: Richard youngs
Edição: Jagjaguwar/Flur
FUGIR DE...
‘OS MERCENÁRIOS’
O que fariam, num mesmo filme, Stallone, Schwarzenegger, Rourke e Willis? Resposta: uma epopeia sobre os velhos duros do ‘cinema de aventuras’, por exemplo. O que fazem, neste filme: tudo de mau. Há outra hipótese: o filme é tão mau, tão mau, tão cheio de testosterona inútil – que é bom. Pode ser... mas cuidado.
Título original: ‘The Expendables’
Realizador: Sylvester Stallone
Intérpretes: Sylvester Stallone, Jet Li, Mickey Rourke, Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger
Exibição nos cinemas
in Correio da Manhã - 29 Agosto 2010Etiquetas: Escolhas