Eu tinha chegado à Guatemala e vira aquele céu coberto de nuvens tapando os vulcões – um véu de cinza e calor à mistura com o ruído dos aviões. A minha referência era o ruído dos aviões: a verdade é que não podia sair do aeroporto porque não tinha dinheiro, ou tinha pouco – e eram onze e meia da noite, o avião trouxera-me de Miami deslizando, primeiro, sobre sobre um mar de cartolina, alaranjado com a luz do crepúsculo, e depois sobre as florestas negras da Grande América. Naquelas circunstâncias, o melhor que há a fazer é vadiar por um aeroporto desinteressante e vazio onde os aviões chegavam a conta-gotas até às duas da manhã. Depois disso viria o silêncio, o fim dos gritinhos de boas-vindas junto do portão das chegadas, e até desapareceria o cheiro dos pastéis fritos – e eu teria essa dificuldade adicional, a de encontrar um lugar para dormir, se deixassem que eu dormisse no aeroporto.
Deixaram. Quando começaram a fechar as portas, às duas e meia, a polícia indicou-me uns bancos ao fundo do corredor das chegadas, onde dispus os dois sacos de viagem mais uma mochila – e me deitei para ler o El Periodico e o El Quetzalteco (dizia tão bem da sua cidade, Quetzaltenago, ou Xala, que jurei ir lá um dia) dois jornais que comprara para me acompanharem num jantar tardio e, valha a verdade, frugal e barato. Tinha quatro horas apenas para apanhar o voo seguinte e limitei-me a adormecer imaginando que não seria assaltado. Acordei com aquele cheiro: massa de milho frita, café, e até uma sopa de feijões, tudo o que um viajante decente precisa para acordar num aeroporto desconhecido.
Éramos oito no novo avião, um Cessna que atravessaria as cordilheiras até Puerto Barrios, uma pequena cidade que vigia a baía que partilha com o Belize, com os telhados coloridos de Punta Gorda, até me depositar em Belize City. Em Puerto Barrios saíram sete passageiros que se destinavam a San Pedro Sula, uma cidade maior onde se chegava de autocarro – eu, o único resistente (viajei depois sozinho para a antiga capital do Belize), e os dois tripulantes, abrigámo-nos sob a copa de umas árvores para escapar à luz do sol, que era branca, oferecendo cigarros uns aos outros (a uns metros da pista principal do pequeno aeroporto, note-se), conversando sobre o Real Madrid e aprendendo (eu) tudo sobre as cervejas da Guatemala.
Ao chegar a Belize City, o espectáculo era tão comovente como imaginara – casas de madeira que resistem aos ciclones e furacões, velhos garifuna (os imigrantes da Grande Jamaica, cerca de metade da população do país) passeando-se nas sombras do bairro do porto, e um aeroporto delicioso, com dois hangares isolados e desabrigados. Atravessando, solitário, a pista deserta do aeroporto (Graham Greene tinha razão quando dizia que não se passa no Belize – ninguém vai ao Belize a menos que se queira ir lá expressamente), um homem recebe-me e pergunta-se se eu sou «o embaixador». Digo-lhe que não e ele encolhe os ombros, desiludido, apontando-me o hangar mais distante. Sou o único passageiro que vem de Puerto Barrios e da Ciudad de Guatemala, e tenho direito às honras dos três funcionários que me carimbam o passaporte, me abrem os sacos e me perguntam que venhon eu fazer sozinho ao Belize. A falar verdade, não sei. Havia uma reportagem que eu queria fazer sobre os lugares onde ninguém vai, lugares que ficam afastados das rotas do glamour ou do turismo de multidões; mas não posso dizer-lhes isso. Explicar que tinha curiosidade em ver como era o café em que River Phoenix passava o tempo (o Lili Rose Cafe & Patio), longe do cinema e bebendo rum. Nenhuma das explicações era convincente. «Vim perdido», disse eu. «Ah, isso já se compreende», disse um dos funcionários, entregando-me o passaporte.
in Outro hemisfério - Revista Volta ao Mundo - Abril 2009Etiquetas: Volta ao mundo