fevereiro 29, 2008

Blog # 40

Voltemos ao director-geral da Saúde. Já sabem a minha opinião: é um cavalheiro simpático que quer o mundo a seguir-lhe as suas actuais pisadas – pouco colesterol, pulmões diáfanos e aveludados, morrer com ar saudável. Desta vez, Francisco George anunciou que é um dever dos 35 mil médicos portugueses "abordar a questão com os doentes, pedindo-lhes que deixem de fumar, se for esse o caso. Cada médico é um agente anti-tabágico, um sacerdote ao serviço da causa. Não é despropositado. Peço que observem o papel das farmacêuticas na luta contra o cigarro, com o argumento de que só os meios farmacológicos e químicos ajudam o fumador a tornar-se não-fumador. É o tempo da criançada: por um lado, o Estado acha que somos crianças e quer tratar-nos da saúde porque nós não sabemos; por outro, os laboratórios acham que nós não sabemos deixar de fumar é e querem ven der-nos químicos eficazes que nos desresponsabilizem. Isto pode transformar-se num grande negócio. Santa aliança.

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Começa hoje, em Portimão, o julgamento de Lília e de Ricardo. São acusados de terem assassinado Marco com 21 facadas. Lília era mulher de Marco. Ricardo, amante de Lília. Ricardo matou "porque a amava" e ela o "pressionou psicologicamente" para esfaquear o marido. Lília diz que não sabe de nada. 21 facadas já dão um romance.

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FRASES
Na sede do PS estão a debater a possibilidade de fazer os próximos outdoors do partido com fotografias de Luís Filipe Menezes. Rodrigo Moita de Deus, blogue 31 da Armada
"Se fosse a si, começava a cuidar da retaguarda."Ana Gomes para o ministro da Agricultura, depois de este ter atacado Paulo Portas, ontem no CM

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'Diário da Guiné', de Beja Santos (edição Temas e Debates), é o mais recente testemunho sobre a guerra colonial – é a memória de 1968 e 1969 contada na primeira pessoa.

A mais divertida de todas as autoras africanas vive em Moçambique e chama-se Paulina Chiziane. Acaba de publicar o seu novo romance, 'O Alegre Canto da Perdiz' (Caminho).

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fevereiro 28, 2008

Blog # 39

Uma equipa de investigadores de uma universidade britânica está a deixar em pânico a indústria farmacêutica, nomeadamente os fabricantes de antidepressivos como o Prozac, o Seroxat ou os genéricos de fluoxetina, que em Portugal vendem cerca de seis milhões de embalagens por ano. O que dizem eles? Que os doentes “moderadamente deprimidos” não notam a diferença entre serem tratados com antidepressivos ou com placebos. O que é um placebo? Tudo. No caso, pode ser um comprimido de água, farinha e açúcar. O importante é que o doente pense que está a tomar um medicamento e que melhorará o seu estado de saúde. O género humano vive de substituições: um amor por outro, um gesto por outro, uma palavra por outra. O importante é que se acredite que a promessa de redenção e de felicidade se mantém, original e intacta. Imaginando que este estudo tem pernas para andar, iremos assistir a outra etapa: psicanalistas, psicólogos e terapeutas terão a vida mais difícil.

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O preço do pão pode aumentar 50%. Há uns anos faria muita diferença; mas o País que sobrevivia a pão e sardinha já não existe e hoje evita hidratos de carbono para não prejudicar a linha. Se no séc. XVIII Maria Antonieta recomendou ao povo que comesse brioches por não ter pão, hoje diria que comessem bolachinhas. De dieta.

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Está aí ‘A Sala Magenta’, de Mário de Carvalho (edição Caminho). Leiam. Mário de Carvalho é um dos nossos melhores escritores.

O novo livro do moçambicano Mia Couto sai antes da Feira do Livro. É outro dos grandes lançamentos da Caminho.

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FRASES

"Mas ninguém fala? Tem de ser a velha a falar?" Simone de Oliveira, ontem, no CM

"O Bosingwa faz muita falta mas o cérebro faz muito mais." Segismundo, no blogue Albergue dos Danados

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fevereiro 27, 2008

Blog # 38

Não sei a que soaram os acordes da Filarmónica de Nova Iorque quando, ontem, em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, os seus músicos interpretaram a Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorak. Mas atrevo-me a sugerir que aquele arranque luminoso da obra do compositor checo terá despertado qualquer coisa sem nome no país do filho de Kim Il Sung. Lorin Maazel, o maestro e director musical, sabe que se ouviria muito mais do que a sua música: tratou-se de um finíssimo atrevimento em época de desconfiança. A Coreia do Norte, sabemo-lo por todos os relatos que nos chegam, é um país minado pela fome, pela repressão e pelo nepotismo. O inferno de Pyongyang, que apenas suscitava dúvidas na cabeça do comunista Bernardino Soares (geralmente com tantas certezas), não abrandará depois de ouvir a mais antiga orquestra norte-americana, que foi apenas o intérprete de uma jornada de diplomacia cultural. Mas este sinal devia comover-nos: o da música contra a barbárie, no meio da neve.

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O que não se percebe realmente é que o Ministério Público instaure um inquérito sobre o Casino de Lisboa, como se só agora tivesse conhecimento dos factos. Na verdade, o MP agita-se porque a imprensa falou do assunto graças a documentos que também estavam na posse do MP. Estranho? Não. O MP andar a correr atrás dos jornais.

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Steve Jobs não vai investir nos leitores portáteis da Apple. Porquê? “Porque as pessoas já não lêem.” 40% dos americanos leu menos de um livro em 2007.

A livraria do Parlamento vai fazer uma feira até ao próximo dia 5 de Março. Há uma secção com preços de 1 a 5 euros, para que os deputados leiam livros.

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FRASES

"A força portadora do progresso é hoje a maioria parlamentar e o Governo não é a esquerda conservadora" Ministro A. Santos Silva, ontem no CM

"A ciência não pode continuar a devassar o corpo da mulher à procura do ‘ponto G’" Manuel Jorge Marmelo no blogue Teatro Anatómico

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fevereiro 26, 2008

Blog # 37

Anda aí uma dúvida sobre a realização de manifestações de professores, como se fosse ilegal convocarem-nas por SMS, ou elas terem sido organizadas pelos sindicatos. Há nesta matéria, evidentemente, procedimentos legais a ter em conta, como a autorização do Governo Civil e outras pendências que vêm fixadas na lei, aprovada nos tempos de Vasco Gonçalves. Mas custa a ver tanta preocupação e adversativas em pessoas que participaram nas orquestras de assobios contra Cavaco ou no bloqueio da Ponte 25 de Abril – ambas as coisas manifestamente ilegais de acordo com a lei – para provar que mudando as circunstâncias se muda de opinião e de fatiota. Na semana passada, o primeiro-ministro irritou-se por ter sido assobiado à porta da sede do seu partido; ontem, várias foram as vozes que lançaram o anátema contra as convocatórias por SMS ou através da net. Basicamente, querem saber quem está por detrás disto. Não lhes basta o rosto dos professores, que o mostram sem receio.

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José Luís Peixoto vai começar em Março um retiro italiano, na Toscânia, para escrever o seu novo romance. Só depois, lá no fim do ano, rumará para os EUA.

‘O Olho de Apolo’, de G.K. Chesterton, é mais um dos volumes da Biblioteca de Babel (edição da Presença) – os títulos foram seleccionados por Jorge Luís Borges.

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FRASES

"O ministro tem de decidir o que quer. Se um procurador-geral da República, se um director da PJ" Membro do Conselho Superior do MP, ontem no CM

"A minha mãe está no Messenger a perguntar se eu estou bem agasalhado" Rogério Casanova no blogue Pastoral Portuguesa

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fevereiro 25, 2008

Blog # 36

As novelas da Justiça portuguesa deviam indignar-nos. A palavra está gasta e não significa nada – mas poderíamos ser mais claros: devíamos zangar-nos. Já estávamos preocupados, mas agora devíamos zangar-nos mesmo. Ontem, neste jornal, João Vaz chamava a atenção para o descrédito que banaliza qualquer decisão dos tribunais sobre questões políticas e partidárias. Tem toda a razão. A mesma coisa acontece nos processos relativos ao ‘Apito Dourado’, sob os quais pende a desconfiança de estarem sustentados em profissões de fé, ou pura ignorância, dos investigadores ou dos magistrados. A guerra entre a Procuradoria e o Governo é outro dos enredos que pode vir a terminar mal. Para já, desconfiamos das investigações, desconfiamos dos juízes e desconfiamos dos processos. Acabaremos, mais tarde ou mais cedo, a desconfiar da lei – o que seria uma tragédia, num País que tanto gosta de legislar sobre tudo e que se transformou numa cacofonia onde toda a gente fala ‘jurisdiquês’.

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A colombiana Ingrid Betancourt foi raptada pelas FARC há exactamente seis anos. Parece que as FARC e o seu cúmplice Hugo Chávez preparam um espectáculo para a sua eventual libertação. Isso não surpreende. O que surpreende é que haja quem admita que isso apenas foi um pequeno erro censurável, ‘matéria política’ irrelevante.

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- A Editorial Caminho prepara a edição de um dicionário dos Judeus portugueses. Obra monumental e necessária.

- A Cavalo de Ferro publicará, neste Primavera, a tradução de ‘Rayuella’, de Julio Cortazar. Animem-se: não é todos os dias que se recupera um clássico.

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FRASES

"O poder político-partidário faz tudo para esvaziar a Justiça. Os eleitos acham que o voto democrático lhes dá todo o poder." João Vaz, ontem no ‘CM’

"Os povos oprimidos só merecem a solidariedade da esquerda se a sua desgraça puder ser atribuída aos americanos." Ana, no blogue Ana de Amsterdam

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fevereiro 22, 2008

Blog # 35

A ministra da Educação garante que o decreto sobre o novo regime de autonomia e gestão escolar vai proporcionar “uma maior abertura ao exterior”. Precisamente o que eu temia. Exactamente aquilo que o leitor deve temer. Esta anunciada abertura da escola aos “agentes da comunidade local”, como pais, autarquias e “outros agentes”, é muito perigosa. Já acho duvidoso que a gestão das escolas possa albergar pais e autarcas; o seu limite deve ser, apenas, uma espécie de conselho consultivo. Mais nada. A ideia de “abrir a escola à sociedade”, muito certinha, não quer dizer absolutamente nada. Penso, aliás, que a escola já está “aberta” de mais à sociedade, que a enche de lugares-comuns, erros ortográficos, sintaxe de SMS, discursos sem nexo e vários elementos de distúrbio. A democracia, que transformou as escolas em “estabelecimentos de ensino”, uma espécie de “fábrica de cidadãos” em regime industrial, ainda não se desfez da ideologia que a conduziu ao desastre.

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Enquanto eurodeputada, Assunção Esteves festejava com lantejoulas, no Parlamento Europeu, o nascimento de ‘uma Europa pós--nacional’, uma ‘humanidade sem fronteiras’, o primado da ‘moral’ ou a construção da torre de Babel, entre outras tontices a Europa assiste ao regresso do nacionalismo e das fronteiras. Bela pontaria.

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Para quem não quer esquecer o mundo em que vive: ‘A Moeda Viva’, de Pierre Klossowski, foi agora publicado pela Antígona. Uma crítica do novo capital.

A Campo das Letras continua a publicação das obras (em tradução integral e actualizada) de Shakespeare. Acaba de sair ‘Como vos Aprouver’.

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FRASES

"O Michel meteu-se à frente na altura em que ele sacou da faca [...] de dentro da Bíblia." Ruben ‘Cambada’, ontem no ‘CM’

"Tenho-me de esquerda, às vezes com desvios, é certo. Mas mantenho-me ao lado de Hillary" J. M. Ferreira, no blogue Bicho-Carpinteiro

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fevereiro 21, 2008

Blog # 34

Ontem falei ‘da guerra interna’ no PSD. Referia-me a outra mas esta serve – os dirigentes vão, na sequência do ‘caso Somague’, pedir uma auditoria às contas do partido desde 2001. Podemos perguntar-nos sobre o limite dessa auditoria: porquê a partir de 2001, o ano do 11 de Setembro? Por imperativos fiscais? Porque o ‘caso Somague’ é dessa altura? O mandato de Durão Barroso ia a meio – tinha sido reeleito no ano anterior contra Mendes e Santana, que viriam também a liderar o partido. Sou adepto das teorias da conspiração: o que Ribau Esteves e Menezes querem é liquidar três ex-líderes com uma só auditoria. E por que razão utilizo a palavra “liquidar” quando poderia usar “ilibar”? Podia ser pelo tom usado por Ribau Esteves. Podia ser pela franqueza de Menezes (“independentemente de o PSD ser só um, este meu PSD não tem nada a ver com isso”). Mas não só. É pelo ressentimento. O ressentimento que está a devorar o PSD. É uma história de vinganças. Vai longe, vai.

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A CML está endividada há anos; o fantasma desta dívida é brutal e absurdo. Durante anos, a CML quis substituir-se ao Governo, ao País, a tudo. Cada equipa que entrava queria mudar a cidade e “deixar marca”. Tudo menos servir os munícipes e melhorar-lhes a vida. Com o empréstimo chumbado, o fantasma ameaça todos. Que sirva de lição.

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- Tem 300 páginas o ‘Diário Português’ de Mircea Eliade, com recordações do período fatal que vai de 1941 a 1945. Edição Guerra & Paz.

- Romance para o fim-de-semana: ‘Kockroach’, de Tyler Knox, edição da Paralelo 40, uma marca da Cavalo de Ferro.

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FRASES

"Quando falar é para partir a loiça toda! Vai ser o arquivamento total” Valentim Loureiro, ontem, no CM

"O Governo do Sr. Sócrates é um eucalipto: seca tudo à volta”. Fernando Sobral, no blogue Corta-Fitas

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fevereiro 20, 2008

Blog # 33

De repente, a entrevista do primeiro-ministro à SIC envelheceu e passou para o domínio dos assuntos sem interesse. Mas há um pormenor que não se esquece: o tabu. Cavaco teve o seu, Sampaio idem, até Durão Barroso tentou o seu pequeno tabu, que não durou mais do que dois ou três dias – ou seja, não chegou a ser meio tabu. Não se sabe se José Sócrates levava a armadilha preparada para estender à imprensa, que caiu nela a toda a largura – mas é fraca como jogada de marketing, pois faria supor que o PS, reunido em congresso, escolhesse outro candidato para substituir o líder que garantiu a primeira maioria absoluta. Ninguém cai na esparrela, salvo Manuel Alegre, se estiver em dia obtuso. Se parece natural que os socialistas não tenham alternativa a Sócrates (até porque devem estar-lhe gratos), já começa a ser estranho que a oposição não disponha de uma hipótese apresentável. O ensurdecedor silêncio do PSD só vai ser interrompido pela guerra interna que se aproxima.

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Aliás, o sinal de que José Sócrates se recandidata foi dado ontem mesmo, com o recuo do Governo no pacote legislativo sobre a gestão das escolas, entre outras coisas. Já tinha sido dado antes, com a demissão de Correia de Campos. Os utentes dos hospitais e os professores são duas multidões votantes que não convém desprezar.

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- É já amanhã que entra em distribuição ‘O Lavagante’, de José Cardoso Pires, edição inaugural de Nelson de Matos. Os pedidos dos livreiros já obrigaram a uma segunda edição simultânea.

- Aposta da Temas & Debates para este trimestre: o romance histórico ‘O Império dos Pardais’, de João Paulo Oliveira e Costa.

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FRASES

“Nada daria mais gosto ao primeiro-ministro do que anunciar a descida de impostos” Pedro Mexia, no blogue Estado Civil

"O ‘erotismo da infelicidade’ é uma noção demasiado aristocrática. E a sexualidade hoje está nas mãos da burguesia” Pedro Mexia, no blogue Estado Civil

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fevereiro 19, 2008

Blog # 32

Antes que comecem os elogios, naturais depois da morte, vamos ao essencial: quase tudo o que Alain Robbe-Grillet escreveu era muito aborrecido. Vamos aos factos: era chato. O mais chato de tudo, aliás, era um princípio geral chamado ‘nouveau roman’, que encostou a literatura francesa (em especial o romance) ao beco sem saída onde adormeceu durante os últimos trinta anos. Robbe-Grillet era um homem simpático e engenheiro agrónomo, mas a literatura que produziu e, pior, a literatura que ‘autorizou’, eram exemplos de como se podem afastar milhões de pessoas da leitura e da escrita. Há quem pense, com toda a legitimidade, que o ‘nouveau roman’, essa enormidade sem personagens, sem vozes, sem paixão, é que é a ‘grande literatura’. Felizmente, aos poucos, a literatura francesa vai abandonando aquele torpor em que os mandarins dos anos sessenta a deixaram. A morte de Robbe-Grillet, ontem, deixa um travo de melancolia e de cinza. É um mundo que desaparece. É o destino.

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O Ministério do Ambiente disse ontem que as autarquias são responsáveis pelas cheias e complicações de trânsito na sequência das chuvas. Tem razão. A autarquia local é a entidade mais próxima e mais à mão. Algerozes, sarjetas, vias, jardins, caudais dos rios, becos, recolha de lixo: pode ser um trabalho difícil, mas é honrado.

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O livro chama-se ‘O Diabo Também Veste Zara’, de João Pedro Vanzeller, publicado pela Guerra & Paz; é um manual de estilo para homens. Por que não?

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Na próxima quinta-feira, às 18h00, Eduardo Lourenço falará sobre ‘Imagens da América’, na Fundação Luso-Americana. Não faltar.

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FRASES

"A PJ está paralisada. Vai fazendo os serviços mínimos garantidos." Carlos Anjos, Ass. Sind. dos Funcionários da Investigação Criminal, ontem no ‘CM’

"Algo vai muito mal no Benfica quando o Nuno Assis, o Luís Filipe e o Luisão são os melhores em campo." Filipe Nunes Vicente no blogue Mar Salgado

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fevereiro 18, 2008

Blog # 31

O PS considerou que o protesto de 150 almas à porta da sua sede em Lisboa (onde Sócrates vinha reunir-se com professores socialistas) não passou de “comportamento estalinista e antidemocrático”. Os tempos mudam, mas convém alertar os serviços de propaganda socialista contra certos descuidos de linguagem. O protesto de rua pode ser incómodo mas é um património das sociedades democráticas; a questão está na relação com a rua. Quando o PS ganhou as eleições em Lisboa, a televisão mostrou populares de Ponte de Lima a festejar diante do Hotel Altis; era a festa na rua. Sócrates vai à sede do partido e as pessoas juntam-se a vaiá-lo; é o protesto da rua, até porque o PS não tem jurisdição sobre o Largo do Rato. Ora, governar é também enfrentar a rua e aceitá-la, seguindo caminho independentemente do ruído da multidão, organizada ou destrambelhada. Não se podem querer ambas as coisas: a rua e, ao mesmo tempo, o governo. Isso sim, seria estalinista e antidemocrático.

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Marco António Costa, vice de Menezes em Gaia, acha que os militantes do PSD que organizam debates para reflectir, entre outras coisas, sobre o destino do partido, “não têm um pingo de vergonha”. Para Marco António, o ideal seria ter vergonha de pertencer ao PSD mas ficar caladinho à espera da revelação divina no seio do partido.

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“Não é adequado protestar à porta de um partido. Achamos mal.”
Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, ontem no CM.

“A organização de um Mundial de futebol traria muito mais vantagens do que inconvenientes.” Vital Moreira, Causa Nossa

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- Eduardo Pitta vai dirigir um espaço de crítica e informação literária na net, com o endereço ‘Pt.net’.

- ‘Grandes Ideias Impossíveis de Provar’ (edição Tinta da China), tem prefácio de Ian McEwan e trata de intuições que são verdadeiras apesar de não terem sido provadas. Fascinante.

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fevereiro 15, 2008

Blog # 30

A questão não é o Metro de Londres ter proibido a afixação de um determinado cartaz nos seus corredores; a questão é que esse cartaz transporta consigo uma pintura da autoria de Lucas Cranach, o Velho, que também pintou o austero Lutero ou a seráfica imagem de Jesus Cristo. Quinhentos anos depois, os bigodudos do Metro de Londres proíbem uma pintura de Lucas Cranach com medo de ofender os passageiros multiculturais que andam nas suas carruagens – essa é a notícia. Porque o fazem? Por medo. Por medo e pouca vergonha. O medo é, neste caso, vergonhoso, porque acha aceitável a reacção de gente que pode achar blasfema a pintura que Lucas Cranach compôs há quinhentos anos e que a Royal Academy exibirá a partir de 8 de Março. O medo instalou-se nas nossas ruas e nas nossas casas. Já não basta temer as ofensas que se causam, é preciso prever que alguém se ofenda e apedreje as nossas ruas e as nossas casas. Mais do que uma vergonha, é uma filha da putice. Assim mesmo.

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Mas não é só isso: dois tunisinos e um dinamarquês de origem marroquina foram presos por estarem a preparar um atentado contra um dos artistas que em 2005 publicaram uma caricatura do Profeta Maomé. Onde? Na Dinamarca. Podia ser noutro lado. Eis como a ‘fatwa’ vai do Paquistão até nossas casas. Tenham medo. Eles matam mesmo.

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- Medeiros Ferreira esteve na Casa Fernando Pessoa para falar dos livros que não esqueceu: uma autêntica Lição. De cultura e de vida. Todos ficaram comovidos. E divertidos com as alfinetadas que dirigiu ao poder.

- A Caminho está a preparar o seu ‘Dicionário de Fernando Pessoa’. Fundamental

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fevereiro 14, 2008

Blog # 29

Três milhões e meio de portugueses conheceram-se na internet através do Hi5. Parece-me um manifesto exagero, mas é muito provável que seja verdade. Os portugueses gostam de si mesmos, mas à distância. Quando estão próximos uns dos outros tendem a considerar que a ficção é muito melhor do que a realidade. A estatística apenas me surpreendeu porque passei algum tempo a imaginar o que dirão, uns aos outros, esses três milhões e meio de portugueses; na maior parte dos casos não conhecem o cheiro uns dos outros nem o tom de voz (se é estridente ou amável), nem as mentiras que as pessoas dizem normalmente. Pela internet, no Hi5, conhecem uma fotografia, uma biografia melhorada e os erros ortográficos uns dos outros. Se pensarmos bem, é uma revolução porque corresponde a quase um terço da população. Antes do Hi5 estávamos sós, irremediavelmente sós, sem comunicação, ignorando-nos? Ou já nos conhecíamos mas preferimos a internet porque, ao perto, somos insuportáveis?

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Desconfiemos da trapalhada em que se meteu a máquina judicial a propósito de vários processos que andam malparados no Porto. O arquivamento do caso do vereador Bexiga pode vir a ser a ponta de icebergue. Afinal, por que razão as desculpas são esfarrapadas e a indignação credível? Ele apanhou mesmo. Não podemos saber porquê?

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- ‘Escritos de Frida Kahlo’, textos da pintora mexicana reunidos por Raquel Tibol (e publicados pela Quetzal), tenta provar que Frida também era uma escritora. Às vezes, sim – e devassa.

- Depois da estrela Marcelo Rebelo de Sousa, hoje começam as Correntes d’Escritas a sério, na Póvoa de Varzim. São dias de saudável maledicência. Vá lá.

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FRASES

- "Nas pessoas que servem de tela aos candidatos, Obama quase não tem pretos. Hillary exagera nos pretos." Rodrigo Moita de Deus no blogue 31 da Armada

- "Só os bares da marginal estão fechados mas penso que é por causa do mar, que está agitado." Marta Queiróz, portuguesa em Díli, ontem no CM

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fevereiro 13, 2008

Blog # 28

Só agora reparo que o Dr. Madaíl, que comanda a Federação de Futebol, declarou sem interesse e “escusada” a opinião do Presidente da República sobre a organização de um Mundial de futebol em solo pátrio. Discordar da opinião do Presidente da República é um direito adquirido e, por vezes, quando não estamos de acordo com ele, um dever de sincero patriotismo. Ora, neste caso, o presidente limitou-se a dizer que há coisas mais importantes para pensar; tem toda a razão. Mesmo assim, admitem-se discordâncias. Pode discordar-se. Mas dizer que a sua opinião é “escusada”, como referiu o Dr. Madaíl, com a sua voz de ‘basso profondo’, é que parece exagerado. Ele vive num mundo cheio de bola e de fundos milionários, a quem a bola empresta prestígio e poder; para ganhar autoridade, depois das contas da Expo (que ele elege como modelo comparativo, um tiro no pé), o comandante da Federação devia avançar, isso sim, com contas feitas e relatório de dividendos. Depois se veria.

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Ver o PCP nas ruas a lutar “pelas liberdades” e acusar Portugal de ser uma ditadura é um tanto absurdo, lembrando que o partidão venera o camarada Estaline. Jerónimo de Sousa arengou “em defesa das liberdades” um pouco antes de receber delegados comunistas de Cuba, da Coreia do Norte, do Zimbabwe e da Venezuela. Na mouche.

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- Hoje, às 18h30, na Casa Fernando Pessoa, José Medeiros Ferreira fala sobre os livros da sua vida – aqueles que não esqueceu.

- João Amaral explica, em ‘O Roubo do Príncipe. Salazar e o Casamento do Duque de Bragança’ (edição Tribuna da História) como Salazar acabou com o sonho monárquico em Portugal. Magnífico.

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FRASES

- "É impossível aguentarmos quatro sessões por dia, é inconstitucional” Um dos advogados dos arguidos no ‘Apito Dourado’, ontem no CM

- "O homem comum não existe. Mas, se existisse, seria electrodoméstico” Segismundo, no blogue Albergue dos Danados

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fevereiro 12, 2008

Blog # 27

Os sociólogos debatem ardentemente se Barack Obama tem ou não genes negros e se Hillary Clinton é ou não mulher. Em caso afirmativo, asseguram, a eleição de um deles será uma revolução. Mas o que me incomoda são as reticências sobre Obama; nesse capítulo, todos se parecem com o dr. Soares a comentar a “inexperiência” de Tony Blair ou de Sócrates, gente que não tinha ancestrais nem estivera próximo do poder. Sem querer, apontam uma vantagem de Obama: a sua novidade e o facto de não ter a ver com as dinastias republicanas ou democratas locais. G. W. Bush tinha experiência e olhem o resultado. Quanto a mim, Hillary tem experiência, mas é um óbice, como consideram os próprios membros do partido. As duas principais figuras são Obama e McCain; justamente por serem inexperientes, novos rostos e com ideias heterodoxas que não encaixam nas cartilhas. Precisamente aquilo que a América necessita para ser respeitada no Mundo e aquilo que fez com a democracia valesse a pena.

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Sarkozy cairá da mesma forma que escolheu para começar a ascensão: com o ruído dos media. Anteontem, a imprensa já noticiava que “o casal” vivia em casas separadas e que a primeira-dama francesa trabalhava como nunca no seu novo disco. Sarkozy cruzará o seu próprio espectáculo com o da primeira-dama. Até à vaia final.

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- Surpreendente, a biografia de Nikolai Gogol contada por Vladimir Nabokov (edição Assírio & Alvim) – uma vida dada à literatura.

- ‘A Noiva da Revolução’, do brasileiro Paulo Santos de Oliveira, acaba de sair na Quid Novi – um romance sobre a revolução nordestina de 1817.

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FRASES

- "Os sindicatos queriam é que não houvesse avaliação." Jorge Pedreira, secretário de Estado da Educação, ontem no CM

- "Timor é só mais uma ‘democracia’ acamada na unidade de cuidados intensivos do Ocidente." Miguel Morgado no blogue O Cachimbo de Magritte

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fevereiro 11, 2008

Blog # 26

Parece que o PS informa que é um partido muito tolerante porque autoriza, sem escândalo, as alfinetadas de Manuel Alegre. Não pode senão fazê-lo. Mário Soares disse muito mais e com mais veneno. Dois ou três meses antes de ser candidato do PS (de onde trouxe uma derrota de abismo), Soares dizia que Sócrates era “o pior do PS”. O problema é que, apesar de tudo, e mantidas as distâncias, isto é preocupante para o PS: Soares foi promovido a candidato oficial depois de atacar o partido e os seus líderes e de antecipar análises em que falhava redondo; Alegre, sozinho e insultado por Soares, conseguiu mais de um milhão de votos. Não interessa saber se essa percentagem se repete (porque é outra modalidade de jogo); acontece que Alegre aprendeu, à sua própria custa e empurrado para fora do partido, que as eleições são cá fora. Tolerância? Não. Receio. Medo. Procurem no dicionário, mas a sensação é essa. Por isso Manuel Alegre avisou: “Não me desafiem para eleições.”

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O arcebispo de Cantuária propõe que a lei islâmica seja utilizada pelos muçulmanos ingleses, o que significa, no limite, que o Estado deve permitir a lapidação de mulheres adúlteras e o assassínio de homossexuais e apóstatas. Que seja o chefe da igreja britânica a dizê-lo, e não um barbudo de Cabul, é muito grave.

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- Quarenta anos depois do Prémio Almeida Garrett, a Dom Quixote reeditará em 2008 o grande romance de Manuel da Silva Ramos, ‘Os Três Seios de Novélia’.

- Antes disso, publicará os dois primeiros volumes de ‘O Homem sem Qualidades’, de Robert Musil, em nova tradução. Um clássico finalmente disponível.

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FRASES

"De cada vez que um cônjuge apresenta queixa o outro faz o mesmo." Bastos Leitão, comandante da PSP de Coimbra, ontem no ‘CM’

"Pelos vistos é comer e calar. O caso Ricardo Bexiga foi arquivado." José Medeiros Ferreira, no blogue Bichos-Carpinteiros

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fevereiro 08, 2008

Blog # 25

Há um problema com as penhoras ordenadas pela máquina fiscal e executadas pelos bancos. Parece que os bancos se excedem, provando – mais uma vez – essa Santa Aliança entre o Estado e as corporações, que devia deixar os cidadãos preocupados. O problema não é, aqui, o da penhora ou o da demanda fiscal, mas o do excesso de zelo que tem permitido que se fale da ‘máquina fiscal’ como de N. S. de Fátima ou do Euromilhões. Subjacente a tudo está ‘o interesse nacional’, que fornece abundantes desculpas para todos os excessos, do futebol à economia doméstica e à fartura de impostos. O problema é que Portugal não tem grande tradição de defesa nem das liberdades nem dos direitos individuais. Das duas uma: ou há uma aliança entre o pobre capitalismo luso e o governo de que depende, ou se trata de um excesso de zelo. Aí está porque o regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado aflige tanta gente. O Estado descobriu agora que também tem de ser uma pessoa de bem.

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Comemora-se o IV centenário do nascimento do Padre António Vieira, que é o maior prosador da nossa língua. O ministério da Educação, para provar que também tem gente que sabe ler, devia lembrar a figura aos estudantes. Só que um génio assim, como Vieira, envergonha os burocratas que elaboraram aqueles programas de Português.

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- Inês Pedrosa terminou, no Brasil, o seu contrato com a editora Planeta. Já assinou com a Alfaguara.

- Por falar em Brasil, a Globo preparou uma série de emissões sobre os 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa (que decorrem este ano). E em Portugal?

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fevereiro 07, 2008

Blog # 24

Independentemente dos factos a apurar acerca das ‘casas da Guarda’ (o episódio revelado pelo ‘Público’), há uma grande margem de ressentimento dirigida contra José Sócrates. Não tanto pelo seu percurso como político, mas pela sua história como emigrante da Beira que parte para Lisboa com uma carreira política para preencher. A história repete-se, no século XIX como hoje. O que não desculpavam a Cavaco (o ser filho de quem era) não desculpam a Sócrates, modelo da província arguta e lutadora dos anos 70 e 80. Esse pecado original está em risco de ser abolido, tal como a igreja católica aboliu o limbo: muito mais de metade da população urbana de hoje vem das províncias e lembra o que teve de penar para ser aceite ‘em sociedade’. Essa gente conhece as ‘casas da Guarda’ e tem um ou dois exemplos desses na família. Sabe o preço das coisas e não nasceu num salão de arquitectura, com casas desenhadas a rigor. Portugal está a meio termo entre uma coisa e outra.

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Um grupo de economistas holandeses diz que os obesos ou os fumadores, por exemplo, custam menos ao Estado do que as pessoas saudáveis – porque morrem mais cedo. As contas podem parecer abjectas, mas ficamos com a impressão de que a longevidade é um atentado à saúde das contas públicas. Viver é cada vez mais um escândalo.

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- À atenção dos livreiros: 58% dos sul-coreanos, 55% dos alemães e dos brasileiros, 54% dos austríacos fazem as suas compras de livros exclusivamente pela internet.

- Está aí o novo romance de José Pinto Carneiro: ‘Todas se Apaixonam por Mim’, com edição da Guerra & Paz.

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fevereiro 06, 2008

Blog # 23

As confederações do patronato português acham que estão em condições e com cobertura suficiente para propor a liberalização total, ou quase, dos despedimentos. É caricato isto acontecer com o PS no poder, mas estávamos advertidos: os cidadãos ficam a perder quando há uma aliança entre o Estado e as corporações. O ‘capitalismo português’ depende muito do Estado, dos seus favores e das suas oportunidades de negócio. Os cidadãos são apenas números. Nestes casos, é preciso recordar as heranças históricas, como a de Churchill que, antes da Guerra, preparou vasta legislação de defesa dos trabalhadores, entre os quais o subsídio de desemprego e o de doença. Hoje, são uma velharia. Governo e corporações tratam os cidadãos da mesma forma: como números vagos destinados a servir ou a aliviar o Estado ou o Capital. Santa aliança.

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O Gabinete Coordenador de Segurança afirmou ontem ao CM que nenhum terrorista tinha estado em Portugal, ao contrário do que diz a imprensa internacional. Não ficámos mais descansados. Nem nós nem os paquistaneses em geral. Fica apenas a impressão de que os terroristas são suicidas mas não querem ter nada a ver com Portugal.

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- Livros sobre e contra a religião. Primeiro Dawkins, depois Hitchens e agora Daniel C. Dennett, o novo sucesso: ‘Quebrar o Feitiço: A Religião como Fenómeno Natural’, edição Esfera do Caos.

- O novo livro de José Eduardo Agualusa estará concluído em Outubro próximo. Sairá primeiro no Brasil e, só depois, em Portugal.

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FRASES

- "Não houve provas ou indícios de que dois paquistaneses tivessem cá estado a preparar atentados" Leonel de Carvalho, Gabinete Coordenador de Segurança, no CM de ontem

- "Onde já se viu atribuir aqueles projectos horrorosos de construção a uma pessoa que até usa sapatos italianos?” LNT, no blogue A Barbearia do Senhor Luís

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fevereiro 05, 2008

Blog # 22

Sarkozy caiu 13 pontos na escala de popularidade depois do casamento com Carla Bruni. O principal motivo, diz a ‘imprensa séria’, é que o presidente francês namora mais do que preside, o que pode bem ser verdade; os eleitores deram-lhe o poder para dirigir os destinos da França e não para gerir os seus casamentos.Uma rápida passagem pela imprensa francesa permite, no entanto, detectar duas outras razões para a queda de popularidade de Sarkozy: o ressentimento e a inveja. São coisas muito parecidas, mas, sendo a inveja compreensível neste caso (vá lá, somos humanos), o ressentimento figura no retrato actual da Europa: em primeiro lugar, a desconfiança no homem público; em segundo lugar, o horror à felicidade dos outros. Em Portugal, o país da bola odiou Cristiano Ronaldo quando ele exalava felicidade com Merche Romero e era acusado de ‘não jogar para a equipa’. É verdade que Sarkozy não vale tanto, comparado com Cristiano Ronaldo; mas o ressentimento está lá.

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Não se pense que a palermice é exclusivo nacional; quase sempre, a Inglaterra bate-nos aos pontos. Numa sondagem desta semana, 23% dos britânicos declarou pensar que Winston Churchill (Churchill!) era um personagem de ficção, enquanto 58% acredita que Sherlock Holmes existiu mesmo. A Inglaterra alegra-nos nestas pequenas coisas.

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FRASES

- “Já tínhamos saudades de um advogado à frente dos destinos da cultura.” No Blogue Complexidade e Contradição

- “A desactualização na prática de tiro é grande.” Fonte sindical da PSP no CM de ontem

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fevereiro 04, 2008

Blog # 21

Não me interessa conhecer o passado, pessoal e íntimo, do primeiro-ministro. Já as notícias sobre as “assinaturas de favor” nos tempos da Guarda são relevantes e não podem ser lidas como “apenas um deslize”. Houve deslizes menores que levaram ao fim de boas carreiras políticas. O primeiro-ministro não pode limitar-se a dizer que se trata de “perseguição pessoal” e seguir em frente, mesmo contando com a tolerância dos eleitores, que parecem desculpá-lo. É uma armadilha: se eles o desculpam e se Sócrates se contenta com isso daqui em diante não pode criticar quem fuma nos casinos ou quem aceita presentes nas autarquias ou ‘luvas’ no Governo. Pode sentir-se a salvo, dentro da lei. Mas, aos olhos do público, ele será “um como nós”. Ou seja: tudo passa a ser permitido, o que é imoral. Pior: Sócrates passará a ser um alvo fácil onde quer que esteja.

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O funeral dos dois adolescentes assassinados em Rio de Mouro decorreu em silêncio. Para além da tragédia, há um cenário de guerra a aproximar-se, cheio de momentos simbólicos, como o ocorrido com a cova de Osvaldo Beagi, que a família quis que ficasse mais funda. Eles sabem que não basta enterrar os mortos. É preciso protegê-los.

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- Divirta-se muito a ler ‘A Filosofia Segundo Woody Allen’, de Mark Conard e Aron Skoble (edição Estrela Polar).

- A Asa publicará ‘Era no Tempo do Rei’, romance de Ruy Castro (biógrafo de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmen Miranda) sobre os desvarios do príncipe D. Pedro na noite carioca.

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fevereiro 01, 2008

Mindelo, coração de coral

O leitor sabe como começam as minhas viagens: por uma página solta, uma interjeição perdida no meio de uma memória – e por uma música. Desta vez vou buscá-la aos anos setenta, quando ouvi pela primeira vez Os Tubarões (o primeiro disco era Tabanca), uma banda de Cabo Verde que deu nova vida às mornas locais. Da banda ficou-me o nome de Ildo Lobo (infelizmente desaparecido em Outubro de 2004), um dos mais extraordinários cantores caboverdianos que retomo, sempre que posso, do disco Nós Morna, deliciosa evocação e recriação desse género musical que faz do mar das “ilhas afortunadas” (eram assim conhecidas na literatura quinhentista) um território romântico e ultra-romântico, o modo de mitigar o sofrimento de séculos de isolamento, de pobreza, de fome – mas também o de mostrar que a poesia nasce onde sempre estiveram o génio e a doçura, o sofrimento e a capacidade de o enfrentar. Cesária Évora faz parte desse universo, mas, antes dela, a profundidade absoluta da voz e do talento triste de Bana, o divertimento desse António Travadinha já desaparecido, a ironia romântica de Tito Paris, ou de Celina Pereira, a voz perfumada de Ana Firmino, de Teté Alhinho (um colosso), os ritmos de Teófilo Chantre, ou Orlando Pantera, Boy Gé Mendes, ou Gilyto, a beleza dos tons de Titina, as antigas canções de Gardénia Benrós, tudo distribuído pelo batuque, pela coladêra, pelo funaná, pela abençoada morna, em compositores tão fatais como B. Leza, evidentemente, Kaká Barbosa, Frank Cavaquim, Rendall, Spencer ou Vasco Martins.

Cabo Verde manteve a sua dignidade e conservou a sua beleza. Recusou a vitimização que tantos novos países africanos transformaram em discurso oficial, e encontrou no “turismo” uma vocação natural. Mas o turismo, como o leitor compreende, é outra coisa. Eu falo de viagens. Não apenas das praias de Cabo Verde, mas das alturas e das colinas escuras de Santo Antão, da imensa solidão atlântica da Brava, onde a beleza pura invade a visão do mar, para o transformar e cativar em seu redor; da magia distinta do Pico do Fogo, de onde o mundo parece mais pequeno. Uma das minhas cidades de sempre é o Mindelo e não é difícil imaginar, mesmo à distância, essa tranquilidade das ruas à hora da sesta, que rivaliza com a animação que desce sobre a cidade mal cai a noite, transformando-a numa terra de música, de boémia, de amores furtivos e divertidos (como vêm na prosa de Germano Almeida), de cenas de outro tempo, evocando aquela poesia mansa e intensa, como a de Eugénio Tavares (que nasceu na Brava, convém dizer) evocando as saudades e a «dor de amor»: «Dicham chorâ/ Destino de home:/ Es dor/ Que ca tem nome:/ Dor de crecheu,/ Dor de sodade/ De alguem/ Que’n q’ré, que q’rem...»

Muitos dos meus lugares são ilhas do meio do Atlântico, como Cabo Verde, com os seus caminhos perdidos entre desertos que se transformaram em vida única, exemplar, digna, invejável. O Mindelo, em São Vicente, é um desses lugares inesquecíveis, ponto de chegada e de partida das suas histórias mais negras (a da escravatura, a do ciclo do carvão, a da febre amarela, a das secas – o flagelo do Vento Leste) e das mais luminosas (a da sua música, a da sua intimidade). Eu passaria metade dessa vida sentado a uma mesa do Café Mindelo, lendo os jornais que chegassem ao Porto Grande, como na época dos transatlânticos, para que não dissessem que estava isolado do mundo. A minha praia seria a da Lajinha com sábados grandes em Salamansa e na Baía das Gatas, com crepúsculos desses, negros e dourados, mesmo no meio do mar. Como um coração de coral no meio do mar.

in Outro Hemisfério – Revista Volta ao Mundo – Fevereiro 2008

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Blog # 20

O português de antigamente era poupado, juntava moedas, sabia de economia doméstica, passajava as meias e sabia o que eram meias-solas. O mundo mudou radicalmente mas sobreviveram os certificados de aforro, uma instituição conservadora feita à medida de portugueses conservadores e timoratos, que desconfiavam da Bolsa e dos fundos especiais negociados pelos bancos. O mundo flutuava; os certificados eram sólidos. Não é preciso perceber de economia e Finanças para detectar a marosca, que vinha na primeira página do CM de ontem: “Governo tira 144 milhões a aforradores”. Foi-lhes ao bolso, como costuma? Não. Foi aos certificados, uma coisa fácil de subscrever e um incentivo à poupança efectiva – para o dia de amanhã, para os anos de intempérie. Baixou 0,8% os juros e ficou com 144 milhões para combater o défice e financiar os seus gastos. A Banca e o Governo agradecem em conjunto, desafiando o espírito comezinho dos portugueses que conheciam a palavra “poupança”.

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O escritor Paulo Coelho tem um blogue onde faz pirataria dos seus próprios livros. Ele confessou, ao ‘The Guardian’, que se faz passar por fã de si mesmo e, assim, ajuda a vender mais Paulo Coelho. Não é esquizofrenia mas apenas um homem com uma vida dupla: nos seus livros intruja os leitores; no blogue intruja-se a si mesmo.

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- Em Maio, a Dom Quixote vai publicar ‘Perdido de Volta’, de Miguel Gullander, um luso-sueco que vive em Benguela. O livro já saiu no Brasil.

- Documentário, quase, e chocante: ‘Massacres em África’, de Felícia Cabrita (edição Esfera dos Livros), é uma viagem pela violência antes e depois das independências. Um retrato cruel.

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