outubro 08, 2011

James

Há altos e baixos no rendimento de qualquer equipa – e há o estatuto do adepto, capaz de descobrir catástrofes onde se desenha apenas um deslize. Mas sem os adeptos uma equipa é um corpo vazio e um instrumento sem objectivo. Assim o FC Porto e, claro, assim a liderança de Vítor Pereira. A tarefa do treinador do FC Porto, estava escrito, seria a mais difícil da época; mesmo mais difícil do que a do próprio clube, que resiste com facilidade a todas as erosões, mesmo quando não ganha o campeonato (justamente devido à alma, demasiado flutuante algumas vezes, insuflada pelos adeptos).

Como adepto, já o escrevi aqui, este arranque teve uma perda fundamental: a de Radamel Falcao. A sua eficácia, visão de jogo (lembram-se, noutras posições, da omnipresença de Lucho?, da serenidade de Deco?) Mas depois do jogo com a Académica, que representou o regresso da alma do FC Porto depois da derrota (merecida) diante do Zenit, James Rodríguez merece ser considerado um candidato ao lugar de Falcao; não ao seu lugar, evidentemente, para o qual se posiciona Kléber, mas ao seu espaço na alma portista, capaz de atingir – até agora – a marca de um golo por jogo e de mobilizar a bancada em dia de inspiração. A sua alegria adolescente no relvado não é apenas uma promessa de êxito, mas também a garantia de um prolongamento dos grandes dias do clube. Estou por ele.

O que, no entanto, torna a época do FC Porto mais serena e promissora são, ainda, as entradas previstas de Alex Sandro, Danilo e Iturbe para a corrida por lugares na equipa. São contributos desiguais para a segunda metade da época, mas capazes – qualquer um deles – de desequilibrar o tabuleiro e de inclinar o relvado a nosso favor.

O leitor dirá que esta semana estou optimista, ao contrário do habitual. Seja. Há jogadas que, apreciadas de longe (como as de James e as de James em ligação a Hulk), providenciam alegrias raras.

in A Bola - 8 Outubro 2011

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setembro 24, 2011

Meio golo

Nelson Rodrigues, o cronista dos cronistas, achava que humilhar o adversário não era coisa de goleada. Enganou-se em relação ao que aconteceu no ano passado, com o 5-0 no Dragão. Quando Nelson, na arquibancada do Mário Filho, aliás Maracanã, assistia a um 1-0 a favor do Fluminense, festejava abundantemente e a crónica do dia seguinte escorria com grande ironia na ‘Gazeta dos Esportes’ ou no ‘O Globo’. Ganhar de 1-0, como ele escrevia, poupava o adversário mas provocava-lhe uma dor infinita, aquela que Ícaro sentia quando se elevava nas alturas ou que Sísifo provava ao subir pela montanha acima; mas não deixava ao adversário a hipótese de uma rendição nem a honrosa saída de não ter desculpa. O ideal era, mesmo, ganhar por meio golo a zero, hipótese ainda impossível.

No ano passado, a vitória valeu por todos os golos mas, sobretudo, por aquela surtida de Hulk pela lateral direita batendo David Luiz e passando para o espaço onde havia de aparecer Varela. Este ano, as circunstâncias são diferentes, as condições são diferentes e o FC Porto falhou uma jornada que não podia ter falhado, contra o Feirense. A pressão, de qualquer modo, está quase toda sobre o FC Porto e não, como devia acontecer, sobre o Benfica, que se reforçou para além do imaginável e que decidiu atacar o título com aquela saborosa vaidade do costume. A culpa é do FC Porto, que falhou contra o Feirense. É nos pequenos jogos (nos detalhes) que se decidem os destinos. Co Adriaanse, que não era dos meus favoritos, sabia isso, por muito que custasse aos adeptos portistas.

Estes, habituados ao caviar (servido na época passada com André Villas-Boas), terão de reaprender a jogar no risco fatal, comandados por Vítor Pereira, que precisa de saber entusiasmar o banco e as bancadas em simultâneo. Talvez seja esta a oportunidade. Por meio golo que seja.

in A Bola - 24 Setembro 2011

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setembro 10, 2011

E o futebol?

O mais vivo do jogo da selecção não aconteceu no campo, mas antes do jogo, com o lamentável “episódio Ricardo Carvalho” – um jogador que aprecio muito, muito para além da média, mas que (neste caso) não esteve à altura da sua excelente carreira, como o próprio acabou por reconhecer.

Nem por esse episódio o jogo teve vivacidade, interesse (houve os assobios a Ronaldo, que ele agradeceu com categoria) ou foi a demonstração da capacidade de Portugal poder arrasar uma equipa como o Chipre. Com todo o respeito por Chipre e pelos cipriotas, somos de categorias diferentes. O jogo podia ter servido para animar as hostes; não serviu. Podia ter servido para mostrar a qualidade do futebol que aqueles jogadores exibem nos seus clubes; não serviu. Foi, pelo menos, um serviço para o nosso apuramento.

Enfim, para quem já esteve no fio da navalha diante do Azerbaijão ou da Albânia – não nos queixemos muito.

Quanto ao resto – no balanço da semana –, o costume. Palavras. Uma corrida estranha e conspirativa à FPF, com o Sporting e o Benfica a dançarem uma curiosa valsa entre paredes demasiado vizinhas. E o tema da arbitragem de novo incluído nas ementas, a provar que também aqui é necessária uma espécie de “linha zero” ou, pelo menos, de alguma sensatez. Os dirigentes deviam falar em público o menos possível; os árbitros deviam ser avaliados por juízes independentes e autónomos; os departamentos de futebol deviam cuidar de tratar dos seus assuntos estritos; e os jogadores deviam, ao menos, jogar. Este último aspecto, se querem saber, preocupa-me especialmente. Ainda não temos visto quase nada. Nem jogadas de ficar no olho (já agora, a assistência de Defour para Varela pareceu-me uma boa promessa, tal como a hipótese Kléber) nem golos de levantar bancada. E, afinal, foi para isto que viemos.

in A Bola - 10 Setembro 2011

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setembro 03, 2011

Confiança

Serão Kléber ou Walter capazes de substituir aquele lugar vazio, o de Falcao, ou teria sido avisado entrar na corrida por Leandro Damião, Wagner Love, Stracqualursi, Bendtner ou Funes Mori, nomes entretanto sugeridos para o FC Porto? Dar-se-á o caso de o futebol ser uma operação de recorte e colagem em que se substituem nomes em funções pré-estabelecidas? Duvido em ambos os casos. A procura do “jogador ideal” ou do “avançado ideal” levou a bastantes desvarios – não apenas financeiros, mas também estratégicos e de “arquitectura”, em que o treinador é visto a sacrificar tudo a um desenho que funciona na perfeição antes dos jogos, mas que pode não resultar durante os jogos propriamente ditos.

O FC Porto é, aliás, uma das equipas que tem provado – e por várias vezes – que se pode entrar em combate sem preencher as posições tradicionais. Claro que Kléber, primeiro, e Walter, depois, tentarão essa posição fatal, servidos com disciplina. Mas o leque de soluções disponíveis há-de surpreender (até Thibaut Vion é capaz de vir a fazê-lo), com James Rodríguez, Guarín ou Juan Iturbe chamados à linha da frente – e com Hulk, um jogador especial, mas sobretudo uma força da natureza (tanto como outros eram um prodígio acidental). O problema, para comentadores fascinados com reforços que não são utilizados, é que o FC Porto, até agora, tem sido a mesma equipa do ano passado (o facto de Alvaro Pereira continuar é mais um sinal importante e de grande utilidade), apenas menos moralizada e ligeiramente mais inquieta. No jogo com o Barcelona, aliás, pese embora o resultado, provou que pode atingir um excelente nível de competitividade. O essencial, agora, é reunir uma equipa onde estes talentos indiscutíveis exigem atenção, preparação e disciplina. E, pelo que eu vi do Chelsea (ah, nós, os que não esquecemos...), vai dar vontade de ver e rever.

in A Bola - 3 Setembro 2011

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agosto 20, 2011

Começo de empate

O campeonato começou como merecia – empates sobre empates ou magras vitórias que não indicam grande coisas sobre o que (já) está em jogo. Entretive-me a apreciar os comentários televisivos, sobretudo estes, sobre as quatro principais partidas da jornada; e corei de pudor. Como é possível detectar “um jogo bem explanado” (peço perdão aos mestres da Língua...) em qualquer daqueles encontros, ou, sequer, vislumbrar “bons sinais fornecidos” por qualquer dos jogadores que entrou nos relvados? Só por grande amor ao negócio das transmissões televisivas – ou, quiçá, ao entusiasmo futebolístico propriamente dito – se podem ouvir expressões daquelas sem que o nervo óptico não trema ou sem que a vergonha nos assalte. Primeiro: foram maus jogos. Segundo: os jogadores estão, essencialmente, desmotivados por uma época que começa quando “o mercado” ainda está aberto e decidido a reviravoltas.

O Sr. Platini, mesmo sem vestir a sua habitual e dispensável pele de moralista, bem podia providenciar para que os calendários fossem mais adequados: começam os campeonatos, fecha o mercado dos passes. Não é admissível esta sobreposição, prejudicial para clubes e para adeptos – e, já agora, para o essencial da verdade desportiva.

Por falar nisso, retenhamos o caso de Falcao, em transferência para um clube secundário de Madrid. Coisa que não se compreende num atleta ambicioso e de grande qualidade – trocar uma equipa residente da Champions por um emblema de segundo plano que costuma devorar jogadores e treinadores a uma velocidade razoável, para os devolver sem classe nem glória. Se isso acontecer com Falcao, como é provável, não foi por falta de aviso. Compreende-se que Ruben Micael o faça, até porque não tem sido titular imprescindível. Mas é como se sabe: num clube como o FC Porto só fazem falta aqueles que estão efectivamente lá.

in A Bola - 20 Agosto 2011

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agosto 06, 2011

O hábito de perder e de ganhar

O Real ganhou 7-1, o Barcelona perdeu 1-4 – quer isto dizer que a época vai corresponder a estes resultados? Os visionamentos de pré-época são tão decisivos como se julga ou só depois da Supertaça e do final de Agosto é possível prever como vai decorrer a primeira metade do campeonato? São perguntas de todos os Verões, naturalmente; preenchem aquela “margem de fé” que constitui o suplemento da relação do adepto com o futebol propriamente dito. Veja-se o ano passado: estava escrito que o FC Porto ia ter dificuldades acrescidas e vastíssimas com a inexperiência de André Villas-Boas – alguns jornais exageraram mesmo no vaticínio e foram obrigados a escrever em fogo lento durante dois a três meses. Nada que os levasse a manter algum bom senso durante esta pré-temporada: o manancial de recursos anti-portistas mantém-se em boa forma se bem que moderado por algumas cautelas. Mas está lá e dança de acordo com a música, que nem é surpreendente.

A tarefa de Vítor Pereira é, pois, ainda mais difícil do que a de Villas-Boas. Sobre André pesava a desconfiança total e aberta, de modo que a vitória sobre o Benfica na Supertaça de 2010 foi um castigo merecido sobre os comentadores do costume. Sobre Vítor Pereira pesa o silêncio; é pior. Poucos se atrevem a dar dois passos quando um é suficiente para falhar.

O problema é que o futebol-futebol não é feito de vaticínios nem de vencedores antecipados. Sobretudo não é feito destes últimos – uma breve revista da imprensa dos Verões dos últimos trinta anos pode ser muito esclarecedora: há demasiados “campeões de Agosto” e “campeões de Inverno” que não arrecadaram o título que conta. Lendo os últimos dias, percebe-se que os comentadores do costume não aprenderam nada. Deve ser do hábito de perder antes de tempo.

in A Bola - 6 de Agosto 2011

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julho 23, 2011

Jogar a sério

Acabo de ver o Rio Ave-FC Porto e fico ainda mais convencido de que os jogos da pré-temporada, com equipas inteiras substituídas, deviam decorrer ou à porta fechada ou, pelo menos, com recato televisivo. Deu para ver um Kléber promissor, a velocidade de Djalma, um pouco da arte e da competência de Moutinho, um par de jogadas de Fucile (que assistiu maravilhosamente para golo) e o deslize da defesa que proporcionou o penálti a João Tomás. Podíamos, para sermos absolutamente justos, acrescentar mais três jogadas superiores – mas seriam esmagadas pela falta de coordenação que, acredito, já não acontecerá no encontro diante do Peñarol.

O futebol é um jogo de guerra e – por isso – de estratégia. Ganham os que marcam mais golos mas o sentido de justiça nem por isso fica garantido; mas o nervo de qualquer partida é a corrida para a vitória, o embate duro e fatal, o equilíbrio no arame que divide o território entre ganhar e perder. O resto, que me perdoem os senhores jornalistas e os comentadores do Tiny Pub ou do Sem Palavras, casas onde costumo ver os jogos da televisão, não me comove especialmente. Pelo contrário, faz-me apenas desejar que o campeonato comece e que seja publicada uma lei que impeça anúncios de novos jogadores.

Enquanto isto parece acontecer em Portugal, decorre a Copa América – uma final entre o “meu” Uruguai (depois da derrota da “minha” Argentina) e o “meu” Paraguai. É uma espécie de regresso dos clássicos, uma reinvenção das “melodias de sempre” do futebol, não fosse eu gostar de Oscar Tabarez; tem a figura típica do uruguaio como eu o conheço (aliás, tem o rosto do uruguaio mais uruguaio que conheço, o meu amigo Mario Delgado Aparaín). Só um uruguaio do mundo podia dizer, no final de um jogo do último Mundial, com aquele sorriso patife ao canto da boca (o de quem aprendeu a fingir que não está a ser irónico), «não jogámos bem, mas parece que alguma coisa nos está a empurrar, deve ser a força destes rapazes». Vamos, rapazes. Joguem a sério.

in A Bola - 23 Julho 2011

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julho 16, 2011

Uma orquestra

Quantas equipas de futebol disputam a I Liga? Cerca de meia centena, a avaliar pelos jogadores que, todos os dias, são anunciados nas primeiras páginas como um remédio para a falta de futebol propriamente dito. E o futebol propriamente dito é isto: jogo, corridas de fogo pelas laterais, manigâncias de extremos que sabem iludir o fosso das defesas, lançamentos em profundidade até atingir um trânsfuga que desarma um guarda-redes e expõe – diante de um estádio – a beleza de um golo, a quase transcendência de um arco volteando sobre a baliza adversária. Quase o “Sonho de Uma Noite de Verão” de Mendelssohn, equilibrado sobre uma batuta invisível.

Uma orquestra, é isso uma equipa que procura a harmonia, o equilíbrio, o desafio permanente daquele confronto entre a perda e a vitória absoluta. E, depois, solistas em absoluto: vozes isoladas que participam do concerto, que devem ser protegidos como os elementos de brilho. É isso o futebol para mim. Por isso tem razão de ser a pergunta: quantas equipas de futebol disputam a I Liga? Meia centena, segundo os jornais, que anunciam uma promessa diária, uma euforia que há-de deslizar até à desilusão, como geralmente acontece. Pode haver equipas de onze jogadores formadas por quarenta atletas? Não. Peço ao leitor benevolente que faça as contas e me diga se isto é futebol ou se – na melhor das hipóteses – espera melhor futebol com a abundância de solistas e a desagregação das orquestras. Ah, nós sabemos a resposta, os amantes de futebol. Sabemos que há, neste período, um excesso de euforia que não é comandado pelo futebol propriamente dito mas pela abundância de promessas, que é aquilo que mata o jogo e desilude os adeptos que preferem iludir-se.

Hoje em dia, as equipas de futebol têm quarenta jogadores, um número que diminui à medida que o jogo exige concentração. Joguemos, por isso, futebol de praia, como vos disse há duas semanas. Poucos mas bons, entusiasmados e dançarinos. Falta pouco para subir ao palco esse espectáculo.

in A Bola - 16 Julho 2011

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julho 02, 2011

Um líder

André Villas-Boas apresentou-se esta semana como treinador do Chelsea. Na sessão oficial, ou logo depois dela, dirigiu algumas palavras ao FC Porto – dizendo que o clube “continuaria a ganhar”. É o desejo natural de um portista, evidentemente; no caso de Villas-Boas é também o desejo natural de quem tem alguns problemas de consciência e deseja que nenhuma tormenta afecte, ou agrave, o seu sentimento de culpa depois de ter abandonado o emblema a que há pouco tempo jurara amor por mais uma época, pelo menos, e em cuja cadeira se sentia bem e feliz. Os adeptos do clube sentiram o acto como uma traição – e Villas-Boas sabe que têm razão. Ao contrário do que acontece no universo das grandes transacções do futebol, o mundo dos clubes vive de dedicações extraordinárias e de sentimentos de euforia. Por pouco, às vezes: por uma frase, por um gesto, um sorriso. Independentemente do que aqui escrevi na semana passada, os adeptos tinham direito a prolongar esse sentimento. Mas, como disse, no universo das grandes transacções do futebol, as coisas não se passam assim. A oportunidade de André Villas-Boas treinar o Chelsea veio no pior momento para o FC Porto e a solução para este dilema só será encontrada quando Chelsea e FC Porto se defrontarem e o azul e branco portista derrotar os “blues” londrinos. Esse seria um gesto de reparação romântico, é verdade; mas só assim os que se sentiram traídos pelo abandono de Villas-Boas (ainda por cima se é verdade que a questão não era monetária, como o próprio garantiu, ao dizer que o FC Porto cobria a oferta do Chelsea) sentiriam que havia alguma justiça no futebol (e não no universo das grandes transacções do futebol…).

A herança de Vítor Pereira é, portanto, pesada e, até ver, limitada pelas dúvidas naturais dos adeptos – como eu. Tem uma tarefa enorme, vastíssima, pela frente. E, urgentemente, nesta pré-época, precisa de dar um sinal. O sinal de que entendeu a mensagem, que pode até não ser simpática para Villas-Boas. Um líder é assim.

in A Bola - 2 Julho 2011

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junho 29, 2011

Blog # 898 e pausa

O Grande Prémio de Romance e Novela APE foi atribuído a Gonçalo M. Tavares e ao livro ‘Uma Viagem à Índia’ (Caminho). Trata-se de uma dupla distinção – em primeiro lugar, a um livro original, a uma obra que de certa maneira reavalia a forma como a literatura se cruza com a história, a herança camoniana, o desvario português da viagem. É um livro ambicioso e monumental, um romance – apesar da sua forma versificada – que ninguém pode daqui em diante ignorar. Em segundo lugar é uma distinção a um autor que, nos últimos dez anos, atravessou todas as referências na nossa literatura. Depois de ‘Jerusalém’ seria impossível não perceber a sua grandeza e a forma como iria ser tão importante. O seu trabalho merece esta distinção e as que têm perseguido o seu talento em todo o mundo.

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FRASES

"Perguntar sobre os livros que se leu é perguntar sobre conquistas amorosas ou contas bancárias." Tiago Moreira Ramalho, no blogue A Douta Ignorância

"Para alguém que escreve, os prémios representam também a possibilidade de defender melhor o seu tempo de trabalho." Gonçalo M. Tavares, ontem, no CM

Nota: Por motivos que facilmente se compreendem, esta coluna deve interromper-se durante algum tempo. Exercer um cargo público não deve supor que se interrompam coisas como ler, pensar, escrever. Por isso, este Blog regressará em breve.

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junho 28, 2011

Blog # 897

Numa entrevista ao ‘Financial Times’, Philip Roth revela que, a determinada altura, deixou de ler ficção. “Não leio nenhuma ficção. Leio outras coisas: história, biografia. Não tenho pela ficção o mesmo interesse de antigamente.” A jornalista quis saber como é que isso aconteceu, e Roth deu uma resposta ainda mais enigmática: “Não sei. Fui ficando mais ajuizado...” Esta má relação dos ficcionistas com a ficção não é estranha nem é uma ameaça para a arte do romance. José Cardoso Pires, por exemplo, não lia ficção enquanto escrevia – o argumento era o “receio da contaminação” ou da “influência”, mas havia mais: evitar a tentação do “circuito fechado”, do ensimesmamento da arte de contar histórias. Isto é, a literatura deve procurar a sua matéria longe da literatura.

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No número de pessoas extraordinárias estará certamente Jorge Calado. O Instituto Superior Técnico acaba de sair ‘Haja Luz! Uma história da química através de tudo’, festejando o Ano da Química e fazendo o elogio da curiosidade.

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FRASES

"Nunca vivi nos EUA e os filmes americanos que fiz surgiram na Europa.
Maria de Medeiros, ontem, no CM.

“Há pessoas que parecem ter mais talento para serem pessoas do que outras.
Nuno Costa Santos, no blogue Melancómico

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junho 27, 2011

Blog # 896

No fim de semana vi três ou quatro episódios de ‘Columbo’, por causa de Peter Falk (1927-2011) e do próprio Columbo. Parte da minha primeira adolescência televisiva passou-se nos serões com Peter Falk; na época (foram 70 episódios), o seu modelo de detetive era original e desarmante, a sua voz nasalada era um convite ao riso, os seus modos eram os de um desastrado e desmazelado – nós usávamos gabardinas “à Columbo”. Também era verdade que, enquanto assistíamos aos episódios, na televisão, desconhecíamos a ‘teoria da ciência’ subjacente ao seu método de investigação, e que o aproximaria de um Sherlock Holmes californiano. Peter Falk nunca conseguiu deixar, daí em diante, de ser Peter Falk e de se confundir com o talento triste e solitário de Columbo. Morreram os dois.

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Um autor em belíssima hora redescoberto e reeditado entre nós: saiu há umas semanas ‘O Reino Deste Mundo, do cubano Alejo Carpentier (1904-1980) (Saída de Emergência); autores assim não podem desaparecer das nossas estantes.

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FRASES

"Talvez nunca se consiga chegar a um acordo para a paz na região." Eric Frattini, autor de ‘Mossad. Os Carrascos do Kidon’, ontem, no CM.

"Sou um homem musicalmente rico em instrumentos que sopram a partir dos pedais." Tiago Cavaco, no blogue Voz do Deserto.

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junho 25, 2011

Adeus, bem vindo

Nunca falei com ele. Mas ouvi-o bastante e considerei, desde o primeiro minuto, que era um treinador à altura das exigências do FC Porto para a renovação que — à vista de todos — era mais do que necessária depois de um ciclo de vitórias. Chamei-lhe “cavalheiro” e insisti no facto de que o FC Porto precisava de um “cavalheiro” naquele posto, não só para reforçar os laços dos adeptos com o clube mas, também, para reafirmar a raiz do próprio clube. Era um risco, foi um risco — mas André Villas-Boas foi, felizmente, tudo o que se esperava e ainda mais. Revelou-se um bom estratega, um bom treinador e um bom rosto para essa nova fase do FC Porto.

Por isso tomo a decisão do Chelsea como uma espécie de “afronta pessoal”; porque Villas-Boas estava na base de uma reconstrução em curso. O mundo do futebol e dos seus profissionais é feito de opções de risco, no fio da navalha, no coração da tempestade. Só assim se compreende que esta saída de André seja o resultado da natural ambição de um treinador jovem e de grande qualidade, aproveitando esta oportunidade fatal. Infelizmente, por ser o Chelsea, a decisão tem um pouco de “déjà vu”; e as comparações com Mourinho serão injustas.

Adeus, André — bem vindo Vítor Pereira. Não se trata de uma segunda escolha, mas da opção natural no interior de um clube forte e de sólida cultura dirigente. A opção por Vítor Pereira pretende, antes de mais, provar que existem no FC Porto massa crítica e soluções de mérito. Vítor Pereira pode bem ser essa prova de qualidade que qualquer clube precisa. Ele pode fazer esquecer esta traição que não merecíamos.


P.S. – Platini, o francês que preside à UEFA, usou o FC Porto numas declarações despropositadas sobre futebolistas estrangeiros. É perseguição e ressentimento. Platini foi estrangeiro como jogador e jogou ao lado de estrangeiros. Com estas declarações persegue, inesperadamente, o objectivo de confirmar as opiniões dos que o consideram um tonto.

in A Bola - 25 Junho 2011

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junho 24, 2011

Blog # 895

O desenhador de roupa John Galliano está a ser julgado em Paris mas diz que não se lembra de ter dito que “adorava Hitler” nem de ter proferido insultos racistas e antissemitas. Parece que o problema tem a ver com a sua “dependência” do álcool e das drogas, coisa que está a ser tratada numa clínica de reabilitação americana. Galliano não é uma figura simpática; o seu lado histriónico basta para esconder todos os eventuais traços de humanidade e de simpatia. As suas criações para a Dior ressentem-se disso mesmo: a encenação apaga a beleza. A valorização do distúrbio e da excentricidade servem para espantar a “normalidade burguesa”. Há, suponho, uma ligação entre tudo isto. Um dia, Galliano vai esquecer-se de muitas das suas criações como hoje se “esqueceu” de Hitler.

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Deixei passar e numa pausa retomei as páginas de ‘Os Folgazões’, de Robert Louis Stevenson, traduzido por Aníbal Fernandes (Assírio & Alvim). O mar escuro e violento da Escócia, um tesouro, um galeão espanhol – e tudo o resto.

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FRASES

"Não há nada que eu possa dizer que apague a sensação de [os adeptos] terem sido traídos." André Villas-Boas, ontem, no CM.

"A improdutividade, blá blá blá, e vivemos acima, e tal. E claro, os sacrifícios. Até segunda." Luís M. Jorge, no blogue Vida Breve.

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junho 23, 2011

Blog # 894

Nicolau Tolentino de Almeida (1740-1811) morreu há duzentos anos, cumpridos hoje. Há uns anos, salvo erro, qualquer aluno do ensino secundário sabia de quem se tratava – todas as coletâneas (“seletas”, como então se denominavam) incluíam um célebre soneto (“Chaves na mão, melena desgrenhada”) em que, de dentro de um toucado, surgia um colchão desaparecido (“Eis senão quando [caso nunca visto!]/ Sai-lhe o colchão de dentro do toucado!”) Nós ríamos bastante e tínhamos razões para isso: Nicolau Tolentino era um boémio setecentista com gosto afinado para a sátira e para o exagero. Professor primeiro (de retórica), oficial de secretaria depois, a sua poesia nunca ultrapassou aquele nível de curiosidade risível e clássica. Mas era bom relê-lo para ter algumas surpresas.

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O prof. Hermínio Martins (1934), professor de Oxford e Lisboa, é um dos nomes que deveríamos reter na nossa memória distraída. A Relógio d’Água acaba de publicar ‘Experimentum Humanum. Civilização Tecnológica e Condição Humana’.

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FRASES

"A esquerda é fratricida, fraturante e ciosa da afirmação de intransponíveis linhas vermelhas." Eduardo Cabrita, ontem, no CM.

"Finalmente, uma neokantiana [Assunção Esteves] emerge no meio desta tristeza decadentista." J. Adelino Maltez, no blogue Albergue Espanhol.

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