julho 23, 2011

Jogar a sério

Acabo de ver o Rio Ave-FC Porto e fico ainda mais convencido de que os jogos da pré-temporada, com equipas inteiras substituídas, deviam decorrer ou à porta fechada ou, pelo menos, com recato televisivo. Deu para ver um Kléber promissor, a velocidade de Djalma, um pouco da arte e da competência de Moutinho, um par de jogadas de Fucile (que assistiu maravilhosamente para golo) e o deslize da defesa que proporcionou o penálti a João Tomás. Podíamos, para sermos absolutamente justos, acrescentar mais três jogadas superiores – mas seriam esmagadas pela falta de coordenação que, acredito, já não acontecerá no encontro diante do Peñarol.

O futebol é um jogo de guerra e – por isso – de estratégia. Ganham os que marcam mais golos mas o sentido de justiça nem por isso fica garantido; mas o nervo de qualquer partida é a corrida para a vitória, o embate duro e fatal, o equilíbrio no arame que divide o território entre ganhar e perder. O resto, que me perdoem os senhores jornalistas e os comentadores do Tiny Pub ou do Sem Palavras, casas onde costumo ver os jogos da televisão, não me comove especialmente. Pelo contrário, faz-me apenas desejar que o campeonato comece e que seja publicada uma lei que impeça anúncios de novos jogadores.

Enquanto isto parece acontecer em Portugal, decorre a Copa América – uma final entre o “meu” Uruguai (depois da derrota da “minha” Argentina) e o “meu” Paraguai. É uma espécie de regresso dos clássicos, uma reinvenção das “melodias de sempre” do futebol, não fosse eu gostar de Oscar Tabarez; tem a figura típica do uruguaio como eu o conheço (aliás, tem o rosto do uruguaio mais uruguaio que conheço, o meu amigo Mario Delgado Aparaín). Só um uruguaio do mundo podia dizer, no final de um jogo do último Mundial, com aquele sorriso patife ao canto da boca (o de quem aprendeu a fingir que não está a ser irónico), «não jogámos bem, mas parece que alguma coisa nos está a empurrar, deve ser a força destes rapazes». Vamos, rapazes. Joguem a sério.

in A Bola - 23 Julho 2011

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julho 16, 2011

Uma orquestra

Quantas equipas de futebol disputam a I Liga? Cerca de meia centena, a avaliar pelos jogadores que, todos os dias, são anunciados nas primeiras páginas como um remédio para a falta de futebol propriamente dito. E o futebol propriamente dito é isto: jogo, corridas de fogo pelas laterais, manigâncias de extremos que sabem iludir o fosso das defesas, lançamentos em profundidade até atingir um trânsfuga que desarma um guarda-redes e expõe – diante de um estádio – a beleza de um golo, a quase transcendência de um arco volteando sobre a baliza adversária. Quase o “Sonho de Uma Noite de Verão” de Mendelssohn, equilibrado sobre uma batuta invisível.

Uma orquestra, é isso uma equipa que procura a harmonia, o equilíbrio, o desafio permanente daquele confronto entre a perda e a vitória absoluta. E, depois, solistas em absoluto: vozes isoladas que participam do concerto, que devem ser protegidos como os elementos de brilho. É isso o futebol para mim. Por isso tem razão de ser a pergunta: quantas equipas de futebol disputam a I Liga? Meia centena, segundo os jornais, que anunciam uma promessa diária, uma euforia que há-de deslizar até à desilusão, como geralmente acontece. Pode haver equipas de onze jogadores formadas por quarenta atletas? Não. Peço ao leitor benevolente que faça as contas e me diga se isto é futebol ou se – na melhor das hipóteses – espera melhor futebol com a abundância de solistas e a desagregação das orquestras. Ah, nós sabemos a resposta, os amantes de futebol. Sabemos que há, neste período, um excesso de euforia que não é comandado pelo futebol propriamente dito mas pela abundância de promessas, que é aquilo que mata o jogo e desilude os adeptos que preferem iludir-se.

Hoje em dia, as equipas de futebol têm quarenta jogadores, um número que diminui à medida que o jogo exige concentração. Joguemos, por isso, futebol de praia, como vos disse há duas semanas. Poucos mas bons, entusiasmados e dançarinos. Falta pouco para subir ao palco esse espectáculo.

in A Bola - 16 Julho 2011

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julho 02, 2011

Um líder

André Villas-Boas apresentou-se esta semana como treinador do Chelsea. Na sessão oficial, ou logo depois dela, dirigiu algumas palavras ao FC Porto – dizendo que o clube “continuaria a ganhar”. É o desejo natural de um portista, evidentemente; no caso de Villas-Boas é também o desejo natural de quem tem alguns problemas de consciência e deseja que nenhuma tormenta afecte, ou agrave, o seu sentimento de culpa depois de ter abandonado o emblema a que há pouco tempo jurara amor por mais uma época, pelo menos, e em cuja cadeira se sentia bem e feliz. Os adeptos do clube sentiram o acto como uma traição – e Villas-Boas sabe que têm razão. Ao contrário do que acontece no universo das grandes transacções do futebol, o mundo dos clubes vive de dedicações extraordinárias e de sentimentos de euforia. Por pouco, às vezes: por uma frase, por um gesto, um sorriso. Independentemente do que aqui escrevi na semana passada, os adeptos tinham direito a prolongar esse sentimento. Mas, como disse, no universo das grandes transacções do futebol, as coisas não se passam assim. A oportunidade de André Villas-Boas treinar o Chelsea veio no pior momento para o FC Porto e a solução para este dilema só será encontrada quando Chelsea e FC Porto se defrontarem e o azul e branco portista derrotar os “blues” londrinos. Esse seria um gesto de reparação romântico, é verdade; mas só assim os que se sentiram traídos pelo abandono de Villas-Boas (ainda por cima se é verdade que a questão não era monetária, como o próprio garantiu, ao dizer que o FC Porto cobria a oferta do Chelsea) sentiriam que havia alguma justiça no futebol (e não no universo das grandes transacções do futebol…).

A herança de Vítor Pereira é, portanto, pesada e, até ver, limitada pelas dúvidas naturais dos adeptos – como eu. Tem uma tarefa enorme, vastíssima, pela frente. E, urgentemente, nesta pré-época, precisa de dar um sinal. O sinal de que entendeu a mensagem, que pode até não ser simpática para Villas-Boas. Um líder é assim.

in A Bola - 2 Julho 2011

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