Sócrates e o fim da história
Há aqui uma estranha e delirante semelhança. Francis Fukuyama considerava que estávamos diante do “fim da história” com o advento da democracia liberal um pouco por todo o lado. Evidentemente que a guerra do Iraque, a resistência talibã no Afeganistão e todo um conjunto de desastres estratégicos, levaram Fukuyama a modificar a sua tese, nomeadamente acerca da “aceitabilidade” da democracia no mundo inteiro e das etapas para a sua institucionalização em países sem cultura democrática e sem condições económicas, ou onde é impossível afastar o factor religioso do universo da política.
Ao escutar os comentadores políticos deste final de semana – um pouco por todo o lado, quer debruçando-se sobre o conselho nacional do CDS, quer comentando a fraca oposição do PSD – poderíamos chegar à conclusão de que estamos a viver circunstâncias semelhantes. Ou seja: como todo o “centrão” político foi tomado de assalto pelo governo de Sócrates, resta-nos acreditar que chegámos ao fim da história. A tese é aceitável do ponto de vista teórico.
Praticamente todas as grandes bandeiras da “política real”, até aqui defendidas pela direita e pelo centro-direita, foram assumidas pelo governo socialista. As alterações no sistema de saúde, a política do ministério da educação, o combate ao défice e um rigoroso controle orçamental, a redução da despesa pública, e até questões aparentemente laterais como a disciplina militar ou a liberalização do negócio das farmácias não suscitaram – até ao governo de Sócrates – grandes entusiasmos por parte dos socialistas. Basicamente, chegámos a um ponto em que aceitámos que certas reformas políticas são ou eram indispensáveis ao bom funcionamento do país. Daí que a esquerda no poder as tenha assumido como inevitáveis. A estratégica passou por governar à direita e deixar aqui e ali alguns tons “de esquerda” – como a matéria do aborto, por exemplo. Basta ler as opiniões de muitos empresários, alguns deles tradicionalmente alinhados com o PSD ou o CDS, para perceber que estão contentes com o trabalho feito.
Este desenho é inquietante: o “centrão” político alastraria, não como uma “vaga de fundo” mas como uma mancha que anularia as diferenças e tornaria inúteis as alternativas – porque, lá está, “o que deveria ser feito estava a ser feito”. As saídas de José Miguel Júdice do PSD e de Maria José Nogueira Pinto do CDS, vão, de alguma maneira (tirando aquilo que é ambição pessoal ou problemas no relacionamento de cada um deles com as direcções partidárias), nesse sentido.
Portanto, diante deste quadro, em que Sócrates incarna as virtudes políticas do “centrão” (incluindo uma certa imagem autoritária, muito grata ao “espírito português”), de que vale fazer oposição? Se “o PSD não tem autoridade moral” para atacar as alterações no sistema de saúde, ou na estratégia de combate ao défice, ou na reforma da administração pública – porque defendia idênticos caminhos antes – de que vale fazer oposição? Quer queiram, quer não, é este o monstro que está a crescer sociologicamente entre nós. É um monstro cheio de auto-satisfação socialista e de resignação no eleitorado do centro direita. Tanto a auto-satisfação como a resignação deram, ao longo da história, maus resultados.
A ideia de que estamos diante do “fim da história”, uma etapa em que os conflitos se diluem, em que as ideologias perdem significado, em que “não há outro caminho”, não é uma catástrofe. Mas é inquietante pelo que permite.
in Jornal de Notícias – 2 Abril 2007
Ao escutar os comentadores políticos deste final de semana – um pouco por todo o lado, quer debruçando-se sobre o conselho nacional do CDS, quer comentando a fraca oposição do PSD – poderíamos chegar à conclusão de que estamos a viver circunstâncias semelhantes. Ou seja: como todo o “centrão” político foi tomado de assalto pelo governo de Sócrates, resta-nos acreditar que chegámos ao fim da história. A tese é aceitável do ponto de vista teórico.
Praticamente todas as grandes bandeiras da “política real”, até aqui defendidas pela direita e pelo centro-direita, foram assumidas pelo governo socialista. As alterações no sistema de saúde, a política do ministério da educação, o combate ao défice e um rigoroso controle orçamental, a redução da despesa pública, e até questões aparentemente laterais como a disciplina militar ou a liberalização do negócio das farmácias não suscitaram – até ao governo de Sócrates – grandes entusiasmos por parte dos socialistas. Basicamente, chegámos a um ponto em que aceitámos que certas reformas políticas são ou eram indispensáveis ao bom funcionamento do país. Daí que a esquerda no poder as tenha assumido como inevitáveis. A estratégica passou por governar à direita e deixar aqui e ali alguns tons “de esquerda” – como a matéria do aborto, por exemplo. Basta ler as opiniões de muitos empresários, alguns deles tradicionalmente alinhados com o PSD ou o CDS, para perceber que estão contentes com o trabalho feito.
Este desenho é inquietante: o “centrão” político alastraria, não como uma “vaga de fundo” mas como uma mancha que anularia as diferenças e tornaria inúteis as alternativas – porque, lá está, “o que deveria ser feito estava a ser feito”. As saídas de José Miguel Júdice do PSD e de Maria José Nogueira Pinto do CDS, vão, de alguma maneira (tirando aquilo que é ambição pessoal ou problemas no relacionamento de cada um deles com as direcções partidárias), nesse sentido.
Portanto, diante deste quadro, em que Sócrates incarna as virtudes políticas do “centrão” (incluindo uma certa imagem autoritária, muito grata ao “espírito português”), de que vale fazer oposição? Se “o PSD não tem autoridade moral” para atacar as alterações no sistema de saúde, ou na estratégia de combate ao défice, ou na reforma da administração pública – porque defendia idênticos caminhos antes – de que vale fazer oposição? Quer queiram, quer não, é este o monstro que está a crescer sociologicamente entre nós. É um monstro cheio de auto-satisfação socialista e de resignação no eleitorado do centro direita. Tanto a auto-satisfação como a resignação deram, ao longo da história, maus resultados.
A ideia de que estamos diante do “fim da história”, uma etapa em que os conflitos se diluem, em que as ideologias perdem significado, em que “não há outro caminho”, não é uma catástrofe. Mas é inquietante pelo que permite.
in Jornal de Notícias – 2 Abril 2007
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