março 24, 2007

Os belgas, esses sacos de pancada

1. Ora, quem são os belgas? Uns chatos. Eles não têm culpa, mas sabem-no bem: são uns chatos. Repare-se: albergam o maior número de chatos de toda a União Europeia em Bruxelas; a maior parte dessa gente aborrecida é, por sua vez, uma boa quota de chatos de todos os países da União, a avaliar pelas decisões que tomam e pelo aspecto doentio que apresentam; há excepções, mas foram assimiladas. Em segundo lugar, os grandes artistas belgas do século XX, por exemplo, lamentaram a própria chatice dos belgas – um escritor como Hugo Claus (que escreveu um livro intitulado "A Tristeza dos Belgas") ou um cantor como Jacques Brel (que cantava "Le plat pays"). Em terceiro lugar, o humor, quero dizer, a humilhação dos belgas, um dos povos europeus sobre quem se contam mais anedotas; não é muito brilhante como retrato. Depois, em quarto lugar (já para não falar da política, em que flamengos e valões disputam o poder sobre um território que ninguém quer para si de bom grado), o futebol belga – um modelo de aborrecimento, de inépcia e de vulgaridade que de vez em quando tem sucesso contra equipas distraídas. Vem isto a propósito da pequena guerra que nasceu das declarações do guarda-redes belga que pedia sarrafada sobre Cristiano Ronaldo. Peço desculpa por contrariar o tom geral de indignação patriótica, mas esse belga merece o meu aplauso particular: é um herói num país ligeiramente aborrecido (eu gosto muito de Antuérpia, uma das minhas cidades europeias). Digamos que ele se distingue bravamente antes da batalha com os rapazes da nossa selecção – pediu que dessem duro no Cristiano Ronaldo. E, para corrigir, lamento que ele não tenha dito: "Não, eu não pedi para castigarem unicamente o Ronaldo. Eu pedi para aniquilarem todos!" Isso é que era. Eu levantar-me-ia, aplaudindo. Num mundo em que todos fingem e lutam para serem mais palermas e sonsos do que o vizinho, esse guarda-redes de que me esqueci o nome merece aplauso, palmadas nas costas – e que lhe paguemos uma cerveja. Bravo, rapaz! Tu contrarias essa imagem papalva dos belgas! Tu estás à nossa medida. Futebol e estalada, uma bela dupla. E tudo se acabava, indo a rapaziada jogar à bola – esmagando os belgas, leal e convenientemente.

2. Mas não. Os rapazes, aqui, em vez de se indignarem com coisas sérias, puseram-se em bicos de pés, histéricos, protestando contra os belgas. Má jogada. Eu, se chegasse a Bruxelas, ou à minha cidade de Antuérpia, e fosse recebido por uma horda de repórteres que me cercavam, invectivavam e exigiam que eu falasse, quando – justamente – eu não queria falar, também os mandava à merda. Os belgas tinham o direito de não querer falar. Tinham o direito de ir para o hotel beber umas cervejas ou comer mexilhões. Tinham o direito de não ser empurrados nem insultados. Eu, por mim, teria ido ao aeroporto recebê-los de sorriso largo, depois de almoço, prevenindo-os de que a batalha seria tão dura que eles não durariam os dois minutos regulamentares em campo. Mas não. Há sempre alguém que estraga tudo. Deixassem o dr. Madaíl protestar, que era função dele. Mas, entre nós, que sabemos que os belgas são inofensivos, contaríamos anedotas sobre belgas.

3. Finalmente, é bom que Portugal ganhe. De goleada ou com notoriedade. O prazo está a esgotar-se. E mais nada.

in Topo Norte - Jornal de Notícias - 24 Março 2007

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