março 24, 2007

Galegos da Linha


Trata-se de cozinha de inspiração galega na Marginal, muito saborosa, num restaurante pequeno mas que vale a pena visitar.

Falem-me da "Marginal", porque eu gosto da Marginal, aquela que termina à entrada de Cascais e começa no Alto da Boa Viagem, em Caxias. Falem-me da Marginal ao fim da tarde, com a luz da primei­ra Primavera. Conheço o cenário de cor há muitos anos mas — confessemos — comovo-me sempre um pouco com essa luz e com aquele mar. Todos temos direito aos nossos pequenos deslizes paisagísticos.

Paço de Arcos é um dos pontos de paragem — escre­vo esta frase e sinto-me a plagiar Ramalho Ortigão no seu “Praias de Portugal. Guia do Banhista e do Viajante” ou Maria Archer na sua monografia da Linha de Cascais. Em boa hora a chamada "rua prin­cipal" foi rearranjada e recuperados os antigos becos ribeirinhos da vila, hoje de empedrado firme — e onde há, aliás, bons restaurantes que merecem visi­ta. No meio de tudo isso, Paço de Arcos conserva, felizmente, alguns pequenos cafés históricos e há pelo menos um, com esplanada, de onde se observa a vida tranquila do final de tarde, aquela despedida do dia, doce e alaranjada. Esperais, caros leitores, estimadas leitoras, um arroubo romântico a partir desta descrição? Desiludi-vos tremendamente, afas­tai essa ideia: a mim, estas coisas abrem-me o apeti­te. Sobretudo o crepúsculo, que me lembra cores fatais como num poema de Cesário Verde.

Pois atravessando a Rua Costa Pinto e subindo na direcção da estação dos caminhos-de-ferro, logo a seguir à pastelaria Oceania (onde se devoram pastéis de nata de massa estaladiça, muito bons), encontro a Casa Gallega, que já é um clássico na zona. Resultou, primeiramente, de uma cisão na cozinha de inspiração galega da Marginal (do Saisa) e seguiu um trilho muito próprio — e tem ali quase tudo: boquerones, cogumelos salteados, o suculento mexilhão de vinagrete, os tão inevitáveis como indispensáveis pimentinhos de Padrón (a terra de Rosália de Castro, fiquem sabendo, ó devoradores sem alma), o polvo à galega (em rodelas muito amis­tosas, polvilhado de sal e colorau, regado com azei­te, que me traz à recordação o "pulpo de feira" da minha própria adolescência orensana), as angulas ou as outras saladinhas da ordem.

O meu coração rejubila, no entanto, com duas evocações solenes. Em primeiro lugar, a sopa de peixe; mas, aplaudindo com as mãos ambas e um sorriso de felicidade, a sopa rica de peixe com lagosta, que constitui por si só uma refeição plena e agradável: peixes e lombinhos de lagosta muito apetecíveis, ternos, carnu­dos, caldo especioso e cujo tempero salta das papilas aos olhos, que também fazem parte do aparelho digestivo. Muito bom.

O sr. Fernando recomenda sempre peixe, e faz bem, porque é a parte mais nobre da lista, que não se limi­ta a apresentá-lo e servi-lo apenas grelhado (mas também): os filetes de linguado à Casa Gallega, fri­tos, são muito apresentáveis, se acompanhados (como eu gosto às vezes) de batatinha frita em cubos; há ainda choquinhos na frigideira e lulas com alho, além das pataniscas de polvo, uma inovação que tem admiradores confessos; segue-se outro clássico, a pescada frita à basca, que é uma das mi­nhas escolhas recorrentes, provando que não se come pescada apenas em filetes fritos com polme ou cozida com todos, havendo ainda lugar para a espe­tada, para o caril e para a açorda de gambas, além do ensopado de cação galego, a parrilhada de mariscos (outro clássico que me lembra as Rias Bajas) e o sável com açorda ou as fritadas de pregado ou rodovalho – em posta. Em dias de euforia, o coração e o estô­mago pedem-me, ambos, que escolha o arroz de cherne com lagosta, cujo caldo apetece por vezes molhar com pãozinho (o que já se faz com a sopa rica). Salve-se a decência nestas ocasiões, mas recor­dem-se os textos de D. Ramón Otero Pedrayo sobre certas maneiras à mesa. Nesta quadra há ainda lam­preia à bordalesa para apreciadores. Lá iremos.

Nas carnes, a lista explode, a abrir, com a perdiz com vinagre de cidra e segue para as costeletas de borre­go. Há ainda bife com pimenta ou com Roquefort, costeletas, escalopes — e, encomendando, “paella”. Quereis mais? Ide às sobremesas, que são boas, e à carta de vinhos, que é muito boa. E tudo simpático, ainda por cima.

À lupa
Vinhos: * * * *
Digestivos: * * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 82
Vinhos brancos: 40
Espumantes & Champanhes: 6
Portos & Madeiras: 14
Uísques: 24
Aguardentes Portuguesas: 12

Outros dados
Charutos: Sim
Estacionamento: Pode ser complicado
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Sim
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 30 euros

CASA GALLEGA
Avenida Padrão Joaquim Lopes, 7
2780-616 Paço de Arcos
Tel: 214 432 400
Encerra aos domingos

in Revista Notícias Sábado – 24 Março 2007

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