Perfumes do Nepal
Em Lisboa, o Himchuli propõe, na sua simplicidade, uma viagem suave até ao Nepal.
De entre as interrogações que se colocam aos viajantes que refazem as principais rotas por onde passaram aventureiros, mercadores, solitários, vagabundos religiosos, geógrafos destemidos, há uma essencial: por que razão aquele pedaço de montanhas, colinas e fragmentos de céu entre a Índia e a China, fascinou e fascina tanta gente? Está claro que há Katmandu, está claro que há gente que vai para espiolhar a presença de viajantes do passado. Na verdade, Katmandu, com a sua altitude, a sua cor, além dos seus sons e, sobretudo, da sua aparente inacessibilidade, é uma metáfora perfeita para o espírito dos anos sessenta. Não falemos dos fumos. A mitologia hippie transformou Katmandu num lugar de referência – mas, salvo erro, não trouxe de lá grande gastronomia. O pessoal comia mal, nesses anos de Woodstock.
Da época, retiro o espírito e as primeiras canções de Van Morrison (ainda hoje gosto de ouvir “Tupelo Honey” e acho que é também por causa de “Old Old Woodstock”), os sons de CSN & Y, ou de Jimi Hendrix, para não irmos mais longe, a Arlo Guthrie e Country Joe McDonald ou John B. Sebastian. Parem-me por aqui, que eu poderia falar do Nepal por várias páginas. Mas, desta vez, falo-vos do Nepal em Lisboa, ali bem perto da Infante Santo, na Rua do Sacramento (que depois de atravessar a Infante Santo se chama Presidente Arriaga e, depois, Janelas Verdes). Durante o dia, é um lugar complicado, barulhento (eu já vivi lá e sei do que falo) e poeirento; à noite, é um pequeno pedaço tranquilo de Lisboa – e é nessa altura que vale a pena ir ao Himchuli, entrando pela sua porta discreta e preparados para comer as chamuças de frango ou de legumes, os pastéis de cebola ou de queijo frito com farinha de grão e uma excelente sopa de lentilhas (podemos tentar, também, a sopa de espinafres secos e bambu), antes de perguntar como são as lentilhas com natas azedas ou – para temperamentos completamente vegetarianos – as beringelas grelhadas em carvão ou o simples e suave caril de legumes com frutos secos.
Da última vez comi “tarcari sigada” (chamuça de legumes) e saudei o meu pãozinho nas tacinhas de pimentas locais. Depois, entrei na ementa: o frango com caril e cogumelos tentou-me, mas retrocedi a tempo e escolhi um frango grelhado no carvão e provei ainda um borrego com lentilhas, muito saboroso – recomendo vivamente, tal como o que vem com cajus ou com espinafres secos.
De resto, a ementa, variadíssima, e com cerca de quarenta pratos, desde o caril de batata com espinafres ao caril de queijo e natas, caril de queijo com espinafres ou o camarão com cebola, pimentos e tomate ou ao frango com côco e natas, sem mencionar as sinfonias de pratos à base de arroz ou que têm o arroz no centro de atenções.
Algumas das propostas são picantes, densamente picantes; os grelhados são simples; os molhos são suaves ou, então, informando-nos previamente, podemos escolher os mais aguerridos e apimentados, sabendo de antemão que as sobremesas contam com um doce de manga que aplacará os demónios gustativos, ou com um pudim de natas com caju e frutos silvestres, quase “de fusão”.
Não há grande lista de vinhos, mas já se sabe: estamos numa dependência do Nepal, o que nos deve confortar por minutos, antes de sermos devolvidos para a doçura da Rua do Sacramento àquela hora tardia, ou de nos encaminharmos até às Janelas Verdes, para – no majestoso jardim sobre as velhas docas – respirarmos o ar da noite. Levamos nas papilas uma recordação, uma espécie de vaga que se sobrepõe a outra, de lembrança misericordiosa de como (aproximadamente) é a comida naquelas paragens, lá no alto das montanhas do Nepal. Um misto de iogurte fresco e de grãos de legumes secos. Pouca carne. Pouca sustância. Poucas cousas que lembrem a agressividade do mundo. E perfumes, sim, perfumes. Falemos dos perfumes. Das ervas, do Nepal que nos há-de merecer – assim possamos viajar à mesa do restaurante. Às vezes, devemos tentar-nos.
À lupa
Carta de vinhos: *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço à mesa: * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos brancos: 19
Vinhos tintos: 28
Portos e Madeiras: 4
Uísques: 8
Aguardentes e conhaques: 8
Outros dados
Charutos: não
Take away: sim
Estacionamento: difícil na zona
Adequado levar crianças: sim
Tem área de não-fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 15 euros
Restaurante HIMCHULI
Rua do Sacramento a Alcântara 11/13
1350-278 Lisboa
Tel: 21 390 17 22
Encerra domingos e sábados ao almoço.
in Revista Notícias Sábado – 31 Março 2007
De entre as interrogações que se colocam aos viajantes que refazem as principais rotas por onde passaram aventureiros, mercadores, solitários, vagabundos religiosos, geógrafos destemidos, há uma essencial: por que razão aquele pedaço de montanhas, colinas e fragmentos de céu entre a Índia e a China, fascinou e fascina tanta gente? Está claro que há Katmandu, está claro que há gente que vai para espiolhar a presença de viajantes do passado. Na verdade, Katmandu, com a sua altitude, a sua cor, além dos seus sons e, sobretudo, da sua aparente inacessibilidade, é uma metáfora perfeita para o espírito dos anos sessenta. Não falemos dos fumos. A mitologia hippie transformou Katmandu num lugar de referência – mas, salvo erro, não trouxe de lá grande gastronomia. O pessoal comia mal, nesses anos de Woodstock.
Da época, retiro o espírito e as primeiras canções de Van Morrison (ainda hoje gosto de ouvir “Tupelo Honey” e acho que é também por causa de “Old Old Woodstock”), os sons de CSN & Y, ou de Jimi Hendrix, para não irmos mais longe, a Arlo Guthrie e Country Joe McDonald ou John B. Sebastian. Parem-me por aqui, que eu poderia falar do Nepal por várias páginas. Mas, desta vez, falo-vos do Nepal em Lisboa, ali bem perto da Infante Santo, na Rua do Sacramento (que depois de atravessar a Infante Santo se chama Presidente Arriaga e, depois, Janelas Verdes). Durante o dia, é um lugar complicado, barulhento (eu já vivi lá e sei do que falo) e poeirento; à noite, é um pequeno pedaço tranquilo de Lisboa – e é nessa altura que vale a pena ir ao Himchuli, entrando pela sua porta discreta e preparados para comer as chamuças de frango ou de legumes, os pastéis de cebola ou de queijo frito com farinha de grão e uma excelente sopa de lentilhas (podemos tentar, também, a sopa de espinafres secos e bambu), antes de perguntar como são as lentilhas com natas azedas ou – para temperamentos completamente vegetarianos – as beringelas grelhadas em carvão ou o simples e suave caril de legumes com frutos secos.
Da última vez comi “tarcari sigada” (chamuça de legumes) e saudei o meu pãozinho nas tacinhas de pimentas locais. Depois, entrei na ementa: o frango com caril e cogumelos tentou-me, mas retrocedi a tempo e escolhi um frango grelhado no carvão e provei ainda um borrego com lentilhas, muito saboroso – recomendo vivamente, tal como o que vem com cajus ou com espinafres secos.
De resto, a ementa, variadíssima, e com cerca de quarenta pratos, desde o caril de batata com espinafres ao caril de queijo e natas, caril de queijo com espinafres ou o camarão com cebola, pimentos e tomate ou ao frango com côco e natas, sem mencionar as sinfonias de pratos à base de arroz ou que têm o arroz no centro de atenções.
Algumas das propostas são picantes, densamente picantes; os grelhados são simples; os molhos são suaves ou, então, informando-nos previamente, podemos escolher os mais aguerridos e apimentados, sabendo de antemão que as sobremesas contam com um doce de manga que aplacará os demónios gustativos, ou com um pudim de natas com caju e frutos silvestres, quase “de fusão”.
Não há grande lista de vinhos, mas já se sabe: estamos numa dependência do Nepal, o que nos deve confortar por minutos, antes de sermos devolvidos para a doçura da Rua do Sacramento àquela hora tardia, ou de nos encaminharmos até às Janelas Verdes, para – no majestoso jardim sobre as velhas docas – respirarmos o ar da noite. Levamos nas papilas uma recordação, uma espécie de vaga que se sobrepõe a outra, de lembrança misericordiosa de como (aproximadamente) é a comida naquelas paragens, lá no alto das montanhas do Nepal. Um misto de iogurte fresco e de grãos de legumes secos. Pouca carne. Pouca sustância. Poucas cousas que lembrem a agressividade do mundo. E perfumes, sim, perfumes. Falemos dos perfumes. Das ervas, do Nepal que nos há-de merecer – assim possamos viajar à mesa do restaurante. Às vezes, devemos tentar-nos.
À lupa
Carta de vinhos: *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço à mesa: * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos brancos: 19
Vinhos tintos: 28
Portos e Madeiras: 4
Uísques: 8
Aguardentes e conhaques: 8
Outros dados
Charutos: não
Take away: sim
Estacionamento: difícil na zona
Adequado levar crianças: sim
Tem área de não-fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 15 euros
Restaurante HIMCHULI
Rua do Sacramento a Alcântara 11/13
1350-278 Lisboa
Tel: 21 390 17 22
Encerra domingos e sábados ao almoço.
in Revista Notícias Sábado – 31 Março 2007
Etiquetas: Restaurantes
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