abril 14, 2007

Pátio das cantigas


No Arvoredo, em Paço de Arcos, a ementa é significativa e decente. Um restaurante a redescobrir.

Arvoredos fatais; estes são os mesmos, eu o mesmo não sou. Começo por uma citação totalmen­te truncada de Tomás António Gonzaga, um dos meus poetas preferidos, voz estranha de andarilho e, diz-se, de gastrónomo anódino. Nasceu em Gaia, viveu em Ouro Preto (Brasil) e, na sequência da revolta da Inconfidência Mineira e do suplício de Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier), foi depor­tado para Moçambique, onde foi funcionário das alfândegas da época. Penou na Ilha de Moçambique. "São estes os lugares, eu o mesmo não sou" remete-me para os seus poemas a Marília de Dirceu, musa do poeta, inspiradora de muitas visitas actuais a Ouro Preto, a antiga capital de Minas Gerais.

Ora, porque cito eu Gonzaga? Por isso mesmo: "São estes os lugares, eu o mesmo não sou." Eu conhecia estas paragens, mas tinha do Arvoredo uma memória diferente. No mesmo lugar, inclinado sobre a vila de Paço de Arcos, lugar de refeições modestas, sem grande imaginação, banais, corri­queiras, próprias do chamado "dia-a-dia" de quem come em restaurantes por recurso e se contenta com os "pratos do dia", certinhos a cada dia da semana, iguais em todas as quadras do mês, com as diferen­ças pontuais que a estação do ano impõe - para que se substituam os brócolos pelo feijão-verde no acompanhamento, ou para que haja sardinhas a partir de Maio (ah, que nunca mais chega a temporada das sardinhas!), ou melão na altura certa, ou cerejas quando as houver. Este Arvoredo fazia parte da lista desses restaurantes maneirinhos e escondidos na minha velha Paço de Arcos.

Pois, senhores, lembram-se do 'Pátio das Cantigas'? Então recordem o momento em que Ribeirinho, debruçado da janela, grita para Vasco Santana: "Ah, meu pai, descobri o Brasil no rés-do-chão de nossa casa!" Era o anunciado namoro com a filha de dona Rosa, arremedo de Carmen Miranda, a cantora de Marco de Canaveses.

Pois onde me falaram do Arvoredo foi no Rio de Janeiro: "Vai no Arvoredo, meu filho, que tem boa cozinha." Luciana Fróes, a colunista omnívora de 'O Globo', mencionara-o no jornal e eu fui, apesar das suas queixas de que Paço de Arcos parece um labirinto. Tinham-me falado do seu bife com molho de alheira, no bife recheado com queijo de cabra – e nas 'potato skins' servidas com molho picante ou nos mexilhões gratinados. Pois há uns meses lá fui; ao que supus, o cardápio fora ligeiramente encurtado, mas a amostra é significativa e decentíssima, com um bom 'carpaccio', queijo de cabra com 'courgettes' e noz (aliás, o res­taurante tem uma boa amostra de queijos e de fuma­dos - de várias origens), e intromissões regionais com novidades ligeiramente simples, como a morce­la beira servida com abacaxi. Há os bacalhaus à Zé do Pipo e "à minhota", o cação de coentrada muito bom, o arroz de tamboril e gambas, a raia "à algar­via" e uma boa e simpática lista de peixes na grelha, além do polvo à lagareiro, que satisfez os meus amigos brasileiros, mesmo nos pratos vegetarianos, que incluíam uma lasanha de espinafres e um patê de legumes servido com arroz e natas de soja.

Nas car­nes, pois rondemos o bife com molho de alheira, os maranhos da Beira Baixa (na verdade, bons) na com­panhia de uma couve salteada que me reenviou às memórias da minha terra em pleno Inverno (apenas faltava um golpe de vinagre...), costeleta de vitela, as alentejanas migas de espargos "com carne do algui­dar" e uma sua variante com morcela frita, além do peito de pato em molho de alperce, ou pato em vinho do Porto. Não encontrei nas minhas escolhas o arroz de perdiz de que me tinham falado, mas hei-de voltar.

Para o velho Arvoredo, é uma mudança e tanto (que já leva bons três anos), muito respeitável; as incur­sões, como mencionei, não impedem que as sobremesas sejam de velha estirpe: fidalgo, papo-de-anjo, encharcada, toucinho-do-céu - enfim, propostas que não deixam o colesterol andar na mó de baixo. Pois aqui está um arvoredo simpático e lustroso, por cuja esplanada se escapam perfumes nada negligen­ciáveis.

À lupa
Carta de vinhos: * * *
Carta de digestivos: * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço à mesa: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos brancos: 24
Vinhos tintos: 87
Aguardentes & Conhaques: 10
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 22
Espumantes & Champanhes: 6

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: complicado
Adequado levar crianças: sim
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 25 euros

ARVOREDO
Rua Carlos Bonvalot, 4
2780-576 Paço de Arcos
Telef: 214 421 158
Encerra aos domingos ao jantar

in Revista Notícias Sábado – 14 Abril 2007

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