Vida Imperial
Uma máquina de cerveja pode mudar a vida de um homem. Os prós e contras da novidade.
Provavelmente, este é o meu texto mais autobiográfico - ou seja, para sermos claros, aquele em que não posso enganar-me a mim próprio. Acontece raramente uma circunstância destas; a mim aconteceu-me ao meter dentro de casa uma máquina de tirar cerveja à pressão: fino, imperial, caneca, lambreta, príncipe, nenhum destes formatos ou designações tem segredos para mim a partir de agora.
Provavelmente, este é o meu texto mais autobiográfico - ou seja, para sermos claros, aquele em que não posso enganar-me a mim próprio. Acontece raramente uma circunstância destas; a mim aconteceu-me ao meter dentro de casa uma máquina de tirar cerveja à pressão: fino, imperial, caneca, lambreta, príncipe, nenhum destes formatos ou designações tem segredos para mim a partir de agora.
Onde antes havia latas e garrafas à espera de serem recicladas ou apenas de desaparecer para ganhar espaço na despensa, há agora uma máquina perversa, diabólica, condenável pelos princípios de uma vida regrada e impoluta. Quando chego a casa, ao final da tarde (ah, naquele final de tarde em que apetece uma bebida!), ela olha-me, tenta-me, fala baixinho; sinto, na cozinha, o seu murmurar eléctrico, um ronronar surdo e grave, diante do armário onde guardo os copos. Às vezes passo por ela a meio da noite, esquivando-me - e então desvio o olhar, fixo-me nas caixas de cereais e nas garrafas de Água das Pedras, um dos meus vícios; enfim; resisto.
Muitas vezes me ocorreu, ao fim da manhã, depois de trabalhar, ouvi-la como um canto da sereia, chamando, rumorejando, convocando, chilreando. Volto-lhe as costas, tapo os ouvidos como os velhos marinheiros no alto mar, mas aquela tentação permanece. Vamos e venhamos, praticamente deixou a minha vida num inferno. Mas habituei-me. E, na verdade, habituei-me com volúpia e - simultaneamente - sentido do dever.
Ao longo de vários meses, enquanto escrevia as notas para o meu livro sobre cervejas ['99 Cervejas + l, Ou como Não Morrer de Sede no Inferno', ed. Esfera dos Livros], armazenei garrafas que chegavam de várias procedências e que, além de ocuparem duas prateleiras na despensa, mantinham desperto aquele ar profissional que convém mostrar no momento da prova. Várias delas, eu sabia, eram melhores na sua versão 'draught', de pressão, do que em garrafa. Quase todas as cervejas apresentam uma espuma mais cremosa e uma maior vivacidade de corpo (maior carbonatação) quando são tiradas à pressão; evidentemente que depende do tempo de vida útil do barril, da qualidade do frio e da limpeza do seu sistema de tiragem - mas, por norma, um "fino", ou "imperial", bate a cerveja engarrafada nesses dois pontos. E, vejamos, não se trata de aspectos negligenciáveis. A espuma, por exemplo, é essencial para manter a frescura da bebida e o borbulhar do líquido; quanto mais cremosa, mais tempo de vida útil tem o nosso copo de cerveja. Para garantir um frio adequado, deixe o barril por três horas no congelador (as instruções sugerem, em alternativa, doze horas no frigorífico, mas pessoalmente prefiro o tratamento de choque), aplique-o, aguarde cinco minutos e comece a exercer os seus legítimos direitos.
Ao contrário de outras propostas existentes no mercado, em que se liga a torneira directamente ao barril de cerveja (caso de marcas holandesas e alemãs), esta, com o tamanho aproximado de uma máquina doméstica de café-expresso, liga-se à electricidade e guarda a cerveja no seu interior. É uma grande vantagem. Mas, no fim de contas, o principal risco desta máquina de cerveja preparada para os barris Super Bock (são cinco litros) é que sua a validade é, sensivelmente, de cinco dias. Ao fim de uma semana na máquina a cerveja já não apresenta aquela frescura inicial, detectada quando, ao fim das duas primeiras imperiais, o creme adere às paredes do copo como um fio de manteiga fresca, rescendendo ainda a lúpulo e ao seu amargor (uma das características desta cerveja é o tom de frescura, ligeiramente afrutado, próprio da marca). Mas durante esses cinco dias não há remédio: ela olha-nos, lá da cozinha, ronronando. O ideal, portanto, é estrear um barril uns minutos antes de um bom jogo de futebol, se calha os seus amigos irem visitá-lo - pela grande amizade que lhe devotam, naturalmente, e não por ter aquele canal de TV cabo ou, imagine-se, por ter uma máquina de cerveja de pressão em casa. A amizade é que conta. Outro ponto importante e óbvio: os copos. Experimente copos diferentes, veja qual se adapta melhor ao seu modo de beber - desta vez não tem de usar os copos padronizados das cervejarias e restaurantes. Prefira-os altos, finos, e use-os secos (às vezes apetece-me usar um copo de tamanho médio e largo, que leve apenas 0,20 cl). Não caia na tentação de reencher um copo - use outro - porque a qualidade da tiragem é totalmente diferente, para pior.
A tiragem da cerveja, aliás, merece discussão. O método mais apreciado consiste em encostar a torneira à parede interior do copo, ligeiramente inclinado. Entendimento diferente tem, por exemplo, a maior parte dos alemães (ou ingleses, quando se trata de 'pints'): o copo está direito, na vertical, imobilizado, e a cerveja cai sobre ele, produzindo espuma abundante; aguarda-se que o volume da espuma desça e acrescenta-se mais cerveja; repete-se a operação até conseguir dois a três dedos de colarinho. Confesso o meu pecado: prefiro-a assim. Portanto, aproveite a oportunidade de ter uma destas preciosas máquinas em casa para ir treinando o seu próprio método.
É provável que, nos primeiros dias, detecte alguns sintomas de uma ligeira apreensão: querer chegar a casa para ver como está a cerveja, rondar a máquina durante as horas mortas (para ver se está no sítio, evidentemente, e para testar a capacidade de lhe resistir), interrogar-se acerca da existência de barris no supermercado das redondezas, meditar sobre o sentido da vida quando - afinal - já temos cerveja de pressão em casa. Um fino, ou uma imperial, se me permitem.
X-PRESS SUPER BOCK
Máquina
Design: * * * *
Arrumação: * * *
Dispêndio de energia: * * *
Ruído: * * *
Montagem: * * * * *
Substituição de barris: * * * *
O melhor: prático, fácil de montar
O pior: o ruído do motor
Cerveja
Espuma: * * * *
Cor: * * * *
Transparência: * * * *
Aroma: * * *
Sabor: * * * *
Carbonatação: * *
O melhor: espuma, limpidez, cor
O pior: existe apenas ‘lager’ (seria bom experimentar a ruiva e a ‘stout’)
Preço
Máquina: € 197
Barril (5L): € 12
in Revista Notícias Sábado – 14 Abril 2007
Ao longo de vários meses, enquanto escrevia as notas para o meu livro sobre cervejas ['99 Cervejas + l, Ou como Não Morrer de Sede no Inferno', ed. Esfera dos Livros], armazenei garrafas que chegavam de várias procedências e que, além de ocuparem duas prateleiras na despensa, mantinham desperto aquele ar profissional que convém mostrar no momento da prova. Várias delas, eu sabia, eram melhores na sua versão 'draught', de pressão, do que em garrafa. Quase todas as cervejas apresentam uma espuma mais cremosa e uma maior vivacidade de corpo (maior carbonatação) quando são tiradas à pressão; evidentemente que depende do tempo de vida útil do barril, da qualidade do frio e da limpeza do seu sistema de tiragem - mas, por norma, um "fino", ou "imperial", bate a cerveja engarrafada nesses dois pontos. E, vejamos, não se trata de aspectos negligenciáveis. A espuma, por exemplo, é essencial para manter a frescura da bebida e o borbulhar do líquido; quanto mais cremosa, mais tempo de vida útil tem o nosso copo de cerveja. Para garantir um frio adequado, deixe o barril por três horas no congelador (as instruções sugerem, em alternativa, doze horas no frigorífico, mas pessoalmente prefiro o tratamento de choque), aplique-o, aguarde cinco minutos e comece a exercer os seus legítimos direitos.
Ao contrário de outras propostas existentes no mercado, em que se liga a torneira directamente ao barril de cerveja (caso de marcas holandesas e alemãs), esta, com o tamanho aproximado de uma máquina doméstica de café-expresso, liga-se à electricidade e guarda a cerveja no seu interior. É uma grande vantagem. Mas, no fim de contas, o principal risco desta máquina de cerveja preparada para os barris Super Bock (são cinco litros) é que sua a validade é, sensivelmente, de cinco dias. Ao fim de uma semana na máquina a cerveja já não apresenta aquela frescura inicial, detectada quando, ao fim das duas primeiras imperiais, o creme adere às paredes do copo como um fio de manteiga fresca, rescendendo ainda a lúpulo e ao seu amargor (uma das características desta cerveja é o tom de frescura, ligeiramente afrutado, próprio da marca). Mas durante esses cinco dias não há remédio: ela olha-nos, lá da cozinha, ronronando. O ideal, portanto, é estrear um barril uns minutos antes de um bom jogo de futebol, se calha os seus amigos irem visitá-lo - pela grande amizade que lhe devotam, naturalmente, e não por ter aquele canal de TV cabo ou, imagine-se, por ter uma máquina de cerveja de pressão em casa. A amizade é que conta. Outro ponto importante e óbvio: os copos. Experimente copos diferentes, veja qual se adapta melhor ao seu modo de beber - desta vez não tem de usar os copos padronizados das cervejarias e restaurantes. Prefira-os altos, finos, e use-os secos (às vezes apetece-me usar um copo de tamanho médio e largo, que leve apenas 0,20 cl). Não caia na tentação de reencher um copo - use outro - porque a qualidade da tiragem é totalmente diferente, para pior.
A tiragem da cerveja, aliás, merece discussão. O método mais apreciado consiste em encostar a torneira à parede interior do copo, ligeiramente inclinado. Entendimento diferente tem, por exemplo, a maior parte dos alemães (ou ingleses, quando se trata de 'pints'): o copo está direito, na vertical, imobilizado, e a cerveja cai sobre ele, produzindo espuma abundante; aguarda-se que o volume da espuma desça e acrescenta-se mais cerveja; repete-se a operação até conseguir dois a três dedos de colarinho. Confesso o meu pecado: prefiro-a assim. Portanto, aproveite a oportunidade de ter uma destas preciosas máquinas em casa para ir treinando o seu próprio método.
É provável que, nos primeiros dias, detecte alguns sintomas de uma ligeira apreensão: querer chegar a casa para ver como está a cerveja, rondar a máquina durante as horas mortas (para ver se está no sítio, evidentemente, e para testar a capacidade de lhe resistir), interrogar-se acerca da existência de barris no supermercado das redondezas, meditar sobre o sentido da vida quando - afinal - já temos cerveja de pressão em casa. Um fino, ou uma imperial, se me permitem.
X-PRESS SUPER BOCK
Máquina
Design: * * * *
Arrumação: * * *
Dispêndio de energia: * * *
Ruído: * * *
Montagem: * * * * *
Substituição de barris: * * * *
O melhor: prático, fácil de montar
O pior: o ruído do motor
Cerveja
Espuma: * * * *
Cor: * * * *
Transparência: * * * *
Aroma: * * *
Sabor: * * * *
Carbonatação: * *
O melhor: espuma, limpidez, cor
O pior: existe apenas ‘lager’ (seria bom experimentar a ruiva e a ‘stout’)
Preço
Máquina: € 197
Barril (5L): € 12
in Revista Notícias Sábado – 14 Abril 2007
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