O Aleixo e os filetes
Filetes de polvo e filetes de pescada. Muito bons, onde? No Aleixo, no Porto. Tudo bem, se não fossem aqueles pufes...
O que é a cozinha de autor? Cozinha que leva, irrevogavelmente, a assinatura de um criador. Não há dúvidas sobre isso mas lanço o alerta, antes de ser crucificado: há criadores de outra cozinha para além da “fusão” ou daquilo que mais “trendy” existe hoje nos restaurantes. Há, desculpem, criadores de cozinha tradicional portuguesa e eu gosto deles especialmente; não mais do que os outros, mas enfim, aprecio o seu apego ao cânone, o seu respeito pela raiz, a sua aventura pessoal vigiada por milhares de especialistas em peixinhos da horta ou em bacalhau com broa.
Neste caso, nas encostas do vetusto Porto, inclinadas para Campanhã, a Casa Aleixo é o mais conservador dos restaurantes. Longe de considerar isso uma ameaça à estabilidade emocional e gastronómica dos seus frequentadores, vejo-o como uma excentricidade a ter em conta.
Quando inventei, para os meus próprios livros, um detective portuense, pu-lo a viver ali bem perto de Campanhã, na Rua de Barão Nova Sintra, apenas com a finalidade de ele poder ir a pé até à Casa Aleixo (o inspector Jaime Ramos, que me acompanha há quinze anos, é um excêntrico nessa matéria) para comer filetes de polvo “com arroz do mesmo” e para cair, do alto, no prato de chispe com feijão vermelho.
A Casa Aleixo é, na verdade, uma das glórias do Porto. Conheço cavalheiros e madamas que, saindo de Lisboa, descem em Campanhã e se dirigem à Casa Aleixo com o estômago pedindo filetes de pescada com arrozinho de feijão e uma daquelas sopas excepcionais, caseiras, perfumadas. É por elas que começo: pelo creme na base do caldo, de batata saborosa, farinhenta, de hortaliças saborosas e que não passam pelos mercados habituais – e de penca (a couve mais saborosa), de feijão, à antiquíssima portuguesa. Imagino panelões fervendo lentamente, apurando a sopa, como vem no “A Cidade e as Serras”, enquanto os comensais aguardam, de colher erguida. Brilhantes sopas caseiras. Depois, as tripas ao sábado, para quem é fanático – aconselho; o cabrito no forno à sexta-feira, o cozido à quarta (rico, generoso) e os bacalhaus das segundas-feiras. De resto, todos os dias, nesta casa que é, ou era, um altar de benfiquismo no Porto, há dois pratos simbólicos e fundamentais, como já disse: filetes de polvo e filetes de pescada. Os de polvo são excelentes, quer acompanhados de arroz de polvo quer com arroz de feijão – tenros, abertos, suaves, simples. Os de pescada são melhores ainda: pescada viguense, talvez, mas boa pescada, branca, perfeita, oferecendo-nos um sensualíssimo strip-tease no prato, desfazendo-se em lascas suculentas. O meu reparo: por vezes (ah, perdoa Casa Aleixo!) a dose de filetes de polvo é diminuta. Será, talvez, do meu apetite, mas reconheço que pagar o que se paga apenas por dois filetes generosos de polvo, é bastante. Alarga lá os cordões à bolsa.
Nas sobremesas, coisas tradicionais e purissimas. A minha escolha é óbvia: rabanadas, muito boas, atraentes; aletria sedosa e cremosa, para valer. Uma lista de vinhos aceitável e de boa presença duriense, como seria conveniente e indispensável.
Finalmente, uma pessoa pede café – e mandam-nos para a sala vizinha, onde umas mesinhas baixas e uns pufes nos aguardam. Acho mal. Sei que é uma tradição mas, sinceramente, já está na altura de acabar com ela; ainda por cima, os pufes obrigam a uma flexão abusiva que pressiona o estômago e é prejudicial à digestão. Sei que, assim, se libertam as mesas do restaurante para novos clientes – mas, que diabo!, comer filetes a este preço não é, propriamente, entrar numa linha de montagem onde temos de cumprir funções e poupar o mobiliário da casa. E o café, disso não saio, é para ser servido à mesa. Anos e anos de tradição seriam desperdiçados, eu sei, mas há excentricidades que um dia acabam por cansar. E se a comida é boa e saborosa, é legítimo que não gostemos que nos empurrem para os pufes, essa instituição que devia ser abolida e que nos obriga a dobrar excessivamente as pernas.
À lupa
Carta de vinhos: * * *
Carta de digestivos: * * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço à mesa: * *
Acolhimento: *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos brancos: 30
Vinhos tintos: 82
Aguardentes portuguesas: 12
Portos & Madeiras: 14Espumantes & champanhes: 2
Uísques: 12
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: pode ser complicado
Adequado levar crianças: sim
Reserva: aconselhável
Preço médio: 25 euros
Casa ALEIXO
Rua da Estação, 216
4300-171 Porto
Telef: 22 537 04 62
Encerra aos domingos
in Revista Notícias Sábado – 7 Abril 2007
O que é a cozinha de autor? Cozinha que leva, irrevogavelmente, a assinatura de um criador. Não há dúvidas sobre isso mas lanço o alerta, antes de ser crucificado: há criadores de outra cozinha para além da “fusão” ou daquilo que mais “trendy” existe hoje nos restaurantes. Há, desculpem, criadores de cozinha tradicional portuguesa e eu gosto deles especialmente; não mais do que os outros, mas enfim, aprecio o seu apego ao cânone, o seu respeito pela raiz, a sua aventura pessoal vigiada por milhares de especialistas em peixinhos da horta ou em bacalhau com broa.
Neste caso, nas encostas do vetusto Porto, inclinadas para Campanhã, a Casa Aleixo é o mais conservador dos restaurantes. Longe de considerar isso uma ameaça à estabilidade emocional e gastronómica dos seus frequentadores, vejo-o como uma excentricidade a ter em conta.
Quando inventei, para os meus próprios livros, um detective portuense, pu-lo a viver ali bem perto de Campanhã, na Rua de Barão Nova Sintra, apenas com a finalidade de ele poder ir a pé até à Casa Aleixo (o inspector Jaime Ramos, que me acompanha há quinze anos, é um excêntrico nessa matéria) para comer filetes de polvo “com arroz do mesmo” e para cair, do alto, no prato de chispe com feijão vermelho.
A Casa Aleixo é, na verdade, uma das glórias do Porto. Conheço cavalheiros e madamas que, saindo de Lisboa, descem em Campanhã e se dirigem à Casa Aleixo com o estômago pedindo filetes de pescada com arrozinho de feijão e uma daquelas sopas excepcionais, caseiras, perfumadas. É por elas que começo: pelo creme na base do caldo, de batata saborosa, farinhenta, de hortaliças saborosas e que não passam pelos mercados habituais – e de penca (a couve mais saborosa), de feijão, à antiquíssima portuguesa. Imagino panelões fervendo lentamente, apurando a sopa, como vem no “A Cidade e as Serras”, enquanto os comensais aguardam, de colher erguida. Brilhantes sopas caseiras. Depois, as tripas ao sábado, para quem é fanático – aconselho; o cabrito no forno à sexta-feira, o cozido à quarta (rico, generoso) e os bacalhaus das segundas-feiras. De resto, todos os dias, nesta casa que é, ou era, um altar de benfiquismo no Porto, há dois pratos simbólicos e fundamentais, como já disse: filetes de polvo e filetes de pescada. Os de polvo são excelentes, quer acompanhados de arroz de polvo quer com arroz de feijão – tenros, abertos, suaves, simples. Os de pescada são melhores ainda: pescada viguense, talvez, mas boa pescada, branca, perfeita, oferecendo-nos um sensualíssimo strip-tease no prato, desfazendo-se em lascas suculentas. O meu reparo: por vezes (ah, perdoa Casa Aleixo!) a dose de filetes de polvo é diminuta. Será, talvez, do meu apetite, mas reconheço que pagar o que se paga apenas por dois filetes generosos de polvo, é bastante. Alarga lá os cordões à bolsa.
Nas sobremesas, coisas tradicionais e purissimas. A minha escolha é óbvia: rabanadas, muito boas, atraentes; aletria sedosa e cremosa, para valer. Uma lista de vinhos aceitável e de boa presença duriense, como seria conveniente e indispensável.
Finalmente, uma pessoa pede café – e mandam-nos para a sala vizinha, onde umas mesinhas baixas e uns pufes nos aguardam. Acho mal. Sei que é uma tradição mas, sinceramente, já está na altura de acabar com ela; ainda por cima, os pufes obrigam a uma flexão abusiva que pressiona o estômago e é prejudicial à digestão. Sei que, assim, se libertam as mesas do restaurante para novos clientes – mas, que diabo!, comer filetes a este preço não é, propriamente, entrar numa linha de montagem onde temos de cumprir funções e poupar o mobiliário da casa. E o café, disso não saio, é para ser servido à mesa. Anos e anos de tradição seriam desperdiçados, eu sei, mas há excentricidades que um dia acabam por cansar. E se a comida é boa e saborosa, é legítimo que não gostemos que nos empurrem para os pufes, essa instituição que devia ser abolida e que nos obriga a dobrar excessivamente as pernas.
À lupa
Carta de vinhos: * * *
Carta de digestivos: * * *
Facilidade de acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço à mesa: * *
Acolhimento: *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos brancos: 30
Vinhos tintos: 82
Aguardentes portuguesas: 12
Portos & Madeiras: 14Espumantes & champanhes: 2
Uísques: 12
Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: pode ser complicado
Adequado levar crianças: sim
Reserva: aconselhável
Preço médio: 25 euros
Casa ALEIXO
Rua da Estação, 216
4300-171 Porto
Telef: 22 537 04 62
Encerra aos domingos
in Revista Notícias Sábado – 7 Abril 2007
Etiquetas: Restaurantes
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