À beira do Bairro Alto
Vai uma sopa de abóbora asiática com tofu frito e camarão tigre? É apenas uma das muitas sugestões na carta do Flores, no Bairro Alto Hotel. Um nadinha afectado, sim – mas bom.
Às vezes lamento não ser tão informado – mas nem sempre. Há uma razão para isso: trata-se de uma defesa contra as modas, que, sendo em geral passageiras (não se pode querer eternidade a todo o custo), merecem ser ainda mais rápidas a desaparecer. No princípio dos anos oitenta, os bifes com frutas fizeram estragos; depois, chegaram as gastronomias repentistas e, mais tarde, as "reduções" e os nomes de pratos complexos para atribuir a 'carpaccio' de novilho. Há tendências que albergam uma grande dose de insanidade. E há coisas relativas que assentam sempre num problema de linguagem; por exemplo, atribuir e malbaratar classificações de superlativo, incontornável, exímio, genial, supremo, extraordinário, transcendente, isso a mim deixa-me preocupado. O que dizer a seguir, quando se encontra qualquer coisa verdadeiramente "superior"? Portanto, poupemos nos adjectivos.
Mas, mesmo assim, às vezes lamento ser tão pouco informado. Quantos restaurantes novos abrem as portas por, digamos, semestre? Ignoro. Sigo recomendações, evito ouvir os adjectivos, acredito nos amigos. Às vezes agradeço a minha deficiente informação sobre os "restaurantes da moda"; vou a um ou outro, agradeço, provo, surpreendo-me - e deixo passar até à próxima visita.
Mas sou um conservador relapso. Apetecem-me frequentemente comidas caseiras; intervalo com "cozinha de fusão", aceito as recomendações dos chefes e leio os seus livros para ver como se chega "lá". Quando viajo, tento comparar, experimentar, arriscar; quando vou à prova, tento ser educado, compreensivo, apenas um nadinha radical, se o assunto e a relevância prometem. Mas não tenho preconceitos. Já comi o que Deus sabe. Provei gafanhotos sem saber, no México. Mudei toda a minha experiência porque uma comida, preparada em algum lugar, me surpreendeu em certo lugar. Dito isto, o restaurante Flores tem recebido encómios generalizados. A sua decoração está marcada pela elegância, pelas linhas suaves (e minimais) e pela luz, filtrada ou apenas confortável. Fica no Hotel Bairro Alto, diante do Largo de Camões, na penumbra do Chiado.
Começo por dizer o seguinte: gostei. Gostei do ambiente, que é simpático e apenas ligeiramente afectado – e da comida, que achei, digamos, cativante e de resultados bem conseguidos. Sopa de abóbora asiática com tofu frito e camarão tigre, uma amostra dessa elegância saborosa que me recordou uma prova de outros tempos, a sopa de couve-flor com azeite de trufa e sementes de sésamo. O 'carpaccio' de novilho com vinagrete de 'wasabi' e queijo de cabra, era delicado e a ligação à compota de cebola roxa emprestava-lhe um toque de ternura, uma coisa que só enobrece qualquer 'chef, como, de resto, aconteceu com a terrina de 'foie gras', vinagre balsâmico e trufa preta. Gostei bastante do lombo de charolês laminado com 'pak choi', milho e 'chutney' de manga (o lombo de borrego pareceu-me muito suculento e levíssimo, ao mesmo tempo), provei o 'risotto' de mariscos e um nadinha do filete de garoupa com chouriço de porco preto, que estava, confesso – arriscando o adjectivo e pedindo desculpa –, "perto do sublime", reconhecendo similitude com o de cherne. Nas sobremesas, há uma lista comovente de sorvetes (recomendado pelos meus amigos, e eu acredito neles, como disse) além de uma tarte de chocolate preto com gelado de tomilho que achei surpreendente.
Junto com isto, há um menu de degustação com vinhos escolhidos para cada circunstância e escolha – numa carta simpática, com boa selecção mas sem grande quantidade. A criação do 'chef' Henrique Sá Pessoa continua firme e emblemática para uma cidade que procura novidades à mesa e que, às vezes, se desilude com razão. No Flores não me desiludi, apesar do preço, que é elevado mas justificado. Longe disso, está na minha lista.
À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 46
Vinhos brancos: 12
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 12
Aguardentes & Conhaques: 8
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Não
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 55 euros
RESTAURANTE FLORES
Bairro Alto
Hotel Praça Luís de Camões
1200-243 Lisboa Telef. 21 3408288
in Revista Notícias Sábado – 17 Fevereiro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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