Trás-os-Montes na linha
O Companhia do Azeite, em Cascais, herda as referências e os pontos cardeais de Mirandela,Trás-os-Montes. Isso é bom? É, e muito.
Domingo Chuvoso e quase tardio, ou seja, hora de almoço. Para quem se aproxima de Cascais, nada mais distante do que Mirandela. E, seja como for, onde está o mar, uma pessoa não pode colocar o Tua; onde está a estrada para Sintra, ao longe, não se pode montar, serpenteando, a estradinha que vai para Rio Torto e Valpaços; onde está a marginal não podemos imaginar que se trata do caminho para o Cachão e Vila Flor, mesmo que os velhos trilhos da Linha do Tua, ladeados por choupos, à beira do rio, façam lembrar o da Linha do Estoril.
A única semelhança, salvo erro, está na existência do Companhia do Azeite, num dos bairros interiores da vila, o da Torre – um restaurante que nasceu para herdar a memória, a ementa e os sabores que vêm do Museu do Azeite, lá na Terra Quente. A Terra Quente não é uma ficção que apenas serve a geografia ou a literatura, limitada por Vila Flor, Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros – é também a aridez das montanhas e os vales verdejantes por onde desaparece aquilo que foi um conjunto de rios e ribeiras hoje vencidos pelo deserto.
Rigor do Inverno, evidentemente, porque se está em Trás-os-Montes; mas um Verão por vezes inclemente, cheio de frutos e de sombras. Se houvesse um vento, seria uma espécie de Suão do Norte, descendo pelos planaltos, paralisando junto aos ermos, crescendo de intensidade nos vales, onde se iluminaria na Vilariça, por exemplo.
Basta de evocações paisagísticas, diz o leitor. Faz bem. Passemos ao Companhia do Azeite, onde desta vez há uma lareira acesa, rodeada de sofás acolhedores onde se espera a mesa – que é larga, iluminada pela luz que entra por rasgadas paredes de vidro – coberta de toalhas brancas. Há, informo a abrir, um levíssimo aroma da terra; os mais sonhadores acham que é esteva, carqueja, perfume de urze. Eu acho que é imaginação, porque o tabuleiro de entradas acaba de chegar à mesa com torradinhas de azeite, alheira grelhada, linguiça, fatias de presunto (cortadas "à transmontana", com generosidade e sustância) queijo de ovelha, azeitonas, pastéis de massa tenra - excelentes estes últimos, quase a pedir repetição.
A ementa promete leitão (assado no forno e marinado primeiro), posta, arroz de pato, manta de vitela, casulas, cabrito serrano, bacalhau, lombo de porco com castanhas – tudo para convocar o azeite (que já está na mesa, em duas tacinhas para serem usadas a fim de se provar o pão). Casulas (ou casulos), sabe o leitor do que se trata? De um cozido transmontano com o feijão seco na sua vagem (as casulas), rodeado de carnes e legumes; desta vez não há, mas avançam para a mesa, logo a seguir às entradas (e um vinho do Douro), o bacalhau, o cabrito, a posta e o lombo com castanhas, que parece suculento. O cabrito está conforme, tostado, saboroso, a carne soltando-se sob as investidas do garfo; o bacalhau nada em azeite; a posta, muito envaidecida da sua decoração; a posta de vitela é tenra – e alta, clara, elegante.
Há aqui um problema de gosto: quem gosta de azeite e quem acha que pode tratar-se de um excesso (por exemplo, na posta, onde eu prefiro, quando ela é preparada na sertã, o "molho de feira" de Moncorvo, Carviçais, Felgar, enfim, da Linha do Sabor, ligeiramente tocado por limão ou vinagre). Mas o azeite é de boa qualidade e não massacra o estômago. Questão de gosto. No conjunto, dou a nota mais alta ao bacalhau. Ficou por provar a alheira com ovo, mas ficará para a próxima.
Quanto às sobremesas, há um toucinho-do-céu, um pudim de gemas e um leite-creme recém-queimado, que vêm para a mesa distribuindo-se pelos pratos, mas também a carta anuncia tarte de amoras ou requeijão com várias compotas caseiras. O pudim é superlativo e o serviço atencioso, cúmplice.
À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 46
Vinhos brancos: 18
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 12
Aguardentes & Conhaques: 8
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 35 euros
RESTAURANTE COMPANHIA DO AZEITE
Rua da Torre, 1155-F
2750-756 Cascais
Telefone 214 868 400
Encerra domingo ao Jantar e quarta-feira
in Revista Notícias Sábado – 10 Fevereiro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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