fevereiro 10, 2007

Trás-os-Montes na linha


O Companhia do Azeite, em Cascais, herda as referências e os pontos cardeais de Mirandela,Trás-os-Montes. Isso é bom? É, e muito.

Domingo Chuvoso e quase tardio, ou seja, hora de almoço. Para quem se aproxima de Cascais, nada mais distante do que Mirandela. E, seja como for, onde está o mar, uma pessoa não pode colocar o Tua; onde está a estrada para Sintra, ao longe, não se pode montar, serpenteando, a estradinha que vai para Rio Torto e Valpaços; onde está a marginal não podemos imaginar que se trata do caminho para o Cachão e Vila Flor, mesmo que os velhos trilhos da Linha do Tua, ladeados por choupos, à beira do rio, façam lem­brar o da Linha do Estoril.

A única semelhança, salvo erro, está na existência do Companhia do Azeite, num dos bairros interiores da vila, o da Torre – um restaurante que nasceu para herdar a memória, a ementa e os sabores que vêm do Museu do Azeite, lá na Terra Quente. A Terra Quente não é uma ficção que apenas serve a geografia ou a literatura, limitada por Vila Flor, Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros – é também a aridez das montanhas e os vales verdejantes por onde desaparece aquilo que foi um conjunto de rios e ribeiras hoje vencidos pelo deserto.

Rigor do Inverno, evidentemente, porque se está em Trás-os-Montes; mas um Verão por vezes inclemente, cheio de frutos e de sombras. Se houvesse um vento, seria uma espé­cie de Suão do Norte, descendo pelos planaltos, paralisando junto aos ermos, crescendo de intensidade nos vales, onde se iluminaria na Vilariça, por exemplo.

Basta de evocações paisagísticas, diz o leitor. Faz bem. Passemos ao Companhia do Azeite, onde desta vez há uma lareira acesa, rodeada de sofás acolhedores onde se espera a mesa – que é larga, iluminada pela luz que entra por rasgadas paredes de vidro – coberta de toalhas brancas. Há, informo a abrir, um levíssimo aroma da terra; os mais sonhadores acham que é esteva, carqueja, perfume de urze. Eu acho que é imagi­nação, porque o tabuleiro de entradas acaba de chegar à mesa com torradinhas de azeite, alheira grelhada, linguiça, fatias de presunto (cortadas "à transmontana", com generosidade e sustância) queijo de ovelha, azeitonas, pastéis de massa tenra - excelentes estes últimos, quase a pedir repetição.

A ementa promete leitão (assado no forno e marinado primeiro), posta, arroz de pato, manta de vitela, casulas, cabrito serrano, bacalhau, lombo de porco com castanhas – tudo para con­vocar o azeite (que já está na mesa, em duas tacinhas para serem usadas a fim de se provar o pão). Casulas (ou casulos), sabe o leitor do que se trata? De um cozido transmontano com o feijão seco na sua vagem (as casulas), rodeado de carnes e legumes; desta vez não há, mas avançam para a mesa, logo a seguir às entradas (e um vinho do Douro), o bacalhau, o cabrito, a posta e o lombo com castanhas, que parece suculento. O cabrito está conforme, tostado, saboroso, a carne soltando-se sob as investidas do garfo; o bacalhau nada em azeite; a posta, muito envaidecida da sua decoração; a posta de vitela é tenra – e alta, clara, elegante.

Há aqui um problema de gosto: quem gosta de azeite e quem acha que pode tratar-se de um excesso (por exemplo, na posta, onde eu pre­firo, quando ela é preparada na sertã, o "molho de feira" de Moncorvo, Carviçais, Felgar, enfim, da Linha do Sabor, ligeiramente tocado por limão ou vinagre). Mas o azeite é de boa qualidade e não massacra o estômago. Questão de gosto. No conjunto, dou a nota mais alta ao bacalhau. Ficou por provar a alheira com ovo, mas ficará para a próxima.

Quanto às sobremesas, há um toucinho-do-céu, um pudim de gemas e um leite-creme recém-queimado, que vêm para a mesa distribuindo-se pelos pratos, mas também a carta anuncia tarte de amoras ou requeijão com várias compotas caseiras. O pudim é superlativo e o serviço aten­cioso, cúmplice.

À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 46
Vinhos brancos: 18
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 12
Aguardentes & Conhaques: 8

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 35 euros

RESTAURANTE COMPANHIA DO AZEITE
Rua da Torre, 1155-F
2750-756 Cascais
Telefone 214 868 400
Encerra domingo ao Jantar e quarta-feira

in Revista Notícias Sábado – 10 Fevereiro 2007

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