abril 28, 2007

Ser discreto


A Commenda continua a ser uma das referências do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Bonita e acolhedora.

Há um livro de Georges Simenon, 'La Guinguette à deux sous' (traduzido por 'A Taberna dos Dois Vinténs'), em que o comis­sário Maigret, seu e nosso herói, comenta a vida desses pequenos restaurantes e tabernas onde, surpreendentemente, acaba por se comer bem – e por descobrir que a arte da cozinha não tem um padrão fixo.

Muitos leitores escrevem perguntan­do se não há "pequenos restaurantes" cujo "preço médio por refeição" se fique aquém dos vinte euros, ou, quem sabe?, dos quinze, mas que possa e deva ser visitado. Claro que há. Muitos, a lista é vastíssima. Em alguns casos, merecedora de pausa, de visita e de encómio. Tenho por eles uma ternura desregrada e tento fazer listas por região, enumerando os seus "pratos do dia", as suas raras invenções (não é essa a ideia quando se vai a um desses restaurantes) e o seu ambiente "tradicio­nal". Voltarei ao assunto. Mas, agora, desvio-me dele com pressa, pois venho do Centro Cultural de Belém onde A Commenda continua a ser uma das referências.

Conheci-o por meio de um 'buffet' de cozido à portuguesa que se servia aos domingos – para substituir ou para fazer de 'brunch' – e não me arre­pendi na altura. Voltei outra vez para aquilo que a gente faz no CCB: encontrar-se. Ou com a músi­ca, ou com as exposições, ou, então, com alguém. A Commenda tem aquele ar superior de madeiras lisas, quase perfumadas, brilhantes, escuras. Foi moda durante anos, quando os restaurantes estavam cansados da decoração de restaurante e quiseram ser mais anódinos ou apenas recuperar, para si, a decoração da época. A Commenda é dessa altura; não incomoda a sua decoração de grau zero, de luz suave e de cores discretas.

Diante do Tejo, e separada dele pela linha do comboio, pela língua de relvado e pelas imagens da marina que lhe fica defronte, pode dizer-se que a vista do rio é um dos elementos que pode contentar o visitante. O 'buffet' de cozido, eu lembro, era bom e – também – discreto. Não me pareceu que, distribuída pelas mesas, se tratasse de gente de apetite, mas enfim, a comida não tinha culpa. O serviço era excelente: discreto (repito a classificação, sim), simpático, pouco amaneirado mas eficiente e para lá de mar­cado por tiques que hoje aparecem aqui e ali, quando os empregados fazem aquele ar de supe­rioridade tentando enganar-nos com a variedade de talheres e a escolha dos vinhos. Nessa matéria, aliás, há um tom de simpatia cordata e colaborante: a carta de vinhos é segura, aplicada, bem equilibrada e com escolhas perfeitas apesar dos seus preços que também são para gente com comenda. Nada a dizer a propósito, senão gabar e enaltecer (ah, eu gosto, de vez em quando, de usar a palavra "enaltecer") a ideia de servir alguns vinhos a copo à sobremesa.

De outra vez, provei um empadão de perdiz, muito bom: suculento, de massa perfeita, perfu­mada de ervas e especiarias, com um tom apeti­toso que desmentia - meu deus, não me arrasteis para o Inferno! - a nota de "cozinha de fusão" que é atribuída ao restaurante. O 'carpaccio' de polvo, que passou por mim, era bom. Comi um peixe grelhado superlativo enquanto o meu companheiro de mesa escolheu, imagine-se, coelho à caçador, o que antecedeu a minha ten­tação de sopa de chocolate. Tudo muito discreto e suave, saboroso, sem exceder os limites de colesterol ou do purgatório calórico que agora temos de respeitar para prolongar a vida e a saúde, essa coisa irritante que tanto satisfaz os políticos que gostam de zelar por nós – alguns deles, aliás, estavam às mesas de A Commenda, depenicando do prato, controlando a sala com o olhar, mas pouco discretos. Exactamente o contrário de A Commenda, que é uma casa discreta, bonita e, até, acolhedora. Se eu repetir "discreto" não se incomodem, por favor.

À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 90
Vinhos brancos: 50
Aguardentes & Conhaques: 14
Portos & Madeiras: 12
Uísques: 16

Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: fácil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 28 euros

RESTAURANTE A COMMENDA
Centro Cultural de Belém
Praça do Império Centro
1449-003 Lisboa
Tel: 213648561
Encerra aos Jantares de domingo

in Revista Notícias Sábado – 28 Abril 2007

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