Ser discreto
A Commenda continua a ser uma das referências do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Bonita e acolhedora.
Há um livro de Georges Simenon, 'La Guinguette à deux sous' (traduzido por 'A Taberna dos Dois Vinténs'), em que o comissário Maigret, seu e nosso herói, comenta a vida desses pequenos restaurantes e tabernas onde, surpreendentemente, acaba por se comer bem – e por descobrir que a arte da cozinha não tem um padrão fixo.
Muitos leitores escrevem perguntando se não há "pequenos restaurantes" cujo "preço médio por refeição" se fique aquém dos vinte euros, ou, quem sabe?, dos quinze, mas que possa e deva ser visitado. Claro que há. Muitos, a lista é vastíssima. Em alguns casos, merecedora de pausa, de visita e de encómio. Tenho por eles uma ternura desregrada e tento fazer listas por região, enumerando os seus "pratos do dia", as suas raras invenções (não é essa a ideia quando se vai a um desses restaurantes) e o seu ambiente "tradicional". Voltarei ao assunto. Mas, agora, desvio-me dele com pressa, pois venho do Centro Cultural de Belém onde A Commenda continua a ser uma das referências.
Conheci-o por meio de um 'buffet' de cozido à portuguesa que se servia aos domingos – para substituir ou para fazer de 'brunch' – e não me arrependi na altura. Voltei outra vez para aquilo que a gente faz no CCB: encontrar-se. Ou com a música, ou com as exposições, ou, então, com alguém. A Commenda tem aquele ar superior de madeiras lisas, quase perfumadas, brilhantes, escuras. Foi moda durante anos, quando os restaurantes estavam cansados da decoração de restaurante e quiseram ser mais anódinos ou apenas recuperar, para si, a decoração da época. A Commenda é dessa altura; não incomoda a sua decoração de grau zero, de luz suave e de cores discretas.
Diante do Tejo, e separada dele pela linha do comboio, pela língua de relvado e pelas imagens da marina que lhe fica defronte, pode dizer-se que a vista do rio é um dos elementos que pode contentar o visitante. O 'buffet' de cozido, eu lembro, era bom e – também – discreto. Não me pareceu que, distribuída pelas mesas, se tratasse de gente de apetite, mas enfim, a comida não tinha culpa. O serviço era excelente: discreto (repito a classificação, sim), simpático, pouco amaneirado mas eficiente e para lá de marcado por tiques que hoje aparecem aqui e ali, quando os empregados fazem aquele ar de superioridade tentando enganar-nos com a variedade de talheres e a escolha dos vinhos. Nessa matéria, aliás, há um tom de simpatia cordata e colaborante: a carta de vinhos é segura, aplicada, bem equilibrada e com escolhas perfeitas apesar dos seus preços que também são para gente com comenda. Nada a dizer a propósito, senão gabar e enaltecer (ah, eu gosto, de vez em quando, de usar a palavra "enaltecer") a ideia de servir alguns vinhos a copo à sobremesa.
De outra vez, provei um empadão de perdiz, muito bom: suculento, de massa perfeita, perfumada de ervas e especiarias, com um tom apetitoso que desmentia - meu deus, não me arrasteis para o Inferno! - a nota de "cozinha de fusão" que é atribuída ao restaurante. O 'carpaccio' de polvo, que passou por mim, era bom. Comi um peixe grelhado superlativo enquanto o meu companheiro de mesa escolheu, imagine-se, coelho à caçador, o que antecedeu a minha tentação de sopa de chocolate. Tudo muito discreto e suave, saboroso, sem exceder os limites de colesterol ou do purgatório calórico que agora temos de respeitar para prolongar a vida e a saúde, essa coisa irritante que tanto satisfaz os políticos que gostam de zelar por nós – alguns deles, aliás, estavam às mesas de A Commenda, depenicando do prato, controlando a sala com o olhar, mas pouco discretos. Exactamente o contrário de A Commenda, que é uma casa discreta, bonita e, até, acolhedora. Se eu repetir "discreto" não se incomodem, por favor.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 90
Vinhos brancos: 50
Aguardentes & Conhaques: 14
Portos & Madeiras: 12
Uísques: 16
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: fácil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: aconselhável
Preço médio: 28 euros
RESTAURANTE A COMMENDA
Centro Cultural de Belém
Praça do Império Centro
1449-003 Lisboa
Tel: 213648561
Encerra aos Jantares de domingo
in Revista Notícias Sábado – 28 Abril 2007
Etiquetas: Restaurantes
<< Home