Italiano, de facto
No Luca, em Lisboa, há uma cozinha italiana com alguns toques portugueses, mediterrânicos e orientais. Um restaurante competente e acolhedor.
O mundo dos restaurantes reserva-nos surpresas onde menos esperamos e conserva-nos optimistas quando esperamos a desilusão. Há em todos nós o gérmen da desconfiança – em relação à cozinha, ao cardápio, à felicidade.
Escrevi algumas vezes (e pelo menos uma nesta coluna) que a busca da cozinha perfeita (ou ideal) é uma busca da felicidade. Nem sempre se encontra ou, para sermos realistas, nunca se encontra –, mas há aproximações. Mas a nossa capacidade de nos comovermos diante de um prato, de uma sugestão, de uma mesa, de um aroma, vem do grau de disponibilidade que manifestarmos.
Pepe Carvalho, o detective de Manuel Vázquez Montalbán, descobriu (numa pequena novela intitulada 'Asesínato en Prado del Rey') que os charutos se apagam diante de pessoas que os odeiam. De timidez, de protesto, por pudor, por vingança? Um misto destas razões. Um 'mix', como é agora moda dizer-se. Pois também os pratos servidos nos restaurantes se apagam da sua possibilidade de glória, do seu brilho e, muitas vezes, dos seus aromas, quando são colocados diante de energúmenos que detestam comer, que afirmam a necessidade de sobreviver contra o destino e apenas encaram a vida com enfado.
O Luca não só tem um ambiente acolhedor, uma decoração simpática que lhe agradecemos ou um punhado de empregados diligente: tem uma respiração invulgar que acrescenta valor o facto de irmos lá. Mas, atenção!, não se trata (como acontecia nos anos oitenta...) "de um espaço" que tanto podia ser restaurante como sala de leitura. Não. Há, nessa respiração de que vos falei, aromas, sabores, texturas, cores, coisas de que vale a pena falar. Por exemplo, da salada de queijo de Azeitão panado, do 'carpaccio' de chispe e orelha de porco com vinagreta morna de ovo, alcaparras e vinagre, 'croutons' e salada de rúcula, que foi uma agradabilíssima surpresa, ou do em tempos provado 'micuit' de 'foie gras' com frutos secos marinados. Três exemplos de entradas do Luca, se bem que existam variações sazonais ou semanais que, como percebi, podem alterar o cardápio e emprestar-lhe outros perfumes.
Há aqui, portanto, cozinha italiana com portuguesíssimos toques e com endividamentos simpáticos às culturas do mediterrâneo (há aqui Levante) ou orientais. Qualquer uma destas referências é bem-vinda. Depois das entradas (numa lista recatada e nada exibicionista), estávamos em dia de risotos, e embarcámos no de cinco especiarias, com carne marinada, espargos verdes salteados e mascarpone, numa lista onde ainda havia o 'alla milanese' (de lulas, açafrão e majericão), o de Treviso, com alho, 'bacon', 'radicchio' (que saudades!) e vinho tinto, ou o 'sienese', de bochechas de porco confitadas, alho-francês e 'parmigiano'.
Experiência a repetir, de uma das próximas idas: 'fettuccine' com salsicha de porco preto; os 'gnocchi' com lagostins e molho de tomate, onde os lagostins passam pela chapa antes de nos chegarem à mesa com um tom levemente picante, muito agradável; 'ravioli' de bacalhau, caldo de parmigiano, catalão de porco preto e camarões; ou os 'ravioli' de camarão tigre, verdadeiro festival multicultural, onde se cruza o elemento italiano propriamente dito com o leite de coco, o caril e o perfume de lima – além de coisas suculentas como a paleta de borrego confitada, esperando ter companhia para o 'chuletón' de boi (para duas pessoas), para o 'carré' de vitela ou o 'magret' de pato no forno com abacaxi de molho de laranja. De resto, 'coulant' de avelã ou de chocolate, além do ‘tiramisu' marroquino (com laranja, amêndoa, o creme 'mascarpone' e gelado de líchias!) são propostas essenciais de uma lista de sobremesas muito atraente e que suscitou comentários entusiásticos (com o pormenor muito simpático de haver recomendações de vinhos para cada escolha).
Resta dizer, evidentemente, que o serviço é muito simpático – um trunfo com sotaque brasileiro – e que o restaurante, em si, é muito bonito. Aí está o essencial.
À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 45
Vinhos brancos: 21
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 20
Espumantes & Champagnes: 8
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Difícil na zona, mas com parque próximo
Levar crianças: Não
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Imprescindível
Preço médio: 40 euros
LUCA
R. Santa Marta, 35
1150-292 Lisboa
Tel: 21. 3150 212
Encerra aos domingos e aos sábados ao almoço
in Revista Notícias Sábado – 3 Março 2007
O mundo dos restaurantes reserva-nos surpresas onde menos esperamos e conserva-nos optimistas quando esperamos a desilusão. Há em todos nós o gérmen da desconfiança – em relação à cozinha, ao cardápio, à felicidade.
Escrevi algumas vezes (e pelo menos uma nesta coluna) que a busca da cozinha perfeita (ou ideal) é uma busca da felicidade. Nem sempre se encontra ou, para sermos realistas, nunca se encontra –, mas há aproximações. Mas a nossa capacidade de nos comovermos diante de um prato, de uma sugestão, de uma mesa, de um aroma, vem do grau de disponibilidade que manifestarmos.
Pepe Carvalho, o detective de Manuel Vázquez Montalbán, descobriu (numa pequena novela intitulada 'Asesínato en Prado del Rey') que os charutos se apagam diante de pessoas que os odeiam. De timidez, de protesto, por pudor, por vingança? Um misto destas razões. Um 'mix', como é agora moda dizer-se. Pois também os pratos servidos nos restaurantes se apagam da sua possibilidade de glória, do seu brilho e, muitas vezes, dos seus aromas, quando são colocados diante de energúmenos que detestam comer, que afirmam a necessidade de sobreviver contra o destino e apenas encaram a vida com enfado.
O Luca não só tem um ambiente acolhedor, uma decoração simpática que lhe agradecemos ou um punhado de empregados diligente: tem uma respiração invulgar que acrescenta valor o facto de irmos lá. Mas, atenção!, não se trata (como acontecia nos anos oitenta...) "de um espaço" que tanto podia ser restaurante como sala de leitura. Não. Há, nessa respiração de que vos falei, aromas, sabores, texturas, cores, coisas de que vale a pena falar. Por exemplo, da salada de queijo de Azeitão panado, do 'carpaccio' de chispe e orelha de porco com vinagreta morna de ovo, alcaparras e vinagre, 'croutons' e salada de rúcula, que foi uma agradabilíssima surpresa, ou do em tempos provado 'micuit' de 'foie gras' com frutos secos marinados. Três exemplos de entradas do Luca, se bem que existam variações sazonais ou semanais que, como percebi, podem alterar o cardápio e emprestar-lhe outros perfumes.
Há aqui, portanto, cozinha italiana com portuguesíssimos toques e com endividamentos simpáticos às culturas do mediterrâneo (há aqui Levante) ou orientais. Qualquer uma destas referências é bem-vinda. Depois das entradas (numa lista recatada e nada exibicionista), estávamos em dia de risotos, e embarcámos no de cinco especiarias, com carne marinada, espargos verdes salteados e mascarpone, numa lista onde ainda havia o 'alla milanese' (de lulas, açafrão e majericão), o de Treviso, com alho, 'bacon', 'radicchio' (que saudades!) e vinho tinto, ou o 'sienese', de bochechas de porco confitadas, alho-francês e 'parmigiano'.
Experiência a repetir, de uma das próximas idas: 'fettuccine' com salsicha de porco preto; os 'gnocchi' com lagostins e molho de tomate, onde os lagostins passam pela chapa antes de nos chegarem à mesa com um tom levemente picante, muito agradável; 'ravioli' de bacalhau, caldo de parmigiano, catalão de porco preto e camarões; ou os 'ravioli' de camarão tigre, verdadeiro festival multicultural, onde se cruza o elemento italiano propriamente dito com o leite de coco, o caril e o perfume de lima – além de coisas suculentas como a paleta de borrego confitada, esperando ter companhia para o 'chuletón' de boi (para duas pessoas), para o 'carré' de vitela ou o 'magret' de pato no forno com abacaxi de molho de laranja. De resto, 'coulant' de avelã ou de chocolate, além do ‘tiramisu' marroquino (com laranja, amêndoa, o creme 'mascarpone' e gelado de líchias!) são propostas essenciais de uma lista de sobremesas muito atraente e que suscitou comentários entusiásticos (com o pormenor muito simpático de haver recomendações de vinhos para cada escolha).
Resta dizer, evidentemente, que o serviço é muito simpático – um trunfo com sotaque brasileiro – e que o restaurante, em si, é muito bonito. Aí está o essencial.
À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 45
Vinhos brancos: 21
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 20
Espumantes & Champagnes: 8
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Difícil na zona, mas com parque próximo
Levar crianças: Não
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Imprescindível
Preço médio: 40 euros
LUCA
R. Santa Marta, 35
1150-292 Lisboa
Tel: 21. 3150 212
Encerra aos domingos e aos sábados ao almoço
in Revista Notícias Sábado – 3 Março 2007
Etiquetas: Restaurantes
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