março 03, 2007

Italiano, de facto


No Luca, em Lisboa, há uma cozinha italiana com alguns toques portugueses, mediterrânicos e orientais. Um restaurante competente e acolhedor.

O mundo dos restaurantes reserva-nos surpresas onde menos esperamos e conserva-nos optimistas quando esperamos a desilusão. Há em todos nós o gérmen da desconfiança – em relação à cozinha, ao cardápio, à felicidade.

Escrevi algumas vezes (e pelo menos uma nesta coluna) que a busca da cozinha perfeita (ou ideal) é uma busca da felicidade. Nem sempre se encontra ou, para sermos realistas, nunca se encontra –, mas há aproximações. Mas a nossa capacidade de nos comovermos diante de um prato, de uma sugestão, de uma mesa, de um aroma, vem do grau de disponibilidade que manifestarmos.

Pepe Carvalho, o detective de Manuel Vázquez Montalbán, descobriu (numa pequena novela inti­tulada 'Asesínato en Prado del Rey') que os charutos se apagam diante de pessoas que os odeiam. De timi­dez, de protesto, por pudor, por vingança? Um misto destas razões. Um 'mix', como é agora moda dizer-se. Pois também os pratos servidos nos restau­rantes se apagam da sua possibilidade de glória, do seu brilho e, muitas vezes, dos seus aromas, quando são colocados diante de energúmenos que detestam comer, que afirmam a necessidade de sobreviver contra o destino e apenas encaram a vida com enfa­do.

O Luca não só tem um ambiente acolhedor, uma decoração simpática que lhe agradecemos ou um punhado de empregados diligente: tem uma respira­ção invulgar que acrescenta valor o facto de irmos lá. Mas, atenção!, não se trata (como acontecia nos anos oitenta...) "de um espaço" que tanto podia ser restaurante como sala de leitura. Não. Há, nessa res­piração de que vos falei, aromas, sabores, texturas, cores, coisas de que vale a pena falar. Por exemplo, da salada de queijo de Azeitão panado, do 'carpaccio' de chispe e orelha de porco com vinagreta morna de ovo, alcaparras e vinagre, 'croutons' e salada de rúcula, que foi uma agradabilíssima sur­presa, ou do em tempos provado 'micuit' de 'foie gras' com frutos secos marinados. Três exemplos de entradas do Luca, se bem que existam variações sazonais ou semanais que, como percebi, podem alterar o cardápio e emprestar-lhe outros perfumes.

Há aqui, portanto, cozinha italiana com portuguesíssimos toques e com endividamentos simpáticos às culturas do mediterrâneo (há aqui Levante) ou orientais. Qualquer uma destas referências é bem-vinda. Depois das entradas (numa lista recatada e nada exibicionista), estávamos em dia de risotos, e embarcámos no de cinco especiarias, com carne marinada, espargos verdes salteados e mascarpone, numa lista onde ainda havia o 'alla milanese' (de lulas, açafrão e majericão), o de Treviso, com alho, 'bacon', 'radicchio' (que saudades!) e vinho tinto, ou o 'sienese', de bochechas de porco confitadas, alho-francês e 'parmigiano'.

Experiência a repe­tir, de uma das próximas idas: 'fettuccine' com salsi­cha de porco preto; os 'gnocchi' com lagostins e molho de tomate, onde os lagostins passam pela chapa antes de nos chegarem à mesa com um tom levemente picante, muito agradável; 'ravioli' de bacalhau, caldo de parmigiano, catalão de porco preto e camarões; ou os 'ravioli' de camarão tigre, verdadeiro festival multicultural, onde se cruza o ele­mento italiano propriamente dito com o leite de coco, o caril e o perfume de lima – além de coisas suculentas como a paleta de borrego confitada, espe­rando ter companhia para o 'chuletón' de boi (para duas pessoas), para o 'carré' de vitela ou o 'magret' de pato no forno com abacaxi de molho de laranja. De resto, 'coulant' de avelã ou de chocolate, além do ‘tiramisu' marroquino (com laranja, amêndoa, o creme 'mascarpone' e gelado de líchias!) são pro­postas essenciais de uma lista de sobremesas muito atraente e que suscitou comentários entusiásticos (com o pormenor muito simpático de haver reco­mendações de vinhos para cada escolha).

Resta dizer, evidentemente, que o serviço é muito simpático – um trunfo com sotaque brasileiro – e que o restaurante, em si, é muito bonito. Aí está o essencial.

À lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 45
Vinhos brancos: 21
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 32
Aguardentes & Conhaques: 20
Espumantes & Champagnes: 8

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Difícil na zona, mas com parque próximo
Levar crianças: Não
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Imprescindível
Preço médio: 40 euros

LUCA
R. Santa Marta, 35
1150-292 Lisboa
Tel: 21. 3150 212
Encerra aos domingos e aos sábados ao almoço

in Revista Notícias Sábado – 3 Março 2007

Etiquetas: