março 03, 2007

Defrontar o passado e o futuro

1. Outra vez longe da pátria também gosto do futebol assim. Ouço os relatos pela rádio, na Internet, vejo as notícias, interesso-me, estou atento aos comentários dos portugueses da América sobre o futebol português. Sabem tudo, estão próximos, muito próximos, sabem a que minutos fo­ram feitas as substituições, quem marcou os golos, um a um. É um em­préstimo do futebol americano e do basebol, acho eu. Tanto o futebol americano como o basebol (embora este tenha regras mais complexas e seja uma espécie de idiossincrasia nacional) dependem de minudências – um passe, um gesto, um segundo, um indício de movimento. Por isso, os americanos são muito minuciosos quando analisam qualquer desporto; eles sabem que se trata de ganhar, e de ganhar com justiça, com trabalho, com dedicação, com esforço. Assim, à distância, compreendo que aqui se achem ridículas as tentativas de enganar os árbitros, de fazer mau jogo, de ludibriar o público com que­das aparatosas. Qualquer dirigente desportivo seria trucidado em poucas semanas por ter manipulado declara­ções ou por ter mentido aos adeptos. E, aliás, nenhum dirigente desportivo teria a importância que deve ser credi­tada aos jogadores. Eles, os ama­nuenses, não sabem como se ganha dois metros a um adversário em pleno estádio.

2. Os americanos gostam de despor­to. Aqui, nos EUA, um atleta é aprecia­do porque é um atleta. Em Portugal – por exemplo – os atletas são "figuras públicas" porque se distinguem como "figuras públicas" nas revistas cor-de-rosa.

3. Vejo, também à distância, que há uma onda Quaresma a varrer parte da imprensa. Natural, mas atrasadinhos como de costume. Primeiro porque Quaresma era do F. C. Porto; depois porque Quaresma foi alvo de um ra­cismo subtil, maneirinho, silencioso (já descrevi várias vezes aqui); finalmen­te, porque é sempre bom invejar um génio que pode cair no meio de uma trivela.

4. Hoje, o F. C. Porto defronta o Braga, a equipa de Jorge Costa. Estranha forma como evoluíram as coisas. Há dez anos seria impossível pensar num desfecho assim: Jorge Costa (o "Bruce Willis de Ermesinde"), emblema do F. C. Porto, abandonar o futebol sem ser debaixo de um aclamação unâni­me no seu estádio. Lamentei-o aqui. Achei triste. Jorge Costa que tinha sido varrido do clube por Octávio Ma­chado regressou para ser campeão com Mourinho e, depois, varrido de novo. Hoje, no Dragão, Jorge Gosta defronta o passado e o futuro; é certo que Jesualdo também revive o Braga, mas Jorge Costa tem um desafio maior pela frente. Ele foi injustiçado.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 3 Março 2007

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