Recordações de Marrazes
Era uma vez no Oeste um restaurante que foi dos primeiros a atrair grandes peregrinações de apreciadores de entradinhas. Regresso a um clássico: o Tromba Rija, perto de Leiria.
Houve um tempo, na história da obsessão por restaurantes, em que ir ao Tromba Rija, em Marrazes, Leiria, era sinónimo de refeição avantajada. Significava isso, antes de mais, que a mesa estava posta para quem quisesse comer bastante, comer muito, comer bem. Não eram sinónimos mas, enfim, a coisa andava lá perto, uma vez que a qualidade dos produtos apresentados era satisfatória, quase nunca descia daquele patamar que elevava o restaurante ao pódio das referências.
Era um certo tempo, sim – o Tromba Rija era, no fim de contas, o único "restaurante buffet" de cozinha portuguesa e de produtos portugueses. Antes de chegar ao seu famoso bacalhau e da sua vitela no forno, o comensal passava pela mesa onde perto de cinquenta entradinhas aguardavam os apetites mais vorazes. Como o leitor adivinhou, eu gosto da designação entradinhas – faz supor um manancial de delicadezas, de 'petit-fours', de coisas maneiras, de palavras ternas. Com o tempo, a quantidade alastrou. Contei noventa e oito entradinhas dispostas sobre a mesa: enchidos (paio, chouriços, alheira, farinheira, morcelas, morcela de arroz, lentrisca, bucho, etc.), variadíssimos; carnes frias, bastantes (do presunto ao rosbife); depois, uma sinfonia de pequenos pratos que a nossa tradição não devia perder – feijão guisado, feijão-frade, pimentos assados, feijoca, favas, peixinhos da horta, coração, rins, tortilha de batata, couve-flor panada, orelha, ovos com espargos, ervilhas guisadinhas, ovos verdes, o rosbife, a salada de polvo, moelas, chispe, rissóis, croquetes, bolinhos de bacalhau, espinafres com pinhões, coelho estufado, pataniscas, filetes, torresmos, arrozes, o que se quiser imaginar; queijos, enfim, com mais parcimónia, mas substantivos na sua origem (um ligeiro Serra, um Serpa, um de Nisa e outro de Castelo Branco, São Jorge, uma amostra de Azeitão, picante, em azeite, entre outras variedades dispostas junto dos vinhos).
Essa abundância à mesa é convidativa – ou constitui uma fonte de cansaço espiritual, uma vez que a enumeração deve ser longa, exaustiva, minuciosa e apetitosa. É coisa suculenta. Uma pessoa serve-se, repete, varia, faz combinações, senta-se, levanta-se, descobre uns ovinhos de codorniz, vê se o abastecimento de rissóis foi mudado e se estes vêm quentes (os de camarão ou os de carne), pica aqui e ali, volta a sentar-se, pede um vinho, debica (o verbo é incorrecto, claro), e aguarda que esteja pronto o bacalhau assado com migas e batatas a murro. É este o programa de uma ida ao Tromba Rija.
Numa noite recente, depois de uma travessia da A8, entrámos em Marrazes. Chovia largamente. O Tromba Rija estava fechado? Não, as portas estavam fechadas porque ainda não eram oito horas – deixaram-nos entrar, apiedados em noite de vendaval. A mesa ainda não estava repleta de "entradinhas" mas elas estavam a caminho - fomos assistindo ao seu gradual aparecimento e devo dizer que é um espectáculo. Na meia hora seguinte, o restaurante
foi enchendo com grupos vorazes, com casais de ar feliz e apopléctico ou com famílias de faces ligeiramente vermelhuscas, cheias de apetite visível. É bom ver o espectáculo. Um cacharolete de versões instrumentais de George Michael e dos Wham enchia a sala – as empregadas de mesa, simpáticas e com jeitos de "antiga portuguesa", pediam, solícitas e generosas, que não desistíssemos logo à terceira ronda. Repetimos. Ainda esperámos o bacalhau para morder uma lasca, banhada em azeite, e eu levantei-me, cobiçoso, diante do quindim exposto à vista de todos, fatiando-o sem dó nem piedade. Havia ainda formigos, mousses (maracujá e chocolate), farófias, brisas do Liz (excelentes), doces diversos, toucinho-do-céu e papos-de-anjo, aletria e arroz-doce, entre outras amostras.
Há restaurantes onde vamos experimentar novidades e outros onde vamos possuídos por apetites monumentais. Neste caso, depende tudo da luminosidade do 'buffet'; se lhe agrada o género, tente-se; se acha que um jantar ou um almoço é apenas para petiscar, não vale a pena o esforço. E confie na sorte. Há Tromba Rija em Gaia e em Lisboa, mas ainda não visitei.
À lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 26
Vinhos brancos: 10
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 8
Aguardentes & Conhaques: 8
Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Parque nas proximidades
Levar crianças: Sim
Área de não-fumadores: Não
Reserva: Muito aconselhável
Preço médio: 30 euros
RESTAURANTE TROMBA RIJA
Rua Professores Portela, 22 – Marrazes
Tel: 244. 852 277
Aberto de Sexta a Domingo
in Revista Notícias Sábado – 24 Fevereiro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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