dezembro 23, 2006

Passar pelas brasas


Com saudades da Argentina, o cronista comeu um 'bife de chorizo' nos Las Brasitas, em Lisboa, a pensar em 'chinchulines' e 'tapa de cuadril'. Não se arrependeu.

Há restaurantes que fazem parte da nossa memó­ria e não há senão razões da própria memória, que é traiçoeira, para que isso aconteça. Coincidências. Explicar isso é trivial e desnecessário, coisa cheia de lugares-comuns ao segundo parágrafo, senão à segunda frase, que é o que acontece geralmente. Mais vale não ser romântico, nem valorizar dema­siado as razões sentimentais – ainda que sejam essas que justificam, por exemplo, que se escolha um restaurante.

Sou cliente do Lãs Brasitas há muitos anos. Sinto-me lá bem. Poderia escrever uma crónica sem mencio­nar um único dos seus pratos porque, na verdade, às vezes me apetece exactamente "aquilo". E "aquilo" é sentar-me. Houve um tempo em que escolhia quase sempre a mesma área, a mesma mesa, o mesmo grupo de mesas, porque ir a um restaurante significa repetir um ritual – e eu requeria o mesmo grupo de empregados de mesa, onde despontava o fidelíssimo Carlos, brasileiro que tinha atravessado várias profissões antes de chegar ao Las Brasitas. Ele servia-me com grande cuidado, sabia a minha marca de 'whisky', sabia que em determinados dias eu esta­va com cara de beber o meu vinho argentino, e que em outros iria continuar com a cerveja que tinha arrastado pelo balcão antes de me sentar (eu gosto de restaurantes onde não me olhem de viés quando peço cerveja para acompanhar a refeição). E, se não optava nunca por um Malbec (que é um dos vinhos que me paralisa o paladar), havia um Syrah e um Cabernet Sauvignon a propósito daquelas carnes – porque a carne é o essencial do Las Brasitas.

Ora, vejamos: merece a pena salientar o Las Brasitas, que faz parte de uma multinacional de restaurantes (aquele 'design' do seu logotipo vê-se no Brasil e em Buenos Aires)? Vale sim. Um dos meus projectos é passar uma semana a escrever críticas do Kentucky Fried Chicken, do Joshua's e de outras lojas de comida rápida.

Mas o Las Brasitas não é comida rápida. É carne. É, como eu disse lá atrás, "aquilo": mesa de toalha branca, guardanapos brancos, copos adequados ao vinho, talheres apropriados, serviço simpático, car­dápio reduzido a poucas escolhas – e nada de inven­ções. Encontro isso no Las Brasitas do Páteo Bagatella, no coração de Lisboa, a dois passos do Jardim das Amoreiras (ou, nas traseiras, da Artilharia Um). Há um Las Brasitas nas docas de Alcântara, mas não se compara o serviço (atendimento, simpa­tia, cordialidade, correcção) nem a comida (decentíssima, suculenta, servida em bom ambiente, mesmo quando há grupos de famílias numerosas, esse flage­lo dos restaurantes). Se for ao Las Brasitas, vá ao do Páteo Bagatella - e vá cedo, e vá com mesa marcada. Eu, que tenho muitas vezes saudades da Argentina (e, garanto, de nada de especial - mas apenas dos seus restaurantes acolhedores, dos seus cafés, das suas livrarias civilizadas), sonho muitas vezes com 'cuadril', com 'cordero patagonico', com 'chinchulines', com um 'puchero' suculento, com 'asado del centro' e 'colita de cuadril', 'asado de tira' e 'bife de chorizo', e com os vinhos das 'terrazas' de Mendoza ou com as cervejas artesanais de Bolsón bebidas para acompanhar uma 'sfogliatella napolitana' num café de San Teimo, Buenos Aires. E, quando isso me acontece, o Las Brasitas está à mão. 'Ojo de bife', 'asado de tira' (ah, sabores austrais!), 'bife de chorizo', carnes 'al punto' ou 'jugosas', servidas com legumes grelhados, com batata no forno ou 'papa frita' (batata frita, simples) e esparregado. Em grupo, pode pedir-se uma 'parrillada' completa, que se vai bem servido. Quando chego à sobremesa (uma carta saborosa, onde pontifica um 'petit gateau' bem conseguido), reservo para mim um pouco de Syrah (não, para mim não é a casta da moda - é a minha memória dos vinhos argentinos), até que a necessidade de um café e de um álcool mais forte me exija um charuto ligeiro (os tempos não estão fáceis). E é assim a vida. Fica-se assim, satisfeito.

À LUPA
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 86
Vinhos brancos: 41
Portos & Madeiras: 15
Uísques: 32
Aguardentes &Conhaques: 30

Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: parque subterrâneo com acesso
Levar crianças: sim
Área não fumadores: não
Reserva: imprescindível
Preço médio: 30 euros

LAS BRASITAS
Rua de Artilharia Um
Páteo Bagatela
Lisboa
Tel.: 21.3862670
Não encerra

in Revista Notícias Sábado - 23 Dezembro 2006