Os pássaros de Banguecoque
O Sawasdee, em Cascais, merece a nossa atenção. Não se trata de um restaurante de cozinha com "inspiração tailandesa", mas da verdadeira cozinha tailandesa.
A primeira vez que provei cozinha tailandesa – e com garantia de "absoluta fidelidade" – foi em Londres, na companhia de Rui Knopfli, justamente na véspera de o grande poeta ter publicado o seu derradeiro 'O Monhé das Cobras', livro-homenagem, testamento de uma vida dedicada também a amar Moçambique. Das nuvens que passavam em Belgrave Square até às mesas do simpático restaurante – assim podia ser a minha memória de Knopfli desses dias de Londres. Vale a minha homenagem pessoa: leiam 'O Monhé das Cobras', sim, leiam 'A Ilha de Próspero', leiam Knopfli.
Depois, em viagem pelo Oriente, fascinado com as primeiras paisagens do Índico e do Pacífico, sentei-me a várias mesas que me permitiram provar essa fantástica cozinha. Gostei. Não se tratou, apenas, de "gostar" - mas de querer aprender, de querer testar e de querer, finalmente, cozinhar e experimentar: aquela fusão, quase espiritual, e também sensual, entre o 'khao soi gai' (uma das especialidades do Sawasdee) e as ostras perfumadas, as pequenas espetadas, o aroma do tamarindo, o céu de Banguecoque. Explico o céu de Banguecoque, arrancado ao livro quase homónimo de Manuel Vázquez Montalbán ('Os Pássaros de Banguecoque'): é um livro arrasador, em que Pepe Carvalho, o maravilhoso detective galego-catalão se nos dirige em considerações gastronómicas sobre aquela parte do Oriente. Escritores como Manolo não voltei a encontrar com aquela sublime capacidade de nos devolver aromas, texturas, gostos essenciais, ironias, ternuras intempestivas, sensualidades quase grotescas e, no entanto, saborosas como as tempestades entre as florestas. Falo das florestas por causa da Tailândia, naturalmente.
Só voltei a ler qualquer coisa sobre comida tailandesa ao comprar o livro de Anthony Bourdain, 'A Cook's Tour', uma viagem quase improvável pelo que de mais arriscado havia na "cozinha do mundo". Oh, perfeição absoluta! Oh, sensação de perigo! Oh, ilusão que avaria as papilas. Recomendo o livro, recomendo a descrição, recomendo a busca. Pensamos sempre que sabemos o que há a saber e, depois, quando encontramos um bacalhau numa tasca à beira da estrada, ou quando numa barraquinha coberta de folhas de palmeira comemos um arroz picante, um camarão picante, um molho agridoce, um coco ralado. Detesto, por isso, as certezas absolutas.
Em tempos, escrevi um livro em que um detective procurava ansiosamente pela visão de Chiang Mai e das suas florestas (na verdade, havia uma música de Brian Eno sobre o assunto, no disco 'The Plateau of Mirrors') para tentar descobrir a identidade de um assassino meticuloso e amante de pintura brasileira - e foi a terceira vez que a Tailândia se atravessou no meu caminho, tirando, obviamente, aquele momento de olhá-la de frente.
Falo-vos agora do Sawasdee, um restaurante de Cascais, cuja "certificação tailandesa" merece registo – a ideia é que não se trata de um restaurante de cozinha com "inspiração tailandesa", mas de cozinha tailandesa, em que nomes como 'pu-já', 'pla-meuk lui fi re', 'pad pak ru am mit', 'hhao soi gai' ou a doçura do 'foi thong' (trata-se de um doce de ovos que recomendo vivamente), onde há influências várias (portuguesas inclusive), nos convidam não só ao esquecimento como também a flutuarmos no meio daqueles sabores de molho de ostras, de perfumes de frutos, de sementinhas picantes, de caranguejo, de marinadas, de carnes suavemente associadas a mariscos, de frango de caril fantástico.
Aviso-vos, leitores, que a experiência vale a pena. Ir a Cascais, procurar o simpático Beco Esconso muito perto da estação. 'Os Pássaros de Banguecoque' é um dos mais românticos livros de Manuel Vázquez Montalbán - uma história de amor delicada e perigosa como se esperava, um cruzamento de latitudes e de cores da pele. Ir ao Sawasdee é uma parte dessa iniciação. Lá vos espero um dia destes; eu lá estarei provando magníficos arrozes tailandeses, detectando o génio.
À LUPA
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 30
Vinhos brancos: 20
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 10
Aguardentes &Conhaques: 3
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: não
Área não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 22 euros
RESTAURANTE SAWASDEE
Beco Esconso, 11
1300 — Cascais
Tel: 21.4847967
Encerra às segundas-feiras.
Está aberto apenas ao jantar
in Revista Notícias Sábado – 16 Dezembro 2006
A primeira vez que provei cozinha tailandesa – e com garantia de "absoluta fidelidade" – foi em Londres, na companhia de Rui Knopfli, justamente na véspera de o grande poeta ter publicado o seu derradeiro 'O Monhé das Cobras', livro-homenagem, testamento de uma vida dedicada também a amar Moçambique. Das nuvens que passavam em Belgrave Square até às mesas do simpático restaurante – assim podia ser a minha memória de Knopfli desses dias de Londres. Vale a minha homenagem pessoa: leiam 'O Monhé das Cobras', sim, leiam 'A Ilha de Próspero', leiam Knopfli.
Depois, em viagem pelo Oriente, fascinado com as primeiras paisagens do Índico e do Pacífico, sentei-me a várias mesas que me permitiram provar essa fantástica cozinha. Gostei. Não se tratou, apenas, de "gostar" - mas de querer aprender, de querer testar e de querer, finalmente, cozinhar e experimentar: aquela fusão, quase espiritual, e também sensual, entre o 'khao soi gai' (uma das especialidades do Sawasdee) e as ostras perfumadas, as pequenas espetadas, o aroma do tamarindo, o céu de Banguecoque. Explico o céu de Banguecoque, arrancado ao livro quase homónimo de Manuel Vázquez Montalbán ('Os Pássaros de Banguecoque'): é um livro arrasador, em que Pepe Carvalho, o maravilhoso detective galego-catalão se nos dirige em considerações gastronómicas sobre aquela parte do Oriente. Escritores como Manolo não voltei a encontrar com aquela sublime capacidade de nos devolver aromas, texturas, gostos essenciais, ironias, ternuras intempestivas, sensualidades quase grotescas e, no entanto, saborosas como as tempestades entre as florestas. Falo das florestas por causa da Tailândia, naturalmente.
Só voltei a ler qualquer coisa sobre comida tailandesa ao comprar o livro de Anthony Bourdain, 'A Cook's Tour', uma viagem quase improvável pelo que de mais arriscado havia na "cozinha do mundo". Oh, perfeição absoluta! Oh, sensação de perigo! Oh, ilusão que avaria as papilas. Recomendo o livro, recomendo a descrição, recomendo a busca. Pensamos sempre que sabemos o que há a saber e, depois, quando encontramos um bacalhau numa tasca à beira da estrada, ou quando numa barraquinha coberta de folhas de palmeira comemos um arroz picante, um camarão picante, um molho agridoce, um coco ralado. Detesto, por isso, as certezas absolutas.
Em tempos, escrevi um livro em que um detective procurava ansiosamente pela visão de Chiang Mai e das suas florestas (na verdade, havia uma música de Brian Eno sobre o assunto, no disco 'The Plateau of Mirrors') para tentar descobrir a identidade de um assassino meticuloso e amante de pintura brasileira - e foi a terceira vez que a Tailândia se atravessou no meu caminho, tirando, obviamente, aquele momento de olhá-la de frente.
Falo-vos agora do Sawasdee, um restaurante de Cascais, cuja "certificação tailandesa" merece registo – a ideia é que não se trata de um restaurante de cozinha com "inspiração tailandesa", mas de cozinha tailandesa, em que nomes como 'pu-já', 'pla-meuk lui fi re', 'pad pak ru am mit', 'hhao soi gai' ou a doçura do 'foi thong' (trata-se de um doce de ovos que recomendo vivamente), onde há influências várias (portuguesas inclusive), nos convidam não só ao esquecimento como também a flutuarmos no meio daqueles sabores de molho de ostras, de perfumes de frutos, de sementinhas picantes, de caranguejo, de marinadas, de carnes suavemente associadas a mariscos, de frango de caril fantástico.
Aviso-vos, leitores, que a experiência vale a pena. Ir a Cascais, procurar o simpático Beco Esconso muito perto da estação. 'Os Pássaros de Banguecoque' é um dos mais românticos livros de Manuel Vázquez Montalbán - uma história de amor delicada e perigosa como se esperava, um cruzamento de latitudes e de cores da pele. Ir ao Sawasdee é uma parte dessa iniciação. Lá vos espero um dia destes; eu lá estarei provando magníficos arrozes tailandeses, detectando o génio.
À LUPA
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * * *
Acolhimento: * * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 30
Vinhos brancos: 20
Portos & Madeiras: 8
Uísques: 10
Aguardentes &Conhaques: 3
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: não
Área não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 22 euros
RESTAURANTE SAWASDEE
Beco Esconso, 11
1300 — Cascais
Tel: 21.4847967
Encerra às segundas-feiras.
Está aberto apenas ao jantar
in Revista Notícias Sábado – 16 Dezembro 2006
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