dezembro 09, 2006

Agora, que descobriram Quaresma

1. Na verdade, como estava demonstrado antes, a entra­da das equipas portuguesas no "negócio europeu" está re­servada a poucas. Neste caso, ao F. C. Porto, que nem começou da melhor maneira – uma campanha iniciada com um Jesualdo que tenta­va livrar-se do molho holan­dês que Adriaanse deixara no Dragão. Era bom que Sporting e Benfica tivessem pas­sado, sim; mas a Champions é para campeões.

2. É normal. Sabe-se, agora, lendo os jornais, que Quares­ma ressuscitou – mesmo mui­to antes de ter fenecido. Os idólatras nacionais, muito ocupados a inventarem estre­las fabricadas em dois jogos, nutriam por Quaresma uma antipatia que rondava o pe­queno e mal disfarçado ra­cismo – murmuravam contra o seu feitio, porque, no caso de Quaresma, que é cigano, ele tinha mais a provar do que os outros. Que fosse pre­to, seria ainda absolvido, mas havia o feitio, esse peca­do; nada como lançar a des­confiança sobre o número sete mais talentoso a jogar no futebol português. Nunca vi tamanha ginástica para encontrar defeitos em Ricardo Quaresma; se o F. C. Porto sofria de "Andersondependência", era má opção de­dicar-se à "Quaresmodependência", porque o miúdo era egoísta, individualista, não trabalharia para a equipa. Jesualdo pô-lo a trabalhar para a equipa como antes ele já trabalhara; pô-lo a sorrir depois de cada golo; e Quaresma corria para Vítor Baía, mostran­do a alegria de um miúdo, de um talento raro. Para entrar na selecção, tem o caminho quase cortado; Scolari inventará obstáculos e vai lan­çá-lo apenas se esgotar as hipó­teses de ganhar com os seus sa­cristães – se queimar Quaresma não faz mal. Mas o miúdo está aí; duas bolas ao poste contra o Arsenal provo­caram um ruído absurdo nessa má-consciência nacional dos comentadores. Certo que bola ao poste é, naturalmente, bola mal chutada – porque convém que ela entre. Mas entrará, há-de en­trar. Nem que seja para que Qua­resma se possa vingar do peque­no racismo lusitano.

3. O caso Nuno Assis e os seus desenvolvimentos mostram que, como convém, ninguém pode estar acima da lei. Doping é doping, até à última letra da palavra, que não honra ninguém – mas que se perdoa a um atleta, pelo menos por princípio. A manigância de­cretada pela Federação para ar­quivar o "caso Nuno Assis" contrasta com a mão pesada revela­da noutros casos. "A Bola" de on­tem gritava "Vingança!". É ver­dade. O prejudicado por estas manigâncias é Nuno Assis. Ele que procure saber porquê.

4. O Sporting entrou numa que­bra de ritmo, que já se esperava. Dezembro é a primeira grande avaliação e o Sporting, que ain­da não conseguiu construir uma equipa-tipo, mudando de sema­na para semana, revela algumas fragilidades tonitruantes, a principal das quais é a sua virtude essencial: a juventude da equipa. Curiosamente, Fernando Santos surpreendeu: onde se esperava uma equipa de trincos, construí­da à semelhança do que ele pró­prio fez no F. C. Porto e no Spor­ting, o Benfica tem atacado - embora não pelos seus atacan­tes. Katsouranis tem sido uma peça essencial, Simão mantém o ritmo. O próximo exame é no Carnaval. Longe, ou perto, vá o agoiro.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 9 Dezembro 2006