dezembro 09, 2006

Futebol de mesa


O cronista foi visitar um dos clássicos frequentados por gente do futebol. Veio de lá satisfeito e promete continuar a ronda pelas bancadas.

Escrevo esta crónica depois do fim-de-semana em que houve o Sporting-Benfica deste mês de Dezembro. O Solar dos Nunes está em festa, noto-o pelos sorrisos, piadas, conversas, leitura de jornais e olhares sarcásticos. Se Joel Neto, o cronista oficial do Sporting nesta revista, fosse lá, decerto que seria chamado para a sobremesa. E era bem feito. Vê-se pêlos rostos que há ali con­fiança, apoplexias, determinação, digestivos clás­sicos e vinhos fatais.

Prezo muito os restaurantes onde há gente de futebol - não por causa do futebol, evidentemen­te, mas porque é gente que raramente vai em can­tigas, em se tratando do estômago. Em grande parte deles há cartas de vinhos colossais e os for­nos trabalham com generosidade. A cada vitória do clube da casa, o restaurante transforma-se em claque organizada, gritante, eufórica e com vontade de servir bem. Há charu­tos no ar, um perfume de confiança gastronómica em que quase tudo sai bem.

Uma das vezes sorriram-me com vontade (a águia desafiando o dragão, se me entendem), mas não me comovi; são muitos anos de combate e ganhá­mos no sábado seguinte. Voltei depois, com intui­tos vingativos, mas o Benfica tinha ganho um jogo qualquer. Havia cabrito no forno, açorda de alho, costeletas de borrego – para quê tergiversar?

Dito isto, vamos à bancada central ver como ali­nham as equipas para este confronto. Supremos de cherne e supremos de tamboril; não gosto da ideia de "supremos", mas são bons real­mente, e servidos com generosidade, polvilhados com coentros e acompanhados de gambas - eis uma ideia para começar. Bacalhaus, abundantes: ou com açorda de alho, saboroso, ou à lagareiro ou ainda à bracarense (Narcisa), sem falar de pastelinhos ou pataniscas, que já lá as provei. Bem bom, tal como o arroz de polvo com filetes, o caldo de cação ou a parrilhada de peixes, abundantes. Se ao lombo de cherne com poejos eu tirava os poejos, trata-se de mania minha, tal como ao caldo de robalo com os mesmos.

Venha a segunda parte, não nos detenhamos em minudências - até por­que, convenhamos, só nos peixes (são frescos e devem pedir-se também cozidos, "com todos") o Solar dos Nunes já marcou alguns golos. Vamos, pois, para o segundo tempo: carnes. Havia um clássico, a 'fondue', que não provei, nem o naco do lombo "à matador"; mas entretive-me com as costeletas de cordeiro, muito suculentas e simples, com o cabritinho no carvão (um pro­cesso sempre polémico de deglutir o bicho, mas enfim), rojões saborosos, e muitas carnes no car­vão: tournedó, espetada, picadinho, 'rumpsteak' (na tábua), lombinhos de porco preto, escalopes de novilho, o que quisermos. Nesta matéria, estamos diante da grandiloquência dos bons mate­riais – no Solar, a carne não é fraca, ao contrário do que diriam os teólogos. E eles cairiam, redon­dos, ao ver a carta de caça, que eu ainda reservo para futuras incursões: perdiz frita à moda de Serpa ou na cataplana, arroz de lebre, lombinhos de javali ou de veado, coelho bravo ao alhinho e outras sugestões para amantes e amadores de actividades venatórias.

Depois de uma tarte de requeijão, de um pão de rala, de uma sericaia elvense, de um torrão de Évora e de uma encharcada, tudo de ressonâncias alentejanas (o requeijão também...), consultei com os olhos a magnânima biblioteca de digesti­vos, controlando aguardentes, conhaques e 'whiskies'. Estavam lá todos, alinhados e rodando de mesa em mesa. Isto sim, pareceu-me ambiente de futebol.

Hei-de voltar, nem que seja no final do campeo­nato. Para os confortar, evidentemente, que eu sou uma pessoa generosa.

À LUPA
Vinhos: * * *
Digestivos: * * * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * * *

Garrafeira
Vinhos tintos: 120
Vinhos brancos: 50
Portos & Madeiras:12
Uísques: 32
Aguardentes &Conhaques: 30

Outros dados
Charutos: sim
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área não fumadores: não
Reserva: muito aconselhável
Preço médio: 28 euros

RESTAURANTE SOLAR DOS NUNES
Rua dos Lusíadas. N° 70
1300 - Lisboa
Telefone: 21 364 73 59
Encerra aos domingos.
Está aberto até às O2hOO

in Revista Notícias Sábado – 9 Dezembro 2006