julho 01, 2006

O Minho pitoresco

Espaço não falta. Nem apetite. Às vezes falta é o tempo para divagar entre os pratos e para digestões suaves.

PORQUE GOSTO EU DO MINHO? Não há razão plausível. Também gosto da Estónia e do verde da Irlanda e, no entanto, nada abre o meu apetite como o Minho. Questão de predisposição sim­ples, euforia poética, gosto (e prazer) em reco­nhecer a paisagem, em divagar pelas vinhas de enforcado e pelo mais belo mar da Península (aceitem o exagero, que me deve ser perdoado em nome da "arte da crónica", que deve mencionar exageros, obsessões, teimosias e erros ele­mentares), em passear pelas ruas de Viana, de Cerveira ou de Caminha. Até em ver o Minho português a partir de La Guardiã, antes de subir a Santa Tecla e de parar na encosta. Em ver as mon­tanhas de cinza esverdeado e parar numa certa varanda ou num certo restaurante para retempe­rar forças (esgotadas pela paisagem) e contentar-me com um vinho branco, uma sombra, uma conversa - e um prato de azeitonas.

Muitas vezes me ocorre, nesses passeios de ocasião, regressar ao que era o Minho da minha adolescência, com as suas praças iluminadas pelo sol, as veredas junto dos rios e a cor clara da pedra. Ao leitor isto sugere literatura; hoje em dia, além da literatura, sugere-me nomes de restaurantes e peregrinações até alguns deles. Problema de idade e de cepticis­mo acerca das vantagens da literatura. Recordo, por exemplo, uma dessas viagens de há uns anos, entre conferências eruditas e paragens, muito reflexivas, para comentar certo vinho verde. A manhã concluiu-se à mesa do bom Camelo, ou Costa Camelo, nos arredores de Viana do Castelo, em Santa Marta de Portuzelo (pode não acreditar, mas eu recordava Santa Marta de Portuzelo por causa de Pedro Homem de Mello) - um casarão de pedra e alguns paviIhões de onde partiam os aromas daquela nobre cozinha de campo, minhota ou "do Norte", assa­dos em profusão, bacalhaus variados, estufados profundos e cheios de evocações.

Estando feita a escolha, a desconfiança abriu as suas brechas – a sala era demasiado grande (confidenciou o empregado de mesa, orgulhoso: "É uma salinha para trezentas pessoas."), mas, curiosamente, o serviço decorria bem, sem os atropelos graves à segurança dos comensais ou à ordem geral do cardápio. Éramos um grupo esfomeado, concedo – as entradinhas (costelinhas, enchidos, azeito­nas, pãezinhos quentes) apareciam de vários lados, sacrificando-se sobre a mesa. O bacalhau à Camelo, prometido na nossa imaginação, arran­cou aplauso moderado sobre lascas monumen­tais, suculentas, cheias de gelatinas saborosas, que aproveitámos para saborear quando chegou o bacalhau na brasa, muito bom. Saltámos sobre o polvo à lagareiro, mas houve quem não dispen­sasse uma prova de filetes de pescada, muito fres­cos. Não era a época da lampreia, mas juraram-me que a lampreia com arroz, ou à bordalesa ou ainda no forno (uma idiossincrasia do Camelo) eram superlativas – não posso garantir, mas acre­dito na informação.

Entretanto, depois de uma breve pausa, chegou um dos momentos altos do almoço – a presença de um cabrito assado no forno. Acompanhavam-no um arroz perfeito (ah, os arrozes do Minho!, os arrozes do Porto!) e umas batatinhas que se desfaziam em murmúrios de alegria mal eram trincadas; o cabrito, com aqueles sucos do tabu­leiro do forno, era muito bom, tenro, saboroso e bem aromatizado. Pedi uns grelos salteados para acompanhar - e eram amargos, como convinha e se exigia deles. Já não tive estômago, nem dis­posição, nem metafísica, para petiscar dos pratos dos que pediram arroz de galo (uma cabidela cremosa) ou vitela no forno – mas o leite-creme queimado estava muito razoável e antecedeu um período de "depois da ordem do dia", cheio de libações e de coisas repreensíveis. Por razões morais, não as refiro nem comento, mas - ai de mim, ai de nós! - havia uma conferência ao final da tarde em Viana do Castelo, para a qual se deviam reservar as últimas energias. E assim foi. Mas só as últimas.

À Lupa
Vinhos: * *
Digestivos: * *
Acesso: * * *
Decoração: * *
Serviço: * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * *
Ar condicionado: * *

Garrafeira
Vinhos Tintos: 98
Vinhos Brancos: 38
Vinhos Verdes: 35
Portos & Madeiras: 11
Uísques: 24
Aguardentes & Conhaques: 20

Outros dados
Charutos: Não
Estacionamento: Fácil (existe Parque)
Levar Crianças: Sim
Área Não Fumadores: Não
Reserva: Aconselhável ao almoço
Preço médio: 20 Euros
Cartões: MB. V, D, M, AM

RESTAURANTE CAMELO
Rua de Santa Marta, 119 - Santa Marta de Portuzelo
Tel: 258 839 090
Encerra às segundas-feiras

in Revista Notícias Sábado – 1 Julho 2006