outubro 06, 2005

A teoria dos cartões

Na campanha de há quatro anos para as autarquias, houve gente que - com razão e apesar do ambiente de alucinação geral - conseguia dizer que as autárquicas não serviam para mostrar um cartão amarelo ao governo. O eng.º Guterres, como sabem, não pensava assim e, mencionando vagamente o pântano, a derrota eleitoral e a enormíssima falta de pachorra (absolutamente compreensível) para se manter em funções, decidiu partir.

Como se sabe, os resultados foram dramáticos. Para a Esquerda e para a Direita. Mas sobretudo para a nossa sanidade mental.

Se se recordarem mais um pouco, a teoria do "cartão amarelo" para o governo em eleições autárquicas tem sido defendida em função de se estar no governo ou na oposição. Jorge Coelho já defendeu o princípio do "cartão amarelo" (e mesmo do amarelo alaranjado) e hoje, como se compreende, é um dos seus críticos mais acérrimos. Ainda não vi o dr. Marques Mendes mencionar o "cartão amarelo" mas, seguramente, guarda-o no bolso, esperando pelos resultados. O dr. Mário Soares, por exemplo, antes de se candidatar a Belém, quando era (há apenas três curtos meses) um notório militante anti-Sócrates, também defendeu que o governo, apesar da maioria absoluta, só poderia chegar ao fim caso ganhasse as autárquicas deste fim-de-semana. Não vale a pena enumerar cavalheiros, à direita e à esquerda, que defendem essa teoria.

Por mim, acho-a fraca. Autárquicas são autárquicas e, em função das sondagens que se vão conhecendo, é melhor que não se lancem foguetes para o ar. As coisas estão muito ela-por-ela. Mais do que isso, que é apenas um pormenor, o que interessa às pessoas de Lisboa é rigorosamente indiferente aos eleitores de Felgueiras; de certo modo, é irrelevante para a política nacional saber quem ganha em Vila Nova de Cerveira ou em Alter do Chão, para além de contribuirem para o chamado "total nacional". Aliás, estive recentemente em Vila Nova da Cerveira e permito-me dizer que achei a vila tremendamente simpática e bem organizada (além de se continuar a comer maravilhosamente no As Velhas, já agora). Por mim não mudava quase nada. Ora, numa destas noites de campanha, enfrentei, no centro da vila, duas concentrações simultâneas de militantes enfurecidos que, além de perturbarem a noite tranquila do Minho, reivindicavam a vitória no próximo domingo. Uma das candidaturas gritava, a plenos altifalantes, que tinha chegado a altura de "mudar"; a outra falava em continuar. Não percebi bem porquê, mas isso compreende-se porque não conheço, de perto, os excitantes pormenores da vida autárquica de Cerveira. Em que pode a eleição municipal de Cerveira mostrar-nos o caminho para os resultados nacionais? Em nada. É António Costa um bom ministro? Certamente que sim. Isso bastará para eleger Francisco Assis no Porto? Duvido. É Rui Rio um bom autarca? Sim, seguramente. Se for reeleito, isso significa que o governo falhou na colocação de professores? Não me parece.

2. A vida política precisa de um pouco de racionalidade, evidentemente. De contrário, qualquer um teria o direito de desatar à gargalhada depois de ver Bárbara Guimarães e Carilho distribuindo rosas em Lisboa. Coisas sérias se Isaltino ganhar em Oeiras, se Fátima Felgueiras regressar à câmara, se Valentim Loureiro se mantiver em Gondomar, isso não significa que esse risco de racionalidade foi pisado. Significa, sim, que a justiça andou mal e que não andou a tempo. Podemos indignar-nos, sim, mas a indignação banalizou-se e é conveniente que sejam mesmo os tribunais a tomar as decisões que alguns gostariam de tomar nas ruas. Até lá, aguentem-nos. Votem neles, ou não. É a vida.

Jornal de Notícias - 6 de Outubro 2005