agosto 29, 2005

Fajitas em casa

Sabores mexicanos ao alcance de todos. Isto é simplicidade absoluta, sim senhor. Mas para quê mais?


Lembro muitas vezes os tamales, os generosos tamales de Puebla; os sopes de tortilla estaladiça, picantes, recheados com linguiça e coentro que comi em Tuxtla Gutiérrez, a capital de Chiapas; e aqueles ovos estrelados a pingar manteiga sobre o arroz de tomate e pimento numa taberna nos limites de Coyoacán; o pavo de escabeche com arroz de granados, peru crocante saído do forno, humedecido pelo seu moIho adocicado e acompanhado de arroz de romãs; os fritinhos de milho, de amarelo ocre, do restaurante La Normita, de San Cristobal de las Casas; o assado resplandecente, de cordeiro, comido numa varanda sobre o zócalo ajardinado de Oaxaca, enquanto os bandos de mariachis estacionavam diante da esplanada; a massa estaladiça de chichurrón devorada na praça diante de uma igreja em México DF; a sopa de feijão negro com tiras de milho e fios de queijo, no Las Mañanitas, o mítico restaurante de Cuernavaca, depois de uma peregrinação pelos lugares abandonados de Debaixo do Vulcão, de Malcolm Lowry (a voz do cônsul, a personagem do livro, podia ouvir-se: «Mi casa es su ca­sa...»!); os chapulines refritos (ah!), trincados para acompanhar cerveja gelada; mesmo a comida sofisticada do San Ángel Inn, na ca­pital, ou o ceviche de peixe fres­co, marinhado e picante, na costa do Pacífico, depois de abandonar Guadalajara. Eu podia continuar.

A comida mexicana não tem fim e não se reduz ao complexo texmex, devorado com Coronas tingidas de limão para gosto de quem não sabe o que é uma cerveja verdadeiramente me­xicana (uma Tecate dos bons tempos, uma Pacifico Clara, uma Montejo ou Casta Morena noctívaga); a partir de nada, o pais produz sabores raros, retirados a partir de ervas e molhos suaves, frutos e legumes raros - claro que há também iguanas no for­no, que eu nunca comi nessas viagens - mas, fundamentalmente, aprecio no México essa simplicidade comovente, temperada de limão e coentro. servida à mão, como as fajitas do Norte, o exemplo que lhes trago hoje, e que é um exemplo descomprometido de cozinha igualmente descomprometida, ligeira, suave e sem manias ou erudições.

Em primeiro lugar é necessária uma chapa ou frigideira de ferro, pesada e que nunca tenha passado por detergente. Tenho uma, mexicana de lei que foi usada centenas de vezes e é lavada apenas com agua, um pano limpo e umas gotas de azeite. É nela que sirvo um nadinha de azeite (uma colher de sobremesa apenas), justamente, e deposito os legumes essenciais: rodelas de pimento colorido, rodelas de cebola, um picadinho de coentros muito miúdos. Deixo que tudo acabe por tostar de um dos lados antes de abrir um espaço no centro da frigideira, que é larga e tem de ser agarrada com a ajuda de um pano de cozinha, para aí depositaras tiras de carne de va­ca ou de frango, antes marinadas e que devem frigir com rapidez.
Há duas ideias sobre isso. Uma: que a carne deve ser ape­nas cortada e temperada com sal e pimenta, nada mais; outra, que as tirinhas de carne devem ser cortadas e marinadas durante um tempo (vinho branco, alho, pimentas várias). Siga o que o coração lhe ditar - a cozinha é, também, um grande espaço aberto para o coração e para a tentação. Mesmo que se revele suicida.
Passem, pois, as carnes pela chapa da frigideira de ferro, revolvidas apenas uma vez.
Ao mesmo tempo, as torti­llas devem estar preparadas, apenas com farinha de milho, sal e água - ou compradas já feitas, embaladas e disponíveis para forno microondas; não tenho na­da contra. Ao lado, deve estar preparado o feijãozinho picante, estufado e quase esmagado - nada a ver com os frijoles refritos enlatados: apenas feijão estufado com linguiça, paio, um nadinha de chiles poblanos (pimentos), até quase perder o molho. Estenda-se uma tortilla sobre a mão: depositem-se nela as tiras de carne, os pimentos e as rodelas de cebola, embrulhe-se como um crepe. Coma-se. Isto é sim­plicidade absoluta, sei. Mas para quê mais?

Ingredientes
+ 400 g de carne de vaca (lombo)
+ 2 pimentos verdes
+ 2 pimentos vermelhos
+ 2 cebolas grandes
+ 1 colher de sobremesa de azeite
+ 2 embalagens de tortillas já preparadas para microondas


in Atlas de cozinha - Revista Volta ao Mundo – Setembro 2005