Sangue, suor e lágrimas
Mário Soares acha que "eles" gostam é de sangue. "Eles" são os jornalistas. E "eles" querem é sangue. E por que querem "eles" sangue? Por nada de especial. Porque fazem perguntas. No caso, foi a correspondente da RTP Marcela Petraglia que mencionou o paralelismo entre a amizade com Salgado Zenha e com Manuel Alegre.
Soares acha que isso é "fazer-lhes" um favor, a "eles", aos jornalistas. Ora, o que devem fazer os jornalistas nestas circunstâncias, segundo Mário Soares? Não fazer sangue. Podem fazer sangue em muitas outras circunstâncias, "cumprindo o seu dever cívico", mas não podem - por exemplo - interrogar Soares sobre o paralelismo entre Zenha e Alegre. Isso, que me parece uma pergunta muito pertinente (dado que é bom conhecermos o carácter de um candidato a Belém), é fazer sangue. Mas Soares quer perguntas de alto nível.
O que pensa sobre os oceanos e o aquecimento global, sobre a "magistratura de influência" (uma das maiores banalidades agitadas por pessoas tão banais que são capazes de mencionar a expressão sem desatar a rir), sobre a sua experiência de "animal político", sobre os "poderes do presidente" (mais uma questão inútil, uma vez que estão perfeitamente definidos pela Constituição) e até sobre o papel da América no Mundo.
Seria conveniente que alguém fizesse perguntas sobre o que fez mudar a sua opinião sobre José Sócrates (que tratou de humilhar há uns meses, definindo-o como "o pior" que veio de Guterres, uma espécie de infâmia para a tradição do Partido Socialista). Mas compreendo que isso seria fazer sangue. E isso é o que "eles" queriam, fazendo perguntas.
Mário Soares é uma referência indiscutível e superior da nossa democracia, mas isso não pode servir para impedir que discutam com Soares e que o incomodem. Porque, naturalmente, quem vai à guerra dá e leva. Não há cerimónia; nem venham, depois, "pedir respeitinho".
Sócrates, esse, acha que Soares vem para unir os portugueses e que o Centro e o Centro-Esquerda vão apoiar Soares. Dois sonhos terríveis e catastróficos - para o primeiro-ministro, que não devia convencer-se disso, assim tão rapidamente. Ora, convém dizê-lo, Soares não vem para unir os portugueses vem para dividir e para os dividir claramente. Não se compreenderia de outra forma. Seria ridículo, num homem cujos últimos 50 discursos, antes do anúncio da candidatura presidencial, se destinavam a dividir o Mundo em bons e maus (segundo a sua lógica), que agora se concedesse a si próprio o direito de unir os portugueses, bons e os maus. Sócrates também sabe que Soares não vem unir os portugueses. E, na verdade, não me parece que seja conveniente uni-los. Por mim, dispenso. Unir os portugueses, na perspectiva do actual Mário Soares, não me parece uma ideia risonha e interessante. Para quem votou em Sócrates ou para quem vai votar no PSD, o voto em Soares é uma contradição: são ideias muito diferentes sobre economia, sobre política e sobre questões internacionais. Tão diferentes que esse choque causará problemas. Podemos imaginar a "magistratura de influência" de Soares abrir as portas a tudo o que é contestação ao Governo, apoiando ajuntamentos de rua, manifestações unitárias, congressos vagamente "de reflexão", além de conspirar para mudar o PS e expulsar Sócrates, os herdeiros de Guterres e, agora, de Alegre.
Porque, a verdade é esta se Soares não vem fazer isso, que é o que sabe fazer bem, que vem Soares fazer a estas eleições? É preciso saber. É por isso que os jornalistas, "eles", devem fazer perguntas.
Jornal de Notícias - 29 de Setembro 2005
Soares acha que isso é "fazer-lhes" um favor, a "eles", aos jornalistas. Ora, o que devem fazer os jornalistas nestas circunstâncias, segundo Mário Soares? Não fazer sangue. Podem fazer sangue em muitas outras circunstâncias, "cumprindo o seu dever cívico", mas não podem - por exemplo - interrogar Soares sobre o paralelismo entre Zenha e Alegre. Isso, que me parece uma pergunta muito pertinente (dado que é bom conhecermos o carácter de um candidato a Belém), é fazer sangue. Mas Soares quer perguntas de alto nível.
O que pensa sobre os oceanos e o aquecimento global, sobre a "magistratura de influência" (uma das maiores banalidades agitadas por pessoas tão banais que são capazes de mencionar a expressão sem desatar a rir), sobre a sua experiência de "animal político", sobre os "poderes do presidente" (mais uma questão inútil, uma vez que estão perfeitamente definidos pela Constituição) e até sobre o papel da América no Mundo.
Seria conveniente que alguém fizesse perguntas sobre o que fez mudar a sua opinião sobre José Sócrates (que tratou de humilhar há uns meses, definindo-o como "o pior" que veio de Guterres, uma espécie de infâmia para a tradição do Partido Socialista). Mas compreendo que isso seria fazer sangue. E isso é o que "eles" queriam, fazendo perguntas.
Mário Soares é uma referência indiscutível e superior da nossa democracia, mas isso não pode servir para impedir que discutam com Soares e que o incomodem. Porque, naturalmente, quem vai à guerra dá e leva. Não há cerimónia; nem venham, depois, "pedir respeitinho".
Sócrates, esse, acha que Soares vem para unir os portugueses e que o Centro e o Centro-Esquerda vão apoiar Soares. Dois sonhos terríveis e catastróficos - para o primeiro-ministro, que não devia convencer-se disso, assim tão rapidamente. Ora, convém dizê-lo, Soares não vem para unir os portugueses vem para dividir e para os dividir claramente. Não se compreenderia de outra forma. Seria ridículo, num homem cujos últimos 50 discursos, antes do anúncio da candidatura presidencial, se destinavam a dividir o Mundo em bons e maus (segundo a sua lógica), que agora se concedesse a si próprio o direito de unir os portugueses, bons e os maus. Sócrates também sabe que Soares não vem unir os portugueses. E, na verdade, não me parece que seja conveniente uni-los. Por mim, dispenso. Unir os portugueses, na perspectiva do actual Mário Soares, não me parece uma ideia risonha e interessante. Para quem votou em Sócrates ou para quem vai votar no PSD, o voto em Soares é uma contradição: são ideias muito diferentes sobre economia, sobre política e sobre questões internacionais. Tão diferentes que esse choque causará problemas. Podemos imaginar a "magistratura de influência" de Soares abrir as portas a tudo o que é contestação ao Governo, apoiando ajuntamentos de rua, manifestações unitárias, congressos vagamente "de reflexão", além de conspirar para mudar o PS e expulsar Sócrates, os herdeiros de Guterres e, agora, de Alegre.
Porque, a verdade é esta se Soares não vem fazer isso, que é o que sabe fazer bem, que vem Soares fazer a estas eleições? É preciso saber. É por isso que os jornalistas, "eles", devem fazer perguntas.
Jornal de Notícias - 29 de Setembro 2005
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