setembro 22, 2005

Esquadrões

Na televisão portuguesa, corre agora um programa intitulado "Esquadrão G". O leitor já o viu; eu apenas passei os olhos, ao de leve - conheço outras edições da mesma ideia, em outros países, e não me sobra muito tempo para palermices.

A ideia-base do programa é apresentar um grupo de "gays" que vão transformar a vida e o aspecto de um homem heterossexual, ou seja, transformar a vida e o aspecto de um "alegado grunho", de modo a torná-lo apresentável e decente, ensinando-lhe maneiras e obrigando-o a abandonar "hábitos reprováveis". Este género de palhaçada não constitui novidade no mundo das coisas imbecis, mas os adjectivos costumam chegar-me, descanse o leitor. Ao passar por ser um programa "desmistificador" e "libertador" em relação à condição de "gay", a emissão é, fundamentalmente, um espectáculo prejudicial a essa condição. Não sei se aqueles rapazes são "gays" ou não parecem-me apenas imbecis, amaneirados, aflausinados, ridículos e com muito mau gosto. Limitam-se a prolongar o estereótipo do machão português sobre a "maricagem": uns meneios de ancas, uma provocaçãozinha de corpo, uma ligeira pornografia. Mais nada. Para esta visão reaccionária e fascistóide do mundo "gay", o homem heterossexual é um brutamontes incapaz de recitar dois versos seguidos, provavelmente analfabeto na cozinha, de certeza incapaz de escolher roupa decente e inevitavelmente "insensível". Diante deste modelo absurdo, o "gay" é um modelo de aparentes virtudes: fala com trejeitos e ademanes vagamente franceses, belisca comida japonesa ou tailandesa, morre diante da ideia de ter uns gramas de gordura a mais, além de conhecer produtos de beleza e restaurantes da moda.

Imaginando o "mundo heterossexual" (que é isso?) como um desastre cultural e uma permanente grosseria, esse discurso falsamente "gay" (e que é apenas efeminado e piroso, à semelhança daquela espécie de ser que dá pelo nome de José Castelo Branco), o programa cai na armadilha habitual e limita-se a ser um lugar televisivo onde um grupo de rapazes mascarados de "bichas" interpretam papéis que fazem rir a populaça mais boçal ou indignam gente sem sentido de humor. Uma palhaçada é uma palhaçada.

2. O país vai bem. As manifestações dos militares foram engavetadas. É uma boa notícia. Militares na rua é uma coisa que faz impressão; a mim fazia-me mais impressão em 1975, mas deve ser obsessão pessoal. Estes, de agora, andavam desarmados, mas mesmo assim eram militares. Os polícias também não saem à rua para já. O Estado está salvo e a sua dignidade preservada transformou os oficiais e os polícias em funcionários públicos, mas aplica-lhes o regulamento militar. Há alguma contradição? Nenhuma. O Estado está sempre do lado do bem e da justiça. Veja-se o que faz aos polícias: obriga-os a comprar as próprias fardas e a pagar consertos nas viaturas (o Estado não paga os seguros dos carros, considera-se acima dos cidadãos), mesmo se estão a perseguir meliantes ou a zelar pela ordem pública.

A questão dos militares não devia amolecer-nos. Um militar é um militar; não sou suspeito de simpatia pela classe, mas incomoda-me saber que o Estado optou pela profissionalização dos militares, mas não quer protestos dos seus profissionais. Tal como opta pela profissionalização das polícias, embora não queira nem dignificar-lhes a profissão nem pagar-lhes a rigor. Se os cavalheiros que ocupam esses tão decisivos lugares no aparelho de Estado acham que deixa de fazer sentido a existência de um corpo militar à antiga, então que pague o preço do seu luxo e desembolse em conformidade.

Jornal de Notícias - 22 de Setembro 2005