Tenham medo, muito medo
Toda a gente tem informações privilegiadas sobre o que pensa Cavaco. Só assim se explica que Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Mário Soares se multipliquem em declarações sobre a necessidade de derrotar Cavaco, o único que ainda não é candidato. À esquerda, aliás, vai uma discussão interessante e até académica para determinar se as candidaturas de Louçã e de Jerónimo de Sousa são ou não úteis para que Soares possa derrotar Cavaco logo à primeira volta ou apenas à segunda. Mas o objectivo está definido à partida derrotar Cavaco. Há um imperativo categórico em toda a esquerda moral ou política: derrotar Cavaco. Esse é o objectivo principal. Não há outro, pelo menos que se vislumbre.
Mário Soares, que começou por dizer que Cavaco seria um bom adversário, com quem até gostaria de debater, inclinou-se já para a posição mais radical Cavaco não tem perfil para presidente da República. Ora, quem não tem perfil para presidente a República também não terá perfil para candidato à presidência a República, suponho. Não vale a pena concorrer.
Cavaco mete-lhes medo. Cavaco, que ainda não se apresentou como candidato, é o monstro da democracia. Mais do que isso Cavaco ameaça-a; ele não tem o "perfil humanista" que é necessário para exercer o cargo, não tem atrás de si a corte nem a legenda de intelectuais que fazem de um candidato a Belém um eleito em Belém. Mais: ele sofre desse defeito terrível que transforma um candidato a Belém num monstro sem eira nem beira - sabe economia, a ciência mais desagradável entre todas; ele sabe de finanças, o que até Jesus Cristo recusaria e recusou (invocam-se os poetas quando eles servem para provar o que nos favorece). Cavaco não tem "pedigree". É um homem que habitou a vivenda Mariani, na fantástica Boliqueime algarvia, onde teve o descaramento de nascer.
Estão a rir? Ah, mas isto é o que pensam a esquerda e a direita bem-educadas que vêem no homem de Boliqueime o representante daquele horror que povoou Portugal nos anos 80, distribuindo dinheiro e falando duro, sério, às vezes implacável. Esta ideia de que Cavaco é um simples, uma espécie de Calisto Elói camiliano, que, em vez de sair de Miranda do Douro, sai da sua sala de estar cheia de molduras com recordações familiares, é, evidentemente, falsa. Mas corresponde ao desenho conveniente para que os candidatos do bom gosto enfrentem um Cavaco que não foi escolhido para apresentar, em livro, publicamente, os poemas da sua vida.
Sim, Cavaco é o inimigo a abater, uma espécie de devorador do regime; mesmo que nada nos autorize a citá-lo como o Átila que venha a esmagar as instituições, a Constituição e o regime.
Com esta nova declaração de Mário Soares, a de que Cavaco "não tem perfil", a de que "o gajo" não tem um "perfil humanista", está definido o campo. Ou seja dos três candidatos, com excepção de Francisco Louçã (que falou sobre o assunto), ainda não sabemos o que querem exactamente, a não ser isto: derrotar Cavaco.
Com tantos ataques a Cavaco, mesmo antes de Cavaco Silva aparecer como candidato, de ele dizer ao que vem - se vier -, não sei se não valerá a pena prestar atenção à figura do homem das finanças e saber por que é que ele provoca esta urticária generalizada nas grandes províncias portuguesas. É assim que se constrói uma figura, aliás designando-a antes de ela se tornar visível.
Jornal de Notícias - 15 de Setembro 2005
Mário Soares, que começou por dizer que Cavaco seria um bom adversário, com quem até gostaria de debater, inclinou-se já para a posição mais radical Cavaco não tem perfil para presidente da República. Ora, quem não tem perfil para presidente a República também não terá perfil para candidato à presidência a República, suponho. Não vale a pena concorrer.
Cavaco mete-lhes medo. Cavaco, que ainda não se apresentou como candidato, é o monstro da democracia. Mais do que isso Cavaco ameaça-a; ele não tem o "perfil humanista" que é necessário para exercer o cargo, não tem atrás de si a corte nem a legenda de intelectuais que fazem de um candidato a Belém um eleito em Belém. Mais: ele sofre desse defeito terrível que transforma um candidato a Belém num monstro sem eira nem beira - sabe economia, a ciência mais desagradável entre todas; ele sabe de finanças, o que até Jesus Cristo recusaria e recusou (invocam-se os poetas quando eles servem para provar o que nos favorece). Cavaco não tem "pedigree". É um homem que habitou a vivenda Mariani, na fantástica Boliqueime algarvia, onde teve o descaramento de nascer.
Estão a rir? Ah, mas isto é o que pensam a esquerda e a direita bem-educadas que vêem no homem de Boliqueime o representante daquele horror que povoou Portugal nos anos 80, distribuindo dinheiro e falando duro, sério, às vezes implacável. Esta ideia de que Cavaco é um simples, uma espécie de Calisto Elói camiliano, que, em vez de sair de Miranda do Douro, sai da sua sala de estar cheia de molduras com recordações familiares, é, evidentemente, falsa. Mas corresponde ao desenho conveniente para que os candidatos do bom gosto enfrentem um Cavaco que não foi escolhido para apresentar, em livro, publicamente, os poemas da sua vida.
Sim, Cavaco é o inimigo a abater, uma espécie de devorador do regime; mesmo que nada nos autorize a citá-lo como o Átila que venha a esmagar as instituições, a Constituição e o regime.
Com esta nova declaração de Mário Soares, a de que Cavaco "não tem perfil", a de que "o gajo" não tem um "perfil humanista", está definido o campo. Ou seja dos três candidatos, com excepção de Francisco Louçã (que falou sobre o assunto), ainda não sabemos o que querem exactamente, a não ser isto: derrotar Cavaco.
Com tantos ataques a Cavaco, mesmo antes de Cavaco Silva aparecer como candidato, de ele dizer ao que vem - se vier -, não sei se não valerá a pena prestar atenção à figura do homem das finanças e saber por que é que ele provoca esta urticária generalizada nas grandes províncias portuguesas. É assim que se constrói uma figura, aliás designando-a antes de ela se tornar visível.
Jornal de Notícias - 15 de Setembro 2005
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