Regresso a Espanha
Que haja Galiza, Catalunha, Andaluzia, Castela, Astúrias – é problema deles, dos espanhóis. No Mesón Andaluz, isso não tem grande importância. É tudo bom.
Sou do tempo em que a Parede ainda tinha mais aspecto de "pequena vila" do que hoje – em que mantém felizmente esse aspecto. Ser "do tempo" de seja o que for é muito saudável, ao contrário do que manda a ideologia oficial, que rotula essa expressão como própria de há dois séculos. Nesses anos de "pequena vila", entre o Limo Verde e a Ribeiro, a Casa dos Queques e o Eduardinho (vão lá, para entenderem), o centro da Parede adormecia muito cedo e o Mesón Andaluz, estacionado no primeiro andar de uma rua que descia (ou subia) rente ao mercado local, era um oásis por diversos motivos. Retenho o principal deles: era o restaurante de cozinha espanhola onde se ia comer não apenas o que Ilídio de Almeida apresentava – mas também tudo o que nós imaginávamos que poderia ser a cozinha espanhola, antes das autonomias, dos regionalismos e das suas saborosas diferenças. Era Espanha. E nós tínhamos vivido de costas voltadas para Espanha durante muito tempo. Não nos importávamos com as diferenças entre o tempero andaluz e os pratos suculentos do Norte, conquanto as sevilhanas que se ouviam ininterruptamente nos despertassem para esse mundo de gado, bodegas silenciosas ou festivas, alhambras e planícies, touros e tapas servidas na "barra".
Pessoalmente, a minha adolescência foi passada em terras de fronteira. Desde criança, muito cedo, o espanhol foi a minha segunda língua – e o galego a seguir, uma contingência. Pouco se me dá que não seja correcto dizer "o espanhol" e que eu deva dizer "o castelhano". Problema deles. Espanha, isso sim, interessa-me: dos picos das Astúrias e do seu litoral, ao azul triunfal do Mediterrâneo andaluz ou valenciano, passando pela velha Castela, pelo silêncio devastador da Extremadura, pelas elevações catalãs – é Espanha. O resto é problema deles. Que se entendam.
Volto – numa noite de final de Verão, já tardia – ao Mesón Andaluz, instalado já não na Parede mas no CascaiShopping. A curiosidade pelo "pulpo de feira" da minha adolescência foi satisfeita: rodelas generosas de polvo, macio e sedoso, com umas pedrinhas de sal, colorau e azeite, o zénite de uma simplicidade comovente. Muito bom. O "pulpo de feira" é uma arte que convém realçar porque assenta numa cozedura simples do polvo, que deve conservar a sua pele gelatinosa, ser cortado dose a dose, e o único tempero permitido é esse: sal, colorau e azeite. Por menos do que isso, uma personagem de Fernando Assis Pacheco tornou-se assassina, se bem que preferisse as "empanadas" no forno. Torradinhas, mexilhões e calamares vieram a seguir. Outro aplauso. Os calamares, sem aquela gabardina obesa e desnecessária que vemos por aí, apenas passados no ligeiro polme de farinha e fritos em óleo claríssimo, perfeitos. São cerca de quarenta tapas suculentas, amostra da cozinha de "barra" e das suas possibilidades, desde as pataniscas de gambas ao presunto cortado como convém e é exigível, dos pimentinhos Padrón às saladas e almôndegas.
Abreviemos. Veio então a empada de perdiz: a massa estava estaladiça e saborosa, os legumes salteados sabiam a legumes, o recheio de perdiz era generoso, estava "de chuparse los dedos". Um bife inteiro e carnívoro afastou-nos por instantes do convívio com os mortais, porque rescendia e conservava todos os sucos. Umas costeletas de cordeiro encaminharam-se então para a nossa mesa, pezinho ante pezinho, arrastando batatinhas salteadas. Não houve tempo para 'callos a Ia madrilena', para uma favada, para uma paelha ou para o 'cochinillo' – há tempo. Nas sobremesas, eu sou conservador e tinha saudades das 'natillas' do Mesón: estavam iguais, perfeitas, cremosas, desenhadas naquele amplo prato cheio de promessas.
Por instantes, voltei aos meus sabores ibéricos de outros tempos. Diz-se que o amor adolescente é feito de repetições, do regresso ao mesmo lugar; talvez – já não me lembro. Mas se isso é verdade, e falando de estômago, o Mesón continua a ser esse lugar. Ah, esquecia-me: e com uma carta de vinhos que sugere a união ibérica, fantástica.
À Lupa
Vinhos: * * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * * *
Mesa: * * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 316
Vinhos brancos: 56
Espumantes & Champanhes: 16
Aguardentes portuguesas: 114
Colheitas tardias e moscatéis: 14
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 24
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: fácil, no Shopping
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: não é necessária
Preço médio: 20 Euros
MESÓN ANDALUZ
CascaiShopping, loja 1089 - Alcabideche
Tel. 214 600 659
Não encerra
in Revista Notícias Sábado – 6 Outubro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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