setembro 17, 2007

Computadores na escola

Uma das grandes apostas deste governo em matéria de educação é a entrega de computadores nas escolas. Uma série comovente de reportagens televisivas e fotográficas mostra o primeiro-ministro e a ministra da Educação entregando portáteis a escolas igualmente comovidas e agradecidas. A generalidade das pessoas acredita, piamente e cheia de boa-fé, que este é um passo decisivo para a melhoria do aproveitamento escolar e para que o país mostre níveis superiores de rendimento científico.

Longe de mim criticar a iniciativa. O conhecimento da rede (net), o seu manuseamento, o trabalho de pesquisa, o incentivo à partilha de informação cosntituem valores modernos e essenciais – e, certamente, um passo para a democratização do acesso à informação. Simplesmente, ao mesmo tempo que os computadores são entregues nas escolas, ao mesmo tempo que a sua vulgarização é apadrinhada pelo próprio ministério da Educação, é necessário criar alguns mecanismos de defesa. E uma série de aversativas não é prejudicial; convém estarmos avisados.

Suponho que qualquer um tem o direito de duvidar sobre o argumentário novitecnológico que está a ser usado. Por exemplo, aquele que dizia “às vezes os professores desenhavam um losango e não se percebia muito bem, porque não tinha jeito para o desenho; agora, com computador, está tudo resolvido”. Deixamos de usar a mão, de apreender “o processo”, de esperar pelo desenho – tudo aparece no computador; é uma gravíssima perda antropólogica. Como já deixámos de convencer os meninos a estudar a tabuada e a exercitar a memória. É hoje frequente ver alunos do 9.º ano de escolaridade incapazes de efectuar operações matemáticas simples sem o apoio de calculadoras – somar, multiplicar, dividir, subtrair.

Há uma excessiva preocupação com “o aspecto que as coisas têm” e a facilidade com que se estuda. Pode haver erros de percurso sérios se não mostramos que “o aspecto que as coisas têm” é resultado de um longo processo de maturação e de experiência, de tentativas e de erros; da mesma forma, estudar não é fácil – implica participar nesse processo de tentativas, erros, sacrifícios (não ir ao cinema para ficar a praticar equações), coisas absurdas (decorar fórmulas essenciais, como a tabuada, os elementos químicos, as declinações – ou seja, as ferramentas). Ou seja, pode haver recompensas. Recompensas imediatas, por que não? Mas a recompensa pode ultrapassar a dimensão de prazer puro – pode significar que se ultrapassou um ritual de iniciação (ao conhecimento dos números, da métrica ou das dinastias).

Grande parte destas guerras estão perdidas (por exemplo, a utilização de calculadoras no Básico, onde fazer cópias, ditados e decorar a tabuada é crime). Por isso, a fase seguinte, a utilização de computadores portáteis para os trabalhos escolares deve, simplesmente, ser acautelada. 1) A net fornece o melhor e o pior, o erro e o verdadeiro, o complexo e o lugar-comum; ver multidões de alunos a plagiar a Wikipédia e dados incorrectos dos blogues não me parece um avanço. 2) A pesquisa na net substitui, para todos eles, a frequência dos livros e das bibliotecas, bem como a leitura dos textos originais; 3) A proximidade entre a “pesquisa” na net e o mundo lúdico e desviante da internet pode constituir um perigo fatal: é como procurar dados sobre “estudo do meio” e, ao mesmo tempo, entrar no MSN. 4) A promiscuidade entre aquilo que é trabalho e aquilo que é jogo e divertimento acaba por prejudicar, naturalmente, o que é trabalho. 5) É fácil plagiar na internet; a maior parte dos trabalhos escolares que eu vi não passa de um conjunto de cópias descaradas de patetices, e os professores vão perder muito do seu tempo a detectar esses plágios (eu sei que basta o Google...).

Seria interessante ouvir os professores. Eles sabem mais do que os “técnicos de educação”.

in Jornal de Notícias - 17 Setembro 2007

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