setembro 15, 2007

Um homem de sorte

1. No meio do ruído que se gerou à volta do pequeno sopapo que Scolari queria dar a Dragutinovic e que foi uma espécie de “toca-e-foge”, há um silêncio estranho em torno do mais importante: o jogo contra a Sérvia. Foi um mau jogo, com arbitragem de Merk e futebol de merda (quase rima, como se vê). Scolari teria razões de queixa. Contra o fora-de-jogo que resultou no golo sérvio; contra Ricardo; contra Nuno Gomes; e, sobretudo, contra ele próprio, que repetiu quase todas as asneiras do jogo contra a Polónia, juntando ainda o facto de o jogo com a Sérvia ser quase decisivo. Ele é um homem de sorte.

2. Dragutinovic, que ia tirar satisfações de Quaresma, levou porque a vida correu mal a Scolari; infelizmente, quando a nossa vida corre mal ninguém nos fornece sérvios para lhes administrarmos sopapos. Scolari tem essa sorte. Já antes lhe tinham servido jogadores e jornalistas, que esmurrou com determinação. Às pessoas normais ninguém jogadores ou jornalistas para espancar. Ele é um homem de sorte.

4. Mas eu repito: o que me interessa é que a selecção jogou um futebol profundamente asno. E, nisso, Scolari está com azar. Porque o culpado é ele. Se ficar na selecção, espero que mude. Já mudou antes: depois de perder com a Grécia no Dragão, com aquele futebol de garagem, teve de mudar. Mas o futebol de garagem voltou entretanto e ninguém deu um sopapo a Scolari. É um homem de sorte.

4. Levantou-se uma onda de indignação contra Scolari e, nos fóruns das rádios, o povo – que o aclamara como herói – desatou a pedir a sua demissão urgente, “por causa dos símbolos nacionais”, do “espírito desportivo”, das “cores da bandeira” e do “fair play”. Já na semana passada, nesta coluna, eu previra que uma vasta multidão de ex-namoradinhos de Scolari iria aparecer a pedir-lhe a cabeça, o cargo e o resto de juízo. Lá apareceram. Aviso desde já: sou contra. Que queiram puni-lo por defender um futebol asno, já vêm atrasados. Mas que queiram castigá-lo por motivos destes, entregando-o a Javier Clemente (outro asno), à UEFA e aos patetas da ordem, não contem comigo; um seleccionador nacional existe para o podermos criticar permanentemente e para lhe encontrarmos defeitos e vícios insuportáveis; é nosso e faz-nos jeito. Entregá-lo por causa das “cores nacionais” e do “desgraçadinho do sérvio”? Não. Queremo-lo cá para lhe aplicarmos sarrafadas. Mas só nós. Seremos brandos, ficaremos por uns carolos no cocuruto. É um homem de sorte.

5. Scolari tem falhado jogo sobre jogo e a culpa é dele. Não acompanha os jogos dos clubes e a culpa é dele. É teimoso como um burro e a culpa é dele. Se querem despedi-lo por causa disto, falemos sobre o assunto.

in Topo Norte – Jornal de Notícias – 15 Setembro 2007

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