Lua cheia
O Mezzaluna é um dos bons restaurantes italianos de Lisboa. Gentil, bem-educado, 'cool', com talento e respeito.
Já se sabe que não sou fundamentalista à mesa; apenas mantenho os princípios que me parecem ser os mais agradáveis. Deixem-me ser um nadinha "autobiográfico": um desses princípios a que não ligo tem a ver com a presença do vinho à refeição. Por exemplo: sentemo-nos diante de um bacalhau com grão. "Vai tomar vinho, evidentemente." Ou prostremo-nos, em adoração, diante de um cabrito no forno, um dos pontos de excelência da nossa cozinha: "E o vinho, tinto, vai ser qual?" Não mencionemos, já, esse truque de nos oferecer vinho tinto como se fosse o único que existe (sabemos, "vinho é tinto", frase fantástica num país que já produz muito bons vinhos brancos). Ora, independentemente do gosto por vinhos, acontece comigo que a comida italiana, ou as pastas, sobretudo, me levam a beber vinho tinto. Há entre uma coisa e outra uma ligação certamente fortuita na minha memória visual ou gustativa (e que suspeito que tem, também, a ver com o cinema), que me leva a associar um vinho tinto para as massas suculentas.
No Mezzaluna caí na tentação – e fiz bem, porque as massas são boas, porque a cozinha não tem arrebiques nem arrogâncias, porque o ambiente é bonito, porque, enfim, se come muito razoavelmente e porque, ao conhecer esta cozinha, somos transportados para o universo de um 'chef pouco pretensioso, viajante, com raízes napolitanas e nova-iorquinas (entre Itália e Long Island), capaz do mais simples e do mais atrevido. Não há, na verdade, muita complexidade – basta qualidade e espírito crítico, inteligência e atrevimento. São esses factores que estão presentes na escolha ou do 'penne' com 'radicchio', alho, porco preto e vinagre balsâmico, ou da incursão lusitana da farinheira que recheia as coxinhas de frango.
A generalidade dos cozinheiros estrangeiros tenta sempre uma aproximação à cozinha portuguesa, o que resulta muito bem quando se trata de provar o cosmopolitismo da nossa cozinha "mais mediterrânica", ou mais vinda do sul; Michele Guerrieri abstém-se de dar lições nessa matéria, preferindo deter-se na vasta gramática, também ela mediterrânica e levantina, da cozinha da sua infância e adolescência, com a contribuição do talento para inventar e dispor os ingredientes. Tanto nos rolinhos de beringelas recheadas com queijo como nos 'penne all’ arrabbiata' com cogumelos se nota essa fusão (essa sim, verdadeira fusão) entre a memória e a experiência, entre o cânone e a vontade de agradar sem fugir à obrigação de uma cozinha séria, feita de alguma exigência. Já dei exemplos dessa simplicidade e desse talento – para mim, o suficiente. Mas convém recitar mais um pouco dessas sugestões do Mezzaluna, como as folhas de alho francês recheadas de morcela de arroz, mozarella e tomate com grelos salteados, o peito de pato com molho de ameixas, a costeleta no forno, os medalhões de lombo, e os excelentes risotos, que recomendo; alguns deles são um primor de preparação e de condimento, de textura e daquela pastosidade cheia de pecado, queijo e tentação (peça aqueles que mais vão com o seu estômago e paladar, e não se arrependerá). Os risotos permitem invenções quase delirantes (recentemente, no Fasano, em São Paulo, assisti ao delírio de uma carta que apresentava exemplares de abóbora com linguiça, de feijão com fios de carne-de-sol, ou de espinafres com enchidos do Venetto, todos eles excelentes).
Finalmente, duas palavras para o essencial da sala, não sem mencionar uma carta de vinhos plausível e correcta, e uma lista de sobremesas onde o chocolate e o tiramisu se podem aplaudir. A sala é simples, como a cozinha do Mezzaluna; e, tal como a cozinha do Mezzaluna, é bonita, 'cool', de tons suaves, e apetitosa. Depois, a clientela é vasta; às vezes, não merece o lugar, porque pode ser ruidosa. A culpa não é de Guerrieri nem do Mezzaluna, mas da cidade, que é assim. Vale a pena o sacrifício.
À Lupa
Vinhos: * * *
Digestivos: * * *
Acesso: * * *
Decoração: * * *
Serviço: * * *
Acolhimento: * *
Mesa: * * *
Ruído da sala: * * *
Ar condicionado: * * *
Garrafeira
Vinhos tintos: 64
Vinhos brancos: 23
Colheitas tardias, moscatéis e aperitivos: 8
Portos & Madeiras: 20
Uísques: 14
Outros dados
Charutos: não
Estacionamento: difícil
Levar crianças: sim
Área de não fumadores: não
Reserva: necessária
Preço médio: 25 Euros
MEZZALUNA
Rua Artilharia 1, n.º 16
1099-061 Lisboa
Tel. 21 3879944
Encerra aos domingos e sábados ao almoço
in Revista Notícias Sábado – 13 Outubro 2007
Etiquetas: Restaurantes
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