"Fascismo nunca mais"
O episódio da Covilhã merece mais do que reflexão; merece um nadinha de riso. Certamente que não estão de todo explicadas as inconvenientes regras do relacionamento interpessoal entre os sindicalistas a os polícias locais, que parece terem optado, há muito, por manter uma certa informalidade no modo como combinam os espaços para cada uma das entidades: os sindicatos fazem os seus protestos e organizam as suas manifestações de acordo com uma lei restritiva e “repressiva” promulgada por um dos governos de Vasco Gonçalves, e a polícia mantém-se no seu lugar ou, pelo menos, avança dois ou três passos inofensivos.
Seja como for, não parece “legal” que os agentes da autoridade, no seu caminho para a Câmara da Covilhã, a pé, paulatinamente, se tenham decidido por uma paragem na sede do sindicato para beberem um café e trocarem umas palavras sobre a anunciada e prometida manifestação de protesto contra o primeiro-ministro. Mas é assim que as coisas se passam; na Covilhã e em outros lugares portugueses. Em declarações publicadas pela imprensa, uma testemunha dos factos insistiu nessa informalidade: “A Covilhã é uma cidade pequena, toda a gente se conhece.” Em Portugal também. Os polícias devem ter avisado os seus conhecidos do sindicato: “Vejam lá, não desatem a insultar o primeiro-ministro, isso só dá problemas.”
Para os responsáveis do sindicato, como para alguns constitucionalistas citados a propósito, o aviso revestir-se-ia de algum condicionamento da liberdade de expressão dos sindicalistas que aguardavam o primeiro-ministro à porta da escola Frei Heitor Pinto. Eles não deveriam ter sido avisados. Fiquemos por aí, porque é comovente.
É evidente que há sempre a história de Pedro e o Lobo. Ao fim de alguns alarmes, que se revelaram falsos, ninguém acreditava que vinha aí o lobo a sério. Com o caso da Covilhã passa-se coisa semelhante. Os manifestantes gritaram “fascismo nunca mais”, pretendendo aludir às ameaças à liberdade de expressão e de manifestação. Em Lisboa, durante essa manhã, políticos da oposição e dirigentes sindicais ocuparam os fóruns da rádio e as páginas da internet clamando alto e bom som contra a ameaça. A liberdade estaria em perigo e era preciso ir para a rua; no mínimo, subir à serra para combater na Covilhã. Cavalheiros que consideram Cuba um prodígio de democracia pluralista e que têm a Coreia do Norte na conta de um regime democrático, ou que acham que na Venezuela não se passa nada (é apenas o “socialismo do século XXI”), apareceram na televisão a bradar contra “a ameaça” que estaria a sitiar os sindicalistas da Região Centro.
Desculpem regressar à história de Pedro e o Lobo, mas é semelhante. O caso da Covilhã não tem a ver com o procedimento vergonhoso da directora da DREN (a tal que atende denúncias por SMS e vigia blogues e jornais), que deveria ter sido desautorizado pelo primeiro-ministro ou, pelo menos, por um ministério da Educação envergonhado. É um caso de província devidamente aproveitado pelo sindicato. A “grave intimidação” não passou de uma novela de costumes provinciana, tal como a situação de José Rodrgues dos Santos é bem capaz de não atingir a condição de escândalo – e de se ficar por um combate de egos desavindos.
No fundo, o desenlace é risível e constitui uma quase derrota dos que se preocupam com a causa da liberdade de informação, de expressão e de opinião. A história deste protesto fica com um ar folclórico. O que se fez foi aproveitar justas e fundadas preocupações sobre a tomada do aparelho de Estado por diligentes denunciantes e pequenos inquisidores, para valorizar a acção dos profissionais do protesto. É uma pena. Eles nunca aprenderam nada com a história de Pedro e o Lobo.
in Jornal de Notícias – 15 Outubro 2007
Seja como for, não parece “legal” que os agentes da autoridade, no seu caminho para a Câmara da Covilhã, a pé, paulatinamente, se tenham decidido por uma paragem na sede do sindicato para beberem um café e trocarem umas palavras sobre a anunciada e prometida manifestação de protesto contra o primeiro-ministro. Mas é assim que as coisas se passam; na Covilhã e em outros lugares portugueses. Em declarações publicadas pela imprensa, uma testemunha dos factos insistiu nessa informalidade: “A Covilhã é uma cidade pequena, toda a gente se conhece.” Em Portugal também. Os polícias devem ter avisado os seus conhecidos do sindicato: “Vejam lá, não desatem a insultar o primeiro-ministro, isso só dá problemas.”
Para os responsáveis do sindicato, como para alguns constitucionalistas citados a propósito, o aviso revestir-se-ia de algum condicionamento da liberdade de expressão dos sindicalistas que aguardavam o primeiro-ministro à porta da escola Frei Heitor Pinto. Eles não deveriam ter sido avisados. Fiquemos por aí, porque é comovente.
É evidente que há sempre a história de Pedro e o Lobo. Ao fim de alguns alarmes, que se revelaram falsos, ninguém acreditava que vinha aí o lobo a sério. Com o caso da Covilhã passa-se coisa semelhante. Os manifestantes gritaram “fascismo nunca mais”, pretendendo aludir às ameaças à liberdade de expressão e de manifestação. Em Lisboa, durante essa manhã, políticos da oposição e dirigentes sindicais ocuparam os fóruns da rádio e as páginas da internet clamando alto e bom som contra a ameaça. A liberdade estaria em perigo e era preciso ir para a rua; no mínimo, subir à serra para combater na Covilhã. Cavalheiros que consideram Cuba um prodígio de democracia pluralista e que têm a Coreia do Norte na conta de um regime democrático, ou que acham que na Venezuela não se passa nada (é apenas o “socialismo do século XXI”), apareceram na televisão a bradar contra “a ameaça” que estaria a sitiar os sindicalistas da Região Centro.
Desculpem regressar à história de Pedro e o Lobo, mas é semelhante. O caso da Covilhã não tem a ver com o procedimento vergonhoso da directora da DREN (a tal que atende denúncias por SMS e vigia blogues e jornais), que deveria ter sido desautorizado pelo primeiro-ministro ou, pelo menos, por um ministério da Educação envergonhado. É um caso de província devidamente aproveitado pelo sindicato. A “grave intimidação” não passou de uma novela de costumes provinciana, tal como a situação de José Rodrgues dos Santos é bem capaz de não atingir a condição de escândalo – e de se ficar por um combate de egos desavindos.
No fundo, o desenlace é risível e constitui uma quase derrota dos que se preocupam com a causa da liberdade de informação, de expressão e de opinião. A história deste protesto fica com um ar folclórico. O que se fez foi aproveitar justas e fundadas preocupações sobre a tomada do aparelho de Estado por diligentes denunciantes e pequenos inquisidores, para valorizar a acção dos profissionais do protesto. É uma pena. Eles nunca aprenderam nada com a história de Pedro e o Lobo.
in Jornal de Notícias – 15 Outubro 2007
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