outubro 20, 2007

Camacho, Deco e as pessoas normais

1. José António Camacho deu uma entrevista enigmática ao "Mais Futebol" para tentar esclare­cer as massas sobre as intenções e as incógnitas do Benfica, ou seja, a sua participação na Champions e a conquista do campeonato. No fundo, Camacho é uma das principais vítimas do Benfica e merece que tenhamos alguma pena dele. Ou que tentemos com­preender a sua angústia: regres­sado ao Benfica depois de um pe­ríodo feliz (ganhou uma Taça, o que não foi mau para o clube), nunca se viu tão pouco entusias­mo e tão pouca fé. A prova é que ele não consegue explicar desai­res nem justificar empates senão com o argumento mais conve­niente a qualquer clube de bairro: "A bola não entrou." Há muito tempo que ninguém era tão ho­nesto no futebol português por­que, como se sabe, só se ganham jogos quando há golos, e só há golos quando a bola entra na bali­za dos adversários. Por isso, quando Luís Filipe Vieira apareceu a manifestar apoio a Camacho, este quase se indignou e esclare­ceu que não precisava de apoios de ninguém. Como o compreen­do. Não é ele a precisar de apoio: é a bola que precisa de solidarieda­de. Essa bola nefanda e orgulhosa que não entra na baliza. Aí está como tudo se explica, afinal. Apoiem a bola, e ela acabará por entrar.

2. Porque é que Camacho é vítima do Benfica? Porque, habituado a ser campeão em Julho e Agosto, antes de o campeonato começar, o Benfica estranha que a bola não cumpra logo a sua obrigação des­de a primeira jornada, confirmando o seu direito natural a obter o troféu sob os aplausos da pátria inteira. Isto, como qualquer "pessoa nor­mal", Camacho não entende. Ele julgava que era preciso trabalhar, formar uma equipa, jogar bem. Mas não. Parece que agora a estratégia é fazer filmes, queixar-se na Imprensa, pôr-se em bicos de pés, evocar as glórias e ocupar as pri­meiras páginas do "Record" e de "A Bola" (o que é facílimo); isso dá di­reito ao campeonato. Camacho não entende esta evidência. Em Portugal, parece um marciano.

3. Deco, afirmou anteontem que os jogadores de futebol tinham o direi­to de sair à noite e de se divertirem "como as pessoas normais". Que, como quaisquer funcionários de uma empresa, tinham o direito de andar pela noite desde que, às nove da manhã, estivessem no seu local de trabalho. Tenho muitas dúvidas. Quando uma equipa ganha os jo­gos, nenhum adepto no seu pleno juízo está disponível para protestar; ao primeiro empate, todos são tes­temunhas do desvario dos noitibós. Portanto, Deco tem razão no es­sencial e falha redondamente no essencial, ao mesmo tempo. Aliás, jogador com juízo não devia co­mentar o assunto. Eles não são "como as pessoas normais".

In Topo Norte – Jornal de Notícias – 20 Outubro 2007

Etiquetas: